Recurso Especial – Direito de Família, Processual Civil e Civil – Divórcio – Separação convencional de bens – Pacto antenupcial – Regime adotado – Sociedade de fato – Prova escrita – Inexistência – Vida em comum – Apoio mútuo – Justa expectativa – Artigos 981 e 987 do Código Civil de 2002 – Violação – 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ) – 2. O regime jurídico da separação convencional de bens voluntariamente estabelecido pelo ex-casal é imutável, ressalvada manifestação expressa de ambos os cônjuges em sentido contrário ao pacto antenupcial – 3. A prova escrita constitui requisito indispensável para a configuração da sociedade de fato perante os sócios entre si – 4. Inexistência de affectio societatis entre as partes e da prática de atos de gestão ou de assunção dos riscos do negócio pela recorrida – 5. Recurso especial provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.706.812 – DF (2017/0281834-5)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

RECORRENTE : DELIO CARDOSO CEZAR DA SILVA

ADVOGADO : EDSON DA SILVA SANTOS – DF030993

RECORRIDO : ANNA CHRISTINA ROSA DE SANTANA

ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO FISCHER DIAS – DF012917

ADVOGADA : CAROLINE CORRÊA DE ALMEIDA – DF017265

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA, PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. DIVÓRCIO. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL. REGIME ADOTADO. SOCIEDADE DE FATO. PROVA ESCRITA. INEXISTÊNCIA. VIDA EM COMUM. APOIO MÚTUO. JUSTA EXPECTATIVA. ARTIGOS 981 E 987 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. VIOLAÇÃO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. O regime jurídico da separação convencional de bens voluntariamente estabelecido pelo ex-casal é imutável, ressalvada manifestação expressa de ambos os cônjuges em sentido contrário ao pacto antenupcial.

3. A prova escrita constitui requisito indispensável para a configuração da sociedade de fato perante os sócios entre si.

4. Inexistência de affectio societatis entre as partes e da prática de atos de gestão ou de assunção dos riscos do negócio pela recorrida.

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 03 de setembro de 2019(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial, fundamentado na alínea “a” do permissivo constitucional, interposto por DÉLIO CARDOSO CÉZAR DA SILVA, desafiando acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO. SEPARAÇÃO DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL. SOCIEDADE DE FATO. ESFORÇO COMUM. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DO VOTO MINORITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE SUCUMBÊNCIA PARCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. VOTO MAJORITÁRIO MANTIDO.

1. A norma processual será aplicável imediatamente aos processos em curso, segundo o art. 14 do CPC, mesmo ante a oposição de embargos declaratórios, e a contagem do prazo é feita em dias úteis.

2. O voto majoritário deve prevalecer quanto à indenização, pois a falta de documento escrito é mera irregularidade, e não impede a outra parte de pleitear para reaver o patrimônio a que tem direito.

3. A sociedade de fato restou comprovada por meio dos excertos publicitários e de depoimento de testemunhas.

4. Preliminar de intempestividade rejeitada. Embargos infringentes rejeitados” (e-STJ fl. 818).

Trata-se na origem de ação de indenização proposta por Anna Christina Rosa de Santana contra Délio Cardoso Cézar da Silva com quem foi casada por 17 (dezessete) anos. O casamento foi celebrado no dia 8.3.1994 sob o regime da separação convencional de bens e o divórcio ocorreu no dia 8.9.2011, remanescendo a discussão acerca da partilha em ação própria.

A autora alega não concordar com o regime matrimonial adotado pelas partes. Ressalta ter anuído com a separação convencional porque estava grávida da filha mais velha do ex-casal (nascida em 29.7.1994), motivo pelo qual sucumbiu à imposição do réu.

Extrai-se da inicial que

“(…)

O fato de estar casada sob o regime da separação total de bens em nada inibiu a autora de dedicar sua vida completamente ao marido, às duas filhas e ao negócio da família, o Restaurante Gazebo, que congrega duas sociedades: Casa Amarela Restaurante Ltda. EPP e Gazebo Confeitaria e Café Ltda. ME (cf. certidões simplificadas de ambas e os respectivos contratos sociais, respectivamente docs. 4 e 5).

Afinal de contas, o trabalho da autora foi determinante para contribuir com o alto padrão social vivido por sua família durante todo o casamento, com viagens ao exterior pelo menos duas vezes por ano, especialmente para estações de esqui com equipamento próprio, padrão este que foi mantido pelo réu após o divórcio. (…)

A dedicação da autora ao restaurante foi total desde sua inauguração em 2003, uma vez que a mesma sempre foi responsável pelas compras, gerência das reservas, eventos, recepção da clientela, indicação de mesas e de pratos aos clientes. Entre 2003 e 2006, a autora trabalhava tanto no restaurante Gazebo quanto em um negócio de família, estabelecido antes do casamento, a Ótica Brasília – Lago Sul Ltda., inclusive as funcionárias da ótica também desempenhavam atividades correlatas ao restaurante. Ocorre que com o passar do tempo e com o sucesso do restaurante, este passou a exigir atenção demasiada por parte da autora.

