Responsabilidade civil do Estado – Indenização por danos materiais e morais – Aposentadoria compulsória de Tabelião – Posterior anulação de ato administrativo que aposentou compulsoriamente o Tabelião, por decisão judicial – Pedido de indenização por danos morais e de pagamento dos vencimentos relativos ao período compreendido entre a aposentadoria e a reintegração – Inadmissibilidade – À época da edição do ato administrativo que declarou o autor aposentado compulsoriamente, havia divergência jurisprudencial sobre a questão da regulação jurídica dos notários – Matéria pacificada no Colendo Supremo Tribunal Federal posteriormente – Administração que cumpriu sua obrigação funcional, agindo de forma lícita ao aposentar o autor, não podendo a alteração de entendimento jurisprudencial ser causa de indenização – Recurso improvido.


  
 

Responsabilidade civil do Estado – Indenização por danos materiais e morais – Aposentadoria compulsória de Tabelião – Posterior anulação de ato administrativo que aposentou compulsoriamente o Tabelião, por decisão judicial – Pedido de indenização por danos morais e de pagamento dos vencimentos relativos ao período compreendido entre a aposentadoria e a reintegração – Inadmissibilidade – À época da edição do ato administrativo que declarou o autor aposentado compulsoriamente, havia divergência jurisprudencial sobre a questão da regulação jurídica dos notários – Matéria pacificada no Colendo Supremo Tribunal Federal posteriormente – Administração que cumpriu sua obrigação funcional, agindo de forma lícita ao aposentar o autor, não podendo a alteração de entendimento jurisprudencial ser causa de indenização – Recurso improvido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0016145-22.2009.8.26.0292, da Comarca de Jacareí, em que é apelante FABIO FERNANDO EGYDIO DE OLIVEIRA CARVALHO, é apelado ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAGALHÃES COELHO (Presidente) e COIMBRA SCHMIDT.

São Paulo, 3 de junho de 2019.

Moacir Peres

RELATOR

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 32.204

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016145-22.2009.8.26.0292 de Jacareí

APELANTE: FABIO FERNANDO EGYDIO DE OLIVEIRA CARVALHO

APELADO: ESTADO DE SÃO PAULO

JUÍZA SENTENCIANTE: ROSANGELA DE CASSIA PIRES MONTEIRO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE TABELIÃO. Posterior anulação de ato administrativo que aposentou compulsoriamente o Tabelião, por decisão judicial. Pedido de indenização por danos morais e de pagamento dos vencimentos relativos ao período compreendido entre a aposentadoria e a reintegração. Inadmissibilidade. À época da edição do ato administrativo que declarou o autor aposentado compulsoriamente, havia divergência jurisprudencial sobre a questão da regulação jurídica dos notários. Matéria pacificada no Colendo Supremo Tribunal Federal posteriormente. Administração que cumpriu sua obrigação funcional, agindo de forma lícita ao aposentar o autor, não podendo a alteração de entendimento jurisprudencial ser causa de indenização. Recurso improvido.

Fabio Fernando Egydio de Oliveira Carvalho, inconformado com a r. sentença que julgou improcedente a ação indenizatória (fls. 337/342), interpôs recurso de apelação.

Afirma que não cabe à Administração afastar a lei, mas sim ao Poder Judiciário. Diz que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, submetidos à legislação própria. Entende que os notários se sujeitam ao regime geral de previdência e estão fora do campo de incidência do artigo 40, § 1º, II da Constituição Federal. Alega que foi ilegal o ato de aposentadoria compulsória. Invoca a ADIN nº 2.602/MG. Ressalta que está comprovado o dano, pois deixou de auferir a quota-parte dos rendimentos gerados pela serventia extrajudicial. Sustenta que o Estado deve indenizá-lo pelos efeitos de atos cometidos no império e termos de lei posteriormente declarada inconstitucional. Argumenta que, com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, não há mais dúvidas acerca do caráter privado dos serviços prestados nas Serventias Extrajudiciais. Pondera que, a partir da referida Emenda, o ato administrativo de aposentação compulsória deve ser declarado nulo. Aduz que a decisão do STF tem eficácia retroativa e deve ser estabelecido o estado original. Discorre sobre a responsabilidade extracontratual do Estado. Assere que estão devidamente comprovadas a ação, o dano e o nexo causal. Menciona o princípio da legalidade. Cita julgados favoráveis. Discorre sobre seu direito à indenização. Diz que tem direito à indenização por danos morais, pois está demonstrado o abalo moral sofrido com a aposentadoria. Daí, pedir a reforma da r. sentença (fls. 360/367).

Sem as contrarrazões (fls. 374), subiram os autos.

Inicialmente, os autos foram distribuídos à Colenda 12ª Câmara de Direito Público (fls. 377), que não conheceu do recurso, determinando-se a redistribuição a esta Sétima Câmara de Direito Público, em razão da prevenção (fls. 401/404).

Os autos foram redistribuídos a este Relator (fls. 407).

É o relatório.

