CSM/SP: Procedimento de dúvida – Requerimento de suspensão do processo, para que seja apreciado pedido de avocação de procedimento de dúvida decorrente da negativa de registro a ser promovido em imóvel distinto, mas em que formuladas exigências com igual conteúdo – Impossibilidade – Procedimento de dúvida imobiliária que, por sua natureza, não comporta a avocação prevista no art. 28, inciso XXVII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de regularização fundiária – Condomínio de frações ideais a que foram atribuídas áreas certas – Regularização que tem por objeto lotes intercalados, situados dentro das quadras em que dividida a gleba – Ausência da anuência de todos os co-proprietários das frações ideais – Requisitos técnicos para a elaboração da planta e dos memorais descritivos – Dispensa da apresentação das licenças para o registro, com fundamento na implantação do parcelamento do solo antes da vigência da Lei nº 6.766/79 – Registros das vendas das frações ideais iniciados no ano de 1984 – Declaração municipal que não permite verificar que toda a gleba foi objeto de parcelamento irregular, ou clandestino, implantado e consolidado antes da vigência da Lei de Parcelamento do Solo Urbano – Recurso a que se nega provimento.


  
 

Apelação Cível nº 1001229-85.2018.8.26.0506

Apelante: Associação dos Proprietários do Recanto Cruzeiro do Sul

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto

VOTO Nº 37.851

Procedimento de dúvida – Requerimento de suspensão do processo, para que seja apreciado pedido de avocação de procedimento de dúvida decorrente da negativa de registro a ser promovido em imóvel distinto, mas em que formuladas exigências com igual conteúdo – Impossibilidade – Procedimento de dúvida imobiliária que, por sua natureza, não comporta a avocação prevista no art. 28, inciso XXVII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de regularização fundiária – Condomínio de frações ideais a que foram atribuídas áreas certas – Regularização que tem por objeto lotes intercalados, situados dentro das quadras em que dividida a gleba – Ausência da anuência de todos os co-proprietários das frações ideais – Requisitos técnicos para a elaboração da planta e dos memorais descritivos – Dispensa da apresentação das licenças para o registro, com fundamento na implantação do parcelamento do solo antes da vigência da Lei nº 6.766/79 – Registros das vendas das frações ideais iniciados no ano de 1984 – Declaração municipal que não permite verificar que toda a gleba foi objeto de parcelamento irregular, ou clandestino, implantado e consolidado antes da vigência da Lei de Parcelamento do Solo Urbano – Recurso a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta pela Associação dos Proprietários do Recanto Cruzeiro do Sul contra r. sentença que manteve a negativa do registro da regularização do loteamento implantado, de forma irregular, no imóvel objeto da matrícula nº 25.506 do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto.

A apelante alegou, em suma, que a planta e os memorais que instruíram o pedido de registro da regularização fundiária descrevem o perímetro da gleba, as vias de circulação e as unidades imobiliárias, com suas confrontações, em conformidade com as normas técnicas aplicáveis. Afirmou que o parcelamento foi implantado, de forma irreversível, antes de 19 de dezembro de 1979, o que dispensa a apresentação de projeto de regularização fundiária instruído com manifestações, licenças, aprovações ou alvarás emitidos por órgãos públicos. Esclareceu que a planta e os memoriais descritivos descrevem as áreas e os lotes conforme se consolidaram e que pretende a regularização por trechos e lotes, como permitido pela legislação e aceito pela Oficial de Registro. Por se tratar de regularização parcial não é necessária a descrição das áreas, ou lotes, que não serão objeto da regularização. Por sua vez, os lotes que serão regularizados foram descritos de forma completa, com identificação dos proprietários das frações ideais, ou de seus sucessores. Reiterou que a certificação de que o parcelamento é anterior à 19 de dezembro de 1979, e de que está consolidado, afasta a necessidade de aprovação da planta e dos memoriais pelo Município. Por sua vez, a realização de registros de vendas de frações ideais a partir de 02 de março de 1984, por empresa que adquiriu a propriedade da gleba em 20 de outubro de 1983, não altera o conteúdo da certidão municipal que foi expedida com base em documento apresentado para comprovar a data do parcelamento, consistente em contrato particular celebrado no ano de 1978. Aduziu que a ressalva, pelo Município, de que deverão ser adotadas medidas de mitigação dos impactos do parcelamento, conforme a legislação vigente, não impede o registro da regularização porque essas medidas serão posteriores. Por fim, o pedido de registro da regularização teve a primeira prenotação realizada em 13 de dezembro de 2017, antes da vigência do Provimento CGJ nº 51/2017 e do Decreto Municipal nº 360/2017, devendo para o registro ser observado o previsto nas Leis nºs 11.997/2009 e 13.465/2017 e no Provimento CGJ nº 37/2013. Requereu a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro da regularização fundiária (fls. 1379/1391).