Essa dedicação total e gratuita ao Restaurante Gazebo implicou na impossibilidade de permanecer à frente da Ótica Brasília e, por fim, na saída do quadro social em julho de 2006, vez que nos últimos dois anos a autora se dedicava integralmente ao restaurante familiar. (…)

Após o divórcio, a autora foi impedida pelo réu de continuar trabalhando e, até mesmo, de por os pés no restaurante (…)” (e-STJ fls. 4-5).

Consigna, em síntese, que, em virtude de o restaurante ter sido instalado, em um primeiro momento, no ano de 2003, na própria residência do casal, bem como devido à dedicação e ao trabalho que dispendeu para o sucesso do empreendimento, a autora deveria ser considerada “sócia de fato” ou “dona do negócio” (e-STJ fls. 5-6 e 10). Afirma, ainda, que o réu, “por diversas vezes, prometeu transferir metade das cota sociais à autora, mas jamais concretizou tais promessas” (e-STJ fl. 6). Sustenta que seu ex-marido, por ser servidor público federal, não poderia administrar a sociedade, e por isso, formalmente constam como administradores seu pai e primo.

Ressalta que

“(…)

Desde a inauguração do Gazebo, em 2003, até a saída da autora em agosto de 2011, os negócios sempre foram muito rentáveis, razão pela qual foi requerida a perícia das empresas na Ação Cautelar de Produção Antecipada de Provas, Processo nº 231135-3/2012, tendo sido calculado o valor contábil atribuído às empresas de R$ 2.450.635,23 (dois milhões quatrocentos e cinquenta mil seiscentos e trinta e cinco reais e vinte e três centavos) (vide laudo pericial – doc. 13), sem que fosse avaliado o preço de mercado do ativo imobilizado, o que desde já se requer nestes autos, como forma de alcançar o valor justo do imóvel construído para o restaurante por intermédio do esforço comum das partes” (e-STJ fl. 7).

Argumenta que os frequentadores do Restaurante Gazebo a identificavam como “a personificação do próprio restaurante” (e-STJ fl. 7) e que trabalhou arduamente até a sua saída, que foi simultânea ao fim do casamento, não tendo jamais recebido em espécie remuneração ou lucro da sociedade, que teria apenas beneficiado o réu (e-STJ fls. 7-8), apesar do esforço comum das partes.

Registra ter sido vítima de simulação, afirmando que:

“(…) não se pode olvidar que todos os sócios elencados nos contratos sociais de ambas as empresas que integram o restaurante Gazebo, com exceção do próprio réu (detentor de 99,82% das quotas do capital social do Casa Amarela Restaurante Ltda. EPP), jamais trabalharam em prol do restaurante. Logo, o primo do réu, Dário Jose Campos Cardoso (sócio gerente do Casa Amarela Restaurante Ltda. EPP com 0,18% das quotas do capital social), o pai, Arthur Sebastião Cezar da Silva (sócio administrador do Gazebo Confeitaria e Café Ltda. com 1% das quotas do capital social) e a filha mais velha, Júlia de Santana Cardoso Cezar da Silva (sócia do Gazebo Confeitaria e Café Ltda. com 99% das quotas do capital social) figuram, na verdade, como meros artifícios (laranjas) utilizados pelo réu para burlar o fisco, aparentar situação diversa junto ao Senado Federal e até prejudicar a autora, que sempre acreditou na promessa de que parte das cotas sociais dessas sociedades seriam a ela transferidas na proporção do trabalho por ela desenvolvido na empresa familiar (…)” (e-STJ fl. 9).

Enfatiza ter direito aos lucros, consoante o disposto no artigo 981 do Código Civil de 2002, pois, independentemente do regime de bens do casamento ou do recebimento de pro labore, salário ou qualquer outra forma de remuneração, faz jus ao status de “sócia de fato” das empresas Casa Amarela Restaurante Ltda. EPP e Gazebo Confeitaria e Café Ltda. ME, regularmente constituídas e registradas em nome de quem nunca teve ligação com os negócios. Por outro lado, imputa ao réu a responsabilidade pelo seu afastamento de uma empresa própria – denominada Óticas Brasília – para contribuir com seu trabalho ao restaurante Gazebo (e-STJ fls. 11-12).

Requer uma indenização calcada no fato consumado decorrente da contribuição prestada à sociedade em virtude da “comunhão de bens e interesses” entre as partes (e-STJ fl. 13), justificadora do pleito de indenização por parte da autora, sob pena de enriquecimento injusto, nos seguinte termos:

“(…)

A procedência dos pedidos para reconhecer a simulação havida na administração das sociedades empresárias Casa Amarela Restaurante Ltda. EPP e Gazebo Confeitaria e Café Ltda. ME, bem como que é o réu o administrador de fato e o efetivo proprietário de ambas as empresas componentes do Restaurante Gazebo, não obstante a utilização de laranjas como sócios nos contratos sociais;

g) A condenação do réu na obrigação de pagar à autora uma indenização no valor correspondente a 50% (cinquenta por cento) do Restaurante Gazebo (composto pelas sociedades Casa Amarela Restaurante Ltda. EPP e Gazebo Confeitaria e Café Ltda. ME) e dos frutos dele decorrentes, seguindo-se os parâmetros obtidos por intermédio da perícia já realizada somados ao valor do ativo imobilizado a ser alcançado pelo Oficial avaliador, bem como os valores de avaliação dos bens adquiridos em razão do lucro auferido com o restaurante Gazebo” (e-STJ fl. 15 – grifou-se).

