CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de áreas públicas – Loteamento parcialmente registrado, em virtude de ação judicial – Certidão municipal que não permite concluir que o parcelamento foi implantado e consolidado em conformidade ao projeto aprovado – Requisitos técnicos para a elaboração da planta e dos memorais descritivos não preenchidos – Falta de descrição das áreas públicas, tanto na parte registrada do loteamento, quanto naquela não registrada – Inexistência de elementos seguros para descerramento de matrículas e registros pretendidos Art. 22, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979 e Art. 195-A da Lei nº 6.015/73 – Requisitos legais não atendidos – Nega-se provimento ao recurso.


  
 

Apelação Cível nº 1004567-11.2018.8.26.0363

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1004567-11.2018.8.26.0363

Comarca: MOGI-MIRIM

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1004567-11.2018.8.26.0363

Registro: 2020.0000681586

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004567-11.2018.8.26.0363, da Comarca de Mogi-Mirim, em que é apelante MUNICÍPIO DE MOGI MIRIM, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOGI-MIRIM.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 13 de agosto de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1004567-11.2018.8.26.0363

Apelante: Município de Mogi Mirim

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi Mirim, SP (Walter Marques)

VOTO Nº 31.196

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de áreas públicas – Loteamento parcialmente registrado, em virtude de ação judicial – Certidão municipal que não permite concluir que o parcelamento foi implantado e consolidado em conformidade ao projeto aprovado – Requisitos técnicos para a elaboração da planta e dos memorais descritivos não preenchidos – Falta de descrição das áreas públicas, tanto na parte registrada do loteamento, quanto naquela não registrada – Inexistência de elementos seguros para descerramento de matrículas e registros pretendidos Art. 22, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979 e Art. 195-A da Lei nº 6.015/73 – Requisitos legais não atendidos – Nega-se provimento ao recurso.

1. Trata-se de apelação interposta pelo Município de Mogi Mirim contra a sentença que manteve a negativa de registro das áreas públicas no loteamento denominado “Parque das Laranjeiras”, implantado nos imóveis matriculados sob nos 19.000 e 19.001 junto ao Registro de Imóveis e Anexos daquela Comarca (fl. 515/516).

Alega o apelante, em síntese, que a despeito de não ter havido o registro do loteamento, o parcelamento da gleba foi implantado de acordo com o projeto urbanístico aprovado pela Prefeitura, certo que as obras de infraestrutura básica já foram executadas. Aduz que na matrícula nº 34.593, aberta em virtude da parcial regularização do loteamento por meio de procedimento judicial, o registro das áreas públicas foi realizado. Contudo, na parte ainda não regularizada do loteamento, também existem serviços públicos disponíveis, razão pela qual o registro pretendido objetiva resguardar o domínio público sobre as ruas,

praças, espaços livres e áreas institucionais, em atenção ao disposto no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979. Acrescenta que as obras de infraestrutura faltantes estão sendo realizadas pelo Município, que todos os documentos necessários ao registro das áreas públicas do loteamento foram apresentados e que precisa comprovar o domínio dessas áreas para obtenção de financiamento junto à Caixa Econômica Federal. Requer, assim, a reforma da sentença para que seja promovido o registro das áreas públicas, como pretendido (fl. 521/532).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 554/557).

É o relatório.

2. O Município recorrente busca ver transmitido ao seu domínio as áreas públicas do loteamento denominado “Parque das Laranjeiras”.

Apresentado o título para exame e cálculo, o Oficial registrador emitiu nota de devolução nos seguintes termos:

O ato requerido não foi praticado, pois, para abertura das áreas públicas deverá ser promovido o registro do loteamento em sua totalidade, que não existe nas matrículas nºs 19.000 e 19.001, tendo em vista que somente parte do loteamento está regularizado (vide Matrícula nº 34.593). Com o registro do loteamento, as referidas áreas passam a integrar o domínio do Município, art. 22 da Lei 6.766/79” (fl. 69).

