CSM/SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome do casal divorciado – Regime da comunhão de bens – Divórcio não averbado – Partilha não registrada – Posterior acordo, em ação de execução de alimentos, de dação em pagamento pelo ex-marido em favor da ex-esposa – Carta de sentença qualificada negativamente – Exigência de prévia partilha do imóvel comum – Mancomunhão – Não configuração da propriedade em condomínio apenas em razão do divórcio, sequer averbado na matrícula – Violação ao princípio da continuidade registral – Necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Pedido de cindibilidade do título para registro apenas da aquisição do terreno que não dispensa a prova de pagamento do ITBI – Dúvida julgada procedente – Nega-se provimento à apelação.

Apelação n° 1019196-32.2020.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1019196-32.2020.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1019196-32.2020.8.26.0100

Registro: 2020.0000785372

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019196-32.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EVANDRO RICHARD ROLAND SILVA, é apelado 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 11 de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1019196-32.2020.8.26.0100

Apelante: Evandro Richard Roland Silva

Apelado: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.226

Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome do casal divorciado – Regime da comunhão de bens – Divórcio não averbado – Partilha não registrada – Posterior acordo, em ação de execução de alimentos, de dação em pagamento pelo ex-marido em favor da ex-esposa – Carta de sentença qualificada negativamente – Exigência de prévia partilha do imóvel comum – Mancomunhão – Não configuração da propriedade em condomínio apenas em razão do divórcio, sequer averbado na matrícula – Violação ao princípio da continuidade registral – Necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Pedido de cindibilidade do título para registro apenas da aquisição do terreno que não dispensa a prova de pagamento do ITBI – Dúvida julgada procedente – Nega-se provimento à apelação.

1. Trata-se de apelação interposta por Evandro Richard Roland Silva, na qualidade de inventariante dos bens deixados por Teresa Roland Silvacontra a sentença que manteve a recusa de registro de carta de sentença expedida nos autos da ação de execução de alimentos (Processo nº 0013563-49.2000.8.26.0006), que tramitou perante a 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional VI – Penha de França, Comarca da Capital, em que figuravam como partes a falecida e Walter José da Silva, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 6.837 junto ao 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (fl. 209/214).

Alega o apelante, em síntese, que na ação de divórcio constou que o imóvel em questão seria objeto de partilha posterior. Assim, cessada a mancomunhão e passando o imóvel ao estado de condomínio, não haveria óbice à sua negociação pelos coproprietários. Acrescenta que, uma vez averbado o divórcio do casal junto à matrícula do imóvel e respeitada a divisão igualitária do bem, mostra-se cabível o registro da dação em pagamento da metade ideal pertencente ao coproprietário Walter em favor de Teresa, que passou, então, a ser sua única proprietária, sem que isso pudesse configurar ofensa ao princípio da continuidade registral. Sustenta, por fim, a possibilidade de cindibilidade do título, o que afasta a necessidade de recolhimento do ITBI, nesse momento.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fl. 255/259).

É o relatório.

2. Pretende o apelante o registro de carta de sentença expedida nos autos da ação de execução de alimentos (Processo nº 0013563-49.2000.8.26.0006), que tramitou perante a 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional VI Penha de França, em que figuravam como partes Teresa Roland Silva e Walter José da Silva, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 6.837 junto ao 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.

Os títulos judiciais, cumpre lembrar, não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. E a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial. No exercício desse dever, o Oficial encontrou óbices ao registro da carta de sentença que foi apresentada pelo apelante, emitindo Nota de Devolução (fl. 12) em que exigida a apresentação de “escritura com partilha de bens, em atendimento ao princípio da continuidade de disponibilidade”, pois os titulares de domínio são casados sob o regime da comunhão universal de bens, antes da Lei nº 6.015/73, configurando o estado de mancomunhão. Ainda, a despeito do pedido de cindibilidade do título, foi exigida a apresentação de “guia ITBI referente ao ato a ser praticado, em observância ao artigo 239 da Lei nº 6.015/73”.

O casamento entre Walter José Silva e Teresa Roland Silva ocorreu em 16.07.1970, sob o regime da comunhão de bens (fl. 131). Segundo o R. 1 da matrícula nº 6.837, o imóvel foi por eles adquirido em 12.11.1976, sem que, até o presente momento, tenha sido averbado o divórcio e registrada a partilha de bens do casal.