O Juízo da 11ª Vara Cível da Jurisdição Especial de Brasília julgou improcedentes os pedidos (e-STJ fls. 569-579).

O Tribunal de origem, por maioria, vencido o relator, Desembargador Carlos Rodrigues, reformou a sentença, dando provimento à apelação da autora, como se observa da seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL. PARTILHA. ESFORÇO COMUM. SOCIEDADE DE FATO. POSSIBILIDADE. IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. SERVIDOR PÚBLICO. COMÉRCIO.

Tendo o juiz instrutor do feito sido afastado legitimamente para atuar em outro juízo, este não mais possui jurisdição sobre a demanda, já que desvinculado do processo. Logo, enquadrando-se a situação às exceções previstas no CPC, art. 132, nada há de irregular se o feito é sentenciado pelo sucessor do juiz que se afasta.

O art. 117 da Lei nº 8.112/90 prevê a possibilidade de o servidor público exercer comércio, na condição de acionista, cotista ou comanditário. O que lhe é vedado é participar da gerência ou administração da sociedade empresária.

As sociedades, cuja existência não se prova por escrito, são sociedades de fato, ou seja, que se provam pelos fatos, e não pelo instrumento de contrato. Desse modo, a ausência de instrumento de contrato social, devidamente registrado, não impede o reconhecimento da existência da sociedade de fato havida entre pessoas em comunhão de esforços, para a concretização de um bem comum, negócio jurídico, portanto, que pode ser reconhecido, a depender do caso, por exemplo, por intermédio de ação de reconhecimento de sociedade de fato.

O Código Civil de 2002, especificamente em seu artigo 987, acerca do tema, prevê o seguinte: ‘Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo.’ Em que pese a restrição legal imposta na primeira parte do preceptivo citado, cuja medida é voltada a dar uma resposta à situação de eventual irregularidade societária, a norma acima deverá ser interpretada de forma sistemática, principalmente no que diz respeito aos princípios gerais do direito, devido processo legal, proibição de enriquecimento sem causa. Nesse sentido, a letra da lei não pode ser interpretada isoladamente, de modo a privilegiar o enriquecimento sem causa ou até mesmo ilícito de uma das partes. Precedentes do STJ.

No regime de separação total de bens, de forma convencional, os patrimônios de cada cônjuge são distintos e incomunicáveis, detendo cada cônjuge a livre administração e disposição dos bens (CC, artigo 1.687). No entanto, visando evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes, nada obsta que, havendo esforço comum dos cônjuges na aquisição do patrimônio, este seja dividido, desde que se faça prova neste sentido.

Recurso conhecido e parcialmente provido. Maioria” (e-STJ fls. 644-645 – grifou-se).

Os aclaratórios opostos pelo recorrente foram rejeitados; os da recorrida foram parcialmente procedentes no que tange aos honorários sucumbenciais (e-STJ fls. 733-747).

Por sua vez, nos embargos infringentes interpostos pelo ora recorrente (e-STJ fls. 751-775), foi mantido o entendimento do acórdão da apelação, à luz da seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO. SEPARAÇÃO DE BENS. PACTO ANTENUPCIONAL. SOCIEDADE DE FATO. ESFORÇO COMUM. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DO VOTO MINORITÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE SUCUMBÊNCIA PARCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. VOTO MAJORITÁRIO MANTIDO.

1. A norma processual será aplicável imediatamente aos processos em curso, segundo o art. 14 do CPC, mesmo ante a oposição de embargos declaratórios, e a contagem do prazo é feita em dias úteis.

2. O voto majoritário deve prevalecer quanto à indenização, pois a falta de documento escrito é mera irregularidade, e não impede a outra parte de pleitear para reaver o patrimônio a que tem direito.

3. A sociedade de fato restou comprovada por meio dos excertos publicitários e de depoimento de testemunhas.

4. Preliminar de intempestividade rejeitada. Embargos infringentes rejeitados” (e-STJ fl. 818).

Nas razões do presente recurso (fls. 874/866 e-STJ), o recorrente aponta negativa de vigência dos seguintes artigos e suas respetivas teses:

(i) arts. 981 e 987 do Código Civil, pois

(…) constitui exigência expressa e inafastável que haja um compromisso recíproco dos sócios em constituir uma sociedade, por meio da contribuição, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados (CC, art. 981); vale dizer, para existência da sociedade, sob qualquer de suas formas e tipos, é indispensável essa vontade recíproca voltada ao exercício da atividade econômica e à partilha dos resultados, também conhecida como affectio societatis(e-STJ fl. 878 – grifou-se).

Afirma, ainda, que “nas relações entre si, somente por escrito os sócios podem provar a existência da sociedade” (fl. 878 e-STJ), e

(ii) art. 21 do Código de Processo Civil de 1973: diante da existência da sucumbência recíproca e da necessidade do rateio das custas processuais e honorários advocatícios.

Oferecidas as contrarrazões, o recurso foi admitido na origem por encerrar “discussão de cunho estritamente jurídico, dispensando o reexame de fatos e provas” (e-STJ fl. 958), ascendendo os autos a esta Corte.

