XIX Congresso Notarial brasileiro debate o papel do notariado no novo Direito de Família

O Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF) e Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) reuniram-se entre os dias 14 e 18 de maio, no Grand Palladium Resort, na praia de Imbassaí, na Bahia, para debater os principais temas relacionados às atribuições notariais nos novos modelos brasileiros de família no XIX Congresso Notarial Brasileiro.

Durante os quatro dias de evento cerca de 300 notários, de 24 unidades da Federação, assistiram palestras de renomados juristas, debatendo teoria e prática sobre “O papel do Notariado no Direito de Família”. Dividido em duas temáticas, o primeiro dia tratou principalmente das questões relacionadas às novas formas de convivência existentes no Brasil e quais seus efeitos práticos sobre as questões patrimoniais relativas à sucessão.

Já no segundo dia o foco foi totalmente prático, com palestras relacionadas ao dia a dia da lavratura de atos notariais e a possibilidade de ampliação da atuação dos notários em processos relacionados à jurisdição voluntária e prevenção de litígios, como a prática de inventários mesmo com a existência de testamento. Fechando o evento, notários de diversos Estados debateram temas como escrituras públicas, Lei 11.441/07 e atas notariais, voltados ao esclarecimento de dúvidas e distribuição de materiais de orientação aos notários da Bahia.

A integração entre a atividade notarial e os formadores de opinião do meio acadêmico relacionado ao estudo do Direito de Família, formado pelos integrantes do Ibdfam, foi destacada pela maioria dos presentes, como forma de aproximar as possibilidade teóricas de evolução da doutrina com a prática exercida pelos notários em seus Tabelionatos.

“Acho até que demorou demais esta aproximação, pois junta-se o pensamento doutrinário, que pressiona o avanço das legislações do Direito de Família, com a prática que torna possível a efetivação destes direitos, o que acaba por beneficiar toda a sociedade”, disse Rodrigo Toscano de Brito, membro do Instituto e especialista em Direito notarial e registral.

Como constatação geral, notários e doutrinadores asseveraram a necessidade de que o Direito de Sucessões seja modernizado, como forma de assegurar que os direitos das novas formações familiares sejam garantidos pela legislação que rege o direito patrimonial. “Acredito que esta é a grande lição que se pode tirar deste Congresso”, disse a vice-presidente do Ibdfam, Maria Berenice Dias.

“O Direito de Família apresentou uma grande evolução nos últimos anos, com reconhecimento a novas formas de convivência e os notários tiveram papel fundamental na efetivação dos direitos destes novos modelos familiares, redigindo a vontade das partes, constatando realidades que existiam à margem da formalidade”, explicou o presidente do Instituto, Rodrigo da Cunha Pereira.

Para o vice-presidente do CNB/CF e presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Rio Grande do Sul (CNB/RS), Luiz Carlos Weizenmann, a aproximação entre tabeliães e os doutrinadores serve também para que estes conheçam as dificuldades que impedem um maior avanço nas escrituras notariais. “Em alguns Estados o notariado acaba sendo refém do Judiciário, que tem suas amarras, seu tempo, e acaba por impedir que determinados conceitos mudem mais rapidamente”, afirmou.

O evento nacional do notariado contou ainda com as ilustres presenças do Corregedor Geral da Justiça do Estado da Bahia, desembargador José Olegário Monção Caldas, e da Corregedora das Comarcas do interior, desembargadora Vilma Costa Veiga. “Venho em sinal de prestígio a esta nobre atividade e ao nascimento de uma concepção de notariado na Bahia, hoje muito bem representado por sua presidente, que é uma árdua trabalhadora da causa notarial”, disse o desembargador, que participou de toda a mesa redonda que debateu temas práticos do notariado brasileiro no último dia do evento.

No encontro, o desembargador reafirmou o desejo de editar Provimento autorizando os notários baianos a expedirem cartas de sentença. “Sabemos da responsabilidade que esta nova atribuição trará para a atividade notarial e por isso estamos aqui, com representantes de todo o Brasil, aperfeiçoando nossos conhecimentos para exercermos com intensa responsabilidade estes novos atos pelos quais estamos batalhando”, disse a presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Bahia (CNB/BA), Emanuelle Ourives Fontes Perrotta.