A apelante requereu, após, a suspensão do processo para que seja aguardado o resultado do pedido de avocação do processo de dúvida, pela Corregedoria Geral da Justiça, em razão da divergência de tratamento conferido a diferentes pedidos de registro de regularização fundiária (fls. 1407).

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 1418/1423).

É o relatório.

O inciso XXVII do art. 28 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo dispõe que o Corregedor Geral da Justiça é competente para: “XXVII – avocar, motivadamente e no interesse do serviço cartorário ou da Justiça, sindicâncias ou processos administrativos instaurados pelos corregedores permanentes e reexaminar as decisões proferidas;“.

O processo de dúvida, contudo, é regulado pela Lei nº 6.015/73 que determina que a suscitação será promovida pelo Oficial de Registro de Imóveis, a requerimento do apresentante (art. 198), e prevê que será julgado por sentença sujeita a recurso de apelação (art. 202) que é de competência do Col. Conselho Superior da Magistratura (arts. 64, inciso VI, do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 03/69, e 16, inciso IV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

Portanto, o processo de dúvida imobiliária não se confunde com as sindicâncias e demais processos administrativos instaurados pelos corregedores permanentes e sujeitos à avocação pelo Corregedor Geral da Justiça para decisão de forma originária, ou para reexame ex officio das decisões proferidas em primeira instância administrativa.

Rejeito, destarte, o pedido de suspensão do processo que, ademais, também não poderia ser feito para a adequação do projeto técnico da regularização, como requerido pela apelante às fls. 1343.

Assim porque o procedimento de dúvida se destina à análise da recusa do registro do título que para essa finalidade foi apresentado pelo interessado e prenotado pelo Oficial de Registro, razão pela qual não se mostra cabível a realização de diligências visando a complementação, ou alteração, do título.

A apelante é Associação constituída por uma parte dos proprietários de imóveis no parcelamento denominado Recanto Cruzeiro do Sul, com o objetivo de promover as atividades relacionadas no art. 2º do Estatuto Social (fls. 23 e seguintes).

A certidão reproduzida às fls.1242 e seguintes permite verificar que o Recanto Cruzeiro do Sul, implantado no imóvel objeto da matrícula nº 25.506 do 2º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, foi constituído mediante a venda de pequenas frações ideais à pessoas distintas, sem vínculos que o justificassem.

Esse fato ensejou a observação, pela Oficial de Registro de Imóveis, da orientação com força normativa, decorrente do julgamento pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura da Apelação Cível nº 72.365-0/7, de que foi relator o e. Desembargador Luís de Macedo, então Corregedor Geral da Justiça, e da orientação, também com força normativa, promovida por r. decisão que foi prolatada no Processo CG nº 2.588/00, impedindo novos registros de alienações voluntárias de frações ideais quando os elementos registrários demonstrarem a intenção de burlar a legislação, de natureza cogente, que disciplina o parcelamento do solo.

Impedidos novos registros de alienações voluntárias de frações ideais do imóvel objeto da matrícula nº 25.506, resta a regularização do parcelamento como forma de permitir que os proprietários das frações ideais possam dispor das áreas certas e determinadas que, na realidade, adquiriram.

A regularização, porém, deve ser promovida conforme as disposições legais e normativas aplicadas em consonância com as peculiaridades deste caso concreto em que o imóvel foi alienado pelo autor do parcelamento, ao menos em sua grande parte, para diferentes pessoas que mediante aquisição das frações ideais passaram a ocupar áreas certas, com localização determinada no solo.

