Recurso Especial – Ação condenatória – Cessão e transferência de direitos decorrentes de implantação de reflorestamento – Dação em pagamento do imóvel sem cláusula que dispusesse acerca da propriedade da cobertura vegetal lenhosa – Tribunal a quo que manteve a sentença de improcedência – Insurgência da autora – Reclamo desprovido – Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação – 1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional – 2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada – 2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica – 2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes. Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua – 3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização – 4. Recurso especial desprovido.

Recurso Especial – Ação condenatória – Cessão e transferência de direitos decorrentes de implantação de reflorestamento – Dação em pagamento do imóvel sem cláusula que dispusesse acerca da propriedade da cobertura vegetal lenhosa – Tribunal a quo que manteve a sentença de improcedência – Insurgência da autora – Reclamo desprovido – Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação – 1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional – 2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada – 2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica – 2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes. Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua – 3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização – 4. Recurso especial desprovido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.567.479 – PR (2011/0271419-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI

RECORRENTE : IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL

ADVOGADO : LUIZ GUILHERME BITTENCOURT MARINONI E OUTRO(S) – PR013073

ADVOGADOS : HELENA DE TOLEDO COELHO – PR024661

GILSON JOAO GOULART JUNIOR – PR036950

FERNANDO MUNHOZ RIBEIRO – PR035025

MARCEL KESSELRING FERREIRA DA COSTA – PR032679

THIAGO MOURÃO DE ARAUJO – PR042152

NASTASSIA LYRA IURK DA SILVA – PR064683

RECORRIDO : KLABIN S/A

ADVOGADO : SEBASTIAO MARIA MARTINS NETO – PR014978

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CONDENATÓRIA – CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DECORRENTES DE IMPLANTAÇÃO DE REFLORESTAMENTO – DAÇÃO EM PAGAMENTO DO IMÓVEL SEM CLÁUSULA QUE DISPUSESSE ACERCA DA PROPRIEDADE DA COBERTURA VEGETAL LENHOSA – TRIBUNAL A QUO QUE MANTEVE A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DA AUTORA – RECLAMO DESPROVIDO.

Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.

1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada.

2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica.

2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes.

Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua.

3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

4. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Luiz Guilherme Bittencourt Marinoni, pela parte Recorrente: IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL

Brasília (DF), 11 de junho de 2019 (Data do Julgamento)

MINISTRO MARCO BUZZI

Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição federal, em desafio a acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Na origem, a ora recorrente ajuizou ação condenatória em face de KLABIN S/A, aduzindo, em síntese, ser cessionária dos direitos de que trata a escritura pública que a cedente REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA afirmava possuir, por ter implementado os projetos de reflorestamento denominados Refloril IV e V, no ano de 1970, no imóvel Areia Preta, matriculado no Cartório de Registro de Imóveis de Reserva sob o nº 2894.

A então demandante informou que o reflorestamento de árvores de pinus ssp fora realizado em 727,20 hectares na forma de condomínio florestal, o qual teve a subscrição física de moeda oriunda de incentivos fiscais por parte de inúmeros investidores representados por contrato de cessão de terras e execução florestal. Ressalta, ainda, ter ficado estabelecido no contrato para a execução dos trabalhos, que após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, haveria um remanescente de 500 árvores por hectare.

Depreende-se, também, da petição inicial, que em 24/03/1983 REFLORIL transferiu por dação em pagamento à sua então diretora CLEUZA GUILARDI ZONARI, exclusivamente o imóvel no qual foram implantados os projetos Refloril IV e V, restando mantidos os reflorestamentos e preservados os respectivos condomínios florestais de propriedade dos condôminos investidores originários.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição federal, em desafio a acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Na origem, a ora recorrente ajuizou ação condenatória em face de KLABIN S/A, aduzindo, em síntese, ser cessionária dos direitos de que trata a escritura pública que a cedente REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA afirmava possuir, por ter implementado os projetos de reflorestamento denominados Refloril IV e V, no ano de 1970, no imóvel Areia Preta, matriculado no Cartório de Registro de Imóveis de Reserva sob o nº 2894.

A então demandante informou que o reflorestamento de árvores de pinus ssp fora realizado em 727,20 hectares na forma de condomínio florestal, o qual teve a subscrição física de moeda oriunda de incentivos fiscais por parte de inúmeros investidores representados por contrato de cessão de terras e execução florestal. Ressalta, ainda, ter ficado estabelecido no contrato para a execução dos trabalhos, que após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, haveria um remanescente de 500 árvores por hectare.

Depreende-se, também, da petição inicial, que em 24/03/1983 REFLORIL transferiu por dação em pagamento à sua então diretora CLEUZA GUILARDI ZONARI, exclusivamente o imóvel no qual foram implantados os projetos Refloril IV e V, restando mantidos os reflorestamentos e preservados os respectivos condomínios florestais de propriedade dos condôminos investidores originários.

Narra a autora, ainda, que na data de 14/02/1989, CLEUZA vendeu o imóvel juntamente com as florestas e projetos de reflorestamento implantados por sobre a área à empresa ré KLABIN DO PARANÁ AGRO FLORESTAL S/A, atual KLABIN S/A, a qual procedeu ao corte raso das árvores de propriedade da Refloril.

Pleiteia o ressarcimento contemporâneo, ou seja, o equivalente a 150.000 árvores de pinus ssp face a inexistência de árvores remanescentes do projeto de reflorestamento.

Em sede de contestação, a demandada sustentou a idoneidade da aquisição imobiliária ante o desaparecimento do condomínio face a consolidação da propriedade exclusiva com a ré, não tendo praticado qualquer ilícito ao promover o corte raso da floresta remanescente. Afirmou, por fim, que a autora é litigante de má-fé em virtude de não ser cessionária de qualquer direito descrito na referida escritura pública de cessão e transferência, pois a pessoa que a subscreveu em nome da Refloril não mais era seu representante legal.

Na sentença, o magistrado julgou improcedente o pedido sob a assertiva de que “a Escritura Pública de Cessão e Transferência de Direito, Vantagens e Obrigações (fls. 19/20) foi lavrada quando a cedente Refloril Empreedimentos Florestais Ltda. não mais detinha os direitos relativos aos 20% das árvores remanescentes de pinus ssp, de sorte que efeito algum produziu por se tratar de verdadeira venda a non domino“.

Concluiu, ainda, o magistrado, que o imóvel rural no qual fora implementado o projeto de reflorestamento foi transferido à CLEUZA GUILARDI ZONARI em 24/03/1983, sem qualquer ressalva quanto às árvores ali existentes, a indicar que a dação em pagamento englobou o terreno e suas plantações, em razão do acessório seguir o principal.

Opostos aclaratórios, esses foram rejeitados (fl. 1245).

Interposto o recurso de apelação, o Tribunal a quo desproveu o reclamo nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS – IMPLANTAÇÃO DE REFLORESTAMENTO – DAÇÃO EM PAGAMENTO DO TERRENO – AUSÊNCIA DE CLÁUSULA QUE DISPUSESSE SOBRE A PROPRIEDADE DAS ÁRVORES QUE INTEGRAVAM O REFLORESTAMENTO – VENDA A NON DOMINI – RECURSO DESPROVIDO POR MAIORIA.

Alienado o imóvel e as plantações pela empresa Refloril já em 24/03/1983, ineficaz a cessão de direitos realizada por esta ao autor em 22/04/2004, quando não mais detinha os direitos objeto da cessão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados pelo acórdão de fls. 1350-1353.

Nas razões do recurso especial (fls. 1357-1400), alega a insurgente, além de dissídio jurisprudencial, violação aos artigos 535 do CPC/73, 79, 82, 287, 1232 e 1369 do Código Civil/2002. Sustenta, em síntese:

a) negativa de prestação jurisdicional em razão de obscuridade existente no julgado, haja vista que é incontroverso dos autos que a demandada KLABIN S/A promoveu o corte raso das árvores em data posterior à transferência ocorrida em 24/03/1983, sendo falsa a premissa utilizada pelo Tribunal a quo ao asseverar que “não mais existiam as árvores objeto dos contratos”;

b) era desnecessário que a REFLORIL tivesse ressalvado os direitos sobre as árvores para que não seguissem junto com a transferência da terra nua, pois os vegetais lenhosos destinados ao corte, ou seja, de destinação certa de comercialização em separado, constituem bens móveis por antecipação, não sendo aplicável a premissa de que o acessório segue o principal;

c) inocorrente a alegada venda a non domino, pois a transferência do imóvel da Refloril para a sua ex-sócia CLEUZA ZONARI não englobou as árvores de reflrorestamento;

d) a REFLORIL (cedente) não só autorizou o estabelecimento de condomínio florestal como o implantou, mantendo para si como remuneração, através dos contratos particulares de condomínio florestal, as árvores existentes após o 4° desbaste previsto para o 20° ano depois da assinatura dos ajustes;

e) embora a REFLORIL tenha dado em pagamento a terra nua, não transferiu as árvores, tanto que essas foram objeto da cessão de direitos operada por essa com a insurgente no ano de 2004, devidamente registrada em cartório.

Contrarrazões às fls. 1418-1430.

Inadmitido o reclamo na origem, adveio agravo (art. 544 do CPC/73) visando destrancar a insurgência, ao qual este signatário deu provimento (decisão de fls. 1477-1478) e determinou a sua conversão em recurso especial para melhor análise da controvérsia.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

O reclamo não merece acolhida.

Cinge-se a controvérsia em definir: a) frente às circunstâncias do caso concreto, qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se há de ser considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.

1. Inicialmente, no tocante à preliminar de negativa de prestação jurisdicional, não merece acolhida a irresignação, porquanto é cediço nesta Corte Superior que os embargos de declaração se destinam a suprir eventual vício existente na deliberação judicial, não necessitando o órgão julgador manifestar-se expressamente acerca de todas as disposições legais que as partes entendam aplicáveis, embora deva motivar suas decisões, expondo os fundamentos do seu livre convencimento.

