1VRP/SP:  Registro de Imóveis. Divórcio. Título judicial é hábil para doação. Necessidade de anuência do donatário.


  
 

Processo 1110376-32.2020.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Renato Luís de Linica Guerra – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Renato Luis de Linica Guerra e Marcelo Ricardo de Linica Guerra, após negativa de registro de formal de partilha extraído de autos de divórcio. O Registrador entendeu que o título não era hábil a formalizar a doação pleiteada, já que haveria apenas promessa de negócio jurídico, sendo necessária a apresentação de escritura pública, com participação do donatário, por ser maior, além de comprovação do pagamento de tributos. Juntou documentos às fls. 03/54. Os suscitados impugnaram a dúvida às fls. 55/65, aduzindo que a homologação judicial do acordo afasta a necessidade de lavratura de escritura pública e de anuência do donatário, e que não é devido nenhum tributo em razão da decadência. Por fim, aduz que o donatário está bem qualificado com os documentos apresentados. O Ministério Público opinou às fls. 93/97 pela parcial procedência da dúvida. É o relatório. Decido. Com razão a D. Promotora. Inicialmente, considerando a divergência entre as exigências da nota devolutiva de fl. 83 e as expostas pelo registrador na inicial, entendo que não há prejudicialidade da dúvida com a juntada dos documentos do donatário. Assim, considerando os documentos de fls. 75/81, que bem identificam Adriano Brosch Guerra e afasta qualquer dúvida de que seja a mesma pessoa citada no formal de partilha, fica superado o óbice referente a sua qualificação. Quanto à necessidade de comprovação do pagamento de tributos, a exigência tem previsão legal, conforme dispõe o Art. 289 da Lei n° 6.015/73: Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.” Assim, deve o suscitado apresentar comprovante do pagamento ou declaração do Fisco de que não há imposto devido por decadência ou qualquer outro motivo – não cabendo ao Oficial ou a este Juízo Corregedor declarar tal inexigibilidade, até porque há relevante discussão quanto a data do fato gerador, se quando do divórcio ou se com a transmissão de direito do bem, que ocorreria somente com o registro na matrícula, conforme Art. 1.245 do CC. No tocante à necessidade de formalização por escritura pública, não se discute que negócios jurídicos homologados em acordos judiciais são passíveis de registro, sem necessidade de formalização em instrumento diverso. O que se discute, no presente caso, é se houve efetivo negócio jurídico de doação homologado judicialmente ou mera promessa, a ser formalizada no futuro. Vejo que, no precedente citado pelo Oficial (Recurso 1002967-74.2019.8.26.0506), havia expressa previsão de que seria lavrada escritura pública formalizando o negócio, o que afastava qualquer interpretação quanto a realização do negócio na ação judicial em si, havendo ali verdadeira assunção de obrigação de lavratura da escritura. No presente caso, o formal de fls. 20/47 tem redação confusa, que permite concluir tanto pela existência de promessa como de transferência em si. Isso porque foi usado o tempo verbal futuro, com uso das expressões “doarão” e “será feita”. Por si só, tal linguagem parece indicar uma promessa de ação futura; todavia, como as expressões constam da inicial da ação de divórcio, podem ser entendidas como ações a serem cumpridas no decorrer da própria ação, já que, antes de consumado o divórcio, o bem não poderia ser doado. É dizer que, pelo momento processual, não se poderia ter utilizado expressão como “doam”, de modo que, por si só, a linguagem ali empregada não permite que se conclua pela existência ou não da doação. Entendo, assim, que a solução da controvérsia pode ser alcançada com base no documento de fl. 20, onde expressamente consta que processou-se divórcio consensual “sendo os bens passados em favor dos mesmos [cônjuges] e de seu filho Adriano Brosh Guerra”. Como constou, no formal de partilha, que houve transferência de bens, deve ser entendido que ali se formalizou a doação, afastando a necessidade de lavratura de escritura, sendo suficiente o formal de partilha para demonstrar a transferência em favor de Adriano. Contudo, não havendo no formal de partilha qualquer notícia de que Adriano participou da ação judicial como parte ou teve ciência da doação ali realizada, e sendo ele maior de idade quando do divórcio, necessária demonstração de sua aceitação da doação, por tratar-se, à época, de requisito do negócio jurídico. Como bem lembrado pelo Ministério Público: A exigência do aceite se encontra disposta no atual Código Civil (artigo 538) e também no anterior, vigente na época do divórcio (artigo 1.165: Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita). Assim, não é possível o registro da doação em favor de Adriano se não há qualquer demonstração de seu aceite ou mesmo ciência do negócio jurídico, sob pena de permitir-se acréscimo em seu patrimônio, já quando maior e capaz, por ato exclusivo de terceiro. Faço ver que, se entre o divórcio e a prenotação houve falecimento de Adriano, tal fato não pode servir para que se flexibilize exigência legal, em especial porque a mora no registro se deu por desídia dos próprios interessados, que somente buscaram a formalização da doação perante o registro de imóveis em 2020, quando a divórcio se deu em 1993. Caberá aos interessados, assim, obter provimento judicial que substitua a declaração de vontade de Adriano, reconhecendo que este aceitou a doação, ou regularizar o imóvel através da usucapião, em vista do prazo decorrido desde o divórcio. Do exposto, dou parcial provimento a dúvida, afastando as exigências relativas a qualificação do donatário e necessidade de escritura pública e mantendo os óbices relativos ao recolhimento de tributos e comprovação da aceitação do donatário. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: CELIA KAYOMI KATATANI BERNARDES FERREIRA (OAB 324260/SP) (DJe de 20.01.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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