Ainda conforme a certidão de fls. 1242 e seguintes, o imóvel em que implantado o parcelamento irregular tem área total de 36,34,02ha, ou 363.420m², ao passo que a regularização será promovida em relação a gleba com 276.937,38m², descrita no memorial de fls. 40/41, o que encontra amparo no art. 36, § 2º, da Lei nº 13.465/2017 que permite que a regularização urbana seja implantada de forma parcial, por etapas.

Entretanto, a par da regularização sobre parte do imóvel, sem notícia da existência de parcelamento da área restante, a apelante pretende promove-la sobre lotes intercalados, situados em sete quadras distintas (fls. 38 e seguintes).

Para essa finalidade a apelante apresentou planta e memoriais com as medidas perimetrais dos lotes abrangidos pela regularização, identificando seus adquirentes conforme a situação que disse decorrer da efetiva ocupação do solo, mas não identificou os demais co-proprietários das frações ideais e não apresentou suas anuências com a regularização.

Ademais, nem mesmo foram apresentadas as anuências das pessoas indicadas como proprietárias dos lotes que serão regularizados.

Promovido o parcelamento do solo pela venda de mais de 120 pequenas frações ideais para pessoas distintas, segundo indicado na planta de fls. 38/39, o que implicaria no desdobro da gleba em mais de 120 lotes, a regularização fundiária, neste caso concreto, importa em divisão do imóvel entre seus co-proprietários, com atribuição de domínio exclusivo sobre partes determinadas do solo.

Assim, a regularização parcial, abrangendo lotes intercalados, demanda, neste caso concreto, a apresentação da anuência dos proprietários das frações ideais, ou a sua notificação, importando anotar que esses proprietários são os ocupantes dos lotes que deverão ser demarcados conforme a situação de fato existente em toda área a ser regularizada.

Apesar disso, não foram apresentadas a relação dos proprietários de frações ideais não beneficiados com a regularização, nem a anuência dos proprietários das frações ideais com o pedido formulado.

Desse modo, na forma como requerida, a regularização fundiária em relação aos lotes intercalados implicará na atribuição da propriedade exclusiva sobre áreas determinadas mediante declaração unilateral da apelante de que as frações ideais de seus associados correspondem aos imóveis descritos na planta e nos memoriais apresentados, o que, porém, causará repercussão direta em relação aos direitos de proprietário de todos os titulares dessas frações ideais.

Observo que as notificações dos titulares de domínio e dos confrontantes é prevista para o registro da Certidão de Regularização Fundiária, ou seja, para o registro da Regularização Fundiária Urbana (Reurb) inclusive quando promovida pelo Poder Público (arts. 31 e 44, § 6º, da Lei nº 13.465/2017), e não é afastada para os parcelamentos implantados e consolidados antes de 19 de dezembro de 1979, pois o art. 69 da Lei nº 13.465/2017 somente dispensa, nessa hipótese, as licenças, alvarás e autorizações dos órgãos públicos competentes:

Art. 69. As glebas parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979, que não possuírem registro, poderão ter a sua situação jurídica regularizada mediante o registro do parcelamento, desde que esteja implantado e integrado à cidade, podendo, para tanto, utilizar-se dos instrumentos previstos nesta Lei.

§ 1º O interessado requererá ao oficial do cartório de registro de imóveis a efetivação do registro do parcelamento, munido dos seguintes documentos:

I – planta da área em regularização assinada pelo interessado responsável pela regularização e por profissional legalmente habilitado, acompanhada da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) ou de Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), contendo o perímetro da área a ser regularizada e as subdivisões das quadras, lotes e áreas públicas, com as dimensões e numeração dos lotes, logradouros, espaços livres e outras áreas com destinação específica, se for o caso, dispensada a ART ou o RRT quando o responsável técnico for servidor ou empregado público;

II – descrição técnica do perímetro da área a ser regularizada, dos lotes, das áreas públicas e de outras áreas com destinação específica, quando for o caso;

III – documento expedido pelo Município, atestando que o parcelamento foi implantado antes de 19 de dezembro de 1979 e que está integrado à cidade.

§ 2º A apresentação da documentação prevista no § 1º deste artigo dispensa a apresentação do projeto de regularização fundiária, de estudo técnico ambiental, de CRF ou de quaisquer outras manifestações, aprovações, licenças ou alvarás emitidos pelos órgãos públicos“.