Segundo a insurgente, a violação ao artigo 535 do CPC/73 teria ocorrido porquanto a Corte local deixou de corrigir erro de fato/premissa, afeto à informação de que a recorrida KLABIN S/A teria adquirido o imóvel quando não mais havia o número total de árvores implantadas pelo projeto de reflorestamento, uma vez que a REFLORIL (cedente) já teria procedido aos cortes nos anos de 1981, 1982 e 1987.

Relativamente ao ponto, o acórdão recorrido foi expresso ao asseverar, com vasta fundamentação, inclusive amparada no acervo fático-probatório dos autos que, quando da venda do imóvel operada por CLEUZA ZONARI à empresa KLABIN S/A o quantitativo de árvores referidas nos contratos originários da implantação do reflorestamento não mais existia, pois teria havido intercorrências no plantio que ensejaram a redução da área plantada, e a cobertura vegetal lenhosa efetivamente cultivada teria sido objeto de corte pela própria REFLORIL nos anos acima referidos.

Confira-se, por oportuno, o trecho do julgado:

Frise-se ainda que não mais existiam as árvores objeto dos contratos, quando houve a venda do imóvel. Isto porque antes de serem vendidas para a Klabin, a Refloril promoveu o corte; também porque ocorreram deficiências no plantio e houve a redução das árvores. O IBAMA, em informações técnicas apresentadas ao Juízo da Justiça Federal, atesta a redução da área plantada nos projetos Refloril IV e V. Com o esmo parecer técnico junta documentos que certifica ter o IBAMA autorizado a Refloril a proceder planos de corte em 1981, 1982 e 987, portanto, antes da venda para a Klabin.

Como se vê, o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

Nesse sentido: EDcl no Ag 749.349/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018; AgInt no REsp 1716263/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018; AgInt no AREsp 1241784/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 27/06/2018.

Ressalte-se, também, no pertinente ao assunto ora em debate, que ante o óbice da súmula 7/STJ é vedado a esta Corte Superior incursionar nas provas constantes dos autos para averiguar acerca da alegada ocorrência de erro de fato/premissa referido pela insurgente, motivo pelo qual eventual equívoco do acórdão, relativamente à matéria de fato, não pode ser corrigido pela via do recurso especial.

2. Quanto ao mérito, para o deslinde da questão controvertida, afigura-se impresdincível, de início, tecer breve comentário acerca do histórico pertinente ao reflorestamento no Brasil, bem como externar o concatenamento cronológico dos fatos reputados incontroversos atinentes à causa, para, a posteriori, estabelecer qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte e objeto dos projetos de implantação do reflorestamento.

2.1 O caso concreto tem seu nascedouro em projetos de reflorestamento (Refloril IV e V) implementados no imóvel Areia Preta (matrícula nº 2894), localizado no Município de Reserva – PR. O reflorestamento, em linhas gerais, constitui uma ação ambiental visando repovoar áreas que tiveram a vegetação removida pelas forças da natureza ou ações humanas, a denotar, em princípio, que a finalidade primordial é reimplantar ao solo, ainda que artificialmente, aquilo que foi dele removido. No entanto, a prática não se dá apenas com a finalidade precípua de minimização dos impactos ambientais via reintegração da vegetação nativa degradada (reflorestamento ecológico), podendo, também, a escolha da cobertura vegetal a ser implantada servir aos propósitos comerciais.

A prática de reflorestamento no Brasil não é nova. O primeiro Código Florestal (Decreto nº 23.793), foi lançado em 1934 no propósito de enfrentar os desmatamentos realizados em decorrência da extração de madeira. Com o advento do Código Florestal seguinte, Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965, houve uma mudança significativa no manejo das florestas e demais formas de vegetação, em razão de terem sido reconhecidas de utilidade às terras que revestem e, portanto, bens de interesse comum a todos os habitantes do País. Nessa, as ações e omissões decorrentes da utilização e exploração das florestas realizada em contrariedade às disposições da referida legislação foi considerada como uso nocivo da propriedade. O mencionado regramento visou, em síntese, minimizar os impactos ao meio ambiente, tendo o poder público, inclusive, estimulado o reflorestamento via incentivos fiscais.

Segundo estudiosos da matéria, no período de 1967 a 1986, foram concedidos incentivos fiscais ao reflorestamento, que ensejaram o crescimento da área reflorestada de 1967 a 1979. Tais estímulos foram adquirindo volume, sem limitação regional para o plantio de florestas, até final da década de 70, a partir de quando se verifica diminuição do fomento e, consequentemente, decréscimo da área reflorestada. Não obstante, em 2000, o Brasil ainda se mantinha como o sexto maior país, no mundo, em termos de território reflorestado, a denotar que apesar das fraudes e plantações mal sucedidas, houve significativa expansão das superfícies recuperadas, em que pese os motivos para o reflorestamento perpassarem, quase que necessariamente, pelo fator econômico da conduta de minimização dos impactos ambientais. (SCIENTIA FORESTALIS, n. 66, p. 191-203, dez. 2004)

2.2 Feita essa breve digressão, segundo afirma a insurgente na exordial, os projetos de reflorestamento (Refloril IV e V) foram implementados na década de 1970, com árvores de pinus ssp e contaram com a faculdade de isenção tributária instituída na Lei 5.106/66, que dispunha sobre os incentivos fiscais concedidos a empreendimentos florestais. Por meio de “contrato de cessão de terras e execução florestal” firmado entre a empresa REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA e os investidores, aquela fora contratada para promover o reflorestamento da área, tendo estipulado que, a título de pagamento, após o 4º desbaste estimativo previsto para o 20º ano da assinatura do contrato, teria o direito ao remanescente de 500 árvores por hectare.

Após a implantação dos projetos de reflorestamento, e antes de findo o prazo de vinte anos firmado nos “contratos de cessão de terras e execução florestal”, a contratada REFLORIL adquiriu, por via não perquirida pelos julgadores ordinários nesta demanda, as participações dos investidores dos citados projetos relativamente ao imóvel objeto da matrícula nº 2894.

Em 1983, a empresa REFLORIL, mediante escritura pública de dação em pagamento, transferiu – sem ressalvar as árvores ou os projetos de reflorestamento – a propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 2894 a CLEUZA GUILARDI ZONARI, essa que, em 1981, havia se retirado dos quadros da sociedade da empresa inicialmente formada por ela e o marido Sinésio Zonari.

No ano de 1989, CLEUZA GUILARDI ZONARI vendeu o referido imóvel à empresa KLABIN DO PARANÁ AGRO FLORESTAL S/A, atual KLABIN S/A.

Aos 22/04/2004, a empresa REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA, no ato representada por Raul Fernandes da Silva, por meio de escritura pública de cessão de direitos e vantagens, transferiu à autora IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, “todos os direitos e vantagens que possui sobre os 20% (vinte por cento) das árvores remanescentes de pinus ssp, implantadas na área de reflorestamento denominado REFLORIL – SECÇÃO IV, (…) implantada no imóvel localizado no lugar denominado Areia Preta, Município de Reserva no Estado do Paraná, matrícula nº 2894 da Serventia Registral da Comarca de Reserva – PR, no plano de corte raso e rotação final (…), o residual de 300,00 hectares, que deve ter 150.000 árvores de pinus ssp (500 árvores por hectare)”.

Ressalte-se que, desde a data de 25 de setembro de 2000, o referido representante Raul Fernandes da Silva teria se retirado dos quadros da sociedade, nos termos da alteração contratual de fls. 173-174.

Eis o quadro fático e cronológico pertinente ao feito.

2.3 Antes, porém, de adentrar na análise do tema propriamente dito, pontua-se que, apesar dos fatos originários da causa datarem de momento anterior à entrada em vigor do Código Civil de 2002, a denotar que a averiguação judicial poderia ter sido embasada nos ditames legislativos do diploma civilista revogado de 1916, certo é que a demanda foi examinada à luz das disposições normativas do Código Civil de 2002 em razão de a cessão de direitos alegadamente operada entre a REFLORIL e a autora datar de 2004.

Ainda, preliminarmente, é curial tecer breve comentário sobre o direito de propriedade, especificamente sobre uma das formas de aquisição da propriedade imobiliária, a acessão.

Pois bem, como sabido, à propriedade o sistema jurídico pátrio atribuiu o mais amplo dos direitos reais, que pode ser conceituado como um instituto complexo, ao qual se vinculam as faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa, sendo que as únicas limitações impostas ao titular relacionam-se à supremacia do interesse público e a coexistência do direito de outros titulares.

A acessão é um modo originário de adquisição da propriedade, em virtude do qual fica pertencendo ao titular tudo quanto se une ou se incorpora ao bem, o que pode ocorrer em duas modalidades: a natural, que se dá quando a união ou incorporação advém de acontecimento da natureza, como a formação de ilhas, o aluvião, a avulsão e o abandono de álveo; e a artificial, resultante do trabalho do homem, como no caso das construções e plantações, hipótese dos autos.

Ressalta-se que, nesse contexto, surgiu o direito de superfície, novidade jurídica implementada pelo legislador civil de 2002 visando contribuir para a formulação de uma nova política de uso racional e socialmente adequado do solo urbano e rural. Esse instituto, apesar de ter sido mencionado pelo Tribunal a quo para corroborar a fundamentação do julgado no tocante à necessidade de ressalva acerca da propriedade das árvores, não será abordado nessa oportunidade em razão dos projetos de implantação do reflorestamento Refloril IV e V datarem de 1970 e da dação em pagamento ter ocorrido em 1983, época, como cediço, em que o referido espeque do direito de superfície inexistia.

Nos termos da legislação em vigor (art. 1.253 do Código Civil), toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e às suas custas até prova em contrário.

