Recurso Especial – Civil e Processo Civil – Sucessões – Existência de testamento – Inventário extrajudicial – Possibilidade, desde que os interessados sejam maiores, capazes e concordes, devidamente acompanhados de seus advogados – Entendimento dos Enunciados 600 da VII Jornada de Direito Civil do CJF; 77 da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios; 51 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF; e 16 do IBDFAM – 1. Segundo o art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73), em havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece, sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras – 2. O Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, “se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz” (art. 2.015). Por outro lado, determina que “será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz” (art. 2.016) – bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC – 3. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente – 4. A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça – 5. Na hipótese, quanto à parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado. Ademais, não há maiores complexidades decorrentes do testamento. Tanto a Fazenda estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida. Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010 e lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, foi devidamente aberto, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões – 6. Recurso especial provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.808.767 – RJ (2019/0114609-4)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : SAMUEL CUKIERMAN

RECORRENTE : MAURO CUKIERMAN

RECORRENTE : ROGERIO CUKIERMAN

ADVOGADOS : SÉRGIO SENDER – RJ033267

MÔNICA SENDER – RJ055404

RECORRIDO : NÃO INDICADO

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. SUCESSÕES. EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OS INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E CONCORDES, DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE SEUS ADVOGADOS. ENTENDIMENTO DOS ENUNCIADOS 600 DA VII JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CJF; 77 DA I JORNADA SOBRE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS; 51 DA I JORNADA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DO CJF; E 16 DO IBDFAM.

1. Segundo o art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73), em havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece, sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

2. O Código Civil, por sua vez, autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, “se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz” (art. 2.015). Por outro lado, determina que “será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz” (art. 2.016) – bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC.

3. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.

4. A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.

5. Na hipótese, quanto à parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado. Ademais, não há maiores complexidades decorrentes do testamento. Tanto a Fazenda estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida. Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010 e lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, foi devidamente aberto, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões.

6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.

Brasília (DF), 15 de outubro de 2019(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Lea Cukierman faleceu em 1°/2/2015, deixando em favor do marido, Samuel Cukierman, e dos dois filhos maiores Mauro Cukierman e Rogério Cukierman, testamento público, devidamente processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro, com total concordância dos herdeiros e da Procuradoria do Estado, ficando estabelecido que toda a parte disponível da herança seria destinada ao viúvo.

Em sequência, deu-se início ao inventário judicial, no qual foi requerida a partilha de bens – um imóvel e cotas socias de três empresas –, tendo aquele juízo determinado o processamento da apuração de haveres em três novos processos (distribuídos por dependência).

No entanto, por se tratar de sucessão simples, envolvendo herdeiros maiores, capazes e concordes, diante das novas diretrizes da Corregedoria-Geral do Estado, a despeito de existir testamento já cumprido, requereram os interessados a extinção do feito e a autorização para que o processamento do inventário e da partilha de bens ocorresse de forma extrajudicial.

O magistrado de piso indeferiu o pleito, pelos seguintes fundamentos:

A pretensão deduzida encontra sólido obstáculo no comando contido no artigo 610 do novo CPC, dispositivo esse que repete integralmente o disposto no artigo 982 do CPC revogado, e determina a abertura de inventário judicial em havendo testamento, não contrariado por qualquer norma processual. Outrossim, ainda que se empreste equivocada interpretação aquela norma, data venia, é de se observar que a lei determina que é o juiz que ‘deve dar a interpretação da cláusula testamentária que melhor assegure a observância da vontade do testador’ (artigo 1899); que trata da ‘escolha do legado’ (artigo 1930); que declara a ‘caducidade’ (artigo 1930); que decide sobre o ‘direito de acrescer’ (artigo 1941); que decide acerca da ‘redução das disposições testamentárias’ (artigo 1966); sobre o ‘registro (artigo 1979); que é o juiz que ‘nomeia o testamenteiro, na falta de indicado ou cônjuge’ (artigo 1984); e que é o juiz que fixa o prêmio ou vintena’ (artigo 1987). E todas essas questões são próprias do processo de inventário judicial, empeço a que se adote o inventário extrajudicial. Por esses motivos, indefiro a pretensão deduzida, e determino o prosseguimento do feito.

Interposto agravo de instrumento, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERIU O PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL PARA O PROCESSAMENTO DO INVENTÁRIO ANTE A EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. DECISÃO QUE NÃO MERECE SER REFORMADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 610 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO § 1°, ANTE A EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

(fls. 43-51)

Irresignados, interpõem recurso especial com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, por negativa de vigência ao art. 610 e § 1°, do CPC/15, além de dissídio jurisprudencial.