O presidente da Comissão de Assuntos Americanos (CAA) da União Internacional do Notariado (UINL), Álvaro Rojas Charry também marcou presença no evento, homenageando os notários brasileiros e os convidando para atuarem nas ações institucionais da entidade. “O Brasil é um País chave para a implantação de qualquer avanço na América Latina e precisaremos da força brasileira para superar os ataques que nossa atividade vem sofrendo, principalmente os relacionados aos avanços das entidades internacionais de crédito”, disse.

Ainda na abertura oficial do evento, o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), Ricardo Henry Marques Dip, falou sobre a ação institucional dirigida ao notariado brasileiro. Falando sobre o tema “Ética aplicada à atividade notarial”, insistiu para que tanto a comunidade jurídica, como a atividade notarial tenham coerência na aplicabilidade do trivium romano, isto é a retórica em acordo com a lógica e a gramática da prática dos atos.

Debates doutrinários

Há amarras que o professor e advogado Rolf Madaleno, que ministrou a palestra intitulada “A diversidade das uniões informais”, acha que devem ser rompidas pelo notariado. “Vejo o notário como o salvaguarda do direito das partes, aquele que redige o ato perfeito de acordo com o que a parte lhe assegura”, afirma. “Hoje há uma imensa diversidade de uniões e formas de convivência que nem o Judiciário tem posição definida, portanto caberá a ele, no caso concreto, fazer o controle desta legalidade”, completou.

“É preciso que formemos uma nova safra de advogados que conheçam o sistema notarial e registral e o valorizem como um mecanismo de prevenção de litígios e solução extrajudicial de conflitos”, disse o presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP), Carlos Brasil Chaves. “Creio que esta é a principal virtude desta aproximação, pois aqui estão professores que formam opinião no mundo jurídico e que agora passam a conhecer e a trabalhar lado a lado com o notariado brasileiro”, disse.

Notariado que evolui sistematicamente por meio de estudos doutrinários, aprimoramento prático e investimento tecnológico, conforme demonstrado no painel “Censec – certificação digital e autenticação eletrônica”, coordenado pelo presidente do CNB/CF, Ubiratan Guimarães. “O sistema da Censec é aprimorado continuamente e hoje encontra-se plenamente estabilizado. O envio das informações cresceu substancialmente e a tendência é que 1 ano e meio após sua implantação a Central se torne a ferramenta agregadora de todo o sistema notarial brasileiro”, destacou Ubiratan.

No mesmo painel apresentou-se o sistemática de funcionamento da Central Eletrônica Notarial de Autenticação Digital (Cenad), criada a partir de provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo e que deverá permitir a inserção do notariado no processo de materialização e desmaterialização de documentos. “Faço um chamamento a todos os notários brasileiros que se disponham a participar das ações institucionais para que possamos juntos promover a evolução deste sistema, pensando em todos os notários do país, dos maiores aos dos menores centros”.

O advogado Luciano Lima Figueiredo palestrou, na sequência de apresentações do Congresso, sobre os “Efeitos sucessórios da multiparentalidade” e destacou o fato de que a atividade notarial vem tomando a forma de uma Justiça extrajudicial. “É cada vez maior o rol de atribuições que caberá aos notários, como em breve o usucapião administrativo, e é bom que seja assim, pois as demandas dos usuários passarão a ser mais atendidas”, afirmou.

Segundo o palestrante “é preciso desmistificar que toda a relação familiar deve ser igualada ao casamento” e que as pessoas devem ter liberdade “para viver as relações da maneira que entendam adequadas”, sem interferência do Estado. “Por isso defendo que ao Tabelião cabe lavrar as notas que as partes lhe pedem, pois o Legislativo e o Judiciário terão que se manifestar a este respeito, gerando o próprio avanço e modernização da sociedade brasileira”.

Para a assessora jurídica do CNB/CF, Karin Regina Rick Rosa, só a consagração da real situação de convivência das pessoas por meio dos atos notariais é que se tornará obrigatória a modernização do Direito de Sucessões. “Vivemos um descompasso quanto à questão do direito patrimonial e de herança que precisa ter um avanço semelhante ao que ocorreu no Direito de Família”.

