Responsabilidade civil – Dano moral – Demissão de Tabelião Designado – O autor deixou o cargo de Tabelião Substituto para assumir o cargo de Tabelião Designado/Interno após a morte de seu genitor, então Tabelião Oficial – Ingresso, a partir de concurso público, de nova Delegada Notarial – Demissão do autor – A partir do dia em que assumiu o cargo de Tabelião Interno, o autor passou a receber emolumentos, não salário – Não sendo funcionário da ré, não há falar em verbas rescisórias – Não configuração de ato ilícito – O procedimento de demissão foi procedido corretamente, por profissional especializado – Desnecessidade de manutenção da equipe anterior à posse – Possibilidade de reconfiguração da equipe – Ausência de qualquer dispositivo que impeça, a partir da posse, a formação de nova equipe – Troca de fechaduras e contratação de seguranças particulares como medida de segurança – Não caracterização de danos morais – Sentença mantida – Recurso desprovido.


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1097598-40.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JAQUES MARTINS ORTIZ (JUSTIÇA GRATUITA), é apelada ANA PAULA FRONTINI.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente sem voto), VIVIANI NICOLAU E CARLOS ALBERTO DE SALLES.

São Paulo, 26 de setembro de 2019.

MARIA SALETE CORRÊA DIAS

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 2115

Apelação nº 1097598-40.2014.8.26.0100

Apelante: Jaques Martins Ortiz

Apelado: Ana Paula Fronti

Comarca: São Paulo (Foro Central) Fazenda Pública/Acidentes 6ª Vara de Fazenda Pública

Juiz prolator: Dr(a). Alexandra Fuchs de Araujo

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. Demissão de Tabelião Designado. O autor deixou o cargo de Tabelião Substituto para assumir o cargo de Tabelião Designado/Interno após a morte de seu genitor, então Tabelião Oficial. Ingresso, a partir de concurso público, de nova Delegada Notarial. Demissão do autor. A partir do dia em que assumiu o cargo de Tabelião Interno, o autor passou a receber emolumentos, não salário. Não sendo funcionário da ré, não há falar em verbas rescisórias. Não configuração de ato ilícito. O procedimento de demissão foi procedido corretamente, por profissional especializado. Desnecessidade de manutenção da equipe anterior à posse. Possibilidade de reconfiguração da equipe. Ausência de qualquer dispositivo que impeça, a partir da posse, a formação de nova equipe. Troca de fechaduras e contratação de seguranças particulares como medida de segurança. Não caracterização de danos morais. Sentença mantida. Recurso desprovido.

A r. sentença de fls. 620/626, cujo relatório adoto, JULGOU IMPROCEDENTE a demanda proposta por JAQUES MARTINS ORTIZ em face do 22º TABELIÃO DE NOTAS DA CAPITAL, na pessoa de sua tabeliã ANA PAULA FRONTINI. No mais, condenou o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em “10% do valor atribuído à causa, até 200 (duzentos) salários-mínimos; e em 8% do valor atribuído à causa, acima deste valor, ressalvada eventual gratuidade.”

Inconformada com a r. sentença, apela a parte AUTORA (fls. 633/649), aduzindo, em apertada síntese: 1) que a dispensa ocorreu de forma descortês, arbitrária e imoral, sem que o autor tivesse espaço para diálogo ou acerto de contas referente à sucessão de titularidade da serventia extrajudicial; 2) que o autor não teve direito às devidas indenizações e realização de procedimentos administrativos, tendo em vista a forma que se procedeu sua dispensa; 3) que a ré não prestou contas com o autor e embolsou valores que seriam pagos por clientes mensalistas, oriundos da gestão do autor; 4) que ocorreu a violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho; 5) que houve violação dos Direitos Sociais do autor (Art. 7º, inciso I, da CF); 6) que os dispositivos legais são claros e, apesar dos artigos não trazerem expressamente o termo “Tabelião designado/interino”, o autor não pode ser injustiçado pelas omissões da lei; 7) que houve uma alteração na função exercida pelo autor (de Preposto Escrevente da Unidade para Tabelião Designado), não a extinção do cargo anterior; 8) que houve a configuração de danos morais, tendo em vista a forma descortês e humilhante que o autor foi expulso da serventia; 9) que o ato praticado pela ré, de trocar as fechaduras e contratar Seguranças particulares, demonstra seu objetivo claro de impedir o acesso do Apelante à Serventia, configurando ofensa à honra do autor.

Contrarrazões às fls. 653/661.

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Cuidam os autos de ação de indenização por danos morais.

Narra a exordial que, em 26 de abril de 1991, o autor ingressou na função de preposto escrevente no 22º Tabelionato de Notas da Capital.

Em 07 de dezembro de 1994 o autor foi nomeado para o cargo de Tabelião Substituto (art. 20, § 5º da Lei 8.935/94) pelo então Tabelião Oficial Eleutério Ortiz.

Com o falecimento do Tabelião oficial em 17 de maio de 2007, o autor então passou a ocupar o cargo como Tabelião Designado.

O autor permaneceu nesse cargo até o ingresso da nova Delegada Notarial concursada Sr. Ana Paula Frontini, ora ré, que teve sua posse concedida em 4 de outubro de 2011.

No dia 5 de outubro de 2011, dia em que a ré deu início efetivamente ao exercício de seu cargo, o autor, ao dirigir-se a sua sala, se deparou com um chaveiro que estava modificando a fechadura e tirando algumas fotos.

O autor então se dirigiu até a Seção de Firmas onde encontrou o Dr. Carlos de Campos, Tabelião Substituto, que informou que o advogado da ré lhe aguardava na sala de reuniões para conversar.

O advogado da ré informou o desligamento do autor.