Sustentam que, “apesar do teor do caput do artigo 610 do novo CPC, o § 1° expressamente permite o processamento do inventário pela via extrajudicial, desde que sejam os herdeiros capazes e concordes”; em verdade “o único impedimento para a aplicação do referido parágrafo primeiro é a existência de incapaz e não a de testamento”.

Destacam que o Tribunais pátrios, por meio de provimento de suas Corregedorias de Justiça, têm admitido o inventário extrajudicial, ainda que envolva testamento, haja vista a celeridade alcançada e a garantia de liberdade de escolha dos herdeiros, considerando, na espécie, que o viúvo-meeiro conta com 85 anos de idade.

Argumentam que “este procedimento torna mais rápido o cumprimento do testamento, trazendo visíveis benefícios aos interessados, evitando desnecessárias formalidades e desafogando a enormidade de ações que assoberbam o Poder Judiciário, que ficará responsável por processar apenas aqueles inventários em que houver menores e/ou conflitos entre os herdeiros”.

O recurso recebeu crivo de admissibilidade positivo na origem (fls. 105-109).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Cinge-se a controvérsia em definir se é possível o processamento do inventário extrajudicial quando há testamento do falecido, notadamente em se tratando de interessados maiores, capazes e concordes, devidamente acompanhados de seus patronos.

O Tribunal de origem, por maioria, seguindo a interlocutória de piso, decidiu pela impossibilidade do inventário administrativo, pelos seguintes fundamentos:

Inicialmente, destaco ter sido designado como Relator no presente recurso, restado vencido o Des. Jessé Torres. Outrossim, destaco que os requisitos de admissibilidade já foram apreciados pelo Des. Relator, dispensando-se nova análise.

No caso em tela os recorrentes almejam dar cumprimento à ultima vontade da testadora quanto à partilha dos bens, procedendo os herdeiros a juntada da certidão do RGI do imóvel e dos contratos sociais das três empresas, não tendo havido até a presente data a nomeação de inventariante. Destacaram que ante a demora no trâmite judicial dos inventários referentes a apuração de haveres das cotas sociais das empresas inventariadas optaram por promover o inventário e a partilha dos bens pela via extrajudicial, com a finalidade de tornar mais célere o cumprimento de última vontade da testadora.

Entendo, em dissonância com o aduzido pelo Relator originário que resta inviável a pretensão dos recorrentes no sentido de procederem ao inventário pela via extrajudicial, haja vista a existência de disposição de última vontade do de cujus o que implica na aplicação do disposto no art. 610 do CPC, sendo certo que o § 1° do referido art. 610 não incide nos casos em que exista testamento, sendo esta a mens legis.

Diante do exposto, VOTO NO SENTIDO DE CONHECER O RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, MANTENDO-SE A R. DECISÃO VERGASTADA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO SUPRA.

O voto vencido, por sua vez, asseverou que:

Cuida-se de agravo de instrumento deduzido nos autos de inventário em trâmite perante o Juízo da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital, contra decisão que indeferiu o processamento do inventário e da partilha de bens pela via extrajudicial, como requerido pelos herdeiros, ora agravantes.

A interlocutória hostilizada (pasta 29, anexo 1) rejeitou a pretensão nos seguintes termos:

[…]

Narram os agravantes que, no inventário judicial em trâmite, pretendem dar cumprimento à ultima vontade da testadora quanto à partilha dos bens, tendo procedido à juntada da certidão do RGI do imóvel e dos contratos sociais das três empresas, não tendo havido a nomeação de inventariante até a presente data.

Requereram a apuração de haveres das cotas sociais das empresas inventariadas, tendo o Juízo a quo determinado o processamento de cada qual separadamente, em três novos processos, distribuídos por dependência ao do inventário. Tendo em vista a demora no processamento de todas as demandas, e de serem os herdeiros maiores, capazes, representados pelos mesmos patronos, com interesses harmoniosos e concordes, postularam o processamento do inventário e da partilha de bens pela via extrajudicial, com a finalidade de tornar mais célere o cumprimento da última vontade da testadora. A decisão ora agravada indeferiu tal pleito e determinou o prosseguimento do inventário em sede judicial.

A Procuradoria de Justiça em atuação perante esta Corte opina pelo conhecimento e provimento do recurso (pasta 33), verbis:

“Agravo de Instrumento. Inventário. Testamento. Decisão agravada que indeferiu o pedido de realização do inventário e da partilha por instrumento público. Possibilidade de inventário pela via extrajudicial quando existir testamento. Interpretação do art. 610, §1°, do Código de Processo Civil. Enunciado 600 do CJF. Enunciado 16 do IBDF. Art. 297, §1°, da Consolidação Normativa da CGJ.

Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso.”

Com razão os agravantes.

O testamento público, outorgado aos 02.03.2010, foi aberto, processado e concluído perante o Juízo de Direito da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões sob o n° 0132492-26.2015.8.19.0001 (pasta 106 do anexo 01). O inventário judicial (processo n° 0168997-16.2015.8.19.0001) encontra-se em fase de avaliação de bens e apuração de haveres. Dispõe o artigo 610, § 1°, do CPC /15:

Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.

§ 1° Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

O Provimento n° 21/2017, da Corregedoria Geral de Justiça deste Estado, alterou o art. 297 da respectiva Consolidação Normativa, que passou à seguinte redação, verbis:

“Art. 297. A escritura pública de inventário e partilha conterá a qualificação completa do autor da herança; o regime de bens do casamento; pacto antenupcial e seu registro imobiliário se houver; dia e lugar em que faleceu o autor da herança; data da expedição da certidão de óbito; livro, folha, número do termo e unidade de serviço em que consta o registro do óbito, além da menção ou declaração dos herdeiros de que o autor da herança não deixou testamento e outros herdeiros, sob as penas da lei.

§ 1. Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente nos autos da apresentação e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qua constituirá título hábil para o registro.”

No mesmo sentido estabelecem o Enunciado n° 600, aprovado na VIII Jornada de Direito Civil, bem como o Enunciado n° 16, do Instituto Brasileiro de Direito da Família, ambos de 2015:

“Enunciado 600: Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflitos de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial”.

“Enunciado 16: Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflitos de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial”.

No caso em testilha, sendo todos os herdeiros maiores, capazes, representados pelos mesmos patronos, com interesses harmoniosos e concordes, a partilha de bens poderá ser feita por escritura pública em cartório extrajudicial, mediante acordo e expressa autorização do juízo sucessório. Averbem-se precedentes deste TJRJ, em casos de idêntico teor, de todo aqui aplicáveis, vg:

[…]

Daí votar por que se dê provimento ao recurso, para que seja autorizada a realização do inventário pela via extrajudicial, nos termos do art. 610, § 1°, do CPC/15.

3. Nesse passo, observo que o testamento é um negócio jurídico pelo qual a pessoa capaz faz disposições de caráter patrimonial ou extrapatrimonial, para depois de sua morte (CC, art. 1857), fazendo o testador amplo exercício de sua autonomia de vontade, seja quanto ao patrimônio seja em relação às questões existenciais, respeitados os limites da norma.

Com a morte, por meio da saisine, transmite-se a herança aos sucessores legítimos e testamentários, momento em que a universalidade de bens é definida em sua composição, por meio do inventário, bem como há a individualização da cota hereditária em relação a cada sucessor, por intermédio da partilha.

Nessa ordem de ideias, a Lei n. 11.441/2007, em normativo inovador, seguindo a linha da desjudicialização que atinge diversos países do mundo, autorizou a realização de alguns atos de jurisdição voluntária pela forma extrajudicial. A Resolução n. 35/2007, do CNJ, disciplinou especificamente o inventário e a partilha pela via administrativa, sem afastar, por óbvio, a via judicial, haja vista não se tratar de procedimento obrigatório.

Deveras, a partilha extrajudicial é instituto crescente e cada vez mais consagrado no direito comparado:

O Código Civil francês, artigo 819, prevê: “Si tous les héritiers sont présents et capables, le partage peut être fait dans la forme et par tel acte que les parties jugent convenables” (“Se todos os herdeiros estão presentes e são capazes, a partilha pode ser feita na forma e pelo ato que as partes julguem conveniente”). O Código Civil português, artigo 2.102,1, afirma que a partilha pode fazer-se extrajudicialmente, quando houver acordo de todos os interessados, ou por inventário judicial, nos termos previstos na lei do processo; a partilha extrajudicial deve ser feita por escritura pública se na herança existirem bens imóveis, como exige o Código do Notariado. O Código Civil espanhol, artigo 1.058, permite que a partilha da herança seja feita extrajudicialmente, se os herdeiros forem maiores, tiverem a livre administração de seus bens e houver acordo unanime {nemim discrepante) de todos eles. O artigo 3.462 do Código Civil argentino, reformado pela Lei n° 17.711/68, admite a partilha extrajudicial ou privada, que pode ser feita pelos herdeiros presentes e capazes, desde que haja acordo entre eles. Na Suíça, o artigo 607, 2, do Código Civil, estabelece o princípio da liberdade da convenção em matéria de partilha. No mesmo sentido: artigo 2.530 do Código Civil paraguaio; artigo 853 do Código Civil peruano; artigo 907,1, do Código Civil japonês; artigo 838, al. 1, do Código Civil de Québec. O artigo 2.048 do Código Civil alemão (BGB) e o artigo 733, II, do Código Civü italiano afirmam que o testador pode determinar que a partilha seja feita segundo o critério (que deve ser equitativo, justo) de um terceiro.