No dia seguinte, o advogado e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), Euclides Benedito de Oliveira, defendeu enfaticamente a possibilidade que os notários lavrem inventários mesmo quando houver testamento. “O Tabelionato de Notas veio simplificar a vida das pessoas, descongestionar o Judiciário e principalmente facilitar a vida dos advogados”, destacou. “Veja o caso das cartas de sentença, já em vigor em São Paulo. Eu só autentico em cartório, por que é mais rápido, seguro e eficaz, para mim e para o meu cliente e é preciso que todos os advogados conheçam esta facilidade”, apontou. Euclides também defendeu enfaticamente a impossibilidade de emissão de certidão de testamento quanto o testador ainda estiver vivo.

Cristiano Chaves de Faria, Representante do Ministério Público do Estado da Bahia, defendeu a possibilidade da diminuição das “Cláusulas restritivas no testamento e na doação”. Para o palestrante, o Estado deve interferir o menos possível na liberdade das pessoas de dispor sobre o próprio patrimônio, sob o risco de impedir a circulação de bens e consequentemente a função social da propriedade. “Inclusive quanto aos registros públicos, defendo que o MP deve se abster de qualquer manifestação se não há interesse de menores envolvidos”.

Fechando as apresentações temáticas do evento, Rodrigo Toscano de Brito falou sobre o tema “Testamento e planejamento sucessório”, destacando o que a atual doutrina e os julgados jurisprudenciais permitem ou não a respeito da disponibilidade de patrimônio. Também tratou sobre a diferença da execução do planejamento sucessório nos diferentes regimes de bens e as peculiaridades sobre sua diferenciação no casamento e na união estável. 

Fonte: CNB/SP – CNB/CF | 26/05/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


TJ/PE: Artigo – Separações malconduzidas – Por: JONES FIGUEIRÊDO ALVES

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES

Quando as separações de casais ocorrem no plano fático, por òbvio antes de os processos judiciais as consolidarem juridicamente, impende que os pares envolvidos atuem, conscientemente, com ações pessoais capazes de inibir que a ruptura da convivência implique em prejuízos maiores na reorganização familiar. Ou seja, trabalhem com mecanismo de ações para bem conduzi-las, sob pena de impor aos desfechos de vida em comum inevitáveis, capítulos subsequentes de danos irreversíveis. Em menos palavras, quando as separações são traumáticas, estas não residirão somente em seu tempo próprio; afrontarão a vida que se segue, agravando dores e problemas.

Com efeito, o tema da "reorganização familiar", após o divórcio, tem ensejado uma nova ferramenta de trabalho, em direito de família; a partir de "Oficinas de Divórcio e Parentalidade", em programa desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça. Estas Oficinas destinam-se a discutir e avaliar a fase de transição familiar entre a separação do casal e as novas realidades de vidas de cada um deles, diante dos filhos que permanecem de ambos.

O projeto tem arregimentado a participação de psicólogos, assistentes sociais, conciliadores, mediadores, advogados e juízes, em torno das chamadas "famílias de risco", como denominamos aquelas que apresentam acentuada beligerância no trato de dissolução da vida comum do casal, quando consabido que os seus protagonistas principais (marido e mulher) formarão, no dia seguinte ("the day after") o chamado "casal parental". Um novo par subsistirá, coexistindo sempre entre eles, iniludivelmente, como "pai" e "mãe" que são dos filhos comuns.
As oficinas existentes trabalham que o processo de separação do casal resolva, por certo, os conflitos interpessoais, associado que a decisão judicial também resolverá o conflito jurídico  em finalizando a vida comum, quando não obtidas reconciliações transformadoras. Noutra latitude, também trabalham no sentido de o divórcio entre eles não se tornar também entre os filhos, a impedir que as consequências da separação alcancem estes, com as realidades vivenciadas de novos conflitos, ao exemplo maior da alienação parental.

Em ser assim, juízes de família tem considerado compulsória a participação das famílias, nas "Oficinas de Divórcio e Parentalidade", sempre quando o elemento "animosidade" esteja influindo na melhor solução do processo litigioso da separação, designadamente existindo filhos menores. Nessa linha, a atuação destacada da juíza paulista Vanessa Aufiero Rocha, que encaminha pais e filhos – estes de 6 a 17 anos – às oficinas-sessões, com o propósito certo de atenuação dos conflitos. Ela organiza no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o programa das oficinas, já instaladas em São Paulo, Bahia, Goiás, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

A todo rigor, a ruptura das sociedades conjugais ou as de convivência estável, importa não comprometer as relações familiares supervenientes em relação aos filhos, servindo as Oficinas como pontes de harmonização àquelas relações, evitando que muros ali sejam construídos com o surgimento de novos conflitos psicoemocionais. Algo novo acontece na justiça de família, por louvável iniciativa do CNJ.