A decisão de fls. 957-958 (e-STJ) foi objeto de agravo interno (e-STJ fls. 980-995), que restou acolhido para melhor exame da matéria.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

A irresignação merece prosperar.

Cinge-se a controvérsia a definir se existente sociedade de fato entre os litigantes, então casados sob o regime de separação convencional de bens, alegando a ora recorrida que teria contribuído espontaneamente com seu labor para o sucesso das empresas exclusivas da família do ex-marido, devendo, portanto, ser considerada sócia dos referidos negócios.

Na origem, trata-se de ação indenizatória proposta por Anna Christina Rosa de Santana contra Délio Cardoso Cézar da Silva, na qual a autora pleiteia o reconhecimento de simulação havida na administração das sociedades empresárias Casa Amarela Restaurante Ltda. – EPP – e Gazebo Confeitaria e Café Ltda. – ME – e uma indenização no valor correspondente a 50% (cinquenta por cento) do Restaurante Gazebo pelos serviços prestados à empresa durante o período de 2003 a 2011 e dos frutos dele decorrentes.

(i) Do regime de bens adotado pelas partes

Não há falar em sociedade de fato quando o regime adotado é o da separação convencional de bens. É premissa basilar que, sob a égide de tal regime, não se presume comunhão de bens e que eventual interesse em misturar os patrimônios deve ser expressa e não presumida.

Nesse sentido:

“CASAMENTO. PACTO ANTENUPCIAL. SEPARAÇÃO DE BENS. SOCIEDADE DE FATO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DIVISÃO DOS AQUESTOS. – A cláusula do pacto antenupcial que exclui a comunicação dos aquestos impede o reconhecimento de uma sociedade de fato entre marido e mulher para o efeito de dividir os bens adquiridos depois do casamento. Precedentes” (REsp 404.088/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 28/05/2007 – grifou-se).

Assim, o regime matrimonial adotado enseja plena autonomia dos patrimônios dos cônjuges, distintos por natureza.

Ademais, ainda que se admitisse a possibilidade de os cônjuges casados sob o regime de separação de bens constituírem, eventualmente, uma sociedade de fato, por não lhes ser vedado constituir eventual condomínio, esta não decorreria simplesmente da vida em comum, já que dentre os deveres decorrentes do consórcio, o apoio mútuo é um dos mais relevantes (REsp nº 30.513/MG, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 26/4/1994, DJ 13/6/1994). Tem evidência própria que, na falta de mancomunhão, a vontade de adquirirem juntos um mesmo bem ou, como no caso dos autos, de se tornarem sócios de um mesmo negócio jurídico, deveria ter sido explicitada de forma solene, o que não ocorreu.

Importante transcrever a fundamentação do mencionado voto da lavra do saudoso Ministro Eduardo Ribeiro, aplicável à hipótese:

“(…) o importante é ter-se em conta que, havendo casamento, não será qualquer união de esforço apta a levar a que se tenha como presente uma sociedade. Dele resultam obrigações, para ambos os cônjuges, de cujo atendimento não poderá decorrer, por si, se reconheça existente uma associação de objetivos econômicos. Assim, a mútua assistência, a vida em comum e o sustento da família, a que o marido deve prover, com a colaboração da mulher. O adimplemento desses deveres não constituirá base suficiente para afirmar-se existir sociedade, a justificar partilhar de bens. Sendo inerentes ao casamento, não podem conduzir a que se pretenda deles derive comunhão de bens, que os cônjuges acordaram excluir. Coisa diversa é a constituição de sociedade, envolvendo relações outras que não aquelas que derivam de os interessados se terem consorciado. Tenho que perfeitamente de acordo com o exposto o entendimento manifestado pelo Ministro Moreira Alves no julgamento do RE 80.496 (RTJ 87/147), citado nos autos, e que transcrevo:

‘Admito sociedade de fato entre cônjuges, fora do lar. Se o marido é comerciante e a mulher também, poderão constituir uma sociedade de fato. Mas não admito sociedade de fato, em virtude de obrigação mútua de assistência e manutenção do lar’.

A Egrégia 4ª Turma deste Tribunal, ao apreciar o REsp 15.636, parece haver aderido à tese mais radical, como se verifica da ementa do acórdão:

‘DIREITO DE FAMÍLIA. REGIME DE BENS. AQUESTOS.

A irrevogabilidade da separação de bens absoluta resultante do pacto antenupcial é óbice ao reconhecimento de sociedade de fato entre os cônjuges. Recurso especial não atendido. Unânime” (…)

Nesses termos coloco-me de acordo. A simples convivência na sociedade conjugal não legitima pretensão de partilha de patrimônio. Coisa diversa, entretanto, será a existência de sociedade de fato, paralelamente ao casamento(grifou-se).

No caso, para que tivessem uma sociedade civil ou comercial em conjunto, ainda que não regularmente constituída, indispensável seria, ao menos, demonstrar que administravam tal empresa juntos, o que, de fato, não é possível se extrair dos autos. A autora, em verdade, alega ter trabalhado para o ex-marido, sem, contudo, ter fornecido capital ou assumido os riscos do negócio ao longo da relação.