Não é possível, portanto, a alienação de parte ideal do imóvel por quem não ostenta a condição de proprietário exclusivo de parte ideal, mas sim, de comunheiro por força do regime de bens do casamento. Na falta da partilha a situação jurídica do imóvel é de mancomunhão, não de condomínio.

Em outras palavras, inexistindo na matrícula o registro da partilha e, por consequência, da atribuição da propriedade a cada um dos cônjuges, persiste a propriedade em comunhão em relação à totalidade do bem. Sobre o tema, os ensinamentos de Maria Berenice Dias (Manual das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, e-book, 2017):

“Quer no casamento, quer na união estável, quando o regime do casamento prevê a comunhão do patrimônio adquirido durante o período de convívio, os bens pertencem a ambos em partes iguais. A presunção é que foram adquiridos pela comunhão de esforços para amealhá-los. Cada um é titular da metade e tem direito à meação de cada um dos bens. Esta copropriedade recebe o nome de mancomunhão, expressão corrente na doutrina, que, no entanto, não dispõe de previsão legal. É o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Nada mais significa do que propriedade em “mão comum”, ou seja, pertencente a ambos os cônjuges ou companheiros. Tal figura distingue-se do condomínio: quando o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observada a preferência do outro (CC 1.314 e seguintes).”

O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão – e o respectivo registro – porque, ausente a partilha, não há atribuição da titularidade da propriedade aos ex-cônjuges. Logo, o registro da dação em pagamento configuraria violação ao princípio da continuidade, por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade ante a falta de extinção da comunhão decorrente do regime de bens, que persiste mesmo diante da dissolução da sociedade conjugal.

A propósito, assim dispõe o art. 195 da Lei nº 6.015/1973:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

De acordo com referido dispositivo legal, que cuida do princípio da continuidade registral, para que o título ingresse no fólio real é preciso que esteja amparado no registro anterior, tanto em seus aspectos subjetivos como objetivos.

No modo apresentado, pois, o título não preenche o requisito da continuidade, que é essencial para o seu registro. A respeito, esclarece Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (“Registro de Imóveis”, 4ª edição, 1998, Ed. Forense, p. 253). INR

Há precedentes deste Conselho Superior da Magistratura, exigindo o prévio registro da partilha para atos de disposição do comunheiro:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de pessoas casadas – Escritura de compra e venda celebrada somente pela mulher na condição de divorciada – Necessidade do prévio registro da partilha do imóvel havida na ação de divórcio –  Princípio da Continuidade – Além disso, inscrição de várias ordens de indisponibilidade sem indicação expressa de envolver a totalidade ou metade do imóvel – Impossibilidade da consideração de situações jurídicas não inscritas no registro imobiliário – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1000237-38.2018.8.26.0664; Relator(a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Votuporanga – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/11/2018; Data de Registro: 22/11/2018).

“DIVÓRCIO CONSENSUAL SEM PARTILHA DE BENS. BEM IMÓVEL EM MANCOMUNHÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO ANTES DA PARTILHA POR NÃO CONFIGURADA PROPRIEDADE EM CONDOMÍNIO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE. INVIABILIDADE DO REGISTRO DA DOAÇÃO DA METADE IDEAL REALIZADA POR UM DOS ANTIGOS CÔNJUGES PENA DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE RECURSO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1041937-03.2019.8.26.0100; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 01/11/2019; Data de Registro: 07/11/2019).

E mais recentemente:

“DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade –  Exigência mantida – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1012042-66.2019.8.26.0562; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santos – 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/03/2020; Data de Registro: 24/03/2020).

Desta forma, até que haja partilha dos bens do casal e seu registro, identificando e atribuindo a propriedade exclusiva sobre a parte ideal a ser disposta, não há como ingressar no registro o título de transmissão decorrente da manifestação de vontade de somente um dos comunheiros, ainda que a adquirente seja a ex-cônjuge e também comunheira sobre o bem.