Segue-se importante comunicado: O Conselho Nacional de Justiça e a Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, fecharam parceria para distribuir 20 mil exemplares da "Cartilha do Divórcio", aos casais em separação e para os seus filhos que vivenciam a situação de ruptura. Como acentuou o conselheiro Emmanoel Campelo, presidente da Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania do CNJ, "os documentos são importantes para ajudar na reorganização familiar após o divórcio".

As cartilhas são especificas para pais e filhos adolescentes, foram produzidas pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM) e se acham disponibilizadas a quaisquer interessados, em formato "pdf", na Web, nos seguintes endereços eletrônicos: (i) Cartilha do Divórcio Para os Pais (124 páginas) – http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/cartilha_divorcio_pais.pdf  e (ii) Cartilha do Divórcio Para os Filhos Adolescentes (72 páginas) – http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/cartilha_divorcio_filhos.pdf

O Conselho Nacional de Justiça tem realizado Cursos de Formação de Instrutores para as "Oficinas de Divórcio e Parentalidade" (o primeiro em dezembro de 2013), tudo a incentivar a instalação de novas unidades de sensibilização e, noutro passo, desenvolve a ferramenta da Oficina, em sua versão "on line", a permitir a efetiva participação de maior número de famílias. Pois bem. Não há negar a importância das dinâmicas de grupo, com o envolvimento direto das famílias, elas próprias colocando em discussão os seus problemas de experiência com o divórcio em curso, ou mesmo ante o processo consumado; no efeito de os filhos não se tornarem as maiores vitimas dos conflitos dos seus pais.

Lado outro, tem sido entendido que em processos de divórcio, de regulamentação de guarda ou de sua alteração, sempre que houver a imputação de atitudes de desqualificação do outro cônjuge, com manifestos sinais de alienação mental, a assertiva de tais fatos deve ser recebida como incidente processual, o de alienação parental.

Bem de ver que a Lei 12.318/2010 prevê que o reconhecimento da alienação parental pode se dar em ação autônoma ou incidentalmente, convocando a aplicação do direito processual civil comum.

Assim, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que "a decisão que, de maneira incidente, enfrenta e resolve a existência de alienação parental antes de decidir sobre o mérito da principal não encerra a etapa cognitiva do processo na primeira instância. Portanto, esse ato judicial tem natureza de decisão interlocutória (art. 162, §2º, do CPC) e, por consequência, o recurso cabível, nessa hipótese, é o agravo (art. 522 do CPC)". O julgado destacou que "seria diferente se a questão fosse resolvida na própria sentença, ou se fosse objeto de ação autônoma, como prevê a Lei 12.318/2010, hipóteses em que o meio de impugnação idôneo seria a apelação, porque, nesses casos, a decisão poria fim à etapa cognitiva do processo em primeiro grau" (STJ – 4ª Turma, REsp. nº 1.330.172-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi; 11/3/2014). Muito certo que sim, por regras práticas do sistema recursal.

Também é muito certo que a Lei de Alienação Parental funcione a contento, e para isso está a se exigir que novas ferramentas capacitem melhor o Judiciário, com Oficinas e estruturas multidisciplinares, a enfrentar o fenômeno das separações malconduzidas por intolerancias bélicas.

__________________

* O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE | 07/05/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo – O pacto antenupcial de separação de bens quando os nubentes estão sujeitos à separação obrigatória de bens – Por Letícia Maculan

* Letícia Maculan

O pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinado a estabelecer regime de bens.

Nos termos do parágrafo único do art. 1640 do Código Civil, o pacto antenupcial tem que ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do Notário, conforme estabelece o art. 6º da Lei 8.935/94.

É indispensável o pacto quando os nubentes querem adotar o regime da comunhão universal, o da participação final nos aquestos, o da separação convencional ou ainda qualquer outro regime, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de regimes diversos daqueles previstos no Código Civil. 

O pacto não é necessário quando as partes pretendem se casar pelo regime da comunhão parcial ou nos casos da separação obrigatória, pois ambos os referidos regimes decorrem de lei.

