Doação – Descumprimento de encargo – Terreno público doado pela Prefeitura de Votuporanga – Hipótese em que o não cumprimento do encargo pela beneficiada torna sem efeito a doação, revertendo-se, automaticamente, o imóvel doado para a Municipalidade, inclusive, com as benfeitorias eventualmente edificadas – Pedido de indenização pelo uso indevido da área afastado – Procedência da ação mantida – Recurso não provido.


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010130-24.2016.8.26.0664, da Comarca de Votuporanga, em que é apelante CONSTRUTORA JGO LTDA EPP, é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE VOTUPORANGA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ANTONIO CELSO FARIA (Presidente) e JOSÉ MARIA CÂMARA JUNIOR.

São Paulo, 15 de agosto de 2019.

BANDEIRA LINS

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 11.998

Apelação nº 1010130-24.2016.8.26.0664 VOTUPORANGA

Apelante: CONSTRUTORA JGO LTDA.

Apelada: PREFEITURA MUNICIPAL DE VOTUPORANGA

Juiz de 1ª Instância: Dr. Reinaldo Moura de Souza

DOAÇÃO. Descumprimento de encargo. Terreno público doado pela Prefeitura de Votuporanga. Hipótese em que o não cumprimento do encargo pela beneficiada torna sem efeito a doação, revertendo-se, automaticamente, o imóvel doado para a Municipalidade, inclusive, com as benfeitorias eventu almente edificadas. Pedido de indenização pelo uso indevido da área afastado. Procedência da ação mantida. Recurso não provido.

Trata-se de ação de revogação de doação c/c reversão de imóvel ajuizada pela PREFEITURA MUNICIPAL DE VOTUPORANGA em face de CONSTRUTORA JGO LTDA. alegando, em síntese, que a autora no intuito de incentivar a produção industrial, aumentar a quantidade de empresas e o número de empregos, lançou o Plano de Desenvolvimento Econômico de Votuporanga, nos termos da Lei 3.781/04, com redação dada pela Lei 4.637/2009, Decreto 8.042/2009 e Lei 5.003/2011. Sustenta que com base na referida legislação, em 14/05/2012, a Municipalidade doou à requerida, conforme escritura pública de doação e encargos, um terreno, objeto da matrícula n. 49.626. Contudo, passados quase cinco anos da doação, afirma que a requerida deixou de cumprir os encargos contidos nos itens “d” e “e” previstos naquele instrumento contratual, quais sejam: d) proibição de paralisação de suas atividades empresariais no período de cinco anos, salvo autorizado pela Prefeitura Municipal, a contar do início daquelas atividades, por prazo superior a 30 (trinta) dias, contínuos ou intermitentes; e) proibição de diminuição do número de empregos iniciais, nos cinco primeiros anos de atividade na área cuja doação ora é autorizada, em mais de 20% (vinte por cento), sem motivo de força maior, devidamente justificado junto à Prefeitura Municipal. Pugna pela procedência da ação, revogando-se a doação.

A r. sentença de fls. 251/252 julgou procedente a ação, para o fim de revogar a doação feita pela Prefeitura Municipal de Votuporanga em favor da empresa ré, referente ao terreno discriminado na escritura pública de doação, revertendo-se o bem ao patrimônio da autora, bem assim determinou o cancelamento do registro constante na matrícula 49.626. A ré ficou condenada ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 4, inciso III, do CPC.

Inconformada, apela a ré aduzindo que sempre observou os encargos impostos na escritura de doação. Diz que até dezembro de 2013, gerou empregos e renda ao município, porém, de forma inevitável, no ano de 2014, ocorreu uma redução do número de funcionários, diante da grave crise econômica que assolou o país, assim como nunca agiu de forma clandestina ou ilegal. Subsidiariamente, entende que deve ser reconhecido o direito ao ressarcimento das benfeitorias realizadas (fls. 257/269).

Foram apresentadas as contrarrazões (fls. 275/282).

É o relatório.

A demanda versa sobre revogação de doação firmada pela Municipalidade de Votuporanga em favor da empresa ré, em razão de descumprimento de cláusulas contratuais.

Considera-se doação como o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita, nos termos do art. 538, do CC. Dentre as espécies de doação, tem-se a doação com encargo ou modal, ou seja, aquela em que o doador exige do donatário o cumprimento de um gravame como condição de entrega.

Segundo lição de Sílvio de Salvo Venosa, doação modal, onerosa ou com encargo é “aquela na qual a liberalidade vem acompanhada de incumbência atribuída ao donatário, em favor do doador ou de terceiro, ou no interesse geral (art. 553; antigo, art. 1180). Será doação onerosa, por exemplo, aquela na qual se doa prédio para instalação de escola, nela colocando-se o nome do doador; doa-se terreno à Municipalidade, para construção de espaço esportivo ou área de lazer etc”.[1]

A aposição de encargo torna-se inerente ao negócio, de forma que seu descumprimento pode acarretar a resolução da liberalidade, nos termos do art. 555, do novo Código Civil.