Inconformado com a exigência formulada, o Município apelante reapresentou o título para registro (protocolo nº 292.288) e requereu a suscitação de dúvida. O Oficial registrador, então, suscitou dúvida ao MM. Juiz Corregedor Permanente, reiterando a exigência antes formulada e, ainda, apresentando novos óbices:

“Referido loteamento que teve início à margem da Lei do Parcelamento solo, foi parcialmente regularizado em procedimento judicial, em 18 de junho de 1987, conforme R.1/M.34.593, abrangendo uma área de 200.212,75 m², correspondendo as quadras “A” até “P”, com 529 lotes;

A área do loteamento era de 1.089.470,73 m², matriculada sob nºs. 19.000 e 19.001, da qual foi desmembrada a área já registrada com 200.212,75 m², restando 889.257,98 m² que deve corresponder a área irregular; No processo referente à parte registrada do loteamento não consta a descrição das áreas públicas (vias, praças, institucionais e outras), portanto, não há elementos seguros para abertura das matrículas dessas áreas; O mesmo ocorre com relação às áreas públicas situadas na parte não registrada do loteamento, não dispondo este Oficial de Registro Imóveis de qualquer suporte legal para registro e abertura das matrículas dessas áreas; Nas matrículas nºs. 19.000 e 19.001, sequer constam a descrição da área remanescente de 889.257,98 m², onde está o loteamento, o que deverá ser apurado em procedimento próprio, necessário para abertura da matrícula e registro das áreas requerido, desde que comprovado a implantação do loteamento; O suscitado apresentou apenas cópias de plantas e memoriais descritivos que não foram elaborados pelo mesmo autor do projeto do loteamento, nem a ART-Anotação de Responsabilidade técnica do responsável pelo projeto foi apresentado. Ainda que aplicável o disposto no parágrafo único do art. 22, da Lei 6.766/79, ou seja, que o loteamento estivesse implantado, deveria, contudo, ser apresentado plantas e memoriais descritivos das áreas públicas que compõem cada parte do loteamento.”

Ora, é preciso lembrar que ao registrador cabe examinar, de forma exaustiva, o título apresentado e que, havendo exigências de qualquer ordem, estas deverão ser formuladas de uma só vez (NSCGJ, Capítulo XX, item 38) e não, no curso do procedimento de dúvida, como na hipótese dos autos.

Por outro lado, tanto o MM. Juiz Corregedor Permanente, quanto este Conselho Superior da Magistratura, ao apreciar as questões apresentadas no procedimento de dúvida, devem requalificar o título por completo. E assim é porque a qualificação do título realizada no julgamento da dúvida é devolvida por inteiro ao Órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra petita ou violação do contraditório e ampla defesa, como decidido por este Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 33.111-0/3, da Comarca de Limeira/SP, em acórdão de que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha: “Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. Ap Civ 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba). Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até mesmo em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial. Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (in “Revista de Direito Imobiliário”, 39/339).

Logo, a irregularidade verificada não impede o prosseguimento do feito e tampouco a análise do presente recurso que, no entanto, não comporta acolhimento.

É sabido que, por força do disposto no art. 22 da Lei nº 6.766/1979, com o registro do loteamento passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. INR

Ocorre que, no caso em exame, o loteamento não se encontra integralmente registrado. Em verdade, da área total do loteamento a ser implantado nos imóveis matriculados sob nos 19.000 e 19.001 junto ao Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi Mirim/SP, com 1.089.470,73m², apenas uma área de 200.212,75m², com 529 lotes, foi regularizada por meio de ação judicial, conforme R.1 da matrícula nº 34.593 da referida serventia imobiliária (fl. 242/256).

Ainda assim, a exigência de registro do loteamento em sua totalidade, para registro das áreas públicas pretendidas pelo apelante, não se sustenta.

Isso porque, a certidão a fl. 340 dá conta de que o loteamento foi implantado. E nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979 (incluído pela Lei nº 12.424/2011), existe a possibilidade de, na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, requerer o Município, “por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se encontra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público, que passarão dessa forma a integrar o seu domínio”.

