É garantido o direito de nome ao nascituro

Nome ao Natimorto

Ao nascituro que nasce sem vida, feto que falece no interior do útero ou no parto, como tal havido natimorto, após uma gestação superior a vinte semanas, não é dado alcançar direito personalíssimo ao nome e sobrenome. Cumpre-se somente o registro do óbito fetal, em livro próprio – “C-Auxiliar” (Lei nº 6.015/73, art. 53), com indicação dos pais, dispensado o assento de nascimento. O filho, já esperado pelo nome que lhe seria dado, torna-se apenas o registro do feto que feneceu como sombra de si mesmo e feto, enquanto tal, por não ter vindo à luz com vida, mesmo que por mínima fração de tempo.

Embora comece do nascimento com vida a personalidade civil da pessoa (art. 2º, Código Civil), certo é, porém, que desde a concepção são ressalvados os direitos do nascituro, como a alimentos, dispondo este, por isso, de uma personalidade jurídica formal. Em período inferior de gestação, onde se tem ocorrente o aborto espontâneo ou o induzido – caso diverso ao natimorto – sequer é exigido registro de óbito.

Pois bem. Essa espécie de mortalidade tem se constituído em evento jurídico a exigir novas atuações da doutrina, dos tribunais, da legislação e de políticas públicas de saúde, quando cerca de 3,3 milhões de crianças, a cada ano, no mundo, são natimortos, com morte intra-uterina nos três últimos meses de gestação.

Nomeadamente são postas questões novas, a exemplo: (i) o feto anencéfalo é um natimorto cerebral; (ii) “a proteção que o Código Civil confere ao nascituro alcança o natimorto, no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura” (Enunciado nº 01, da I Jornada de Direito Civil – CJF-STJ,11-13/09/2002) e (iii) existe o direito de os pais registrarem os filhos natimortos com nome e sobrenome.

No ponto, a identificação do natimorto se apresenta como a possibilidade de exercerem os pais a atribuição de nome ao filho nascido sem vida. Neste sentido, revisão normativa da Corregedoria Geral de São Paulo (estado que registra cinco mil natimortos por ano) empreendida ao seu Código de Normas de Serviço (Cap. XVII, Tomo II, item 32), cuidou de facultar o direito de atribuição de nome ao natimorto, sem necessidade de duplo registro (nascimento e óbito).

De tal permissivo administrativo, em março passado, o casal Elias Germano Lúcio e Vanessa Gomes Lúcio, perante o cartório de Barueri (SP), efetivou o registro de sua filha natimorta Sara, dando-lhe o nome escolhido que em vida usaria. Primeiro casal brasileiro a levar a registro de óbito o nome da filha que não nasceu e que nada obstante “concepto não nascido”, houve-se assim por identificada, certo que em nascida com vida haveria de usá-lo, com seu alcance personalíssimo.

Nessa mesma linha, recente projeto de lei – PL nº 5.171/2013 -, de autoria do deputado Ângelo Agnolin, altera a redação do parágrafo 1º do art. 53 da Lei 6.015 (Lei dos Registros Públicos), para no caso de ter a criança nascido morta, ser o registro feito em livro próprio, “com os elementos que lhe couberem, inclusive o nome e o prenome que lhe forem postos” (NR). A inserção adverbial “inclusive” significando “também”, afasta qualquer controvérsia acerca dos elementos registrais cabíveis.

Nesse aspecto, em 25 de outubro de 2007, o desembargador gaúcho Rui Portava, da 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em voto vencido no julgamento da Apelação Cível nº 70020535118 divergia por já entender que “em nenhum momento a lei determina que o registro a ser assentado no Livro C Auxiliar não possa fazer menção ao nome que os pais haviam escolhido para a criança”.

E acentuava, com precisão, que a lei diz apenas que o registro fará referência aos “elementos que couberem”, “mas não explicita quais são e quais não os cabíveis”. De fato. Como destacado na doutrina adiantada de Teixeira de Freitas, por ele referida, “as pessoas por nascer existem, porque, suposto não sejam ainda nascidas, vivem já no ventre materno”.

