CSM/SP: Registro de Imóveis – Compromisso de cessão de direitos de unidade autônoma – Desqualificação do título – Necessidade de prévio registro da incorporação, além do registro dos títulos aquisitivos em nome da transmitente e da apresentação de prova de sua representação – Precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura – Apelação desprovida.

Apelação nº 1035964-72.2016.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1035964-72.2016.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1035964-72.2016.8.26.0100

Registro: 2018.0000911414

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 1035964-72.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PAULO EDUARDO NORI MORTARI, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 12 de novembro de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1035964-72.2016.8.26.0100

Apelante: Paulo Eduardo Nori Mortari

Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

VOTO Nº 37.589.

Registro de Imóveis – Compromisso de cessão de direitos de unidade autônoma – Desqualificação do título – Necessidade de prévio registro da incorporação, além do registro dos títulos aquisitivos em nome da transmitente e da apresentação de prova de sua representação – Precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura – Apelação desprovida.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital [1], que manteve a recusa ao registro de instrumento particular de compromisso de cessão de direitos das unidades nos 51 e 52 do empreendimento a ser construído no imóvel objeto das matrículas nos 150.508, 146.952, 178.056 e 45.066, sob o fundamento de ser necessário o prévio registro da incorporação imobiliária, além do registro dos títulos aquisitivos em nome da transmitente e da apresentação de prova de sua representação.

Sustenta o apelante, em síntese, que a responsabilidade pela falta de registro de incorporação não lhe pode ser imputada, ressaltando tratar-se de uma exigência impossível de ser cumprida. Diz que não há ofensa ao princípio da continuidade registral, pois o título que pretende registrar identifica os sujeitos participantes do negócio jurídico. Afirma, ainda, que há excesso de formalismo e que não há fundamento legal para a exigência da prova da representação da promitente vendedora.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O apelante, por meio de instrumento particular de compromisso de cessão de direitos, adquiriu duas unidades autônomas de um empreendimento a ser edificado na Rua Casa do Ator, nº 228/232.

No entanto, da análise das matrículas nos 150.508, 146.952, 178.056 e 45.066 do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, é possível constatar que a incorporação imobiliária não foi objeto de registro. Ademais, no fólio real não consta como titular de domínio a pessoa jurídica que, no contrato celebrado entre as partes, figurou como promitente cedente.

Assim sendo, sob pena de violação ao princípio da continuidade, não há como se afastar as exigências referentes ao prévio registro do título aquisitivo da promitente cedente.

E por força de expressa disposição legal, mostra-se correto o óbice relativo à ausência do registro do memorial de incorporação, ante o disposto no art. 32 da Lei nº 4.591/64. Quanto às razões que justificam a exigência do prévio registro da incorporação, ensina Caio Mário da Silva Pereira: “No entanto,a grande inovação, diríamos mesmo, a revolução operada pela Lei nº 4.591/64, no sistema vigente,foi a fixação dos requisitos para que uma incorporação seja lançada e as unidades comprometidasou vendidas. Ao contrário do que antes ocorria, quando o incorporador negociava sem oferecergarantias e o adquirente realizava verdadeiro salto no escuro, sob todos os aspectos a lei novacuidou particularmente do assunto fez dele um capítulo, imprimindo-lhe ênfase toda especial” (Condomínio e Incorporações: 12ª ed. rev. e atual. Forense; fls. 210).

Sobre o tema, já ficou decidido que:

Registro de Imóveis – Compromisso de cessão de direitos de unidade autônoma – Pedido de registro do instrumento – Desqualificação – Necessidade de prévio registro da incorporação – Inteligência do artigo 32 da Lei nº 4.591/64 – Precedentes deste Conselho Superior – Apelação desprovida. (TJSP; Apelação 1009154-60.2016.8.26.0100; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 10/11/2016; Data de Registro: 12/12/2016).

Por fim, também cabível a exigência de prova da representação da promitente cedente, a teor do quanto previsto no art. 1.060 do Código Civil:

Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado. Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade.

Desse modo, somente com a apresentação do contrato social atualizado da pessoa jurídica cedente estaria comprovado que o subscritor do contrato de cessão de direitos efetivamente tinha poderes para representar a cedente.

Corretos, pois, os óbices apresentados ao pretendido registro.

Diante do exposto, nego provimento à apelação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Fls. 120/124. (DJe de 04.12.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações | 04/12/2018.

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CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Carta de Sentença Notarial formada por Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais – Competência do Tabelião de Notas, ressalvados Oficiais Registradores que detenham também atribuição de Notas – Recurso desprovido, com observação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1008152-15.2016.8.26.0566, da Comarca de S. C., em que é apelante ANDREIA NAPOLITANO PINTO PETRUCELLI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE S. C..