A questão a ser analisada neste artigo é a possibilidade da lavratura de pacto antenupcial nos casos em que a lei determina a aplicação do regime da separação obrigatória de bens e o regime que deveria constar no registro de casamento, lembrando que o referido registro é atribuição do Oficial do Registro Civil.

A pergunta é importante, pois os regimes de separação obrigatória de bens e de separação consensual de bens são diversos, de modo que é impossível constar no registro que o casamento estará regido pelo regime de separação obrigatória de bens e também que há pacto antenupcial de separação consensual de bens, por total incompatibilidade.

DAS DIFERENÇAS ENTRE OS REGIMES DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS E DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL

Os regimes da separação obrigatória de bens e da separação consensual de bens são diversos.

Nos termos do art. 1641 do Código Civil de 2002, por razões de ordem pública, visando proteger o nubente ou terceiro, o legislador impôs a separação obrigatória de bens.

Determina o referido art. 1641:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Logo, as pessoas inseridas nas situações previstas no art. 1641 do Código Civil terão que suportar os efeitos da imposição legal do regime, já que o legislador excepcionou a regra da livre manifestação de vontade dos consortes, estabelecendo a separação compulsória de bens.

A primeira diferença entre os regimes é a questão sucessória. No caso de separação consensual de bens, a lei é clara ao afirmar que não há meação. Já na separação obrigatória, grande parte da doutrina e da jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, entende ser ainda aplicável a Súmula 377 do STF, de modo que é devida a partilha igualitária do patrimônio adquirido onerosamente na constância do casamento, com base no princípio da solidariedade e a fim de evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito de um consorte em detrimento de outro.

O Superior Tribunal de Justiça publicou, nesse sentido, o acórdão cuja ementa abaixo se reproduz (no original não há grifos ou negritos):

Ementa: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE SEXAGENÁRIOS. REGIME DE BENS APLICÁVEL. DISTINÇÃO ENTRE FRUTOS E PRODUTO.

1. Se o TJ/PR fixou os alimentos levando em consideração o binômio necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante, suas conclusões são infensas ao reexame do STJ nesta sede recursal.

2. O regime de bens aplicável na união estável é o da comunhão parcial, pelo qual há comunicabilidade ou meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união, prescindindo-se, para tanto, da prova de que a aquisição decorreu do esforço comum de ambos os companheiros.

3. A comunicabilidade dos bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as exceções, as quais merecem interpretação restritiva, devendo ser consideradas as peculiaridades de cada caso.

4. A restrição aos atos praticados por pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos representa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.

5. Embora tenha prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável na união estável entre sexagenários é o da separação obrigatória de bens, segue esse regime temperado pela Súmula 377 do STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, sendo presumido o esforço comum, o que equivale à aplicação do regime da comunhão parcial.

6. É salutar a distinção entre a incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união, contida no § 1º do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, e a comunicabilidade dos frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão, conforme previsão do art. 1.660, V, do CC/02, correspondente ao art. 271, V, do CC/16, aplicável na espécie.

7. Se o acórdão recorrido categoriza como frutos dos bens particulares do ex-companheiro aqueles adquiridos ao longo da união estável, e não como produto de bens eventualmente adquiridos anteriormente ao início da união, opera-se a comunicação desses frutos para fins de partilha.

8. Recurso especial de G. T. N. não provido.

9. Recurso especial de M. DE L. P. S. provido. (Processo REsp 1171820 / PR – RECURSO ESPECIAL 2009/0241311-6 – Relator Ministro SIDNEI BENETI (1137) – Relatora para Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI – Órgão Julgador -TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 07/12/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 27/04/2011 – LEXSTJ vol. 262 p. 149)

Outra diferença importante é a que se refere à necessidade ou não da outorga do cônjuge para a alienação de bens imóveis. A doutrina e a jurisprudência já se posicionaram no sentido de que o art. 1647 do Código Civil, ao dispensar a outorga do cônjuge para alienação de bens, abarcou apenas o regime da separação consensual, isso porque, em virtude da Súmula 377 do STF, o regime da separação obrigatória de bens não é de “separação absoluta”:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis

É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento cuja ementa abaixo se reproduz (sem grifos ou negritos no original):

Ementa: RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. DOAÇÃO DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO EM REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. OUTORGA UXÓRIA. NECESSIDADE. FINALIDADE. RESGUARDO DO DIREITO À POSSÍVEL MEAÇÃO. FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO COMUM. CONTRIBUIÇÃO INDIRETA. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO IMPROVIDO.

1. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência.

2. Controvérsia sobre a aplicação da Súmula n. 377 do STF.

3. Casamento regido pela separação obrigatória. Aquisição de bens durante a constância do casamento. Esforço comum. Contribuição indireta. Súmula n. 7 do STJ.

4. Necessidade do consentimento do cônjuge. Finalidade. Resguardo da possível meação. Plausibilidade da tese jurídica invocada pela Corte originária.

5. Interpretação do art. 1.647 do Código Civil.

6. Precedente da Terceira Turma deste Sodalício: "A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377/STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória/marital para os negócios jurídicos previstos no artigo 1647 da lei civil." (REsp n. 1.163.074, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 4-2-2010).

7. Recurso especial improvido. (Processo REsp 1199790 / MG – RECURSO ESPECIAL 2010/0118288-3 – Relatora Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) – Órgão Julgador TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 14/12/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 02/02/2011 – RMDCPC vol. 40 p. 106)

Por fim, há diferença no que se refere à herança. No regime da separação obrigatória de bens, o cônjuge não é herdeiro; já no regime da separação consensual de bens, o cônjuge é herdeiro, nos termos do art. 1829 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (sem grifos ou negritos no original)

A corroborar o entendimento acima apresentado, há o recente acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cuja ementa abaixo se reproduz:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – DIREITOS SUCESSÓRIOS – CÔNJUGE SOBREVIVENTE – REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO CC/02 – INTERPRETAÇÃO – CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA HERANÇA – HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO – NECESSIDADE.

A mais adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão. (Processo: Agravo de instrumento 1.0701.13.009162-5/001, 0820985-66.2013.8.13.0000, Relator Desembargador Geraldo Augusto, DJe 12/12/2013)

Conclui-se que os regimes de separação consensual e de separação obrigatória de bens não se confundem, sendo somente o regime de separação consensual uma separação verdadeiramente absoluta, já que o regime da separação obrigatória, tanto em virtude da Súmula 377 do STF, quanto em decorrência do determinado no art. 1647 do Código Civil, não leva, na realidade, a uma separação de bens.

POSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS DAQUELES QUE ESTÃO SUJEITOS, EM VIRTUDE DA LEI, AO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA

Demonstrado, pois, que os regimes da separação consensual e da separação obrigatória não se confundem, resta examinar a possibilidade de opção pela separação consensual daqueles que, em virtude do determinado no art. 1.641 do Código Civil, teriam que se submeter à separação obrigatória.

A primeira questão a ser observada é que o objetivo da lei ao impor o regime da separação de bens é proteger o nubente ou terceiros.

Assim, se um casal opta pelo regime da separação consensual, que na realidade é o regime da separação absoluta de bens, não está sendo ferido o objetivo da lei, ao contrário, tal objetivo está sendo plenamente observado. O casal que se encaixa nosrequisitos do art. 1641 do Código Civil pode optar pelo regime da separação consensual, seja para evitar transtornos de anuência do cônjuge sempre que houver alienação de imóveis, seja para que cada um administre seus bens, seja ainda para proteger o patrimônio no caso de eventual separação, sem que haja, para eles ou para terceiros, qualquer prejuízo.

A segunda questão a ser analisada é o fato de existir questionamento sobre a constitucionalidade da separação obrigatória de bens, havendo grande tendência, pois, em ser declarada inconstitucional a imposição do referido regime. Em razão disso, pode ocorrer que um casal QUE EFETIVAMENTE QUEIRA A SEPARAÇÃO DE BENS, mas que não pôde escolhê-la por ter sido a ele imposta a separação obrigatória de bens, venha a ter também a separação obrigatória afastada, por inconstitucionalidade.

DO EXAME DA QUESTÃO EM CASO CONCRETO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA E PELA JUÍZA DA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DE BELO HORIZONTE

Em caso concreto ocorrido no Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte-MG, a Oficial, autora do presente artigo, apresentou à Exma. Juíza da Vara de Registros Públicos consulta sobre a possibilidade de opção de casal sujeito à separação obrigatória de bens pelo regime da separação consensual de bens.