(VELOSO, ZENO. Lei n° 11.441, de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 115)

O advento do novo Código de Processo Civil trouxe consigo a concretização de importantes mecanismos de pacificação, inclusive em relação às serventias extrajudiciais, enfatizando a desjudicialização da contenda.

Com relação especificamente ao inventário extrajudicial, o Código cristalizou o tema sem exauri-lo, definindo a escritura pública como o meio formal adequado ao seu processamento, equiparando-a “à sentença judicial quanto à sua eficácia executiva” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1025).

4. A dicção do art. 610 do CPC/2015 (art. 982 do CPC/73) é a seguinte:

Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.

§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

Em relação ao contexto da norma, ainda quando da entrada em vigor da Lei n. 11.441/2007, pontuou Zeno Veloso que:

Não há nenhum exagero ao afirmar que a Lei n° 11.441/07 é de extrema importância, introduziu um avanço notável, representa verdadeiro marco no Direito brasileiro, porque faculta aos interessados adotar um procedimento abreviado, simplificado, fora do Poder Judiciário, sem burocracia, sem intermináveis idas e vindas. O cidadão passou a ter razoável certeza do momento em que começa e da hora em que acaba o procedimento, a solução de seu problema. E isso é fundamental, sobretudo quando se trata de superar a crise dolorosa e aduda na relação familiar.

(Lei n° 11.441, de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 103)

De fato, deve-se ter em mente que o norte interpretativo de todos os diplomas citados foi o de fomentar a utilização dos procedimentos com reflexos na ordem social, econômica e jurídica, diante das “reduções de burocracias e de formalidades para os atos de transmissão hereditária, bem como a celeridade, na linha da tendência atual de desjudicialização das contendas e pleitos” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das sucessões, Vol. 6, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 589).

Ademais, na linha do art. 5° da LINDB e dos arts. 3°, § 2°, 4° e 8° do novo CPC, os fins sociais e as exigências do bem comum em relação à norma autorizativa de inventário extrajudicial são a redução de formalidades e burocracias, com o incremento do maior número de procedimentos e de solução de controvérsias por meios alternativos ao aparato estatal.

Nesse contexto, havendo a morte e estando todos os herdeiros e interessados, maiores e capazes, de pleno e comum acordo quanto à destinação e partilha dos bens, não haverá necessidade de judicialização do inventário, podendo a partilha ser definida e formalizada conforme a livre vontade das partes no âmbito extrajudicial.

Foi autorizada, assim, a via extrajudicial do inventário mediante a lavratura de escritura pública, cujo pressuposto-base é a ausência de litigiosidade e que os envolvidos sejam capazes e estejam de acordo com a vontade manifestada pelo testador.

No entanto – e aqui reside a polêmica – a redação do dispositivo deixa margem à dúvida, que, no limite, pode inviabilizar o processamento do inventário extrajudicial quando há disposição de última vontade do de cujus. Penso que o só fato de existir testamento não pode ser impeditivo para que o inventário siga pela via administrativa.

Data venia, não parece razoável obstar a realização do inventário e da partilha por escritura pública quando há registro judicial do testamento (já que haverá definição precisa dos seus termos) ou autorização do juízo sucessório (ao constatar que inexistem discussões incidentais que não possam ser dirimidas na via administrativa), sob pena de violação a princípios caros de justiça, como a efetividade da tutela jurisdicional e a razoável duração do processo.

Decorrente da própria técnica legislativa, o caput do dispositivo de lei deve ser tido como o responsável pela ideia central do artigo, cabendo aos parágrafos a definição dos seus desdobramentos, explicações, complementações, condições e exceções à cabeça do dispositivo.

Com efeito, “os parágrafos têm por finalidade explicar ou modificar a regra constante do artigo ao qual se submetem. Possuem função de escrita secundária e não devem estabelecer regra geral. As alíneas, incisos e itens devem ter apenas uma função esclarecedora ou enunciativa” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2006, p. 209).

Nessa ordem de ideias, o caput do art. 610 estabelece a regra: em havendo testamento ou interessado incapaz, o inventário se dará pela via judicial. Não obstante, conforme exceção à regra disposta no § 1°, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública sempre que os herdeiros forem capazes e concordes e não façam nenhuma restrição, o que engloba, por óbvio, a situação em que exista testamento.