Também a Lei nº 6.015/73 traz, em seu art. 195- A, a possibilidade de abertura de matrícula de parte ou da totalidade de imóveis públicos oriundos de parcelamento do solo urbano implantado, ainda que o loteamento não esteja inscrito ou registrado, por meio de requerimento acompanhado dos documentos indicados em seus incisos:

Art. 195-A. O Município poderá solicitar ao cartório de registro de imóveis competente a abertura de matrícula de parte ou da totalidade de imóveis públicos oriundos de parcelamento do solo urbano implantado, ainda que não inscrito ou registrado, por meio de requerimento acompanhado dos seguintes documentos: (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

– planta e memorial descritivo do imóvel público a ser matriculado, dos quais constem a sua descrição, com medidas perimetrais, área total, localização, confrontantes e coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites; (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

II – comprovação de intimação dos confrontantes para que informem, no prazo de 15 (quinze) dias, se os limites definidos na planta e no memorial descritivo do imóvel público a ser matriculado se sobrepõem às suas respectivas áreas, se for o caso; (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

III – as respostas à intimação prevista no inciso II, quando houver; e (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

IV – planta de parcelamento ou do imóvel público a ser registrado, assinada pelo loteador ou elaborada e assinada por agente público da prefeitura, acompanhada de declaração de que o parcelamento encontra-se implantado, na hipótese de este não ter sido inscrito ou registrado. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1° – Apresentados pelo Município os documentos relacionados no caput, o registro de imóveis deverá proceder ao registro dos imóveis públicos decorrentes do parcelamento do solo urbano na matrícula ou transcrição da gleba objeto de parcelamento. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

§ 2° – Na abertura de matrícula de imóvel público oriundo de parcelamento do solo urbano, havendo divergência nas medidas perimetrais de que resulte, ou não, alteração de área, a situação de fato implantada do bem deverá prevalecer sobre a situação constante do registro ou da planta de parcelamento, respeitados os limites dos particulares lindeiros. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)

É preciso observar, nesse ponto, que o procedimento de registro não comporta a análise do mérito administrativo das certidões, licenças e autorizações expedidas pelo Poder Público, devendo o Oficial de Registro, no entanto, qualificar esses atos para verificar se atendem à finalidade a que se destinam, ou seja, à congruência entre o seu conteúdo e o efeito que buscam produzir.

Bem por isso, em que pese a existência de certidão expedida pelo Município confirmando a implantação do loteamento (fl. 340), não há como ser afastado o óbice referente à falta de descrição das áreas públicas, tanto na parte registrada do loteamento, quanto naquela não registrada, o que resulta na ausência de elementos seguros para descerramento de matrículas e registros como pretendido.

A propósito, mister observar que não há provas de que a mencionada implantação tenha efetivamente ocorrido de acordo com o projeto do loteamento aprovado (fl. 77/121 e 122/124). O próprio apelante reconhece que as áreas remanescentes do loteamento não registrado são objeto de procedimento de regularização fundiária, certo que nem todas as obras de infraestrutura estão em pleno funcionamento.

Veja-se que, registrada parte do loteamento, a área remanescente sequer foi apurada e devidamente identificada. Nesse cenário, o memorial descritivo apresentado (fl. 122/165) não é apto a identificar, nas matrículas nos 19.000, 19.001 e 34.593, as áreas públicas a serem registradas, o que impede o acesso da antiga planta ao registro na forma agora indicada pelo apelante. Ressalte-se que os requisitos técnicos devem ser atendidos antes da suscitação da dúvida, razão pela qual não se mostra possível a complementação dos documentos que acompanharam o título protocolado.

E ainda que se considere que os documentos de fl. 350/351 são cópias mais legíveis daqueles que já haviam sido apresentados, o fato é que a planta de fl. 445 e o relatório de vistoria de fl. 474/510, além de não guardarem relação com a planta anteriormente juntada, referem-se a uma área de 387.644,98m² (fl. 478) e, portanto, não abrangem a totalidade do loteamento e das áreas públicas cujo registro é pretendido. Ainda, deixou o Município apelante de comprovar a intimação dos confrontantes para que informem, no prazo de 15 (quinze) dias, se os limites definidos na planta e no memorial descritivo do imóvel público a ser matriculado se sobrepõem às suas respectivas áreas (art. 195-A, incisos II e III, da Lei nº 6.015/73).

Nessa quadra, mostra-se inviável o registro pretendido.- ^^/

3. Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 01.09.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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