1ª VRP|SP: Registro de imóveis – Pedido de providências – Alienação fiduciária em garantia (Lei 9.514/1997, arts. 22-33F) – Transmissão do domínio fiduciário, por força de contratação de novo mútuo pelo devedor fiduciante (portabilidade) – Averbação em ato único (LRP/1973, art. 167, II, 30) – Documentos mal lavrados, mas que, ainda assim, deixam claro que a intenção dos figurantes, ao celebrar o negócio jurídico, fora transmitir (e não extinguir) o domínio fiduciário para garantir novo mútuo (falsa demonstratio non nocet: CC/2002, art. 113) – Averbação deferida.

0062551-56.2013.8.26.0100
(CP 326)
Dúvida
14º Registro de Imóveis
Banco do Brasil S/A
Sentença
Registro de imóveis – pedido de providências – alienação fiduciária em garantia (Lei 9.514/1997, arts. 22-33F) – transmissão do domínio fiduciário, por força de contratação de novo mútuo pelo devedor fiduciante (portabilidade) – averbação em ato único (LRP/1973, art. 167, II, 30) – documentos mal lavrados, mas que, ainda assim, deixam claro que a intenção dos figurantes, ao celebrar o negócio jurídico, fora transmitir (e não extinguir) o domínio fiduciário para garantir novo mútuo (falsa demonstratio non nocet: CC/2002, art. 113) – averbação deferida.
Vistos etc.
1. O 14º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo (14º RISP) suscitou dúvida a requerimento do Banco do Brasil S. A., que apresentara a registro um instrumento particular, com efeito de escritura pública (fls. 07-27), de portabilidade de financiamento imobiliário e transferência de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia (matrícula 202.811 – fls. 135-136; prenotações vigentes 634.057 e 634.058).
1.1. Segundo o termo de dúvida (fls. 02-05), por meio do referido instrumento particular com força de escritura pública o Banco do Brasil, suscitado, tornou-se credor do mútuo concedido a Hélio Guimarães Júnior.
1.2. Com esse instrumento fora apresentada uma declaração da Caixa Econômica Federal, credor primitivo, dizendo que não se opunha ao cancelamento da alienação fiduciária objeto do R. 7 da matrícula 202.811.
1.3. O 14º RISP entende que não houve, aí, portabilidade (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – LRP/1973, art. 167, II, 30), porque: (a) no negócio jurídico tinham de haver figurado o novo credor, o antigo credor e o(s) devedor(es), mas na realidade figuram somente o novo credor Banco do Brasil e o devedor Ramiro; quando menos, teria de ser apresentado um documento à parte, passado pelo antigo credor, autorizando a inscrição da portabilidade; (b) tinha de ter havido substituição de contrato de financiamento imobiliário na antiga dívida e transferência da garantia fiduciária, mas na realidade houve adimplemento da dívida e constituição de outra alienação fiduciária; ademais, é proibido passar quitação (Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, art. 25, § 3º, incluído pela Lei 12.703, de 7 de agosto de 2012); (c) o prazo remanescente da dívida, seu valor e sua amortização mensal tinham de ter sido os mesmos (i. e., somente poderia haver modificação na cláusula atinente aos juros, para a aplicação de menor índice), mas na realidade essas cláusulas foram modificadas.
1.5. Finalmente, a Lei 12.703/12, art. 6º, ainda não foi regulamentada, no que diz respeito à forma eletrônica, de maneira que permanece a forma convencional em papel, com a intervenção dos três figurantes (credor primitivo, novo credor e devedor), em forma de cessão de crédito, com redução de taxa de juros.
1.6. Logo, o registro não pode fazer-se como foi rogado.
1.7. O termo de dúvida foi instruído com documentos (fls. 06-139).
2. A dúvida não foi impugnada (fls. 140).
3. O Ministério Público opinou por converter-se o procedimento em pedido de providências e por que se fizesse a inscrição (lato sensu) mediante um único ato de averbação (fls. 141-142).
4. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
5. Preliminarmente, a inscrição (lato sensu) pretendida pelo interessado é averbação (LRP73, art. 167, II, 30, com a redação que lhe deu a Lei 12.810, de 15 de maio de 2013, art. 32). Assim, aqui se trata, em verdade, de pedido de providências, e não de dúvida.
6. De meritis, a alienação fiduciária em garantia (como, de resto, os demais direitos reais de garantia do direito brasileiro) é acessório do crédito garantido (Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997, arts. 17, IV, 22, caput, e 25, caput). De certa forma, essa disciplina dificultou a transmissão da garantia real, especialmente nos casos em que havia adimplemento do credor original e, simultaneamente, contratação de um novo mútuo: conquanto nem todo adimplemento seja para extinção (cf. o vigente Cód. Civil – CC/2002, arts. 347, II, e 349, e o antigo – CC/1916, arts. 986, II, e 988; Lei 9.514/97, art. 31, caput), a acessoriedade, somada à falta de uma clara disciplina registral da transmissão do domínio fiduciário, criou uma série de incertezas e dificuldades cuja solução agora tentou dar a Lei 12.810/2013, segundo a qual, inter alia: (a) nos casos de transferência de financiamento para outra instituição financeira, o pagamento da dívida à instituição credora original poderá ser feito, a favor do mutuário, pela nova instituição credora (Lei 9.514/1997, arts. 31, par. único, e 33B, § 1º); (b) a transferência de dívida de financiamento imobiliário com garantia real, de um credor para outro, inclusive sob a forma de sub-rogação, obriga o credor original a emitir documento que ateste, para todos os fins de direito, inclusive para efeito de averbação, a validade da transferência (Lei 9.514/1997, art. 33A, caput, e 33C); e (c) as condições do novo mútuo não precisam ser as mesmas do mútuo primitivo (Lei 9.514/1997, art. 33B, I-V).
7. No contexto dessas novas regras, claro está que as exigências do 14º RISP não se sustentam.
8. É verdade que os negócios jurídicos que se pretende levar a registro (fls. 09-28 e 126) foram todos celebrados antes da vigência da Lei 12.810/2013, e que, adimplido primeiro mútuo com os recursos do segundo, o credor original ainda falou em cancelamento (fls. 126). Porém, a falsa exposição ou explicação do objeto do negócio jurídico não prejudica a sua existência, validade ou eficácia (falsa demonstratio non nocet), pois nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (CC/2002, art. 112), e in casu a contratação de novo mútuo (em dezembro de 2012 – cf. fls. 27) para o adimplemento do antigo (em janeiro de 2013 – cf. fls. 126), com expressa referência à transferência da alienação fiduciária, bem como a nova apresentação a registro já na vigência da Lei 12.810/2013 (que deu nova redação à LRP/1973, art. 167, II, 30), tudo isso faz claro que a intenção foi celebrar transmissão do domínio fiduciário, e que é assim que tais negócios jurídicos devem ingressar no registro, como salientou o Ministério Público (fls. 142, em particular).
9. Do exposto, defiro a averbação da sub-rogação de dívida, da respectiva garantia fiduciária (mat. 202.811 – 14º RISP, R. 7) e da alteração das condições contratuais (instrumento particular a fls. 07-27) em favor de Banco do Brasil S. A. (LRP/1973, art. 167, II, 30, e Lei 9.514/1997, art. 31). Sem prejuízo, corrija-se a autuação e anote-se, para que estes autos passem a correr como pedido de providências. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Desta sentença cabe recurso administrativo, com efeito suspensivo, em quinze dias, para a E. Corregedoria Geral da Justiça. Esta sentença tem eficácia de mandado. Oportunamente, ao ofício de registro de imóveis, e, depois, arquivem-se os autos.
P. R. I.
São Paulo, 17 de dezembro de 2013.
JOSUÉ MODESTO PASSOS Juiz de Direito
(D.J.E. de 14.01.2014 – SP)