Aparentemente, o que se pretende, por vias oblíquas, na hipótese em análise, é a alteração do regime de bens escolhido por ambas as partes. Extrai-se da inicial que a autora teria sido induzida a casar sob tal regime, ao risco de não entabular as núpcias. E que, por estar grávida na ocasião, teria aceitado de malgrado o pacto antenupcial que dava autonomia às partes por meio da separação patrimonial plena.

A recorrida, por sua vez, por ter sido sócia de uma ótica, não desconhece as regras empresariais. A alegação de que seu negócio teria falido devido à sua dedicação ao restaurante do marido, não é razoável e contraria o art. 1.688 do Código Civil, que prevê como essência do regime da separação convencional que “ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.”

Portanto, não há falar em administração patrimonial comum, restando o pedido de partilha de 50% (cinquenta) por cento das empresas despropositado, pois impossível fixar em termos precisos qual a participação societária da recorrida por inexistir associação empresarial.

A Segunda Seção desta Corte, ao realizar uma releitura da antiga Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal, assentou que no regime de separação de bens “comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição (EREsp nº 1.623.858/MG, Rel. Desembargador convocado do TRF da 5ª Região Lázaro Guimarães, julgado em 23/5/2018, DJe 30/5/2018).

Registra-se, ainda, que,

“(…) conforme documentação acostada às fls. 295/311, resta demonstrado que o terreno em que se situa o restaurante, objeto da lide, foi adquirido unicamente pelo réu, que firmou contrato de empreitada com a empresa ‘Implantar Incorporações’ e foi responsável pela emissão da Cédula de Crédito Comercial para financiamento do negócio jurídico com o recurso próprio” (e-STJ fl. 654).

Ao fim e ao cabo, a recorrida busca, indiretamente, aferir uma meação quando, em verdade, a tal direito não faz jus em virtude da escolha de vida realizada, não havendo nenhuma mácula no pacto antenupcial perpetrado pelas partes.

Nessa linha assinalou o relator originário ao negar provimento à apelação da autora:

“(…) ao ponderar quanto à vontade abstrata da lei ao estabelecer a opção do regime do casamento com separação de bens, havendo controvérsia na qual os fatos não se acham suficientemente comprovados para informar a solução positivada pela norma, não há como desprestigiar o comando legislativo, permitindo-se com isso a instabilidade das relações jurídicas e a prevalência das situações que se constroem fora dos guardachuvas dessa mesma vontade normativa.

Contudo, a par da incomum ou improvável constituição de prova escrita para revelar sociedades de fato entre cônjuges casados sob o regime da separação de bens, no caso vertente nem mesmo a aprova oral produzida deixa indene de dúvidas que se tratava de sociedade de fato propriamente, afastando de vez a possibilidade da hipótese de mera administração que a apelante estivesse a exercer em favor do Apelado” (e-STJ fls. 653-654).

(ii) Da sociedade de fato ou em comum

É cediço que uma sociedade empresária nasce a partir de um acordo de vontades de seus sócios, que pode ser realizado por meio de um contrato social ou de um estatuto, conforme o tipo societário a ser criado. Destoa dessa realizada a sociedade fato, atualmente denominada sociedade em comum, que não adquire personalidade jurídica por meio das solenidades legais aptas a lhe emprestar autonomia patrimonial, não obstante seja sujeito de direitos e obrigações.

Como ensina Marlon Tomazette acerca do patrimônio dessa sociedade despersonificada,

“(…) o conjunto de bens organizados posto à disposição do exercício da atividade empresarial é um patrimônio especial que pertence aos sócios em condomínio (art. 988). Reconhece-se um patrimônio especial, que não pertence à sociedade, mas pertence diretamente aos próprios sócios em condomínio” (Marlon Tomazette, Curso de Direito Empresarial, 9ª Edição, Editora Saraiva, pág. 325).

A condição para se admitir a existência de uma sociedade é a configuração da affectio societatis (que não se confunde com a affectio maritalis) e a integralização de capital ou a demonstração de prestação de serviços. Tais requisitos são basilares para se estabelecer qualquer vínculo empresarial.

A propósito, confira-se o artigo 981 do Código Civil de 2002:

“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.” (grifou-se)

Os resultados comerciais, como regra, podem ser positivos ou negativos, motivo pelo qual se presume que quem exerce a empresa deve assumir também os riscos do negócio. Não há indícios sequer de que a recorrida tenha realizado aportes ou integralizado o capital, pretendendo ser considerada sócia por ter apoiado o marido com os cardápios servidos no restaurante, recepção da clientela e gerência de reservas dos que frequentavam o “Gazebo”. Isso porque os sócios, nesse tipo de sociedade, respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas em proveito da sociedade em comum (art. 990 do Código Civil de 2002).

Nessa ordem de ideias, esta Corte já se posicionou no sentido de que

“(…) a constituição de qualquer sociedade, inclusive da anônima, tem natureza contratual (CC/16, art. 1.363; CC/2002, art. 981). A prestação do sócio (ou acionista), consistente na entrega de dinheiro ou bem, para a formação ou para o aumento de capital da sociedade se dá, não por liberalidade, mas em contrapartida ao recebimento de quotas ou ações do capital social, representando assim um ato oneroso, que decorre de um negócio jurídico tipicamente comutativo” (EREsp nº 1.104.363/PE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 29/06/2010, DJe 02/09/2010).