No caso, essa presunção foi elidida em razão de ser incontroverso dos autos que a empresa REFLORIL (cedente) foi contratada para a prestação de serviços de reflorestamento, mediante “contratos de cessão de terras e execução florestal”, tendo implantado na modalidade de condomínio florestal os projetos Refloril IV e V, junto ao imóvel matriculado sob o nº 2894, perante o Registro de Imóveis de Reserva, para que os investidores obtivessem os benefícios da Lei nº 5.106/1966. Restou estabelecido, no ajuste entabulado, que a título de pagamento pelos serviços de reflorestamento, ficaria de propriedade da contratada o remanescente das árvores após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, fixado esse remanescente em 500 árvores por hectare. Assim, em princípio, a acessão artificial realizada não se perfectibilizou às expensas do proprietário, visto que, a título de pagamento, ante o condomínio florestal, os investidores promoveram o pagamento dos serviços, ainda que a REFLORIL adquirisse a propriedade única e exclusiva das árvores após o 4º desbaste estimativo.

Salienta-se, no ponto, mais uma vez que, após a implantação dos projetos de reflorestamento, e antes de ultimado o prazo vintenário previsto nos “contratos de cessão de terras e execução florestal”, a contratada REFLORIL adquiriu, por via não perquirida pelos julgadores ordinários nesta demanda, as participações dos investidores dos citados projetos relativamente ao imóvel objeto da matrícula nº 2894, ficando extinto o condomínio florestal.

É irrefragável, também, que em 24/03/1983, o imóvel rural (matrícula nº 2894) em que fora implementado o projeto de reflorestamento foi transferido via dação de pagamento a CLEUZA GUILARDI ZONARI, sem qualquer ressalva quanto as árvores ali existentes, restando consignado na escritura pública que, juntamente com a transferência da propriedade, transmitia-se toda a posse, jus, domínio, direito e ação relativos ao referido imóvel.

Nesse ponto reside a controvérsia, pois as instâncias ordinárias compreenderam que, em razão da ausência de ressalva na dação em pagamento quanto à cobertura vegetal lenhosa plantada no imóvel, a transferência englobou, além da terra nua, as plantações, em razão da máxima jurídica de que o acessório segue o principal.

Acerca da questão, tem-se que, nos termos do artigo 79 do Código Civil/2002, “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Em virtude disso, em regra, a acessão artificial operada no caso (plantação de árvores de pinus ssp) receberia a mesma classificação/natureza jurídica do terreno, sendo considerada, portanto, bem imóvel, ainda que acessório do principal, nos termos do artigo 92 do Código Civil, por se tratar de bem reciprocamente considerado.

Entretanto, muito embora o mencionado art. 79 do Código Civil considere a árvore, enquanto incorporada ao solo, bem imóvel, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, pois a mesma vontade humana que tem o condão de imobilizar bens móveis, pondo-os a serviço da coisa imóvel, tem o poder de mobilizar bens imóveis, em função da finalidade econômica.

É importante consignar que o fato de um bem se enquadrar em uma categoria não necessariamente o exclui de outra, podendo pertencer ao mesmo tempo em mais de uma classificação.

No Código Civil de 2002, os bens jurídicos são tratados no Livro II, que, por sua vez, encontra-se dividido em três capítulos dispostos da seguinte forma: Capítulo I – os bens considerados em si mesmos; Capítulo II – os bens reciprocamente considerados e o Capítulo II – os bens públicos.

Os bens considerados em si mesmo encontram sua normatização legal entre os artigos 79 a 91, no Capítulo I do Título Único do Código Civil e se apresentam subdivididos da seguinte maneira: a) bens imóveis e móveis; b) bens fungíveis e infungíveis; c) bens consumíveis e inconsumíveis; d) bens singulares e coletivos; e) divisíveis e indivisíveis.

Nessa topologia, há particular interesse pela categoria de bens móveis: aqueles que, sem deterioração na substância ou na forma, podem ser transportados de um lugar para outro.

Seguindo a linha de intelecção verifica-se, doutrinariamente, a existência da subclasse bens móveis por antecipação, cuja peculiaridade decorre da circunstância segundo a qual são verdadeiramente bens imóveis, embora acessórios do principal, que a vontade humana mobiliza em função da finalidade econômica. Assim, por exemplo, árvores, frutos, pedras e metais, aderentes ao imóvel, são imóveis; quando separados, porém, para fins humanos, tornam-se móveis.

A ora insurgente pretende a aplicação, ao caso, da referida classificação doutrinária, pois, no seu entender, em razão do projeto de implantação de reflorestamento desde o seu nascedouro ter sido elaborado para a finalidade econômica de desbaste/corte das árvores plantadas, essas seriam, desde o início, consideradas bens móveis por antecipação, motivo pelo qual a alegada ausência de ressalva no instrumento de dação em pagamento não teria o condão de transferir a propriedade da cobertura lenhosa destinada ao corte, tendo ocorrido, segundo essa tese, a cessão apenas da terra nua registrada na matrícula 2894 do Registro de Imóveis em Reserva.

Em que pese seja viável classificar a cobertura vegetal em bens móveis por antecipação, não é possível descurar que, na hipótese, trata-se de projeto de reflorestamento, e que a participação dos investidores foi adquirida, extinguindo-se o condomínio florestal, consolidando-se a propriedade plena com a REFLORIL.

É irrefutável, para o deslinde do caso, que os bens móveis por antecipação somente recebem essa classificação por vontade humana e, na hipótese, pela análise categórica realizada pela Corte local relativamente às provas constantes dos autos, notadamente dos documentos atinentes à dação em pagamento, dos contratos de reflorestamento e das sucessivas averbações junto à matrícula do imóvel, face a ausência de ressalva no instrumento de dação em pagamento, as árvores existentes sobre o terreno de matrícula 2894 foram inegavelmente transferidas.

Confira-se, por oportuno, trechos elucidativos do acórdão recorrido:

O exame da documentação carreada aos autos evidencia não assistir razão à autora, na medida e que a Escritura Pública de Cessão e Transferência de Direitos, Vantagens e Obrigações (fls. 18/20) foi lavrada quando a cedente Reforil Empreendimentos Florestais Ltda., não mais detinha os direitos relativos ao 20% das árvores remanescentes de pinus SSP, de sorte que efeito nenhum produziu por se tratar de verdadeira venda a non domino.

De fato, o imóvel rural em que fora implementado o Projeto de Refloretamento (Refloril IV e V) foi transferido a Cleuza Guilardi Zonari em 24/03/1983, sem qualquer ressalva quanto às árvores ali existentes, restando consignada na escritura pública que, juntamente com a transferência da propriedade, transferiu-se toda a posse, jus, domínio, direito e ação que sobre o referido imóvel tinha, para que ele passasse a usar, gozar e livremente dispor (fls. 21-verso).

Consoante documentos acostados à inicial (fls. 563 e seguintes , denota-se que a aquisição quanto a terra e árvores, se deu da seguinte forma:

a – em 30/01/89, foi lavrada escritura pública de compromisso de compra e venda, tendo por objeto a aquisição de terras (600 alqueires) e florestas “ad mensuram” e 102.000m3 de madeira, sendo 65,29 alqueires de reflorestamento jovens;

b – em 30/06/89, foi lavrada a escritura pública de compra e venda tendo por objeto a área de 600 alqueires, ao preço certo de NCZ$ 265.518;39, correspondentes a 174.798,15 dólares americano;

c – em 28/07/89 foi lavrada escritura pública de re-ratificação e cessão e transferência de direitos de posse, perante o Tabelionato Euzébio Borba, para o ajuste “ad mensuram” das terras, descrevendo a gleba de 627,75 alqueires. Pela diferença da área, a Klabin pagou o preço certo de NczR$ 11.700,51, correspondente a 7.702,77 dólares norte-americanos;

d – em 02/08/89, nova escritura de compra e venda de madeiras foi lavrada, visando dar cumprimento à cláusula “ad mensuram” tendo por objeto 337.971 árvores com 174.400,10 m3 de madeiras, na área de 150,74 alqueires de reflorestamentos jovens.

e – Em 03/08/89, visando à retificação de algumas cláusulas contratuais, foi lavrada a escritura pública de re-ratificação.

Forçoso concluir que juntamente com a alienação do imóvel, a empresa Refloril Empreendimentos Florestais Ltda., transferiu os direitos relativos às árvores nele plantadas.

(…)

Antes de alienar a terra, reflorestamento e direitos a ele inerentes em favor da Klabin, CLEUZA ZONARI, teria se tornado legítima proprietária e possuidora de tais bens por força da escritura pública da dação em pagamento, cujo teor é transcrito no R-1, da matrícula n 2894 (fls. 23v).

Na oportunidade, a Refloril, através do seu titular SINEZIO ZONARI, lhe transferiu toda posse, dominio, direito e ação que tinha sobre o imóvel. Tal fato se deu em 1983, ou seja, treze anos após a implantação dos reflorestamentos no ano de 1970.

Dessa maneira, na escritura pública de Dação em pagamento (fls. 22/23) não ressalvou para si a propriedade das árvores plantadas no imóvel, o que indica que a ação em pagamento englobou o terreno e suas plantações, vez que o acessório segue a sorte do principal.

(…)

E a adquirente Cleuza Guilardi Zonari em 14/02/1989 vendeu mencionado imóvel e “toda a cobertura vegetal adulta existente no imóvel acima referido, originária de reflorestamentos implantados pela empresa REFLORIL, denominados Refloril IV e V (fls. 32 à demandada KLABIN, a qual passou, dessa forma, a se tornar proprietária plena do imóvel rural e de suas plantações.

Alienado o imóvel e as plantações pela empresa Refloril já em 24/03/1983, ineficaz a cessão e direitos realizada por esta ao autor em 22/04/2004, quando não mais detinha os direitos objeto da cessão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

(…)

À luz de ais documentos públicos, infere-se que as transações efetuadas pela Klabin, foram feitas de forma idônea e sem os vícios alegados pela apelante. Não houve por parte da Klabin, qualquer atividade incompatível, nem desrespeito a qualquer direito de terceiros.

Assim, não tem o autor como pleitear os pretensos direitos constantes de aludida cessão, vez que ineficaz o negócio jurídico. Deverá postular a anulação da cessão e a conseqüente reparação de danos em face do cedente, eis que o objeto da transação não mais lhe pertencia quando do pacto.