Ademais, o Código Civil autoriza expressamente, independentemente da existência de testamento, que, “se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz” (art. 2.015). Por outro lado, determina que “será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz” (art. 2.016). Bastará, nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC.

Aliás, importante destacar que, antes mesmo da Lei n. 11.441/2007, o notário já lavrava escrituras públicas de partilha amigável, ainda que houvesse testamento, desde que a escritura fosse submetida à homologação do juiz.

É o destaque da doutrina:

De modo que, se antes da vigência da lei era possível a prática do ato notarial, não há razão para sustentar que desde o dia 5 de janeiro de 2007 não é mais possível a realização de inventário e partilha por escritura pública quando houver testamento, devendo ficar a ressalva de que, nesses casos, a escritura precisa ser homologada judicialmente. Interpretar de outro modo seria até mesmo absurdo, pois, nesse caso, o notário teria competência legal exclusiva para elaborar o testamento público e não poderia elaborar a escritura pública de partilha.

(CAHALI, Francisco José [et al.]. Escrituras públicas: separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. São Paulo: RT, 2008, p. 66).

Assim, a mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes.

Realmente, “entre maiores e capazes que se acham em pleno acordo quanto ao modo de partilhar o acervo hereditário, nada recomenda ou justifica o recurso ao processo judicial e a submissão a seus custos, sua complexidade e sua inevitável demora. Por outro lado, a retirada do inventário da esfera judicial contribui para aliviar a justiça de uma sobrecarga significativa de processos. Essa sistemática, portanto, só merece aplausos” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. 2, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 257).

Por óbvio, sempre será possível a discussão judicial de eventuais controvérsias a respeito da validade do testamento ou de alguma de suas cláusulas. Da mesma forma, “a existência de débitos do autor da herança, bem como de eventual direito de terceiros, não impedem a lavratura da escritura pública amigável de inventário e partilha. Contudo, ficam ressalvados esses eventuais direitos porque o sistema jurídico brasileiro não admite sejam realizados negócios jurídicos em fraude contra credores, que ficam sujeitos à anulação (CC 158), nem em fraude de execução, que são ineficazes relativamente à ação judicial pendente quando da alienação ou oneração do bem (CPC, 792)” (NERY JR. Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.432).

Nessa esteira, “todo testamento, para o seu cumprimento, deve, antes de mais nada, ser registrado em juízo, ou seja, em processo judicial específico, regulado pelos arts. 1.225 a 1.129 do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 735 a 737 do CPC de 2015)”.

Deveras, o inventário extrajudicial com testamento exige o provimento judicial para o ato de abertura, registro e cumprimento de testamento. “Nesse ato de abertura e registro de testamento, que é judicial, possíveis vícios formais serão apreciados e o testamento somente será executado se atender os requisitos formais. Assim, de um modo ou de outro, o inventário extrajudicial somente poderá ser iniciado após o registro do testamento e da ordem de cumprimento em processo judicial específico” (FIGUEIREDO, Ivanildo. Inventário extrajudicial na sucessão testamentária: possibilidade, legalidade, alcance e eficácia. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões n. 8 – set./out./2015, pp. 97-98).

No mesmo sentido, é a lição de Cristiano Chaves:

Todavia, em proibição pouco coerente, a legislação não admite o uso da via administrativa de inventário se o falecido deixou testamento. Nesse caso, imperativo o manejo de inventário em juízo, por conta da necessidade de prévia homologação do testamento. O argumento não convence. Ora, o que se mostra necessário proceder em juízo é a homologação do testamento. Assim, se o testamento já foi homologado judicialmente, garantida está a sua idoneidade, não se vislumbra qualquer óbice a impedir a partilha amigável, entre capazes, pela via cartorária. Injustificável, portanto, a vedação. (Curso de direito civil: sucessões. Salvador: Juspodvm, 2016, p. 518)

De outra parte, o processamento do inventário extrajudicial sempre exigirá a assistência e o acompanhamento de advogado ou defensor público. Com efeito, não obstante o testamento, “o inventário extrajudicial exige a concordância de todos os interessados com os termos da partilha dos bens, os quais devem ser assistidos pelos seus advogados, garantia de segurança quanto ao conhecimento dos direitos e obrigações de cada um” (ARAÚJO, Luciano Vianna. Comentários ao Código de Processo Civil. Coord. Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 178).

Em se tratando de direitos disponíveis, não há razão de ordem pública para proibir o inventário extrajudicial quando o testamento já tiver sido homologado judicialmente, até porque o herdeiro maior e capaz nem sequer é obrigado a receber o seu quinhão hereditário estipulado pelo testador.