No mais, é dever do Oficial de Registro de Imóveis a fiscalização do pagamento dos impostos devidos em razão dos títulos apresentados para registro em sentido amplo, pena de responsabilidade solidária de forma subsidiária. Nesse sentido, dispõem o art. 289 da Lei de Registros Públicos e art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional:

“LRP. Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

“CTN. Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…)

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;”

Assim, correta também a exigência de prova de pagamento do ITBI devido para a prática do ato pretendido, pois o pedido de cindibilidade do título para registro apenas da aquisição do terreno não desobriga o recolhimento do valor do tributo.

3. Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 17.11.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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1VRP/SP:  Registro de Imóveis. Usucapião de parte ideal- e não parte certa e delimitada.

Processo 1103611-79.2019.8.26.0100

Retificação de Registro de Imóvel – Registro de Imóveis – Maria da Gloria da Graca – Preambularmente, saliento que não é possível que a ação de usucapião verse sobre parte ideal de imóvel. A usucapião ajuizada por condôminos deve versar sobre a totalidade do bem ou sobre parte certa, ou seja, parte certa de determinada área. Pode o pleito versar sobre fração ideal, desde que delimitada, e somente nos casos em que o condômino exerce a posse sobre toda a coisa e busca consolidar o domínio sobre todo o bem, quando então é deferida a usucapião da fração restante. Neste sentido: DIREITO CIVIL. COISAS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. Sentença de improcedência do pedido na origem. Recurso de Apelação dos coautores. Pretensão de usucapião ajuizada por condôminos. Admissibilidade em hipótese na qual o pleito versa sobre a integralidade do bem ou sobre parte certa, ou seja, de determinada área. Não cabe, todavia, a pretendida declaração de domínio pela usucapião de parte ideal não delimitada de imóvel pretendida por condômino em face dos demais condôminos. Situação de condomínio pro indiviso. Recurso de Apelação dos coautores não provido. (TJSP; Apelação Cível 0001970-15.2012.8.26.0196; Relator (a):Alexandre Bucci; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Franca -5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 26/04/2016; Data de Registro: 27/04/2016) Portanto, correta a sentença da ação 0140007- 58.2008.8.26.0100, que não atribuiu frações aos herdeiros, pois a usucapião versa acerca da posse direta sobre um bem determinado, não havendo que se falar em atribuição de proporções ideais da posse. O pedido da inicial, portanto, se torna incabível, pois a matrícula corresponde exatamente à situação fática constatada pelo processo que deu origem ao Registro. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido para a retificação da matrícula nº 173.387, do 16º RISP. DECRETO a extinção do processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC). Custas e despesas pela parte autora. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I. – ADV: PRISCILLA MALDONADO RODRIGUES (OAB 420704/SP) (DJe de 17.11.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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2VRP/SP: Tabelionato de Notas. Escritura Pública de Inventário. Não há obrigatoriedade do tabelião de consultar ações de inventário. Processo 0040373-69.2020.8.26.0100