(fls. 1325-1329 – grifos nossos)

É inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos e das cláusulas contratuais dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel matriculado sob o nº 2894.

Tendo isso em evidência, repisa-se, conforme artigo 79 do Código Civil, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel salvo expressa manifestação em contrário, que não ocorreu na hipótese. Outrossim, não é por outra razão, também, que, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, “salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios”.

Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, também como bem móvel por antecipação, no caso, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois, iniludivelmente, em virtude da ausência de anotação/observação acerca das árvores plantadas sobre o terreno, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal, essas foram transferidas com a dação em pagamento realizada em favor de CLEUZA GUILARDI ZONARI.

Por essa razão, em virtude da empresa REFLORIL ter transferido, já em 1983, a propriedade e todos os direitos sobre o imóvel objeto da matrícula nº 2894, nos quais se incluem as acessões artificiais (plantações), não poderia ter cedido à autora, em 2004, quaisquer direitos, pois deles não dispunha.

É imprescindível mencionar, inclusive, ter a Corte local consignado que a cessão de direitos realizada entre a REFLORIL – ou quem se dizia e se apresentava como seu representante legal – e a ora insurgente, no ano de 2004, fora realizada quando aquela não mais era a titular dos direitos relativos às árvores plantadas sobre o terreno, razão por que as instâncias precedentes compreenderam se tratar de efetiva venda a non domino, realizada por quem não possuía a qualidade de proprietário do bem objeto do negócio jurídico. Esse ponto, aliás, afeto à ausência de representação legal adequada da empresa REFLORIL sequer foi objeto de impugnação no recurso especial, a atrair a incidência do óbice da súmula 283/STF.

Assim, por quaisquer ângulos que se analise a questão, apesar de ser viável classificar as árvores destinadas ao corte como bens móveis por antecipação, esse enquadramento não ampara o direito da autora de cobrar da empresa KLABIN S/A os seus alegados prejuízos, pois, se esses de fato existiram, decorreram da alienação de aparência celebrada com a REFLORIL (ou com seu pretenso representante) no ano de 2004.

Tal como referido pela Corte local, a autora, querendo, “deverá postular a anulação da cessão e a consequente reparação de danos em face do cedente, eis que o objeto da transação não mais lhe pertencia quando do pacto”. (fls. 1328-1329)

3. Do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.567.479 – Paraná – 4ª Turma – Rel. Min. Marco Buzzi – DJ 18.06.2019

Fonte: INR Publicações

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Direito Civil – Recurso Especial – Condomínio – Regulamento interno – Proibição de uso de área comum, destinada ao lazer, por condômino inadimplente e seus familiares – Impossibilidade – Sanções pecuniárias taxativamente previstas no Código Civil – 1. No condomínio edilício, o titular da unidade autônoma, cotitular das partes comuns, exerce todos os poderes inerentes ao domínio, mas, em contrapartida, sujeita-se à regulamentação do exercício destes mesmos direitos, em razão das necessidades impostas pela convivência em coletividade – 2. O Código Civil, ao estabelecer um regramento mínimo sobre o condomínio edilício (arts. 1.332 e 1.334), determinou que a convenção deverá definir, entre outras cláusulas, “as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores” (art. 1.334, IV, do CC), tendo como contraponto, para tal mister, os deveres destes – 3. Segundo a norma, é direito do condômino “usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores” (CC, art. 1.335, II). Portanto, além do direito a usufruir e gozar de sua unidade autônoma, têm os condôminos o direito de usar e gozar das partes comuns, já que a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum – 4. É ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que proíbe a utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. Em verdade, o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos demais moradores – 5. O legislador, quando quis restringir ou condicionar o direito do condômino, em razão da ausência de pagamento, o fez expressamente (CC, art. 1.335). Ademais, por questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa – 6. O Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino inadimplente: a) ficará automaticamente sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, ao de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito (§ 1°, art. 1.336); b) o direito de participação e voto nas decisões referentes aos interesses condominiais poderá ser restringido (art. 1.335, III); c) é possível incidir a sanção do art. 1.337, caput, do CC, sendo obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração; d) poderá haver a perda do imóvel, por ser exceção expressa à impenhorabilidade do bem de família (Lei n° 8.009/90, art. 3º, IV) – 7. Recurso especial provido.

Direito Civil – Recurso Especial – Condomínio – Regulamento interno – Proibição de uso de área comum, destinada ao lazer, por condômino inadimplente e seus familiares – Impossibilidade – Sanções pecuniárias taxativamente previstas no Código Civil – 1. No condomínio edilício, o titular da unidade autônoma, cotitular das partes comuns, exerce todos os poderes inerentes ao domínio, mas, em contrapartida, sujeita-se à regulamentação do exercício destes mesmos direitos, em razão das necessidades impostas pela convivência em coletividade – 2. O Código Civil, ao estabelecer um regramento mínimo sobre o condomínio edilício (arts. 1.332 e 1.334), determinou que a convenção deverá definir, entre outras cláusulas, “as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores” (art. 1.334, IV, do CC), tendo como contraponto, para tal mister, os deveres destes – 3. Segundo a norma, é direito do condômino “usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores” (CC, art. 1.335, II). Portanto, além do direito a usufruir e gozar de sua unidade autônoma, têm os condôminos o direito de usar e gozar das partes comuns, já que a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum – 4. É ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que proíbe a utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. Em verdade, o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos demais moradores – 5. O legislador, quando quis restringir ou condicionar o direito do condômino, em razão da ausência de pagamento, o fez expressamente (CC, art. 1.335). Ademais, por questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa – 6. O Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino inadimplente: a) ficará automaticamente sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, ao de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito (§ 1°, art. 1.336); b) o direito de participação e voto nas decisões referentes aos interesses condominiais poderá ser restringido (art. 1.335, III); c) é possível incidir a sanção do art. 1.337, caput, do CC, sendo obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração; d) poderá haver a perda do imóvel, por ser exceção expressa à impenhorabilidade do bem de família (Lei n° 8.009/90, art. 3º, IV) – 7. Recurso especial provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


RECURSO ESPECIAL Nº 1.699.022 – SP (2017/0186823-3)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : ZILDA DA SOUZA E SILVA GIANNELLI – POR SI E REPRESENTANDO

RECORRENTE : CLAUDIO GIANNELLI – ESPÓLIO

ADVOGADOS : GILBERTO HADDAD JABUR – SP129671

FABIANA CRISTINA TEIXEIRA BISCO – SP168910

RECORRIDO : CONDOMÍNIO TORTUGA’S

ADVOGADO : SÉRGIO LEOPOLDO MAYER FERREIRA E OUTRO(S) – SP218491

EMENTA

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. REGULAMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO DE USO DE ÁREA COMUM, DESTINADA AO LAZER, POR CONDÔMINO INADIMPLENTE E SEUS FAMILIARES. IMPOSSIBILIDADE. SANÇÕES PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL.

1. No condomínio edilício, o titular da unidade autônoma, cotitular das partes comuns, exerce todos os poderes inerentes ao domínio, mas, em contrapartida, sujeita-se à regulamentação do exercício destes mesmos direitos, em razão das necessidades impostas pela convivência em coletividade

2. O Código Civil, ao estabelecer um regramento mínimo sobre o condomínio edilício (arts. 1.332 e 1.334), determinou que a convenção deverá definir, entre outras cláusulas, “as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores” (art. 1.334, IV, do CC), tendo como contraponto, para tal mister, os deveres destes.

3. Segundo a norma, é direito do condômino “usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores” (CC, art. 1.335, II). Portanto, além do direito a usufruir e gozar de sua unidade autônoma, têm os condôminos o direito de usar e gozar das partes comuns, já que a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum.

4. É ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que proíbe a utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. Em verdade, o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos demais moradores.

5. O legislador, quando quis restringir ou condicionar o direito do condômino, em razão da ausência de pagamento, o fez expressamente (CC, art. 1.335). Ademais, por questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa.

6. O Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino inadimplente: a) ficará automaticamente sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, ao de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito (§ 1°, art. 1.336); b) o direito de participação e voto nas decisões referentes aos interesses condominiais poderá ser restringido (art. 1.335, III); c) é possível incidir a sanção do art. 1.337, caput, do CC, sendo obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração; d) poderá haver a perda do imóvel, por ser exceção expressa à impenhorabilidade do bem de família (Lei n° 8.009/90, art. 3º, IV).

7. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com ressalvas de entendimento do Ministro Antonio Carlos Ferreira, Ministra Maria Isabel Gallotti e Ministro Marco Buzzi. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 28 de maio de 2019(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Zilda da Souza e Silva Giannelli e Espólio de Cláudio Giannelli ajuizaram ação declaratória em face do Condomínio Tortuga’s, situado na avenida Caminho das Tartarugas, 105, Guarujá-SP, aduzindo que se tornaram inadimplentes no montante de R$ 290 mil, por motivo de força maior, porquanto, após o falecimento do seu marido, Cláudio Giannelli, passou a cuidar sozinha dos 5 filhos menores e a gerir os negócios da família, já tendo sido penhorados bens mais do que suficientes para o pagamento da dívida.

No entanto, em razão da inadimplência das cotas condominiais, o Condomínio réu proibiu que a autora e seus dependentes utilizassem a área de lazer denominada “Clube” (piscina, “brinquedoteca”, salão de jogos, entre outros itens), limitando o exercício do seu direito de propriedade.

Requereram, assim, a “suspensão dos efeitos do parágrafo 6° do artigo 2° do Regulamento Interno da área de lazer denominada ‘Clube'”.

O magistrado de piso deferiu a tutela antecipada (fls. 192), porém, no mérito, julgou improcedente o pedido ao entendimento de que, por não se tratar de proibição de serviços essenciais nem de restrição ao direito de liberdade, é permitido à Assembleia, órgão soberano do condomínio, vedar o uso da área de lazer, voltada ao mero deleite dos condôminos, sob pena de locupletamento ilícito, notadamente por estarem os autores inadimplentes desde 1998 (fls. 381-387).