Apesar da falta da anuência, ou notificação, dos proprietários de frações ideais com a regularização de lotes intercalados, situados em mesmas quadras, a planta de fls. 38/39 contém o desmembramento de todas as sete quadras em mais de 120 lotes identificados com seus respectivos números.

Porém, os lotes não sujeitos à regularização não tiveram suas medidas perimetrais, ângulos de deflexão e áreas totais especificadas, o que impede o acesso da planta ao registro porque afeta diretamente os direitos dos proprietários de frações ideais que não anuíram com o parcelamento da gleba na forma indicada pela apelante.

Ainda, a planta de fls. 38/39 e os memorais descritivos de fls. 50 e seguintes não descrevem os lotes a serem regularizados com indicação dos ângulos de deflexão e azimutes, embora tenham conformações irregulares.

Reitero, nesse ponto, que os requisitos técnicos devem ser atendidos antes da suscitação da dúvida, razão pela qual não se mostra possível o sobrestamento do processo, requerido às fls. 1343, ou a conversão do julgamento em diligência, para a alteração da planta e dos memoriais descritivos.

Por outro lado, a certidão municipal de fls. 37 é no sentido de que o parcelamento denominado “Condomínio Recanto Cruzeiro do Sul”, constituído mediante venda de frações ideais para pessoas distintas, é anterior à Lei nº 6.766/79 e está integrado e consolidado, com irreversibilidade de ocupação.

Essa certidão, no entanto, não especifica que a implantação de toda parcela do loteamento a ser regularizada ocorreu antes da vigência da Lei nº 6.766/79, de modo a dispensar as licenças e autorizações referidas no parágrafo 2º do art. 69 da Lei nº 13.465/2017.

Isso porque, neste caso concreto, a certidão de fls. 1242 e seguintes demonstra que as vendas das frações ideais do imóvel objeto da matrícula nº 25.506 foram promovidas por escrituras públicas lavradas e registradas a partir do ano de 1984.

Constituído o parcelamento irregular mediante venda de frações ideais para pessoas distintas, com constituição de condomínio voluntário, presume-se que a ocupação do solo teve início a partir dessas alienações.

Em decorrência, a certidão municipal deve permitir a verificação de que a efetiva implantação do parcelamento, com abertura das vias de circulação e com a divisão da gleba em lotes, foi realizada antes da vigência da Lei nº 6.766/79, o que não ocorre no presente caso.

Ademais, segundo o documento de fls. 1312/1320, a certidão municipal foi expedida com fundamento em único contrato particular de compromisso de compra e venda, em tese reproduzido às fls. 1308/1311.

O contrato particular de fls. 1308/1311, celebrado em 26 de março de 1979, faz referência à lote específico indicado em planta particular de loteamento, não comprovando que o parcelamento foi efetivamente implantado e consolidado antes da vigência da Lei nº 6.766/79.

E apesar do procedimento de registro não comportar a análise do mérito administrativo das certidões, licenças e autorizações expedidas pelo Poder Público, deve o Oficial de Registro qualificar esses atos para verificar se atendem à finalidade a que se destinam, ou seja, à congruência entre o seu conteúdo e o efeito que se destina a produzir, pois, ainda como decidido por este Col. Conselho Superior da Magistratura no julgamento da Apelação Cível nº 72.365-0/7, de que foi relator o Desembargador Luís de Macedo:

A qualificação registrária não é um simples processo mecânico, chancelador dos atos já praticados, mas parte, isso sim, de uma análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre os assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou extrajudiciais), sempre feita à luz das normas cogentes em vigor”.

Por essa razão, mostra-se equivocado o entendimento do apelante no sentido de que a certidão de fls. 37 não se submete à qualificação registrária.

Por fim, a única ressalva cabível diz respeito à recusa do registro com fundamento na observação, contida na certidão de fls. 37, da necessidade de adoção de medidas de mitigação dos impactos urbanísticos e ambientais para que a regularização fundiária seja promovida pelo Município, porque a referida certidão não indica a adoção de medidas dessa natureza como requisito para a regularização feita em conformidade com o art. 69 da Lei nº 13.465/2017.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a negativa do registro.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJe/SP de 02.09.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.