No caso dos autos, a Lei Municipal 4.637/2009, com redação dada pela Lei 5.003/2011, autorizou ao Poder Executivo adquirir áreas destinadas à implantação de Distritos ou Polos Empresariais no Município e aliená-las no todo ou em partes por doação com os encargos a terceiros, cuja finalidade era o desenvolvimento industrial da área e o consequente aumento do número de empregos.

Assim, em 14/05/2014, a Municipalidade de Votuporanga doou à empresa ré, conforme escritura pública de doação com encargos, o terreno descrito na vestibular (fls. 9/17).

Consoante se depreende da escritura de doação com encargo, competia à Construtora JGO Ltda., sob pena de nulidade do ato e retrocessão do imóvel ao patrimônio público, inclusive com eventuais benfeitorias nele erigidas ou implantadas, dentre o cumprimento dos encargos: “d) proibição de paralisação de suas atividades empresariais no período de cinco anos, salvo autorizado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico, a contar do início daquelas atividades, por prazo superior a 30 (trinta) dias, contínuos ou intermitentes; e) proibição de diminuição do número de empregos iniciais, nos cinco primeiros anos de atividade na área cuja doação ora é autorizada, em mais de 20% (vinte por cento), sem motivo de força maior, devidamente justificado junto à Prefeitura Municipal”.

No caso dos autos, a doação se deu em 14/05/2012 e, pelos documentos juntados aos autos, não se verifica qualquer registro de atividade empresarial após julho de 2014 (fls. 226), o que demonstra que houve o descumprimento à clausula “d” , que proíbe a paralisação das atividades.

Da mesma forma, não houve o devido cumprimento à cláusula “e”, que proíbe a diminuição do número de empregos iniciais, nos cinco primeiros anos de atividade na área cuja doação fora autorizada. Os documentos de fls. 201/220 demonstram a redução de vinte por cento do número de funcionários incialmente contratados (5 para 4 funcionários no período de junho de 2012 a janeiro de 2014), sem, contudo, haver qualquer justificativa junto à Municipalidade nesse sentido.

Observa-se que, conforme consta da reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico COMDE, a parte apelante, entre outras empresas, foi notificada pela municipalidade acerca do não cumprimento da legislação vigente referente ao desenvolvimento econômico do município, tendo ela apenas requerido a realização de avaliação do imóvel para o caso de eventual reembolso da obra feita.

Desse modo, restou perfeitamente demonstrado que as condições impostas à apelante não foram devidamente por ela atendidas.

O imóvel doado não atendeu à finalidade da lei. O fato de o país atravessar recessão econômica não justifica a inversão do julgado postulada pela apelante. E isso porque houve desvio das diretrizes da doação, uma vez que não se concretizou o interesse público que motivou o ato liberatório em questão. Com a reversão do imóvel ao poder público municipal, este poderá doar a área a outra empresa para que ali instale unidade industrial, com vistas ao desenvolvimento da economia local e a geração de empregos na região.

Em se tratando de doação com encargo, destinada à construção e instalação de unidade industrial, em determinado prazo, o descumprimento por parte da ré, que aceitou o encargo sem quaisquer restrições, ensejava mesmo a revogação da doação em tela. Em outro dizer, o não cumprimento da obrigação pela empresa, torna sem efeito a doação, revertendo-se, automaticamente, o imóvel doado para a Prefeitura Municipal de Votuporanga.

Cumpre salientar, nesse exato diapasão, que o pedido referente à obtenção de indenização das benfeitorias realizadas na área não havia mesmo de prosperar, pois inexistente, quer na Lei Municipal 4.637/2009, quer da escritura de doação, cláusula agasalhando tal pretensão.

Há de se lembrar que a Administração é regida pelo princípio da legalidade; e que assim se encontra autorizada a fazer apenas o que a lei permite (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 42ª ed., São Paulo: Malheiros, 2016, p. 93; José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 30ª ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 20).

Sem que a lei haja previsto o pagamento de indenização por benfeitorias para o donatário que dá causa à revogação da doação, a leitura de seus termos autorizada pelo princípio da legalidade impõe concluir que o beneficiário da doação assume, ao aceitála, o risco de perder o que tenha agregado ao imóvel, em caso de descumprimento dos deveres que aceitou visando a obter vantagem.[2]

Logo, correta a r. sentença ao julgar procedente o pedido objeto do presente.

Consideram-se prequestionados, para fins de possibilitar a interposição de recurso especial e de recurso extraordinário, todos os dispositivos de lei federal e as normas da Constituição Federal mencionadas pelas partes.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso. Por força da sucumbência recursal, majora-se a verba honorária para 11% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.

BANDEIRA LINS

Relator

Notas:

[1] Direito Civil: Contratos em espécie. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 122.

[2] Art. 12. Após a doação da área, o beneficiado terá o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a aprovação do projeto e o início às obras. O não cumprimento desta determinação implica na reversão do imóvel ao patrimônio público da municipalidade, sem direito a qualquer ressarcimento, independentemente de notificação.

Art. 13. As obras das empresas implantadas ou transferidas para a Zona ou Distrito Empresarial deverão estar concluídas no prazo máximo de 18 (dezoito) meses da data da doação da área, sob pena de perda dos incentivos concedidos por esta Lei. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1010130-24.2016.8.26.0664 – Votuporanga – 8ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Bandeira Lins – DJ 22.10.2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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