Interposta apelação, a 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

Condomínio. Proibição de uso de área comum por condômino inadimplente. Dívida sub judice. Alteração do Regimento Interno realizada em assembleia válida. Possibilidade. Sentença mantida. Recurso improvido.

Opostos aclaratórios, foram rejeitados (fls. 480-484).

Irresignados, interpuseram recurso especial com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, por vulneração aos arts. 1.335, II, e 1.336, I, do Código Civil.

Afirmam que “a lei restringe alguns direitos dos inadimplentes, dentre eles o de votar em assembleia geral. Contudo, o uso de áreas comuns não é objeto de restrição legal ao condômino que deve taxas condominiais. Pelo contrário é um direito que assiste a todos os condôminos indistintamente, e a lei não faz ressalvas quando outorga ao compossuidor o direito de usar e frequentar as áreas comuns, como também não discrimina, dentre elas, aquelas que seriam sujeitas a restrição de uso”, sendo certo que “se a lei não o faz, convenção, regulamento ou assembleia condominial não podem fazê-lo”.

Destacam que “o débito condominial segue cobrado em execuções judiciais já garantidas pela penhora não só do próprio apartamento dos recorrentes como, também, de seu imóvel residencial no ABC paulista, de maneira que o pagamento do débito é certo, mas o exercício do direito de acesso a todas as áreas do recorrido não”.

Sustentam que a proibição ao uso da área de lazer afeta o seu direito de propriedade e viola a dignidade humana dos recorrentes, uma vez que “o condomínio é objeto de direito real pertencente simultaneamente a várias pessoas. Como proprietários das áreas comuns (CC, art. 1.331), os condôminos têm o direito ao uso e gozo da coisa”.

Salientam que “ao direito de uso e gozo das áreas comuns não se contrapõe o dever de contribuir para as despesas do condomínio”, além de que existem “mecanismos diversos à disposição dos condomínios para sanar a inadimplência, dentre os quais não consta a imposição de restrições de direito fundamental”.

Contrarrazões às fls. 509-525.

O recurso recebeu crivo de admissibilidade negativo na origem (fls. 527-528), ascendendo a esta Corte pelo provimento do agravo (fl. 570).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A controvérsia dos autos está em definir se é possível o regulamento interno do condomínio – devidamente aprovado em Assembleia – proibir o uso das áreas de lazer (“clube do condomínio”) aos condôminos inadimplentes.

O Tribunal de Justiça, mantendo a sentença de piso, entendeu pela possibilidade de restrição do uso de tal área comum:

Inicialmente, afasta-se a alegação de intempestividade do recurso de apelação. Conforme o Provimento CSM Nº 2.137/2013, que dispôs sobre a suspensão do expediente forense no exercício de 2014, não houve expediente no dia 20/6/2014, um dia após o feriado de Corpus Christi, que naquele ano foi celebrado em 19 de junho – quinta-feira. Assim, o recurso foi protocolado tempestivamente em 23/6/14, após sentença publicada em 05/6/2014.

Quanto ao mérito, o impedimento de usar, gozar e usufruir da infraestrutura da área de lazer (denominada Clube) está prevista no art. 2º, §6º do Regulamento Interno (fls. 71), sendo tal alteração aprovada em assembleia ordinária válida (fls. 81/82).

Dessa forma, as razões da apelação não infirmam a r. sentença, que bem apreciou a lide e acha-se suficientemente fundamentada, como se vê: “Também não pode ser acolhida a alegação de que os débitos dos autores estão garantidos por penhora, a permitir a utilização das áreas de lazer. Não há que se confundir a garantia do juízo com o direito à utilização das áreas de lazer que compõem o condomínio réu, na medida em que as penhoras levadas a efeito nos autos de cobrança de condomínios em atraso não resultaram em qualquer repasse de valores ao condomínio. Sendo assim, eventual utilização dos serviços não essenciais oferecidos pelo condomínio, por parte dos autores, sem contraprestação, configuraria verdadeiro incentivo à inadimplência. Não obstante a ausência de regra explícita a impedir a utilização das áreas de lazer por parte de condôminos inadimplentes, tal omissão não significa que a proibição não pode ser adotada. Bem postos os limites, pois é certo que não se pode nem mesmo cogitar de proibição da utilização dos serviços essenciais, como vagas de garagem, elevadores, acesso ao logradouro público, entre outros, o Código Civil em vigor autoriza a imposição de penalidades ao condômino que não cumpre com os seus deveres perante o condomínio, conforme os §§ 1º e 2º, do art. 1336, e o art. 1337, e seu parágrafo único. Note-se que o § 4º, do art. 1331, do Código Civil, determina que nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público. Respeitado o entendimento diverso, se o legislador dispôs restritivamente acerca da garantia mínima afeta à unidade autônoma imobiliária, e nela não incluiu a utilização de salão de jogos, brinquedoteca, salão de frestas, playgrounds, piscina, pista de cooper, quadra poliesportiva, restaurante/lanchonete, academia, e outras, é porque não pretendeu dar a estes equipamentos o caráter de imprescindibilidade que a inicial quer a eles emprestar”.

Quanto à alegação de pagamento sem contraprestação, adota-se o entendimento esposado na sentença: “não há que se falar que a cobrança dos valores em aberto, associada à proibição de frequência à área de lazer, se afigura pagamento sem contraprestação. Prevalecendo o entendimento, o condômino que reside no primeiro andar do edifício, e que não faz uso do elevador, poderia pleitear o abatimento das despesas relacionadas ao consumo de energia do equipamento que não lhe traz benefício, o que se afigura inaceitável.” Os autores são morosos desde 1998 (fls. 99/100), não tendo realizado sequer pagamentos parciais das quantias consideradas incontroversas. Neste período os demais condôminos suportaram os encargos dos custos de manutenção do condomínio e optaram, democraticamente, por proibir o acesso dos inadimplentes às áreas de lazer. Tal decisão será prestigiada, não se verificando ofensa aos dispositivos legais e constitucionais invocados. Mantém-se, pois, a r. sentença, integralmente.

Isto posto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

3. Com efeito, o Código Civil de 2002, na linha das suas diretrizes de “socialidade” – cunho de humanização do direito e de vivência social -, de “eticidade” – na busca de solução mais justa e equitativa -, e de “operabilidade”, alcançando o direito em sua concretude, previu, no âmbito da função social da posse e da propriedade, no particular, a proteção da convivência coletiva na propriedade horizontal.

Nesse passo, em se tratando de condomínio edilício, o legislador, atento à realidade das coisas e ciente de que a convivência nesse ambiente especial tem muitas peculiaridades, promoveu regramento específico, limitando o direito de propriedade, visto que a harmonia exige espírito de cooperação, solidariedade, mútuo respeito e tolerância, que deve nortear o comportamento dos condôminos.

Assim, ao fixar residência em um condomínio edilício, é automática e implícita a adesão às suas normas internas, a que se submetem todos para a manutenção da higidez das relações de vizinhança:

O condômino que for residir em prédio de apartamento ou for utilizar-se de um conjunto de comercial sabe, perfeitamente, que terá de obedecer à convenção de condomínio e ao regulamento interno do edifício.

Esses dos instrumentos determinam todas as regras para o bom funcionamento do prédio, contendo normas e proibições que possibilitem uma convivência harmônica entre os condôminos. É salutar que sejam respeitados os artigos da convenção, de forma preventiva, pois se, cada vez que houver uma transgressão aos preceitos ali estabelecidos, o condômino tiver de recorrer ao Judiciário, o convívio torna-se insuportável. Existem situações tão graves, principalmente no que tange às vagas de garagem, que os condôminos chegam às vias de fato, com agressões físicas. Morar em apartamento requer uma grande tolerância em relação aos vizinhos e importa uma limitação ao direito de propriedade. (MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao Direito de Propriedade. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 179 e 180)

O “microssistema condominial” – convenção de condomínio, regimento interno, regulamentos, entre outras regras internas – tem como objetivo precípuo definir tanto as normas de regência para a organização e a administração do condomínio como o norte a guiar os condôminos em seus direitos e deveres (arts. 1.335 e 1.336), sempre levando em consideração que, “por se tratar de ato de autonomia da vontade, a convenção poderá abranger também outras estipulações, que servirão para preencher as lacunas da lei e para melhor adaptar as regras legais às necessidades peculiares do condomínio em concreto” (TEPEDINO, Gustavo. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Vol. III, Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 687).

Dessarte, ao estabelecer um regramento mínimo (arts. 1.332 e 1.334), determinou o Código Civil que a convenção deverá definir, entre outras cláusulas, “as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores” (art. 1.334, IV, do CC), tendo como contraponto, para tal mister, os seus:

Art. 1.336. São deveres do condômino:

I – Contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais;

I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)

II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;

III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

No ponto, reside a principal controvérsia em exame: se, no âmbito da discricionariedade do condomínio em impor sanções, pode a convenção prever a proibição do uso de determinadas áreas comuns — mais especificamente a vedação do acesso às áreas de lazer —, pelo condômino inadimplente.

A questão é instigante, havendo posições respeitáveis na doutrina sobre as duas correntes: a) a primeira, adotada pelo acórdão recorrido, reconhece a supremacia dos interesses da maioria e os fins da propriedade horizontal. João Nascimento Franco e Nisske Gondo defendem que “a punição pelo atraso, com juros de mora, multa e correção monetária do débito, nos termos do art. 12, § 3o, da Lei n° 4.591/64, não impede que aquela medida mais drástica seja contemplada pela convenção, porque ao condomínio não cabe custear despesas para suprimento de água, luz, elevadores etc. também aos condôminos faltosos. Ultrapassado, pois, certo limite de tolerância (um trimestre vencido, por exemplo), torna-se injusto impor ao condomínio a obrigação de financiar a quota do condômino relapso, num estímulo para que ele continue a utilizar-se normalmente de todos os serviços e instalações, para só pagar ao fim de uma demorada e onerosa cobrança judicial” (Condomínio em edifícios. São Paulo: RT, 1987); b) a segunda, majoritária, entende não ser possível afastar, em razão de dívida condominial, o direito ao uso de área comum, ainda que se trate de área voltada ao lazer. Fábio Ulhoa Coelho destaca que “a pena de suspensão do uso de áreas de lazer para o condômino inadimplente seria uma ótima providência para ele se sentir menos estimulado a inadimplir, todavia, pelo sistema legal, não cabe impor qualquer outra espécie de sanção ao condômino inadimplente além da pecuniária, que é a prevista pela legislação pátria“(Curso de Direito Civil, vol. 04, São Paulo: Saraiva, 2006, p 151).

