1VRP/SP: Usucapião Extajudicial. Há necessidade de apresentação da ata notarial.


  
 

Processo 1114209-92.2019.8.26.0100

Dúvida – Notas – Ismael Francisco Mota Siqueira Guarda e outros – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Ismael Francisco Mota Siqueira Guarda e outros, após negativa de prosseguimento de pedido extrajudicial de usucapião do imóvel matriculado sob o nº 87.257. O óbice diz respeito à necessidade de apresentação de ata notarial, tendo o Oficial se baseado na exigência da Lei 6.015/73, bem como precedente deste juízo. Os suscitados, apesar de não se manifestarem neste procedimento (fl. 560), argumentaram perante a serventia extrajudicial (fls. 04/09) que a ata notarial é facultativa e pode ser substituída por outras diligências realizadas pelo Oficial. Vieram aos autos os documentos de fls. 10/552. O Ministério Público opinou às fls. 564/566 pela procedência da dúvida. É o relatório. Decido. Este juízo já teve oportunidade de se manifestar sobre a exigência de ata notarial. Cito o decidido no Proc. 1002887-04.2018.8.26.0100: A usucapião extrajudicial foi medida adotada pelo legislador visando desburocratizar o reconhecimento da prescrição aquisitiva, tendo em vista que o procedimento judicial demanda diversas etapas que levam ao decurso de um longo tempo para o provimento do pedido. Previu-se, assim, que nos pedidos de usucapião em que não haja impugnantes, pode o requerente solicitar, perante o Cartório de Registro de Imóveis competente, o reconhecimento da aquisição da propriedade. Contudo, a alteração legal se deu quanto aos procedimentos necessários para tal reconhecimento, não se alterando a essência da usucapião, instituto previsto tanto nos Arts.183 e 191 da Constituição Federal quanto nos Arts. 1.238 e seguintes do Código Civil. Desta feita, são previstas diversas modalidades de usucapião, sendo a posse mansa e pacífica requisito de todas elas, e o justo título requisito da usucapião ordinária. A comprovação de tais requisitos é, portanto, essencial para a procedência do pedido, independentemente do procedimento adotado. Destarte, também na usucapião administrativa esta comprovação deve ser feita. E a forma para tal não é livre: estando em jogo o direito de propriedade, a prova há de observar as exigências legais, sob pena de haver uma simplificação excessiva que coloque em risco a propriedade de terceiros. Em outras palavras, a observância dos preceitos legais é essencial para a segurança jurídica esperada do procedimento administrativo, não sendo possível ao requerente optar pela forma em que demonstrará a posse e o justo título. Assim, ainda que se discorde dos meios exigidos pelo legislador (como a ineficácia da ata notarial para atestar a existência da posse e seu tempo), são eles garantias de que a usucapião foi reconhecida de modo legítimo, declarando-se a propriedade do usucapiente em prejuízo do proprietário tabular sem qualquer dúvida que possa contaminar a legitimidade do procedimento. Portanto, as exigências legais devem ser observadas em sua totalidade, e sua interpretação deve ser restritiva, no sentido de limitar qualquer tentativa de se simplificar o procedimento ou alterá-lo. Como bem exposto pelo D. Promotor: “[O] reconhecimento da prescrição aquisitiva na via extrajudicial já representou a vontade do legislador em desburocratizar tais operações, não cabendo ao suscitado, de seu turno, buscar medida ainda mais simplória, consistente na sua simples declaração.” Aqui, cumpre colacionar o caput do Art. 216-A da Lei de Registros Públicos: “Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei no13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil); II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes; III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.” Quando o legislador utiliza-se da expressão “instruído com”, está ele determinando os documentos essenciais ao procedimento. Ao contrário do que alegado pelo suscitado, a obrigatoriedade destes documentos, por todo o exposto acima, se presume, e qualquer exceção deve estar prevista em lei ou ato normativo emitido por órgão ou autoridade competente. É o caso, por exemplo, do inciso IV: o §15º do Art. 216-A é expresso ao mitigar a exigência destes documentos que comprovem as características da posse, dispondo que, na sua ausência ou insuficiência, “a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante a serventia extrajudicial”. Outra exceção diz respeito ao inciso II, uma vez que o §5º do Art. 4º do Provimento 65 do CNJ previu que “será dispensada a apresentação de planta e memorial descritivo se o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído, bastando