Nos autos não há notícia acerca de prática de atos de gestão pela recorrida nem de prestação de contas de valores administrados por ela. Além disso, não restou configurada a indispensável affectio societatis voltada ao exercício conjunto da atividade econômica ou à partilha de resultados, como exige o artigo 981 do Código Civil.

A autora não consta expressamente como sócia formal das empresas Casa Amarela Restaurante Ltda. EPP e Gazebo Confeitaria e Café Ltda. ME. Por sua vez, não há lei, contrato ou ato ilícito aptos a ensejar a responsabilização do recorrente no sentido de indenizar a recorrida com quem não expressou vontade conjunta de celebração de um negócio em comum.

Consigne-se, ainda, que, à luz do art. 987 do Código Civil de 2002, os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo”. E como se percebe dos autos, inexiste ato constitutivo escrito e arquivado no sentido almejado pela recorrida.

Segundo a redatora do acórdão da apelação proferido pela Corte local, Desembargadora Ana Maria Amarante, a falta do documento escrito constituiria mera irregularidade, não desnaturando, com fundamento em princípios gerais do Direito, a capacidade de um dos sócios postular em juízo, em seu nome, a fim de reaver o patrimônio a que, porventura, reputasse ter direito (e-STJ fl. 659). Para tanto, a revisora mencionou a seguinte ementa de precedente desta Corte:

“Prestação de contas. Legitimidade. Prova. Sociedade de fato. A ação de prestação de contas deve dirigir-se contra o sócio gerente ou com poderes de administração e, não, contra a sociedade. Tratando-se de sociedade de fato, a prova de sua existência não está limitada àquelas de natureza documental. O artigo 1366 do Código Civil impõe a prova documental somente quando a causa de pedir se fundar no próprio contrato social” (REsp 178.423/GO, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2000, DJ 04/09/2000).

Tal precedente não se aplica ao caso ora em apreço, que não versa acerca de prestação de contas, e também porque a causa de pedir se funda na existência da própria sociedade entre as partes. Por isso, a interpretação acima mencionada não merece ser mantida, pois destoa da mens legis extraída do artigo 987 do CC/2002, presumidamente constitucional. Entender o contrário ensejaria violação da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal de 1988 e Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal).

Esclarece abalizada doutrina:

“(…) O art. 987 do Código Civil reproduz em termos mais claros o art. 303 do Código Comercial de 1850, que dizia, em síntese, que, quando for necessária a prova da existência da sociedade, o sócio só poderá fazê-lo com base em instrumento por escrito“. (Marlon Tomazette, Curso de Direito Empresarial, 9ª Edição, Editora Sarariva, pág. 327 – grifou-se)

Ressalta-se a configuração de uma limitação legislativa expressa no sentido de que a prova documental é o único meio apto a demonstrar a existência da sociedade de fato entre os sócios. Em virtude da ausência de alteração no contrato social ou de outra prova documental escrita legalmente admissível, o pedido da autora não encontra respaldo. Isso porque se depreende da inicial que a existência da sociedade de fato em si é a causa de pedir e, repita-se, “se quem necessita provar a existência da sociedade são os seus próprios sócios – com a finalidade, por exemplo de discutir a partilha de investimentos –, só se admite a prova por escrito(André Luiz Santa Cruz Ramos, Direito Empresarial Esquematizado, 5ª Edição, Editora Gen/Método, pág. 239 – grifou-se).

Ademais, não há falar em uma sociedade paralela àquelas já existentes e devidamente formalizadas. A situação acaba por enveredar pela possibilidade de duas empresas concomitantes com o mesmo objeto social, situação por si só esdrúxula.

Além disso, há manifesta violação do art. 999 do Código Civil de 2002, já que todos os sócios atingidos pelo reconhecimento da condição de outro sócio devem consentir para tanto:

“Art. 999. As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime”.

Nesse sentido é o teor do voto vencido na apelação, que merece prosperar:

“(…)

No caso vertente, o desejo de formarem sociedade se esvai na ausência de sociedade formal, sobretudo quando se conjuga tal situação à circunstância na qual as partes eram casadas com opção pelo regime da separação de bens, traduzindo inequivocamente que desde o casamento pretenderam, declararam e consentiram mutuamente na separação patrimonial, obviamente, para alcançarem também com esse pacto o empreendimento comercial e seus bens físicos necessários ao funcionamento, tais como móveis, imóveis ou quaisquer bens incorpóreos. (…)

A simples possibilidade de existência de mera situação de administração comercial em favor do Apelado obsta o convencimento inequívoco de que havia sociedade de fato a ensejar o reconhecimento da pretensão da Apelante. (…) A respeito da alternativa à indenização pretendida pela Apelante, tal há de pressupor a vislumbrada hipótese de administração de que já se falou.

Entretanto, nesse rumo, também igualmente não existem provas suficientes a respeito de que tal administração, se ocorreu, não fora devidamente remunerada ou compensada de algum modo durante o longo período de sua duração. Não sendo gratuita a administração, mas onerosa, mesmo esta se presume quitada enquanto se prolonga, já que pode cessar a todo instante a partir do qual deixa de convir a quaisquer das partes por uma razão qualquer. Por outras palavras, a administração haveria de cessar por falta da contraprestação periódica que se reconhecesse ou estabelecessem, porém, prosseguindo, presume-se quitada, salvo prova em contrário. Com efeito, se a questão não pode ser resolvida no plano do Direito Civil sob a ótica da prestação de serviços, restaria à Apelante ponderar quanto a eventual oportunidade para instauração de dissídio trabalhista(e-STJ fls. 653-654 – grifou-se).