Então, desde a concepção e durante a vida intra-uterina, a criança por nascer não será uma mera perspectiva de filho, mas uma pessoa a chegar, com personalidade jurídica de fato, tendo direito a um nome. O filho gestado significa o projeto parental já alcançado, de tal modo que, por isso mesmo, o nascituro já recebe dos pais um nome. Isso é fato que tem sido recorrente, a tanto que é preparada a sua chegada pondo-se-lhe o nome que o representa. Mas não é só.

A fragilidade emocional de pais de natimortos, que lidam com o luto, vulneráveis pela perda do filho, mães de mãos vazias, parturientes de parto inútil, compõem uma realidade de vida que não pode deixar de ser percebida pela ordem jurídica. Isso já acontece, em alguns Estados, com benefícios de licenças-maternidade para mães servidoras que sofreram aborto ou parto natimorto, a fim de que o retorno ao trabalho somente ocorra quando atenuados os graves danos emocionais decorrentes da gravidez interrompida e da perda da criança.

Urge, portanto, melhor proteção jurídica ao natimorto e aos seus pais, nessa condição, a exemplo da liberação célere do corpo e sua entrega à família; os benefícios estatutários, o acompanhamento psicológico pós-trauma, as medidas protetivas de amparo e, sobretudo, do direito ao nome ao natimorto. Mais que urgente, também se apresenta, a retificação dos assentos de óbito de natimortos, lavrados sem nome, se assim os seus pais requererem (art. 110, lei nº 6.015/73).

Inegavelmente, há um luto social diante do natimorto, filho dos pais que não o tiveram, e futuro cidadão que a sociedade não o recebeu. Esse luto tem, por certo, relevância jurídica, não resumida ao fato registral e estatístico. Essa questão foi posta em projeto de pós-graduação de Mariana Undicattti Barbieri Santos, Oficial de Registro Civil de Ribeirão Bonito (SP), o que inspirou o normativo da Corregedoria de Justiça paulista.

O nome ao natimorto é, afinal, um direito humanitário, no seu espectro mais denso. Na palavra de Rui Portanova, bem é certo que, omitir o nome representa, “uma crueldade para com os pais, que já passaram pelo traumático evento da criança morta, e não precisam passar por uma segunda “morte” do filho, desta vez causa pelo desprezo da ordem jurídica.”

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JONES FIGUEIRÊDO ALVES – o autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Assessorou a Comissão Especial de Reforma do Código Civil na Câmara Federal. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJPE | 02/08/2013.

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TJSP: Retificação de registro – Retorno ao nome de solteira – Possibilidade

EMENTA

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO – RETORNO AO NOME DE SOLTEIRA – POSSIBILIDADE – Autora casou-se e adotou o nome do marido – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – Motivo justificado para o retorno ao nome de solteira (identificação em publicações científicas) – Inexistência de prejuízo à identificação da Autora na sociedade – RECURSO DA AUTORA PROVIDO, para a retificação do nome. (TJSP – Apelação Cível nº 0317476-66.2009.8.26.0000 – Piracicaba – 2ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Flavio Abramovici – DJ 21.06.2013)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0317476-66.2009.8.26.0000, da Comarca de Piracicaba, em que é apelante CRISTIANE PAIVA CORTINOVI, é apelado O JUIZO.

ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, para acolher o pedido inicial, com a retificação do nome da Autora para Cristiane Paiva de Jesus (que torna a usar o nome de solteira), expedindo-se ofício/mandado ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (na Vara de origem). V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES (Presidente sem voto), ALVARO PASSOS E GIFFONI FERREIRA.

São Paulo, 23 de abril de 2013.

FLAVIO ABRAMOVICI – Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela Autora contra a sentença de fls.21/23, prolatada pelo I. Magistrado Lourenço Carmelo Tôrres, que julgou improcedente o pedido de retificação de registro civil.

Alega que se casou e adotou o patronímico do marido; que pretende voltar a usar o nome de solteira; que possível a modificação, que não causará prejuízo para terceiros e conta com a anuência do seu esposo (fls.27/31).