Ainda porque, ao lavrar o testamento – ato solene por natureza –, o notário o faz com a observância de todas as suas formalidades, sendo efetivado na presença do testador e de duas testemunhas, discutido, lido, escrito e assinado no livro de notas, com a certeza e a segurança de assim representar a vontade manifestada pelo testador (CC, art. 1.864), além do absoluto cuidado e elevado grau de segurança na qualificação do testador, na aferição da sua capacidade e do seu discernimento, na limitação do seu poder de disposição, com respeito, inclusive, à legítima dos herdeiros necessários (CC, art. 1.857, § 1º).

A doutrina bem destaca a atuação do referido profissional:

O tabelião, ao colher a declaração de vontade e lavrar o testamento, representa o principal agente formalizador do ato, como titular da fé pública. Não serão as testemunhas instrumentárias que poderão, futuramente, comprovar ou afirmar a existência real do ato de testamento lavrado no cartório de notas, perante o tabelião. Tampouco o Juiz ou o representante do Ministério Público poderão expressar a vontade do testador em vida, visto que sequer conheceram a pessoa do testador. A responsabilidade pela certeza e pela perfeição jurídica do testamento é do tabelião, cujo instrumento lavrado vai assegurar a perpetuação da vontade do testador após a sua morte.

Todavia, o tabelião conheceu e teve contato direto com o testador, quando este expressou sua vontade testamentária para dispor dos seus bens e interesses, instituindo condições especiais e particulares para o processamento da sua sucessão. Coube ao tabelião, nesse contato personalíssimo com o testador, conversar, discutir e esclarecer os requisitos estabelecidos em lei para o ato de testar, explicando sobre a limitação do poder de disposição, esclarecendo a respeito da intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários. Assim, ainda que o inventário extrajudicial venha a ser processado, no futuro, por outro tabelião que não tenha lavrado o testamento, os critérios de elaboração e formalização do testamento adotados foram os mesmos, o grau de segurança jurídica esteve garantido pelo cumprimento de todas as solenidades definidas e exigidas no art. 1.864 do Código Civil.

(FIGUEIREDO, Ivanildo. ob.cit., p. 95-96).

5. Assim, de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610, do CPC/2015, penso ser possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente .

Com efeito, penso que a só existência de testamento não pode servir de motivo para impedir que o inventário seja levado a efeito administrativamente. “Não existindo litígio ou conflito de interesses, sendo todas as partes maiores e capazes, nada mais justifica, pois, que tais questões continuem a ser levadas ao Poder Judiciário, que, na maioria desses casos, terá sua função limitada a mero papel homologatório, de chancelar aquilo que já foi decidido pela livre-vontade das partes” (FIGUEIREDO, Ivanildo. ob.cit., p. 90).

Ora, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.

Trata-se, aliás, do posicionamento amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência, na dicção de diversos enunciados e provimentos das Corregedorias dos Tribunais. Confira-se:

– Enunciado n. 600 da VII Jornada de Direito Civil do CJF: “Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.”

– Enunciado n. 77 da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios: “Havendo registro ou expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, o inventário e partilha poderão ser feitos por escritura pública, mediante acordo dos interessados, como forma de pôr fim ao procedimento judicial.”

– Enunciado n. 51 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: “Havendo registro judicial ou autorização expressa do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura, registro e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública.”

– Enunciado n. 16 do IBDFAM: “Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.”

Ademais, já é a realidade adotada pelas Corregedorias dos Tribunais do país, que vêm autorizando o inventário extrajudicial, ainda que presente disposição de última vontade (testamento), desde que os interessados sejam capazes e concordes, como soem, por exemplo, as determinações do TJSP (Provimento n. 37 da Corregedoria-Geral), do TJRJ (nova redação do art. 297, § 1°, da Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral – Provimento n. 21/2017), do TJPB (art. 310 do Código Geral de Normas Judicial e Extrajudicial da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba) e do TJPR (Ofício-circular 155/2018 da Corregedoria da Justiça do Paraná).

Também é o entendimento da doutrina especializada:

Se houver testamento com conteúdo patrimonial, pode-se fazer partilha por escritura pública se herdeiros forem capazes, seguida de homologação judicial. É possível o inventário extrajudicial ainda que haja testamento, desde que previamente registrado em juízo ou homologado posteriormente pelo juízo competente (Enunciado n. 1 do Colégio Notarial do Brasil) […] Realmente, a existência de testamento não deveria coibir inventário extrajudicial, desde que haja: a) homologação judicial do ato de última vontade; b) plena capacidade dos herdeiros; c) ausência de conflito entre os interessados; e d) invocação da cláusula geral de negócios processuais atípicos (CPC, art. 190).

(DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: vol. 6: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 446)

Com o devido respeito, os diplomas legais que exigem a inexistência de testamento para que a via administrativa do inventário seja possível devem ser mitigados, especialmente nos casos em que os herdeiros são maiores, capazes e concordam com esse caminho facilitado. Nos termos do art. 5° da Lei de Introdução, o fim social da Lei 11.441/2007 foi a redução de formalidades, devendo essa sua finalidade sempre guiar o intérprete do Direito. O mesmo deve ser dito quanto ao Novo CPC, inspirado pelas máximas de desjudicialização e de celeridade.

(TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das sucessões, Vol. 6, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 548)

Nos termos da Lei n° 11.441/07, o inventário e partilha por escritura pública só podem ser feitos se todos os interessados forem capazes e concordes, devendo estar assistidos por advogado. Mas a utilização deste expediente, extrajudicial, não pode ocorrer se o falecido deixou testamento. Não importa a forma do testamento – ordinário ou especial – ou da natureza das disposições testamentárias, ou de o testamento já ter sido registrado ou confimado em juízo e com o ‘cumpra-se’ do juiz (CPC, arts. 1.125 a 1.134). Dada a expressa vedação legal, não há como fugir à conclusão de que a existência do testamento impede a utilização da partilha extrajudicial. Mas, se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, na forma do art. 2.015 do Código Civil, mesmo que o autor da herança tenha deixado testamento, todavia, como prevê o art. 1.0131 do CPC [art. 659 do novo CPC] – com a redação dada pelo art. 2° da Lei n° 11.441/07 –, a partilha, neste caso, tem de ser homologada pelo juiz. Entretanto, o falecido pode ter morrido sem testamento, mas ter deixado um codicilo (Código Civil, art. 1.881), que é disposição de última vontade, de conteúdo e objeto limitados, e testamento não é. Penso que, neste caso, é possível fazer-se a partilha extrajudicial, por escritura pública.

(cf. Juliana da Fonseca Bonates, Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais, coordenadores Antônio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado, São Paulo: Editora Método, 007, p. 318).

(VELOSO, ZENO. Lei n° 11.441, de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010, p. 114)

Unicamente quando da existência de testamento, ou de incapazes, ou de falta de acordo, é obrigatória a via judicial. Na existência de testamento, entretanto, passou a entender-se a possibilidade da escritura pública, bastando, em passo posterior, a mera homologação do juiz.

(RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 604)

Não se pode olvidar que a partilha amigável feita pelos serviços notariais e registrais, além de aprimorar a justiça colaborativa, permite que o jurisdicionado e os advogados tenham “um ambiente com acessibilidade e segurança jurídica, além de baixo custo e celeridade” (SILVA, Érica Barbosa e. O novo CPC e o inventário extrajudicial – uma análise crítica. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões n. 10 – jan./fev./2016, p. 201).

6. No caso dos autos, quanto à parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado. De resto, não há maiores complexidades decorrentes do testamento, já que, “conforme disposto no testamento de fls. 101/103 do anexo, é importante destacar que a falecida legou a parte disponível de todos os bens que possui ou venha possuir para seu marido Samuel Cukierman, incluindo nesta parte, as ações do Centro de Correção Ocular Ltda., dos Serviços Médicos Oftalmológicos Ltda., e as ações do Pro-Oftalmo MicroCirurgia Ocular, e que a legítima de seus filhos Rogério e Mauro deverá recair na parte que a testadora possui no imóvel na Rua Marechal Taumaturgo n° 205 casa 1, Teresópolis” (fl. 39).

Tanto a Fazenda Estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida.

Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2/3/2010, lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, folhas 199/200, Livro 76T, foi devidamente aberto, processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões sob o n. 0132492-26.2015.8.19.0001.

Portanto, segundo penso, não há razão para indeferir o processamento do inventário extrajudicial.

7. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para autorizar que o inventário dos recorrentes ocorra pela via extrajudicial.

É o voto. – – /

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito”.


CNJ: Corregedoria reforça integração de cartórios no combate à corrupção

17/02/2020

1(951)

Foto: Gil Ferreira/CNJ

A Corregedoria Nacional de Justiça alterou alguns dispositivos do Provimento n. 88, de 1º de outubro de 2019, que incluiu os cartórios brasileiros na rede de instituições que colaboram no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, adequando-o a novos regramentos sobre a matéria.

As alterações contam do Provimento n. 90, publicado nesta quarta-feira (12/2). Entre as mudanças, constam novos prazos, estabelecidos no artigo 15 do Provimento n. 88, para que os cartórios comuniquem operações e propostas de operações indicativas de lavagem de capitais e financiamento do terrorismo à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), Coaf.