que o requerimento faça menção à descrição constante da respectiva matrícula.” No caso da ata notarial, contudo, não há exceção. Sua exigência é expressa na lei. E, ao contrário do que quer fazer crer o suscitado, a expressão “conforme o caso e suas circunstâncias” não vem no sentido de afastar a necessidade da apresentação da ata, mas diz respeito ao “tempo de posse do requerente e de seus antecessores”. Ou seja, o tabelião deve atestar o tempo de posse conforme o caso e suas circunstâncias, no sentido de que não há modelo específico de como deverá fazê-lo: observadas as circunstâncias próprias de cada caso, o tabelião pode atestar o tempo de posse de diversas maneiras, como entrevistando vizinhos, analisando documentos ou utilizando-se de outros meios aptos para tanto. Neste sentido o Art. 4º, I, do Provimento nº 65, de 14/12/2017, do Conselho Nacional de Justiça, que prevê o conteúdo da ata notarial, visando justamente clarificar qual o conteúdo necessário para que se atinja os objetivos do procedimento: “Art. 4º O requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos: I ata notarial com a qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião que ateste: a)a descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo; b)o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores; c)a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente; d)a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional; e)o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização: se estão situados em uma ou em mais circunscrições; f)o valor do imóvel; g)outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes;” Destaque-se a alínea g), que vem a corroborar o entendimento de que a expressão “conforme o caso e suas circunstâncias” deve ser interpretada no sentido de que ao tabelião é livre a utilização das informações necessárias, em cada hipótese, para melhor instruir o procedimento. E não é só. A exigência da ata notarial, como dito acima, é garantia do Oficial de Registros de Imóveis e de terceiros de que as informações dadas pelo requerente são verdadeiras. Ou seja, não basta a palavra deste para que o registrador reconheça a prescrição aquisitiva, sendo necessário outro meio de prova apta a demonstrar a veracidade das informações. Tal meio, escolhido pelo legislador, é a ata notarial. Corrobora este entendimento a previsão do § 2º do Art. 5º do já mencionado Provimento 65, no sentido de que o Tabelião não pode basear-se apenas na declaração do requerente para lavrar o documento. Tudo isso a fortificar o entendimento de que, dada a natureza da usucapião, não é suficiente o mero requerimento do possuidor e o silêncio do proprietário tabular para seu reconhecimento; são necessários elementos externos, que no caso judicial se dá pela inquirição de testemunhas, perícia judicial e pela própria autoridade do juiz ao utilizar seu convencimento motivado para atestar a posse. Já no caso extrajudicial, este elemento externo é a ata notarial, que, caso afastada, retiraria esta garantia de que os fatos alegados pelo requerente são verdadeiros. Finalmente, afasta-se o argumento do suscitado de que a ata notarial não seria meio hábil para provar a existência e o modo de existir de um fato, como a posse. Isso porque o Art. 384 do Código de Processo Civil prevê expressamente a ata notarial como modo de atestar e documentar algum fato. Tal sentença foi confirmada pelo C. Conselho Superior da Magistratura, em acórdão assim ementado: Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Necessidade de instrução do requerimento com ata notarial – Art. 216, inciso I, da Lei nº 6.015/73 e art. 4º, inciso I, do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça – Alegação de incompatibilidade da exigência formulada com a natureza jurídica e a finalidade da ata notarial – Exigência legal e normativa que não pode ser afastada, em procedimento de natureza administrativa, pelos fundamentos apresentados pelo apelante – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido. As razões acima expostas são suficientes para afastar os fundamentos dos suscitados e manter o óbice apresentado pelo Oficial, mantendo assim a exigência quanto a ata notarial. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Ismael Francisco Mota Siqueira Guarda e outros, mantendo a exigência da ata notarial para seguimento do procedimento de usucapião extrajudicial. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: LEONORA ARNOLDI MARTINS FERREIRA (OAB 173286/SP)

Fonte: DJE/SP 10.02.2020

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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