Pedido de Providências – REGISTROS PÚBLICOS – C.G.J. – J.M.R.S. e outro – Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio VISTOS, Cuida-se de pedido de providências instaurado a partir de representação encaminhada pela E. Corregedoria Geral da Justiça, do interesse da Senhora Marlene Meirelles Pirro, representada por Jonas Mariano Ricobello, insurgindo-se contra a Senhora 17ª Tabeliã de Notas da Capital, alegando irregularidade na lavratura de Escritura Pública de Inventário. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 04/12. Delimitou-se o alcance do presente procedimento e determinou-se o bloqueio preventivo do referido ato notarial, ficando vedada a expedição de certidões ou cópias sem a expressa autorização desta Corregedoria Permanente (fls. 13/14). A ilustre Titular prestou esclarecimentos às fls. 16/21, juntando cópia da combatida Escritura Pública às fls. 22/35. A Senhora Representante tornou aos autos para reiterar os termos de sua inicial, ressaltando falta de cautela por parta da Senhora Delegatária na lavratura da nota pública (fls. 37/40). O Ministério Público apresentou parecer pugnando pelo arquivamento do expediente, ante a inexistência de indícios de ilícito funcional por parte da serventia correicionada (fls. 44/45). É o relatório. Decido. Trata-se de representação do interesse da Senhora Marlene Meirelles Pirro, representada por Jonas Mariano Ricobello, que se insurge contra a Senhora 17ª Tabeliã de Notas da Capital, alegando irregularidade na lavratura de Escritura Pública de Inventário. Narra a Senhora Representante haver sido excluída do Inventário Extrajudicial de seu falecido companheiro, Senhor Alexandre Demetrio Ramos Nogueira, lavrado perante a indicada serventia, aos 26 de maio de 2020. Aponta que o ato foi requerido à unidade de notas pelo irmão do extinto, que deixou de indicar o verdadeiro estado civil do colateral, o qual, à data do óbito, já convivia em união estável com a ora requerente há mais de 20 anos. No mesmo sentido, indica que a serventia não agiu com a devida cautela, uma vez que já havia ação de abertura de inventário em trâmite perante o MM. Juízo da 12ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Capital, cuja distribuição ocorrera aos 11 de maio de 2020, o que deveria ter sido verificado e ocasionado o impedimento da realização do ato impugnado. A seu turno, a Senhora Tabeliã veio aos autos para esclarecer que a Escritura Pública de Inventário observou toda a normativa incidente sobre a matéria, sendo realizada de forma hígida e irrepreensível (Subseção VII, Capítulo XVI das NSCGJ e Lei 11.441/07). Com efeito, apontou que o instrumento combatido se refere a Escritura de Arrolamento Conjunto e Adjudicação, relativos aos bens deixados não só pelo indicado companheiro da requerente, Senhor Alexandre, mas também por sua genitora, Senhora Alexandra Popoff Nogueira, que faleceu alguns dias após o passamento daquele, aos 26 de abril de 2020. Destacou, nesse sentido, que o irmão e filho dos falecidos, Senhor José Ramos Nogueira Neto, noticiou expressamente, sob as penas da lei, que Alexandre mantinha vida em comum com ninguém, que pudesse ser caracterizada como união estável. Quanto a isso, a d. Tabeliã apontou que não haveria meios da serventia extrajudicial ter conhecimento da existência da Senhora Representante, uma vez que a união estável, se não expressamente inscrita em registro público, depende unicamente da declaração das partes durante a realização do ato. Em réplica, a Senhora Representante reforçou sua insurgência inicial, aduzindo que houve falta de cautela pela serventia extrajudicial. Ademais, noticiou que já ingressou com as cabíveis ações judiciais com vistas a reparar os danos que entende ter sofrido. Pois bem. Insurge-se a Senhora Representante aduzindo falta de cautela por parte da Serventia Extrajudicial, que deixou de verificar a existência de ação distribuída referente à abertura de inventário em nome de Alexandre Demetrio Ramos Nogueira. Nesse sentido, destaco que o item 118, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça elenca os documentos de apresentação obrigatória quando da lavratura de Escritura Pública de Inventário e Partilha. In verbis: 118. Na lavratura da escritura deverão ser apresentados os seguintes documentos: a) certidão de óbito do autor da herança; b) documento de identidade oficial e CPF das partes e do autor da herança; c) certidão comprobatória do vínculo de parentesco dos herdeiros; d) certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros casados e pacto antenupcial, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver; g) certidão negativa ou certidão positiva com efeitos de negativa de tributos; h) CCIR emitido pelo INCRA, se houver imóvel rural a ser partilhado; i) certidão negativa conjunta da Receita Federal do Brasil e PGFN; j) certidão comprobatória da inexistência de testamento (Registro Central de Testamentos). Bem assim, conforme constou do próprio instrumento público, às fls. 33 destes autos, tais documentos foram devidamente apresentados e arquivados perante a unidade extrajudicial, de modo que a insatisfação da Senhora Requerente, no sentido de que não se consultou acerca de ações de inventário, não pode prosperar, posto que tal medida não é de ser exigida da unidade, uma vez que não inserida