Objetiva o demandante, por meio da presente ação indenizatória, seja a Fazenda Pública do Estado de São Paulo condenada “ao pagamento de indenização pelos danos materiais experimentados, correspondentes à diferença entre o que deveria auferir enquanto em atividade junto ao 2º Tabelionato de Notas e de Protesto de Letras e Títulos desta Comarca de Jacareí no período compreendido entre 19 de dezembro de 2.002 (Data do afastamento compulsório) e 00/00/2.006 (Data de sua reintegração nas funções), à ser apurado em regular execução de sentença, através do exame do Livro Caixa da época, tudo devidamente corrigido e atualizado, na data do seu efetivo pagamento, bem como pelos danos morais, em quantia não inferior ao dobro relativo à restituição material, observando-se para tanto, a sua posição social, bem como, de sua família, tudo suficiente á atenuar o sofrimento experimentado e, principalmente, desmotivar a ré de ilícitos semelhantes” (Fls. 9/10).

Desponta dos autos que o autor é titular do 2º Tabelionato de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Jacareí, desde 9.12.1983 (fls. 15). Em 19.12.2002, foi aposentado compulsoriamente, em razão da idade (70 anos). Inconformado com o ato do Secretário do Estado de Negócios Jurídicos, impetrou Mandado de Segurança (processo nº 053.03.007956-2), no qual foi reconhecida a ilegalidade do referido ato de aposentadoria compulsória, determinando-se a recondução do autor à função, o que ocorreu em 9.1.2006 (fls. 28). O autor alega que experimentou enormes prejuízos materiais e morais durante os três anos em que esteve afastado de suas funções. Daí pleitear, na presente ação, os vencimentos relativos ao período pelo qual perdurou o seu afastamento, acrescidos da reparação dos danos morais que alega ter sofrido em decorrência da aposentadoria.

A r. sentença julgou improcedente o pedido inicial (fls. 33/342).

Não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, “a responsabilidade civil do Estado, genericamente considerada, consiste no dever de recompor os prejuízos acarretados a terceiros, em virtude de condutas infringentes da ordem jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1187).

Segundo a concepção da responsabilidade objetiva do Estado, o dever de indenizar, de um modo geral, decorre da presença, em dado caso concreto, dos seguintes elementos: dano, conduta lesiva e nexo de causalidade entre eles.

Entretanto, conforme ensina Marçal Justen Filho, “mesmos os defensores da concepção objetivistas acabam concordando com a insuficiência da mera relação de causalidade objetiva entre uma ação ou omissão estatal e a consumação do dano. Assim, por exemplo, suponha-se que um agente policial, no exercício de legítima defesa, produza a morte de um delinquente. Houve ação estatal e houve dano, mas não há responsabilidade civil. A legítima defesa é causa excludente da responsabilidade civil porque a ação praticada pelo agente estatal é jurídica e os danos eventualmente gerados para o autor da agressão injusta são lícitos. Reputa-se que essa teoria objetiva causalista é insuficiente para fundamentar a responsabilidade civil do Estado, especialmente nas hipóteses de omissão o que gera para seus defensores a necessidade de adotar concepções distintas para a responsabilidade civil do Estado por ação e por omissão. O ponto fundamental reside, então, na disciplina jurídica da atividade estatal, para efeito de verificação de juridicidade e de antijuridicidade” (ob. cit. P. 1200, grifei).

No caso, trata-se de ato administrativo expedido em cumprimento ao princípio da legalidade, declarando aposentado compulsoriamente servidor que, à época, a Constituição impunha fosse aposentado.

Deve ser ressaltado que a questão da regulação jurídica dos notários era controversa, nas instâncias ordinárias e no próprio Supremo Tribunal Federal. Somente em novembro de 2005, com o julgamento da ADI 2.602/MG, a matéria foi pacificada no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que os notários e registradores, embora exercendo atividade estatal, não são titulares de cargo público e, portanto, a eles não se aplica o Estatuto dos Servidores Públicos, notadamente quanto à compulsoriedade imposta na Constituição Federal.

Portanto, é de se reconhecer que o Estado agiu de forma lícita ao aposentar o autor e a alteração posterior de entendimento jurisprudencial não pode ensejar a recomposição de danos materiais e morais, como pretendido.

Conforme bem observou o douto Desembargador Magalhães Coelho, em voto proferido na Apelação Cível nº 990.10.269173-0:

“O ato administrativo à época de sua expedição não era, portanto, viciado à luz da legalidade e do próprio entendimento dos Tribunais, inclusive, frise-se do próprio Supremo Tribunal Federal. A Administração Pública, então, porque sujeita ao princípio da legalidade, não tinha outra opção – cuidava-se de ato vinculado -, senão de expedir a declaração de aposentadoria compulsória do autor.

“Aliás, solução diversa implicaria, inclusive, para o administrador público, a sujeição às sanções de improbidade administrativa por desrespeito à Constituição Federal e sua principiologia.

“Certo que a questão posteriormente pacificou-se em outro sentido, mas essa circunstância não poderia macular o ato desde sua expedição.