Tendo em vista a forma abrupta em que foi demitido, sem justa causa e imotivadamente, o autor reivindica danos morais.

Pois bem.

Em relação aos direitos trabalhistas questionados pelo autor, suas alegações não merecem prosperar.

Isto porque, o autor, com o falecimento de seu pai, passou ser o responsável pela titularidade do 22º Tabelionato de Notas da Capital e, por isso, passou a receber os emolumentos, não mais um salário, como recebia como de preposto escrevente.

Dessa forma, diferentemente do que afirma o autor em sua apelação, o mesmo deixa de se encaixar nos itens 49 e 49.1 das Normas da Corregedoria Geral de justiça, que dispõe:

49. Os escreventes e os auxiliares poderão ser dispensados pelo serventuário sem declaração de motivo, se contarem com menos de 5 (cinco) anos de exercício no cargo, assegurada a indenização correspondente ao aviso prévio e 1 (um) mês de salário por ano de serviço ou fração superior a 6 (seis) meses e 13º salário proporcional .

49.1. Após 5 (cinco) anos a dispensa poderá ser feita, assegurada a mesma indenização, por motivo de sensível diminuição de renda, comprovada perante o Juiz Corregedor.

Sendo assim, com a posse da nova Delegada Notarial concursada Sr. Ana Paula Frontini, diferentemente do que tenta se fazer acreditar, o autor não era subordinado da mesma.

Por tal razão, com a substituição da Titularidade da posse do 22º Tabelionato de Notas da Capital, a nova Delegada Notarial possuía o direito de desligar o autor sem a necessidade de pagamento de verbas rescisórias.

Desta feita, o autor não tem direito ao “pagamento de indenização no importe de 1 (um) mês de salário por ano de serviço, trabalhado pelo autor, acrescidos do valor correspondente a três quinquênios e três licenças prêmios não gozados e portanto, indenizáveis, férias proporcionais acrescidas do terço constitucional e 13º salário proporcional, todos devidamente corrigidos e atualizados à contar da citação;” que requer em apelação (fls. 649).

No que diz respeito à configuração de danos morais, o art. 927 do Código Civil preceitua:

“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.”

Segundo o art. 187 do Código Civil, comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Neste ponto, esclarece a melhor doutrina:

“O que se deseja deixa salientado nessa reflexão é, em primeiro lugar, o necessário afastamento do apego excessivo ao conceito de direito subjetivo para a compreensão da figura do abuso do direito. O abuso do direito é, a nosso ver, o abuso de situações jurídicas causado por todo aquele que ultrapassa os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelas finalidades socioeconômicas do direito, como estabelece o art. 187 do Código Civil de 2002. Pretende-se, ademais disso, em se tratando de responsabilidade civil por abuso de direito, deixar vincado que a culpa é de ser considerado um critério acidental para a configuração do dever de indenizar nessas hipóteses. O Direito Civil contemporâneo, nomeadamente no que interessa à responsabilidade civil, adota a teoria objetiva do abuso de direito, como afirma no enunciado 37 da 1ª Jornada de Direito Civil do (CEJ-CJF), segundo o qual “ a responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independente de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. Há abuso do direito sempre que forem desrespeitados os limites impostos pela regra jurídica em referência independentemente de prova da intenção do agente ou da própria consciência de que se excedem os lindes do artigo 187 do Código Civil (a boa-fé, os bons costumes ou o fim social e econômico do direito).”[1]

“Não há mais dúvidas, no estágio atual do desenvolvimento da ciência jurídica, que o dano injusto proveniente do ato praticado em abuso do direito deva ser objeto de indenização[2]

Assim, a ré não cometeu qualquer ato ilícito ao renovar sua equipe e reorganizar o Tabelionato a partir de sua posse.

Isto porque, como foi acima descrito, o autor não era considerado seu subordinado e, mesmo que fosse, ao assumir o Tabelionato, a nova Delegada Notarial é autorizada a renovar sua equipe, tendo em vista a ausência de qualquer previsão legal contrária a isso.

Assim, a ré contratou um advogado para realizar os procedimentos necessários para organizar a demissão dos funcionários que não integrariam a sua equipe de acordo com o prescrito em lei. Entre aqueles que foram desligados de sua equipe estava, infelizmente, o autor. E tal fato não configura, por si só, ato ilícito, como acima explanado.

Ademais, a mudança das fechaduras e a contratação de segurança particular não são formas de ofender pessoalmente o autor, mas apenas medida de segurança a ser adotada, tendo em vista a importância dos documentos presentes dentro do cartório.

Inclusive, não era de se esperar outra atitude da Nova Delegada ao assumir um novo negócio, qual seja, implantar um novo sistema de segurança para proteger os documentos que passaram então ser de sua responsabilidade.

Portanto, não há configuração da pratica de ato ilícito por parte da ré e, consequentemente, de danos morais.

Desta feita, mantenho a r. sentença por seus próprios e bastante fundamentos, nos termos do artigo 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça.

Diante do exposto, pelo meu voto NEGO PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação supra.

Em razão do disposto no artigo 85, § 11 do Código de Processo Civil, majoro os honorários advocatícios em favor dos patronos da ré para 12% do valor atualizado da causa, observada a justiça gratuita.

MARIA SALETE CORRÊA DIAS

RELATORA


Notas:

[1] GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello. BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil. São Paulo: Escola Paulista de Magistratura, 2015. P. 299 a 320.

[2] GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello. BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil. São Paulo: Escola Paulista de Magistratura, 2015. P. 299 a 320. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1097598-40.2014.8.26.0100 – São Paulo – 3ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Maria Salete Corrêa Dias – DJ 30.09.2019

Fonte: INR Publicações

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