no longo rol do item 118. Note-se que compete aos interessados e não ao Tabelião a informação da existência de inventario judicial, como previsto no subitem 106.4, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria, a saber: 106.4. Na pendência de inventário judicial, a opção pela via extrajudicial pode ser exercida, mediante a apresentação do requerimento judicial protocolado de desistência ou de suspensão do processo sucessório. Ademais, as declarações efetuadas pelo herdeiro foram feitas sob condição formal e sob as penas da lei, partindo-se do princípio de que é a boa-fé e a probidade que regulam as declarações na situação concreta. Nesse quesito, boa-fé e probidade vem estampadas no próprio Código Civil, em seu artigo 422, que aponta que os “contratantes são obrigados guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade eboa-fé”, cuja aplicação por analogia é possível aqui. Posto isso, leciona Fabio Ulhoa: Em razão da cláusula geral da boa-fé objetiva, os contratantes devem-se, tanto nas negociações como na execução do contrato, mútuo respeito quanto aos direitos da outra parte. Condutas que denunciam ou sugerem o desrespeito como a ocultação de vícios da coisa caracterizam a ausência de boa-fé. No que tange à probidade, aponta Carlos Roberto Gonçalves: A probidade, mencionada no art. 422 do Código Civil, retrotranscrito, nada mais é senão um dos aspectos objetivos do princípio da boa-fé, podendo ser entendida como a honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos ou cometidos à pessoa. [Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. 16º ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. P. 65.] Probidade e boa-fé se aplicam a todos os âmbitos da vida civil, não ficando restritas ao Direito Contratual. Assim, na seara extrajudicial, certo que os instrumentos notariais são a materialização das vontades das partes declarantes, tomadas perante uma pessoa especialmente designada para tal função o Notário quem, imbuído de fé pública, confere segurança jurídica a certos feitos de caráter formal, ocorre o mesmo: as partes devem atuar observando os princípios da boa-fé e probidade. A corroborar: EMBARGOS DECLARATÓRIOS Renovação da matéria em busca alteração da decisão Ausência de pontos omissos, obscuros ou em contradição Cobrança Ressarcimento de despesas havidas com ITCMD e custas de escritura de inventário extrajudicial Meeiro que alegou ter antecipado o pagamento Ausente comprovação Quitação recíproca entre as partes, presumindo-se compensadas eventuais despesas realizadas antes da formalização da partilha Comportamento do autor que viola o princípio da boa-fé objetiva Proibição do ‘venire’ contra ‘factum proprium’, atentatória da confiança gerada na outra parte de quitação de eventuais despesas anteriores à partilha Improcedência da ação Sentença confirmada – Nada a declarar, cumprindo a parte atentar para o disposto pelo artigo 1.025, do Código de Processo Civil – Conhecidos pela tempestividade Embargos rejeitados. (TJ-SP – 1000524-27.2020.8.26.0180, Relator: Elcio Trujillo, Data de Julgamento: 22/09/2020, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/09/2020) [grifos meus] Nas situações registradas pelo Notário, de certo que informações que dependem unicamente da declaração das partes e não podem de outra forma serem obtidas pelo Tabelião, repousam exatamente na confiança de que os envolvidos atuam dentro da probidade e boa-fé de todos esperada. A questão posta Senhora Representante não é passível de exame perante esta Corregedoria Permanente, prosseguindo sua discussão na esfera judicial. Assim, eventual vício pode ser imputado a Sra. Tabeliã, que em sua atuação, operou dentro da normativa aplicável sobre a matéria, sem possibilidade do conhecimento da potencial existência de união estável não constante da documentação apresentada, bem como, de declarações prestadas. Nessa ordem de ideias, reputo satisfatórios os esclarecimentos prestados pela Senhora Titular, sendo forçoso convir que não há indícios de que a serventia correicionada tenha atuado em desacordo com as normas legais ou concorrido de forma maliciosa em prejuízo à Senhora Representante. Desse modo, não vislumbro responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar. Noutro turno, pendendo a discussão acerca da validade do título extrajudicial, mantenho o bloqueio anteriormente determinado sobre o ato, ficando vedada a extração de cópias ou certidões do ato sem a autorização desta Corregedoria Permanente. Anote-se. Destarte, à míngua de outra providência administrativa a ser adotada, determino o arquivamento dos autos. Ciência à Senhora Tabeliã, ao Ministério Público e à Senhora Representante, por e-mail (fls. 02). Ante ao contraste das afirmações do herdeiro e da Sra. Representante, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal remeta-se cópia integral dos autos à Central de Inquéritos Policiais e Processos para conhecimento dos fatos pelo Ministério Público para consideração que possa merecer. Encaminhe-se cópia desta r. Sentença, bem como de fls. 16/35, 37/40 e 44/45, à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. I.C. – ADV: JONAS MARIANO RICOBELLO SILVA (OAB 269892/SP) (DJe de 17.11.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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