Na jurisprudência, a Terceira Turma desta Corte, em momentos distintos, parece ter adotado posicionamentos diversos.

Num primeiro momento, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.401.815/ES — em que analisou a possibilidade de se restringir a utilização do elevador pelo condômino devedor; área comum, portanto —, aquela Turma perfilhou o entendimento de não ser possível a suspensão, por se tratar de uso de serviço essencial.

O julgado recebeu a seguinte ementa:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO DE TAXAS CONDOMINIAIS. DESPROGRAMAÇÃO DOS ELEVADORES. SUSPENSÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS. IMPOSSIBILIDADE. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DA SITUAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA. VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS.

CARACTERIZAÇÃO.

1. Ação declaratória distribuída em 22.03.2011, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 26.09.2013.

2. Cinge-se a controvérsia, além de apreciar a existência de omissão no acórdão recorrido, a definir se é possível impor restrição ao condômino inadimplente quanto à utilização dos elevadores e, caso verificada a ilegalidade da medida, se a restrição enseja compensação por danos morais.

3. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.

4. O inadimplemento de taxas condominiais não autoriza a suspensão, por determinação da assembleia geral de condôminos, quanto ao uso de serviços essenciais, em clara afronta ao direito de propriedade e sua função social e à dignidade da pessoa humana, em detrimento da utilização de meios expressamente previstos em lei para a cobrança da dívida condominial.

5. Não sendo o elevador um mero conforto em se tratando de edifício de diversos pavimentos, com apenas um apartamento por andar, localizando-se o apartamento da recorrente no oitavo pavimento, o equipamento passa a ter status de essencial à própria utilização da propriedade exclusiva.

6. O corte do serviço dos elevadores gerou dano moral, tanto do ponto de vista subjetivo, analisando as peculiaridades da situação concreta, em que a condição de inadimplente restou ostensivamente exposta, como haveria, também, tal dano in re ipsa, pela mera violação de um direito da personalidade.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1401815/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 13/12/2013) – sem grifo no original

Ressalvou-se, no entanto, que, a priori, não haveria ilicitude na restrição à utilização de bens e serviços de caráter supérfluo, tais como piscina, sauna, salão de festas, porquanto a falta de qualidade essencial descaracterizaria a violação dos referidos preceitos fundamentais”.

Posteriormente, aquele colegiado voltou ao tema e, pelo que se pode observar, julgou em sentido distinto:

RECURSO ESPECIAL. RESTRIÇÃO IMPOSTA NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL DE ACESSO À ÁREA COMUM DESTINADA AO LAZER DO CONDÔMINO EM MORA E DE SEUS FAMILIARES. ILICITUDE. RECONHECIMENTO. 1. DIREITO DO CONDÔMINO DE ACESSO A TODAS AS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO, INDEPENDENTE DE SUA DESTINAÇÃO. INERÊNCIA AO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO. 2. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CONTRIBUIÇÃO COM AS DESPESAS CONDOMINIAIS. SANÇÕES PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL. 3. IDÔNEOS E EFICAZES INSTRUMENTOS LEGAIS DE COERCIBILIDADE, DE GARANTIA E DE COBRANÇA POSTOS À DISPOSIÇÃO DO CONDOMÍNIO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 4. MEDIDA RESTRITIVA QUE TEM O ÚNICO E ESPÚRIO PROPÓSITO DE EXPOR OSTENSIVAMENTE A CONDIÇÃO DE INADIMPLÊNCIA DO CONDÔMINO E DE SEUS FAMILIARES PERANTE O MEIO SOCIAL EM QUE RESIDEM. DESBORDAMENTO DOS DITAMES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. O direito do condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas, não decorre da situação (circunstancial) de adimplência das despesas condominiais, mas sim do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange, como parte inseparável, não apenas uma fração ideal no solo (representado pela própria unidade), bem como nas outras partes comuns que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio (§ 3º do art. 1.331 do Código Civil). Ou seja, a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes comuns. A sanção que obsta o condômino em mora de ter acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação), por si só, desnatura o próprio instituto do condomínio, limitando, indevidamente, o correlato direito de propriedade.

2. Para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente severas sanções de ordem pecuniária, na medida de sua recalcitrância.

2.1 Sem prejuízo da sanção prevista no art. 1.336, §1º, do Código Civil, em havendo a deliberada reiteração do comportamento faltoso (o que não se confunde o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos), instaurando-se permanente situação de inadimplência, o Código Civil estabelece a possibilidade de o condomínio, mediante deliberação de ¾ (três quartos) dos condôminos restantes, impor ao devedor contumaz outras penalidades, também de caráter pecuniário, segundo gradação proporcional à gravidade e à repetição dessa conduta (art. 1.337, caput e parágrafo único – multa pecuniária correspondente até o quíntuplo ou até o décuplo do valor da respectiva cota condominial).

2.2 O art. 1.334, IV, do Código Civil apenas refere quais matérias devem ser tratadas na convenção condominial, entre as quais, as sanções a serem impostas aos condôminos faltosos. E nos artigos subsequentes, estabeleceu-se, para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição com as despesas condominiais, a imposição das sanções pecuniárias acima delineadas. Inexiste, assim, margem discricionária para outras sanções, que não as pecuniárias nos limites da lei.

3. Além das sanções pecuniárias, a lei adjetiva civil, atenta à essencialidade do cumprimento do dever de contribuir com as despesas condominiais, estabelece a favor do condomínio efetivas condições de obter a satisfação de seu crédito, inclusive por meio de procedimento que privilegia a celeridade.

3.1 A Lei n. 8.009/90 confere ao condomínio uma importante garantia à satisfação dos débitos condominiais: a própria unidade condominial pode ser objeto de constrição judicial, não sendo dado ao condômino devedor deduzir, como matéria de defesa, a impenhorabilidade do bem como sendo de família. E, em reconhecimento à premência da satisfação do crédito relativo às despesas condominiais, o Código de Processo Civil de 1973, estabelecia o rito mais célere, o sumário, para a respectiva ação de cobrança. Na sistemática do novo Código de Processo Civil, aliás, as cotas condominiais passaram a ter natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), a viabilizar, por conseguinte, o manejo de ação executiva, tornando a satisfação do débito, por meio da incursão no patrimônio do devedor (possivelmente sobre a própria unidade imobiliária) ainda mais célere. Portanto, diante de todos esses instrumentos (de coercibilidade, de garantia e de cobrança) postos pelo ordenamento jurídico, inexiste razão legítima para que o condomínio dele se aparte.

4. A vedação de acesso e de utilização de qualquer área comum pelo condômino e de seus familiares, independentemente de sua destinação (se de uso essencial, recreativo, social, lazer, etc), com o único e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição de inadimplência perante o meio social em que residem, desborda dos ditames do princípio da dignidade humana.

5. Recurso especial improvido.

(REsp 1564030/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 19/08/2016)

Em data mais recente, esta Quarta Turma analisou a matéria apenas em sede de agravo interno, sem maiores debates, e utilizou a vedação da Súmula n° 07/STJ, tendo o julgado recebido a seguinte ementa:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. DECISÃO SINGULAR. SÚMULA N. 281/STF. REGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. TESE DO RECURSO ESPECIAL QUE DEMANDA REEXAME DE CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N° 7/STJ. CONDÔMINO INADIMPLENTE. VEDAÇÃO DE ACESSO/USO DE ÁREAS COMUNS. IMPOSSIBILIDADE. ABUSIVIDADE. EXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS COERCITIVOS. PRECEDENTE.

1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada.

2. É incabível o recurso especial quando a parte não houver interposto todos os recursos cabíveis na instância ordinária, como ensina o enunciado n. 281 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

3. A tese defendida no recurso demanda reexame do contexto fático e probatório dos autos, vedado pela Súmula n° 7/STJ.

4. “A vedação de acesso e de utilização de qualquer área comum pelo condômino e de seus familiares, independentemente de sua destinação (se de uso essencial, recreativo, social, lazer, etc), com o único e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição de inadimplência perante o meio social em que residem, desborda dos ditames do princípio da dignidade humana” (REsp 1564030/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 9/8/2016, DJe 19/8/2016).

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt nos EDcl no AREsp 1220353/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 12/02/2019)

4. Portanto, a questão é relevante e merece ser solucionada por esta Corte Superior, uniformizando a jurisprudência.

É bem de ver que, no condomínio edilício, o titular da unidade autônoma, cotitular das partes comuns, exerce todos os poderes inerentes ao domínio, mas, em contrapartida, sujeita-se à regulamentação do exercício desses mesmos direitos, diante das necessidades impostas pela convivência em coletividade.

De fato, conforme afirmei em voto proferido no REsp n. 1.247.020, em julgamento realizado por esta egrégia Turma, tal posicionamento intensifica a prevalência da “solidariedade condominial”, a fim de que seja permitida a continuidade e a manutenção do próprio Condomínio, impedindo a ruptura de sua estabilidade econômico-financeira, o que poderia provocar dano considerável aos demais comunheiros (REsp 1.247.020/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 11/11/2015).

Valoriza-se, desse modo, o princípio da eticidade, segundo o qual, nas palavras do Ministro José Delgado, invocado por Flávio Tartuce, “o tipo de Ética buscado pelo novo Código Civil é o defendido pela corrente kantiana: é o comportamento que confia no homem como um ser composto por valores que o elevam ao patamar de respeito pelo semelhante e de reflexo de um estado de confiança nas relações desenvolvidas, quer negociais, quer não negociais. É, na expressão kantiana, a certeza do dever cumprido, a tranquilidade da boa consciência” (Direito civil. Lei de introdução e parte geral. v. 1. São Paulo: Método, 2015, p. 80).