A Exma. Juíza determinou a abertura de vista ao Douto Ministério Público, que assim se manifestou:

Através do presente procedimento, a Oficiala do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro formula "Consulta" à Exma. Juíza da Vara de Registros Públicos desta Capital, a respeito da possibilidade de se realizar sob a égide da Separação Consensual de Bens, em caso de obrigatoriedade de Separação de Bens, nos moldes do art. 1641 do Código Civil.

Conforme despacho de fls. 09, a Exma. Juíza determinou a abertura de vista ao Ministério Público, para que este requeira o que entender de direito.

É o breve relato.

A princípio, cabe esclarecer que, como bem salientou a Oficiala, os regimes da Separação Obrigatória de Bens e Separação Consensual são diferentes, em que pese haver, em regra, a não comunhão de bens do casal.

A Súmula 377 do STJ e o art. 1.647 do Código Civil, ambos em pleno vigor, são suficientes para demonstrar que a separação obrigatória de bens não é tida como um separação absoluta, ao contrário da Separação Consensual devidamente optada através de um Pacto Antenupcial.

Isto é, a Separação Consensual, por se tratar de uma separação absoluta, abarca os efeitos da Separação Obrigatória de Bens, nos moldes do art. 1.641 do Código Civil, não havendo razão para se preterir a Separação Consensual em face da Separação Obrigatória, se os nubentes pretendem que o casamento seja regido pela Separação Consensual.

Desta forma, concordando com a interpretação da Oficiala ao explanar as razões desta Consulta, o Ministério Público entende ser possível e plenamente cabível a realização do casamento sob o regime da Separação Consensual, constando do respectivo registro tal regime somente, isto é "Regime da Separação Consensual de Bens.

Após receber o Parecer Ministerial, a Exma. Juíza decidiu:

Vistos etc,

Defiro o pedido nos termos do requerimento da ilustre Oficial e do parecer ministerial. Deve ser ressaltado na certidão de casamento o regime de separação consensual de bens, pois resulta da incomunicabilidade pactuada dos bens adquiridos antes, na constância e após o casamento, de modo que os bens de cada cônjuge constituem acervos distintos. Vê-se que até mesmo os bens adquiridos durante a vigência do casamento figurarão. Desta forma, concordando com a interpretação da Oficiala ao explanar as razões desta Consulta, o Ministério Público entende ser possível e plenamente cabível a realização do casamento sob o regime da Separação Consensual, constando do respectivo registro tal regime somente, isto é "Regime da Separação Consensual de Bens".

CONCLUSÃO

Examinada a questão por todos esses ângulos, conclui-se que não há qualquer prejuízo para os nubentes ou para terceiros em se admitir que as pessoas às quais seria imposto o regime da separação obrigatória de bens optem pelo regime da separação consensual de bens. Também o objetivo da lei seria preservado, pois a separação consensual é MAIS AMPLA do que a separação obrigatória de bens.

Estaria, ainda, sendo observada a autonomia da vontade, garantindo àqueles que querem ter patrimônios SEPARADOS que assim ocorra, facilitando também a negociação de imóveis, se essa for a vontade dos nubentes, posto que a separação consensual de bens afasta a necessidade de outorga conjugal, o que não ocorre no regime da separação obrigatória de bens.

Ocorrendo tal opção pela separação consensual de bens, e sendo juntado aos autos do processo de habilitação para casamento o pacto antenupcial, deverá o Oficial do Registro Civil fazer constar que o regime do casamento é o da SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS, não podendo ser admitido que seja registrado “regime da separação obrigatória com pacto”, pois os regimes são diversos e a falta de clareza poderia levar a grandes transtornos para o casal. 

Apesar de a interpretação acima parecer ser a melhor, como não há lei expressa sobre a questão, cabe ao Oficial de Registro, diante de um caso concreto, consultar o Poder Judiciário, por meio do Juiz de Direito competente para Registros Públicos, a fim de que seja fixada a interpretação sobre o tema. 

Apesar de haver posicionamento isolado do Superior Tribunal de Justiça, no RESP 992749/MS, DJe 05/02/2010, no sentido de que tanto no regime da separação consensual quanto no da separação obrigatória o cônjuge não herda, não tem sido esse o entendimento da doutrina e jurisprudência majoritárias.

A consulta foi autuada sob o nº 8002126.84.2014.813.0024.

____________

Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro.
____________

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.