Na mesma toada é o teor do voto minoritário proferido pela Desembargadora Maria de Lourdes Abreu nos embargos infringentes:

“(…)

Quanto ao mérito, vê-se que a apelante/embargada não se desincumbiu do ônus de comprovar fato constitutivo de sua pretensão, nos termos do art. 373, inc. I, do Código de Processo Civil, requisito indispensável para que se possa provar devidamente o reconhecimento de simulação e assim reconhecer a nulidade do negócio jurídico discutido nestes autos. Em conseqüência, não deve prosperar o pedido de indenização.

Às folhas 43, consta dos autos a Certidão Simplificada emitida pela Junta Comercial do Distrito Federal com informações básicas sobre a empresa (nome empresarial, cnpj, data de início de atividade, atividades econômicas, capital social, sócios e suas respectivas participações no capital social, etc.).

E vê-se, pela leitura desta, que o apelado/embargante figura como sócio gerente da empresa.

A cláusula sétima do Contrato Social informa que a administração gerência, e o uso da denominação social será exercida exclusivamente pelo sócio DÁRIO JOSÉ CAMPOS CARDOSO (fls.128/9 dos autos) (…) Tenho que a alegada sociedade de fato não restou demonstrada nos autos, pois nem mesmo pelos depoimentos das testemunhas não se pode reconhecer qualquer tipo de sociedade empresária entre as partes.

Contrariamente, dos autos comprova-se que as partes, desde o casamento, optaram por manter a incomunicabilidade de seus bens, foram casados com a opção pelo regime de separação de bens, restando configurada a total ausência de um regime patrimonial. No dizer de Maria Berenice Dias, ‘o que existe são acervos separados’. (In Manual de Direito das Famílias, p.254).

Preleciona a doutrinadora, mais adiante que ‘A mais saliente característica desse regime é a incomunicabilidade dos bens‘ (p.255) (…)” (e-STJ fls. 839-840 – grifou-se).

Assim, merece ser restabelecida a sentença proferida pelo Juízo da 11ª Vara Cível de Brasília:

“(…)

Conquanto haja indícios nos autos de que a autora participava de algumas atividades no Restaurante Gazebo, notadamente pelos documentos de fls. 63, 74/78 e pelos depoimentos testemunhais (fls. 382/383), não há como reconhecer qualquer tipo de sociedade entre a autora e o réu.

A sociedade empresária nasce do encontro de vontades de seus sócios, que pode ser concretizado em um contrato social ou estatuto a depender do tipo societário que se pretende criar. De qualquer forma, devem ser preenchidos alguns requisitos para a validade desses atos constitutivos, sejam os genéricos, previstos no artigo 104 do Código Civil, sejam os específicos, sendo a affectio societatis um deles.

No caso, não há qualquer prova da comunhão de interesses entre a autora e o réu para a constituição da empresa e de que a autora tenha participado da constituição da sociedade. Pelos documentos de fls. 295/311, constata-se que o terreno onde se situa o restaurante foi adquirido pelo réu, que ainda firmou contrato de empreitada com a empresa ‘Implantar Incorporações’ e foi responsável pela emissão de Cédula de Crédito Comercial para financiamento do negócio com recursos próprios.

Assim, não consta dos autos provas de que a autora tenha contribuído, com capital ou com a prestação de serviços para a constituição patrimonial da empresa.

Ademais, não restou comprovado nos autos que a autora se dedicava de forma integral ao restaurante, sobretudo pelo fato de que era proprietária de outra empresa, a Ótica Brasília.

Conforme mencionado, há indícios de que a autora tenha contribuído com algumas atividades no Restaurante Gazebo, mas não se pode infirmar que ela tenha direito a uma indenização relativa a 50% da empresa. Eventual configuração de relação de trabalho entre a autora e o restaurante Gazebo é da competência absoluta da Justiça do Trabalho e, eventual reconhecimento de vínculo, deve ser lá pleiteado.

Saliente-se que são fontes do direito obrigacional a lei, o contrato e o ato ilícito. No caso em análise, entendo que não restou configurado qualquer vínculo obrigacional do réu para com a autora de forma a ensejar a indenização na forma pleiteada, razão pela qual a improcedência do pedido nesse ponto é medida que se impõe (…)” (e-STJ fls. 577-579 – grifou-se).

iii) Do dispositivo

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença, invertendo-se os ônus sucumbenciais.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.706.812 – Distrito Federal – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJ 06.09.2019

Fonte: INR Publicações

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Portaria SECRETARIA ESPECIAL DE PREVIDÊNCIA E TRABALHO DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA – SEPRT/ME nº 1.127, de 14.10.2019 – D.O.U.: 15.10.2019. Ementa Define as datas e condições em que as obrigações de prestação de informações pelo empregador nos sistemas CAGED e RAIS serão substituídas pelo Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas – eSocial. (Processo nº 19965.103323/2019-01).