Nesse rumo, é certo que, dentre todos os deveres dos condôminos, o que diz respeito ao rateio das despesas condominiais é, sem dúvida, o de maior relevo, por se relacionar diretamente com a viabilidade da existência do próprio condomínio.

Ocorre que, no regime condominial, conforme bem destacado pelo ilustre Min. Ricardo Villas Boas Cueva, “não obstante a propriedade exclusiva sobre cada unidade, é inerente à sua natureza a existência de um centro de interesses comuns, gerador de um fim utilitário pertencente ao conjunto, distinto do individual e que a este se sobrepõe” (REsp 1.185.061/SP, Terceira Turma, julgado em 16/09/2014, DJe 30/09/2014).

O caput e os incisos do art. 1.336 do CC/2002, em rol meramente exemplificativo, explicitaram os deveres condominiais, podendo a convenção, o estatuto ou o regimento interno respectivo prever outras condutas permitidas e proibidas, positivas e/ou negativas, com o intuito de promover a boa convivência entre os moradores.

No entanto, apesar de haver autonomia privada na feitura da convenção, seus dispositivos não podem afrontar “norma cogente nem os princípios da função social do contrato e da propriedade, o equilíbrio contratual e a boa-fé objetiva” (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coord. Cezar Peluso. Barueri, SP: Manole, 2016, p. 1.268).

Realmente, a autonomia privada da assembléia geral, quando da tipificação de sanções condominiais, por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve receber a incidência imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que também deve refletir nas relações condominiais para assegurar a moradia, a propriedade, a função social, o lazer, o sossego, a harmonia, entre outros direitos.

Por certo, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais.

Ingo Wolfgang Sarlet pondera:

A doutrina tende a reconduzir o desenvolvimento da noção de uma vinculação também dos particulares aos direitos fundamentais ao reconhecimento da sua dimensão objetiva, deixando de considerá-los meros direitos subjetivos do indivíduo perante o Estado. Há que acolher, portanto, a lição de Vieira de Andrade quando destaca os dois aspectos principais e concorrentes da problemática, quais sejam: a constatação de que os direitos fundamentais, na qualidade de princípios constitucionais e por força do princípio da unidade do ordenamento jurídico, se aplicam relativamente a toda ordem jurídica, inclusive privada; bem como a necessidade de se protegerem os particulares também contra atos atentatórios aos direitos fundamentais provindos de outros indivíduos ou entidades particulares.

(A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009, p. 378)

Nesse sentido, aliás, já decidiu o STJ:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA CONVENCIONAL. ATO ANTISSOCIAL (ART. 1.337, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL). FALTA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO CONDÔMINO PUNIDO. DIREITO DE DEFESA. NECESSIDADE. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PENALIDADE ANULADA.

1. O art. 1.337 do Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial, verbis: “O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia”.

2. Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais.

Precedentes do STF.

3. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo.

4. Na hipótese, a assembleia extraordinária, com quórum qualificado, apenou o recorrido pelo seu comportamento nocivo, sem, no entanto, notificá-lo para fins de apresentação de defesa. Ocorre que a gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1365279/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 29/09/2015)

5. De outro vértice, percebe-se que a natureza jurídica do condomínio edilício tem como característica a mescla da propriedade individual com a copropriedade sobre as partes comuns, perfazendo uma unidade orgânica e indissolúvel.

Em consectário lógico dessa assertiva é que o Código Civil verbalizou, de forma cogente, que é direito do condômino “usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores” (inciso II do art. 1335).

Portanto, além do direito a usufruir e gozar de sua unidade autônoma, têm os condôminos o direito de usar e gozar das partes comuns, desde que não venham a embaraçar nem excluir a utilização dos demais.

Incide aqui “a regra que visa a permitir a adequada utilização dos locais em que o domínio incide em comunhão, de um modo tal que ela seja possível para todos os condôminos e possuidores. Há igualdade qualitativa de direitos entre os condôminos no que concerne aos atributos dominiais sobre essas áreas, assim como ocorre no condomínio voluntário” (FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito das coisas. Vol. 15. Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 248).

Nessa ordem de ideias, não há dúvida de que a inadimplência dos autores vem gerando prejuízos ao Condomínio recorrido, mais especificamente pela situação em questão em que os recorrentes estão inadimplentes desde 1998, além do fato de que “os autores possuem bens suficientes, em valores que superam os R$ 2,5 milhões” (fl. 386).

No entanto, penso ser ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que determina a proibição da utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais.

Em verdade, o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e demais dos moradores.

Deveras, a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum. Conforme lição do Ministro Edson Fachin, “os direitos de cada condômino referentes às áreas comuns são inseparáveis da sua propriedade exclusiva. Ou seja: o titular de unidades autônomas será, necessariamente, titular de direitos sobre as áreas comuns” (op. cit., p. 266).

Outrossim, o condômino inadimplente ficará automaticamente sujeito aos “juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito” (§ 1°, art. 1.336).

Ademais, o direito de participação e voto do devedor nas decisões relativas aos interesses do condomínio poderá ser restringido caso o condômino não esteja em dia com suas obrigações condominiais (art. 1335, III).

Consequentemente, o legislador, dentro do mesmo dispositivo que previu o direito subjetivo de todo e qualquer condômino (art. 1335), quando quis restringir ou condicionar algum dos direitos ali previstos, em razão da ausência de pagamento, ele o fez expressamente, in verbis:

Art. 1.335. São direitos do condômino:

I – usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;

II – usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

III – votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.

E como é sabido, por uma questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa.

Confira-se:

ADMINISTRATIVO. DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL APOSENTADO. INSCRIÇÃO NA OAB. IMPEDIMENTO DO ART. 30, I, DA LEI 8.906/1994. INAPLICABILIDADE.

1. Controverte-se a respeito da decisão proferida pela OAB/Seção de Santa Catarina, que deferiu, com a restrição prevista no art. 30, I, da Lei 8.906/1994, o pedido de inscrição em seus quadros, formulado por Delegado de Polícia Federal aposentado.

2. A limitação ao exercício profissional possui o seguinte teor: “Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia: I – os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora”.

3. A recorrente defende a tese de que o legislador não delimitou o termo “servidores” e que, ademais, a aposentadoria, por si só, não retira “do interessado sua condição de servidor público” (fl. 238, e-STJ). Por essa razão, a norma deve ser interpretada no sentido de que inclui tanto os ativos como os inativos.

4. A interpretação conferida, data venia, é destituída de juridicidade e de razoabilidade.

5. Em primeiro lugar, por questão de hermenêutica: as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, o que, aplicado ao caso concreto, recomenda que o impedimento parcial do exercício da advocacia incida apenas em relação aos servidores ativos.

6. Ademais, o dispositivo legal em análise visa a evitar conflito de ordem moral e ética que haveria se o servidor pudesse se valer das informações a que tem acesso, pela sua condição, e, simultaneamente, atuasse no sentido de promover suas atividades profissionais como órgão integrante do Poder Público e de, contraditoriamente, patrocinar causas contra o respectivo ente federativo.1471391 7. A extinção do vínculo estatutário, decorrente da aposentadoria, faz cessar esse conflito. Nesse sentido, reporto-me ao entendimento adotado à unanimidade pelo próprio Conselho Federal da OAB: Recurso nº 0140/2003/PCA-SC, Relator Conselheira Ana Maria Morais (GO), DJ 24.04.2003, p. 381, S1.

8. Recurso Especial não provido.

(REsp 1471391/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 26/11/2014)

Ainda, conforme já definido por esta Quarta Turma, também é possível incidir, em relação ao condômino inadimplente, a sanção do art. 1.337, caput, do CC, sendo-lhe obrigado pagar multa de até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos.

O acórdão foi assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CONDOMINIAL. DEVEDOR DE COTAS CONDOMINIAIS ORDINÁRIAS E EXTRAORDINÁRIAS. CONDÔMINO NOCIVO OU ANTISSOCIAL. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 1336, § 1º, E 1.337, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONDUTA REITERADA E CONTUMAZ QUANTO AO INADIMPLEMENTO DOS DÉBITOS CONDOMINIAIS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. De acordo com o art. 1.336, § 1º, do Código Civil, o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de até 2% (dois por cento) sobre o débito.

2. O condômino que deixar de adimplir reiteradamente a importância devida a título de cotas condominiais poderá, desde que aprovada a sanção em assembleia por deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos, ser obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração.

3. A aplicação da sanção com base no art. 1.337, caput, do Código Civil exige que o condômino seja devedor reiterado e contumaz em relação ao pagamento dos débitos condominiais, não bastando o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos.

4. A multa prevista no § 1º do art. 1.336 do CC/2002 detém natureza jurídica moratória, enquanto a penalidade pecuniária regulada pelo art. 1.337 tem caráter sancionatório, uma vez que, se for o caso, o condomínio pode exigir inclusive a apuração das perdas e danos.

5. Recurso especial não provido.

(REsp 1247020/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 11/11/2015)

Cumpre lembrar que a falta de pagamento das taxas condominiais vem sendo igualmente desestimulada em razão da possibilidade de perda do imóvel, por ser exceção expressa à impenhorabilidade do bem de família (Lei n° 8.009/90, art. 3º, IV).

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. COBRANÇA. TAXAS CONDOMINIAIS. BENS MÓVEIS GUARNECEDORES DA CASA. JURISPRUDÊNCIA. PRECEDENTES. SÚMULA Nº 7/STJ.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que é possível a penhora de bem de família quando a dívida é oriunda de cobrança de taxas e despesas condominiais.