Fonte: D.J.E. | 14/01/14

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STJ: Falta de registro de doação de imóvel não impede oposição de embargos contra penhora

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não há como manter a penhora sobre imóvel doado aos filhos menores, em razão de dívida contraída pelos pais posteriormente à doação. Seguindo voto do ministro Raul Araújo, a Quarta Turma definiu que a falta de registro imobiliário da doação não impede que os filhos apresentem embargos de terceiro contra penhora realizada sobre imóvel que eles haviam recebido dos pais anteriormente. 

Em ação de separação judicial, homologada em 1994, os pais fizeram doação de um imóvel aos filhos menores. O registro imobiliário da doação não foi feito. Posteriormente, em 1995, realizaram uma operação de crédito no Banco do Brasil, dando em garantia o mesmo imóvel, e omitindo seu real estado civil. 

Ante o não pagamento da obrigação, o banco ajuizou ação executiva de título extrajudicial (cédula de crédito rural) e pediu a penhora do imóvel. Os filhos apresentaram embargos à execução. Afirmaram que o fato de não existir registro da doação no cartório de imóveis não exclui o seu direito de oferecer embargos de terceiro para proteção de sua propriedade. Sustentaram que “a sentença que homologa a separação e a partilha produz efeitos do trânsito em julgado, independentemente de qualquer registro”. 

Estelionato

Em primeiro grau, o juiz reconheceu a impossibilidade da penhora, porque os menores não poderiam ser penalizados com a alienação de bem que lhes coube na separação judicial dos pais. O juiz ainda destacou que os pais cometeram estelionato, ao dar em garantia bem imóvel que não mais lhes pertencia. 

O banco apelou e o tribunal local reverteu a sentença. Se, quando da assinatura da cédula de crédito, não houve o registro de restrição pela doação do imóvel, “maliciosamente omitida pelos devedores”, os embargos deveriam ser rejeitados, mantendo-se a penhora – entendeu o tribunal de segunda instância. 

Os filhos recorreram ao STJ. Em decisão monocrática, foi dada razão aos embargantes, ao entendimento de que a penhora se deu sobre bem que já não integrava mais o patrimônio dos devedores e que o fato de a partilha não ter sido registrada não impede a defesa por meio dos embargos de terceiro. 

Proteção 

O banco recorreu com agravo regimental, mas a posição foi mantida pela Turma. O relator do agravo, ministro Raul Araújo, destacou que o objeto dos embargos de terceiro é a possibilidade de proteção da propriedade, ainda que carente de registro no cartório. 

O ministro reconheceu que é cabível a apresentação dos embargos pelos filhos menores para defender sua posse e discutir a legitimidade da penhora do imóvel, principalmente porque a propriedade do bem se encontra amparada em decisão transitada em julgado. Raul Araújo ainda lembrou que a jurisprudência do STJ é no sentido de considerar que a falta de registro da doação no cartório de imóveis não impede a oposição dos embargos de terceiro. 

O relator também salientou que qualquer responsabilização dos pais pelas consequências de possíveis crimes no negócio firmado com o banco deve ser perseguida em via adequada. 

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 469709.

Fonte: STJ I 10/12/2013.

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