O SECRETÁRIO ESPECIAL DE PREVIDÊNCIA E TRABALHO DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA, no uso da competência que lhe confere o inciso I do art. 71 do Anexo I do Decreto nº 9.745, de 8 de abril de 2019, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.923, de 23 de novembro de 1965, e no Decreto nº 76.900, de 23 de dezembro de 1975, resolve:

Art. 1º A obrigação da comunicação de admissões e dispensas instituída pela Lei nº 4.923, de 23 de novembro de 1965, Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED, passa a ser cumprida por meio do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas – eSocial a partir da competência de janeiro 2020 para as empresas ou pessoas físicas equiparadas a empresas, mediante o envio das seguintes informações:

I – data da admissão e número de inscrição do trabalhador no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF, que deverão ser prestadas até o dia imediatamente anterior ao do início das atividades do trabalhador;

II – salário de contratação, que deverá ser enviado até o dia 15 (quinze) do mês seguinte em que ocorrer a admissão;

III – data da extinção do vínculo empregatício e motivo da rescisão do contrato de trabalho, que deverão ser prestadas:

a) até o décimo dia, contado da data da extinção do vínculo, nas hipóteses previstas nos incisos I, I-A, II, IX e X do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990;

b) até o dia 15 (quinze) do mês seguinte em que ocorrer a extinção do vínculo, nos demais casos;

IV – último salário do empregado, que deverá ser prestada até o dia 15 (quinze) do mês seguinte em que ocorrer a alteração salarial;

V – transferência de entrada e transferência de saída, que deverão ser prestadas até o dia 15 (quinze) do mês seguinte a ocorrência;

VI – reintegração, que deverá ser prestada até o dia 15 (quinze) do mês seguinte a ocorrência.

Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público da administração direta, autárquica e fundacional, que adotem o regime jurídico previsto no Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, bem como as organizações internacionais, até que estejam obrigadas a prestar as informações previstas neste artigo ao eSocial, e as empresas que não cumprirem as condições de que trata o caput deverão prestar as informações por meio do sistema CAGED, conforme Manual de Orientação do CAGED.

Art. 2º A obrigação contida no art. 24 da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, combinada com o Decreto nº 76.900, de 23 de dezembro de 1975, que institui a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, passa a ser cumprida por meio do eSocial a partir do ano base 2019, pelas empresas obrigadas à transmissão das seguintes informações de seus trabalhadores ao eSocial, referentes a todo o ano base:

I – data da admissão, data de nascimento e CPF do trabalhador, que deverão ser prestadas até o dia imediatamente anterior ao do início das atividades do empregado, salvo as informações relativas aos servidores da administração pública direta, indireta ou fundacional, das esferas federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, não regidos pela CLT, as quais deverão ser enviadas até o dia 15 (quinze) do mês seguinte ao do início de suas atividades;

II – data e motivo da rescisão de contrato, bem como os valores das verbas rescisórias devidas, que deverão ser prestadas nos prazos previstos nas alíneas “a” e “b” do inciso III do art. 1º;

III – valores de parcelas integrantes e não integrantes das remunerações mensais dos trabalhadores, com a correspondente discriminação e individualização dos valores, que deverão ser prestadas até o dia 15 (quinze) do mês seguinte ao vencido.

Parágrafo único. Para as demais pessoas jurídicas de direito privado e de direito público, bem como pessoas físicas equiparadas a empresas, fica mantida a obrigação prevista no Decreto nº 76.900, de 23 de dezembro de 1975, seguindo o disposto no Manual de Orientação do ano-base, que será publicado no mês de janeiro de cada ano, no portal www.rais.gov.br

Art. 3º Esta Portaria entra em vigor em 1º de janeiro de 2020.

ROGÉRIO MARINHO

Fonte: INR Publicações

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Ministro suspende decisão sobre utilização da TR na correção de saldo do FGTS – (STF).

15/10/2019

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu decisão da 2ª Turma Recursal da Justiça Federal do Pará que manteve a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice para a atualização monetária de valores depositados nas contas vinculadas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A decisão liminar foi tomada na Reclamação (RCL) 37278.

O caso teve origem em ação na qual um trabalhador celetista pede que o saldo de suas contas do FGTS seja recalculado com a incidência do INPC, do IPCA-E ou de “outro índice de atualização monetária que reponha as perdas inflacionárias, em substituição à TR”. A Turma Recursal, ao manter sentença, entendeu que a TR é o índice aplicável aos valores por expressa determinação do artigo 13 da Lei 8.036/1990. O autor da ação então ajuizou a reclamação no STF.

Suspensão nacional

Ao conceder a liminar, o ministro Lewandowski observou que o trâmite de todos os processos que discutem a incidência da TR como índice de correção monetária dos depósitos do FGTS foi suspenso por determinação do ministro Luís Roberto Barroso em medida cautelar deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5090.

Na ocasião, Barroso explicou que a questão ainda será apreciada no julgamento da ADI. Ressaltou ainda que, como o tema não teve repercussão geral reconhecida pelo STF em recurso extraordinário, o sobrestamento buscou evitar que se esgotassem as possibilidades de recursos (trânsito em julgado) em outras instâncias após o julgamento da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para Lewandowski, portanto, está demonstrada a viabilidade do pedido de suspensão do processo no qual foi proferida a decisão questionada.

Fonte: INR Publicações

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