Parecer da Procuradoria de Justiça pelo provimento do recurso (fls.48/51).

Os autos foram redistribuídos (por processamento eletrônico) a este Magistrado e recebidos em 22 de maio de 2012 (em razão de determinação do Presidente da Seção de Direito Privado expediente número 204/2012).

É a síntese.

VOTO

O nome atribuído à pessoa física (composto pelo prenome e sobrenome), em razão do interesse público existente na identificação de cada indivíduo, está sujeita à regra da imutabilidade (artigo 58 da Lei número 6.015/73).

Existem exceções a essa regra, “permitindo-se alteração igualmente regulamentada, como a aposição de prenome ridículo; equívoco no registro; erro de grafia; prenomes ou nomes idênticos (caso de gêmeos); possibilidade no primeiro ano após atingir a maioridade; tradução; adoção; e nome do estrangeiro”[1].

A Autora casou-se e, adotando o patronímico do marido, passou a se chamar Cristiane Paiva Cortinovi (certidão de casamento a fls.07). Pretende, por meio desta ação, voltar a se chamar Cristiane Paiva de Jesus.

O pedido conta com a anuência do marido (fls.19).

A Autora afirma necessário o retorno ao nome anterior porque publicou artigos científicos com o nome de solteira, e que a modificação de seu sobrenome prejudica sua identificação como autora dos artigos, o que é demonstrado pelos documentos de fls.37/38.

Ademais, ao que consta, a Autora não promoveu a modificação de seus documentos de identificação pessoal que ainda contêm seu nome de solteira (fls.08) de modo que o acolhimento do pedido não causa prejuízo à identificação da Autora na sociedade.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para acolher o pedido inicial, com a retificação do nome da Autora para Cristiane Paiva de Jesus (que torna a usar o nome de solteira), expedindo-se ofício/mandado ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (na Vara de origem).

FLAVIO ABRAMOVICI – Relator.

Nota:

[1] AMORIM, José Roberto Neves e AMORIM, Vanda Lúcia Cintra. Direito ao Nome da Pessoa Física. Editora Elsevier. 1ª ed., 2010.

Fonte : Assessoria de Imprensa da ARPEN/SP | 27/06/2013.

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Senado aprova projeto que obriga cartórios a respeitarem nomes indígenas

Brasília – A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou hoje (12) projeto do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) que estabelece a obrigatoriedade de os cartórios respeitarem os prenomes escolhidos pelos indígenas no momento do registro das crianças. O projeto retira dos oficiais de cartório, neste caso, o direito que eles têm por lei de se recusarem a registrar uma criança com nome que considere vexatório ou com risco de expor o portador ao ridículo no futuro.

“O tratamento legal dispensado aos índios deve ser diferenciado em razão de sua cultura, que acentua valores da natureza e os aplica aos nomes dos filhos. A etnia também conta, pois é honra entre índios atribuir ao filho o nome de um antepassado”, justifica o senador no projeto.

Cristovam Buarque diz que muitos dos nomes indígenas acabaram sendo assimilados de maneira definitiva pela cultura brasileira. É o caso dos nomes femininos de Andiara, Iara e Moema, ou dos masculinos de Ubirajara, Tabajara ou Irapuã.

O senador alega que, apesar disso, há outros nomes menos conhecidos e que, por terem pronúncia difícil, podem ser barrados nos cartórios. São os casos de Kraó, Aaem, Sassanaam e Murusuru. “Esses nomes têm valor especial para os integrantes do grupo ou da etnia, e não deve a lei proibi-los, como faz relativamente às pessoas de cultura não índia”, diz a justificativa do projeto.

O projeto foi aprovado anteriormente na Comissão de Direitos Humanos, onde recebeu uma emenda de redação. Na CCJ, a matéria recebeu apoio do relator, senador Acir Gurgacz (PDT-RO). A matéria segue para a Câmara dos Deputados, exceto se houver recurso para análise do plenário do Senado.

Fonte: Mariana Jungmann – Repórter da Agência Brasil | Edição: Beto Coura | Agência Brasil. Publicação em 12/06/2013.