“Aliás, essa controvérsia hermenêutica que favorecia o entendimento da Administração Pública, não passou desapercebido ao autor, que demorou longos cinco anos para ingressar com anulação do ato administrativo.

“Se o ato administrativo era mesmo arbitrário desde sua origem, o autor não teria nenhuma dificuldade em ser imediatamente reconduzido à titularidade da Serventia. Se o ato se tornou, a posteriori, ilegal, em virtude da evolução da hermenêutica pretoriana, não se pode simplesmente olvidar a boa-fé da Administração Pública em cumprir a legalidade vigente em 1999, nada obstante o ato ter sido anulado.

“Assim, conquanto legítima a anulação do ato administrativo pelo Poder Judiciário, à vista da evolução hermenêutica do tema, atende à razoabilidade entender-se a manutenção de seus efeitos até essa proclamação, respeitando-se o princípio da boa-fé.

“Certo, portanto, que embora não se ignorando que a anulação dos atos administrativos, seja na jurisdição ou na própria administração, implica a retroação de seus efeitos, na hipótese dos autos, à vista da singularidade e da boa-fé da Administração Pública, é mais do que razoável entender-se a manutenção até a data do pronunciamento judicial.

“Pode-se falar, aqui, em ilegalidade superveniente decorrente de evolução do entendimento jurisprudencial, razão pela qual os efeitos do ato administrativo devem ser mantidos até a data do pronunciamento judicial que, de modo definitivo, reconheceu seu vício.

“E assim sendo, como o é, não há falar-se de responsabilidade do Estado em compor danos materiais e morais. (Ap. Cível nº 990.10.269173-0, 3ª Câmara de Direito Público, j. 26.010.2010).

No mesmo sentido, é a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça:

“APELAÇÃO. Notário. Aposentação em época em que havia dúvidas sobre a situação jurídica de tais agentes. Alegados danos materiais e morais em decorrência da aposentadoria aos 70 anos. Posterior alteração de jurisprudência do STF, reconhecendo inaplicável o limite etário de 70 anos, na espécie. Situação símile, por exemplo, em outros ordenamentos, quando do julgamento acerca da limitação dos efeitos da sentença de inconstitucionalidade, no caso LINKLETTER VS. WALTER, 381 US 618, DE 1965, onde negou aplicação retroativa a Suprema Corte para evitar que fossem revistas todas as sentenças condenatórias que tivessem tido por base norma processual penal considerada inconstitucional (tratava-se de obtenção de prova penal contrariamente ao ‘due process of law’). Atual orientação a partir de 2003, com julgados (primeiramente em decisões cautelares): ‘ADI 2602 MC/MG – MINAS GERAIS. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator: Min. MOREIRA ALVES. Julgamento: 03/04/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno.’ ‘ADI 2891 MC / RJ – RIO DE JANEIRO. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 04/06/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. EMENTA: Serviços notariais e de registro: regime jurídico: exercício em caráter privado, por delegação do poder público: lei estadual que estende aos delegatários (tabeliães e registradores) o regime do quadro único de servidores do Poder Judiciário local: plausibilidade da arguição de sua inconstitucionalidade, por contrariedade ao art. 236 e §§ e, no que diz com a aposentadoria, ao art. 40 e §§, da Constituição da República: medida cautelar deferida’. Indenização indevida eis que não praticado pelo Estado de São Paulo, determinando a aposentadoria do autor, qualquer ato ilícito. Ação improcedente”. (Ap. Cível nº 0062071-10.2010.8.26.0577, Rel. Des. Oswaldo Luiz, j.9.12.2015).

“APELAÇÃO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS (LUCROS CESSANTES) – OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS APOSENTADA COMPULSORIAMENTE AOS 70 ANOS DE IDADE, EM 2002 REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO APÓS AJUIZAMENTO DE AÇÃO DECLARATÓRIA ESPECÍFICA PARA ESTE FIM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO EQUIVALENTE AOS VALORES QUE A AUTORA DEIXOU DE RECEBER DURANTE O PERÍODO EM QUE ESTEVE AFASTADA DA DELEGAÇÃO AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE POR AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA DESTE TRIBUNAL EXISTÊNCIA DE DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL, NO MOMENTO DA PRÁTICA DO ATO, QUANTO À POSSIBILIDADE DE APOSENTAÇÃO COMPULSÓRIA DISCUSSÃO JURÍDICA SOLUCIONADA DE FORMA DEFINITIVA APENAS EM 2006, COM JULGAMENTO DE ADI PELO STF, AFASTANDO A APLICAÇÃO DE REGRA DOS SERVIDORES PÚBLICOS PARA OS TITULARES DE DELEGAÇÃO DE CARTÓRIOS EXTRAJUDICAIS – SENTENÇA mantida apelo DESPROVIDO.” (Ap. Cível nº 1016905-50.2013.8.26.0053, Rel. Des. João Negrini Filho, j. 13.6.2016).

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantida a r. sentença.

MOACIR PERES

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 0016145-22.2009.8.26.0292 – Jacareí – 7ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Moacir Peres – DJ 10.06.2019


 Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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