Nova redação

De acordo com a nova redação, havendo indícios da prática de crime de lavagem de dinheiro ou de financiamento do terrorismo, ou de atividades a eles relacionadas, os cartórios deverão efetuar a comunicação à UIF no dia útil seguinte ao término do exame da operação ou proposta de operação.

O exame de operações ou propostas de operações que independem de análise, será concluído em até 45 dias, contados da operação ou proposta de operação. Já o exame de operações ou propostas de operações que dependem de análise, será concluído em até 60 dias, contados da operação ou proposta de operação.

O Artigo 17 também passa a vigora com nova redação: “o notário ou registrador, ou seu oficial de cumprimento, informará à Corregedoria-Geral de Justiça estadual ou do Distrito Federal, até o dia 10 dos meses de janeiro e julho, a inexistência, nos seis meses anteriores, de operação ou proposta de operação passível de comunicação à Unidade de Inteligência Financeira – UIF.

Confira aqui todos os ajustes ao Provimento n. 88 trazidos pelo Provimento n.90.

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito”.


STJ: Quarta Turma admite flexibilizar diferença mínima de idade na adoção

17/02/2020

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que é possível, dependendo das circunstâncias de cada caso, flexibilizar a exigência de diferença mínima de 16 anos entre adotando e adotante, prevista no parágrafo 3º do artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O entendimento está afinado com precedente no qual a Terceira Turma, acompanhando o voto do relator, ministro Villas Bôas Cueva, concluiu que o limite mínimo de idade entre as partes envolvidas no processo de adoção é uma referência a ser observada, mas não impede interpretações à luz do princípio da socioafetividade, cabendo ao juiz analisar as particularidades de cada processo.

Como se fosse fi​​lha

O caso analisado teve origem em ação ajuizada por um padrasto em 2017, com a finalidade de obter adoção unilateral de sua enteada. O autor alegou que, apesar de não cumprir o requisito da diferença mínima de idade prevista no ECA – ele nasceu em 1980 e a enteada, em 1992 –, todas as outras exigências legais estão plenamente satisfeitas.

O padrasto informou que convivia em união estável com a mãe da enteada desde 2006 e que se casaram em 2015. Relatou que, desde o início da convivência familiar – época em que a menina tinha 13 anos –, assumiu a responsabilidade e os cuidados com ela, como se fosse sua filha. Por último, sustentou que a adotanda não tem vínculo afetivo com o pai biológico e que a adoção lhe traria vantagens.

O pedido de adoção foi julgado improcedente pelo juiz de primeiro grau, por considerar que o requisito de diferença mínima de idade não pode ser mitigado. A decisão foi mantida na segunda instância.

Cunho biol​​ógico

Em seu voto, o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, lembrou inicialmente que se trata de um caso de adoção unilateral, em que o padrasto ou a madrasta pode adotar o enteado se for demonstrada a existência de vínculo socioafetivo revelador de relação parental estável, pública, contínua e duradoura.

Salomão destacou que a exigência de diferença mínima de idade existe para que a adoção confira cunho biológico à família que está sendo constituída.

“A diferença de idade na adoção tem por escopo, principalmente, assegurar a semelhança com a filiação biológica, viabilizando o pleno desenvolvimento do afeto estritamente maternal ou paternal e, de outro lado, dificultando a utilização do instituto para motivos escusos, a exemplo da dissimulação de interesse sexual por menor de idade”, declarou.

Sem p​​​rejuízo

O relator ressaltou que o conteúdo dos autos não indica o objetivo de formação de uma “família artificial”, com desvirtuamento da ordem natural das coisas.

“Apesar de o adotante ser apenas 12 anos mais velho que a adotanda, verifica-se que a hipótese não corresponde a pedido de adoção anterior à consolidação de uma relação paterno-filial – o que, em linha de princípio, justificaria a observância rigorosa do requisito legal”, disse o ministro.

Para Salomão, não se percebe no caso situação jurídica capaz de causar prejuízo à adotanda, que, assim como sua mãe biológica, está de acordo com a adoção, no “intuito de tornar oficial a filiação baseada no afeto emanado da convivência familiar estável e qualificada”.

“Uma vez concebido o afeto como elemento relevante para o estabelecimento da parentalidade, e dadas as peculiaridades do caso concreto, creio que o pedido de adoção deduzido pelo padrasto – com o consentimento da adotanda e de sua mãe biológica (atualmente, esposa do autor) – não poderia ter sido indeferido sem a devida instrução probatória (voltada para a demonstração da existência ou não de relação paterno-filial socioafetiva no caso) “, concluiu.

Acompanhando o voto do relator, a Quarta Turma determinou que o processo volte à primeira instância para que o juiz prossiga com a instrução do caso, ouvido o pai biológico.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito”.