2. Para prevalecer a pretensão em sentido contrário à conclusão do tribunal de origem, que reconheceu a penhorabilidade do bem, mister se faz a revisão do conjunto fático-probatório dos autos, o que, como já decidido, é inviabilizado, nesta instância superior, pela Súmula nº 7 desta Corte.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1.196.942/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe de 21/11/2013)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MEDIDA CAUTELAR. PRETENSÃO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL PENDENTE DE ADMISSIBILIDADE NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DAS SÚMULAS 634 E 635, AMBAS DO STF. PENHORA SOBRE BEM DE FAMÍLIA. QUANTUM EXECUTADO ORIUNDO DE DÍVIDA DE CONDOMÍNIO. EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, IV, DA LEI Nº 8.009/90. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Conforme dispõem as Súmulas nº 634 e 635 do STF, aplicadas por analogia, compete ao Presidente do Tribunal de origem a análise e julgamento de medida cautelar para concessão de efeito suspensivo a recurso especial pendente de admissibilidade na instância ordinária. Excepcionalmente, o STJ afasta a incidência dessas Súmulas na hipótese de manifesta ilegalidade do acórdão estadual, o que inexiste no caso em liça.

2. Não se infere manifesta ilegalidade em acórdão estadual que, com fundamento no art. 3º, IV, da Lei nº 8.009/90, confirma penhora sobre bem de família, uma vez que o quantum executado é oriundo de dívida de condomínio.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg na MC 20.621/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/4/2013, DJe de 23/4/2013)

6. Nessa linha de compreensão, além do atual entendimento da Terceira Turma, é amplo o escólio da doutrina especializada:

As sanções ao condômino inadimplente à obrigação de pagar a contribuição condominial são as previstas em lei, de natureza estritamente pecuniária. Fere os direitos fundamentais dos condôminos a aplicação de sanções diversas, ainda que previstas na convenção, especialmente aquelas que vedam a utilização de áreas e equipamentos comuns, como elevadores, piscina e sauna.

(LOUREIRO, op.cit., p. 1276)

[…] os direitos de cada condômino referentes às áreas comuns são inseparáveis da sua propriedade exclusiva. Ou seja: o titular de unidades autônomas será, necessariamente, titular de direitos sobre as áreas comuns. Adquirindo-se uma unidade autônoma, adquire-se, sempre, a fração ideal a ela correspondente e todos os direitos que daí decorrem. Não é possível, portanto, que haja titula de unidade autônoma que não tenha direito à utilização de elevadores, hall de entrada, salão de festas etc. Tampouco se cogita de titular de unidade autônoma que não participe da comunhão de domínio sobre as áreas comuns, pelo que as frações ideiais são inseparáveis das unidades autônomas.

(FACHIN, Edson Luiz. op. cit. p. 266).

Em edição anterior, escrevemos sobre a punição a condôminos impontuais. O complexo condominial exige estrutura e organização para perfeito funcionamento do edifício e seus serviços. […] Diante disso, surge a necessidade de mecanismos adequados para evitar a mora dos condôminos. A par da inquestionável legalidade da imposição de multas, discute-se sobre a possibilidade de restringir os direitos dos condôminos, citando-se, como exemplos, a privação do uso das coisas comuns, o corte da água e luz, etc. […] Temos para nós, porém, que tais restrições entram em conflito aberto com o sistema legal e, por isso, não podem ser admitidas, de lege lata. Com efeito, clara é a lei civil ao dispor sobre o direito de o condômino ‘usar as partes e coisas comuns’; e as punições por infrações à convenção estão expressamente previstas no Código. De outro lado, o atraso no pagamento da quota-parte é expressamente punido com multa, na forma da lei vigente, não se admitindo interpretação extensiva, por se tratar de norma restritiva de direitos (exceptiones sunt strictissimae interpretationis). […] No mais, porém, mantemos opinião anteriormente manifestada: a impontualidade no cumprimento das obrigações não pode privar o condômino dos direitos consagrados no Código, mas apenas sujeitá-los às sanções dos arts. 1.336, §§ 1º e 2º, e 1.337 desse diploma

(Lopes, João Batista. Condomínio. 10ª Edição. 2008.Editora Revista dos Tribunais. p. 97-98) – sem grifo no original

7. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para julgar procedente o pedido inicial e permitir a utilização da área de lazer denominada “Clube” do Edifício Jamaica, em relação aos autores e seus dependentes, com a liberação de cartão de acesso. Inverto os honorários advocatícios arbitrados na sentença — R$ 1.500,00 — nos termos do art. 20, § 4°, do CPC/73.

É o voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Adiro às conclusões do voto do em. Relator, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, para dar provimento ao recurso especial e julgar procedentes os pedidos iniciais.

Sem embargo, faço uma ressalva quanto a parte da fundamentação contida no voto de Sua Excelência, pois entendo que a solução da controvérsia prescinde da aplicação da teoria da incidência imediata dos direitos fundamentais, sendo suficientes as normas específicas do Direito Civil. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.699.022 – São Paulo – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 01.07.2019

Fonte: INR Publicações

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Circular CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF nº 869, de 07.08.2019 – D.O.U.: 08.08.2019.

Ementa

Estabelece procedimentos pertinentes à movimentação de até R$ 500,00 por conta vinculada FGTS.


A Caixa Econômica Federal – CAIXA, na qualidade de Agente Operador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 7º, inciso II, da Lei nº. 8.036/90, de 11/05/1990, e de acordo com o Regulamento Consolidado do FGTS, aprovado pelo Decreto nº 99.684/90, de 08/11/1990, divulga orientações sobre movimentação da conta vinculada no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, no valor de até R$ 500,00 (quinhentos reais) por conta, nos termos da Medida Provisória nº 889/2019, de 24 de julho de 2019.

1 DO SAQUE DE ATÉ R$ 500,00 POR CONTA VINCULADA FGTS

1.1 DA MOVIMENTAÇÃO DA CONTA VINCULADA

1.1.1 Sem prejuízo das demais situações de movimentação previstas no artigo 20 da Lei nº 8.036/90, o trabalhador poderá efetuar um saque, no valor de até R$ 500,00 (quinhentos reais), por conta vinculada de sua titularidade, observado o saldo existente na data de processamento do débito.

2 DO CRONOGRAMA DE ATENDIMENTO

2.1 Os saques de que trata o subitem 1.1.1 observarão o seguinte cronograma de atendimento, que tem por critério o mês do nascimento do trabalhador:

Forma de recebimento Mês de nascimento do trabalhador Início do pagamento
Crédito em Conta (Trabalhador que possui conta bancária na CAIXA) Janeiro, Fevereiro, Março e Abril 13/09/2019
  Maio, Junho, Julho e Agosto 27/09/2019
  Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro 09/10/2019
Canais físicos Janeiro 18/10/2019
Canais físicos Fevereiro 25/10/2019
Canais físicos Março 08/11/2019
Canais físicos Abril 22/11/2019
Canais físicos Maio 06/12/2019
Canais físicos Junho 18/12/2019
Canais físicos Julho 10/01/2020
Canais físicos Agosto 17/01/2020
Canais físicos Setembro 24/01/2020
Canais físicos Outubro 07/02/2020
Canais físicos Novembro 14/02/2020
Canais físicos Dezembro 06/03/2020

2.2 DATA LIMITE DE PAGAMENTO

2.2.1 Para o trabalhador titular de conta vinculada do FGTS que atende aos critérios do subitem 1.1.1 desta Circular, a data limite para realizar o saque da conta vinculada do FGTS é 31 de março de 2020.

3 DO CRÉDITO AUTOMÁTICO EM CONTA POUPANÇA CAIXA

3.1 O trabalhador titular de conta vinculada que possuir conta poupança individual na instituição financeira Caixa Econômica Federal, terá os valores a que se refere o subitem 1.1.1 desta Circular creditados nessa conta, de forma automática e de acordo com o cronograma do subitem 2.1 desta Circular.

3.2 O trabalhador poderá solicitar o desfazimento do crédito automático em conta poupança a que se refere o subitem 3.1 desta Circular, desde que a manifestação seja realizada até o dia 30/04/2020 em um dos canais indicados no subitem 4.1 abaixo.

3.2.1 Referida solicitação mencionada no subitem 3.2 será processada pelo Agente Operador do FGTS em até 60 (sessenta) dias.

3.2.2 O desfazimento do crédito automático de que trata o subitem 3.1 somente poderá ser realizado caso os valores depositados, provenientes da conta vinculada do FGTS, não tenham sido sacados da conta poupança.

4 DOS CANAIS PARA INFORMAÇÃO E OPÇÃO DE CRÉDITO EM CONTA PELO TRABALHADOR

4.1 O trabalhador poderá obter informações relativas aos valores previstos para saque, a data em que estes serão liberados e realizar a opção por crédito em conta corrente CAIXA por meio dos canais divulgados no site fgts.caixa.gov.br.

4.2 A solicitação do trabalhador para desfazimento do crédito automático ocorrido em conta poupança estará disponível no site fgts.caixa.gov.br a partir do dia 05 de agosto de 2019 e, nos demais canais, a partir de 12 de agosto de 2019.

4.2.1 Os valores a que se refere o subitem 1.1.1 desta Circular poderão ser transferidos para outra instituição financeira, por meio dos canais disponibilizados pela CAIXA, mediante pagamento da tarifa correspondente.

4.3 A efetivação do saque pelo trabalhador nos canais físicos de atendimento ou a sua não oposição ao crédito realizado automaticamente em sua conta poupança até o dia 30/04/2020, caracterizará a anuência plena do trabalhador ao correspondente saque dos valores de suas contas vinculadas do FGTS.

5 Fica revogada a circular CAIXA nº 868, de 05 de AGOSTO de 2019.

6 Esta circular CAIXA entra em vigor na data de sua publicação.

EDILSON CARROGI RIBEIRO VIANNA

Diretor


Nota(s) da Redação INR

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 08.08.2019.

O conteúdo deste ato é coincidente com aquele publicado oficialmente. Eventuais alterações posteriores em seu objeto, ou sua revogação, não são consideradas, isto é, este ato permanecerá, na Base de Dados INR, tal qual veio ao mundo jurídico, ainda que, posteriormente, alterado ou revogado.


Fonte: INR Publicações

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