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de outubro de 2018.

PINHEIRO FRANCO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1008152-15.2016.8.26.0566

Apelante: Andreia Napolitano Pinto Petrucelli

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de S. C..

Voto n º 37.591

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida. Carta de Sentença Notarial formada por Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais. Competência do Tabelião de Notas, ressalvados Oficiais Registradores que detenham também atribuição de Notas. Recurso desprovido, com observação.

Trata-se de apelação interposta por ANDREIA NAPOLITANO PINTO PETRUCELLI contra a r. sentença de fl. 89/90, que manteve a recusa levantada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de S. C., negando registro de carta de sentença expedida pelo Sr. Oficial do X° Subdistrito de Pessoas Naturais da mesma Comarca.

A recorrente afirma que, tanto o Tabelião de Notas, como o Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais têm competência para autenticar documentos, razão pela qual não haveria razão alguma para se negar ingresso do título.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 126/128). É o relatório.

Presentes pressupostos recursais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito, a r. sentença merece integral confirmação.

Fora expedida carta de sentença extraída do formal de partilha (autos n° 0015322-65.2010.8.26.0566, 3ª Vara Cível de S. C.) pelo Registro Civil de Pessoas Naturais do Xº Subdistrito de S. C., referente ao falecimento de Renato Frota Pinto, ocorrido no dia 19/06/2010, e Elza Napolitano Pinto, datado de 09/07/2012.

Com base na Lei n. 11.441/2007, existe a competência do Tabelião de Notas para a expedição de carta de sentença notarial, já que também compete a ele a realização do próprio inventário e partilha de bens deixados pelo de cujus.

A competência do Registro Civil de Pessoas Naturais ocorreria somente no caso de competência cumulativa também de tabelionato de notas, o que não se enquadra na hipótese em exame.

O Provimento nº 31/2013, dessa Eg. Corregedoria Geral da Justiça, assim disciplinou o tema de forma clara, ao inserir o Capítulo XIV no Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Item 213 e seguintes, regulamentando a formação extrajudicial de cartas de sentença.

Nos termos normativos, a pedido da parte interessada, poderá ser formada carta de sentença, pelos Tabeliães de Notas, das decisões judiciais, dentre as quais, formais de partilha, cartas de adjudicação e de arrematação, mandados de registro, de averbação e de retificação, a partir dos autos judiciais originais, ou do processo judicial eletrônico.

E não se acolhe a alegação recursal, no sentido de que, tanto o Registrador Civil de Pessoas Naturais, como o Tabelião de Notas têm competência para autenticação de documentos. A formação de carta de sentença não se confunde com autenticação de documentos.

A autenticação consiste em atribuição na qual o Tabelião de Notas confere a uma cópia a validade do documento original reproduzido, para determinadas finalidades, dando fé pública de que se trata de cópia fiel e idêntica ao documento original.

Já a formação de carta de sentença abrange competência mais ampla, quando o Tabelião não apenas dá fé pública quanto à fidelidade das cópias em relação aos originais, mas também de que aqueles documentos foram extraídos de autos que tramitaram perante o Poder Judiciário, assim como de que as respectivas decisões também foram prolatadas pela autoridade judicial indicada nos documentos.

Por essas razões, diante da expressa previsão legal e normativa, agiu corretamente o Oficial Imobiliário ao negar ingresso do título protocolado.

De outra parte, a conduta do Sr. Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais do Xº Subdistrito de S. C. precisa ser apurada, já que, a princípio, houve prática de ato incompatível com a legislação e com as Normas de Serviço.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

Determino a expedição de ofício ao MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro Civil de Pessoas Naturais do Xº Subdistrito de S. C., com cópia integral desses autos, para apuração de eventual falta disciplinar do Sr. Oficial.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 29.10.2018 – NP)

Fonte: 26º Tabelionato de Notas | 04/12/2018.

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Tabelião de Notas – Recurso administrativo – Pedido de providências – Ausência de indícios de infração disciplinar prevista no art. 31, I e II, da Lei n° 8.935/1994 a ensejar instauração de processo administrativo disciplinar – Lavratura de procuração a pessoa idosa – Limitação do poder da apuração do Notário – Critério etário que não pode significar impedimento ao ato – Recurso desprovido.

Número do processo: 1101300-86.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 279

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1101300-86.2017.8.26.0100

(279/2018-E)

Tabelião de Notas – Recurso administrativo – Pedido de providências – Ausência de indícios de infração disciplinar prevista no art. 31, I e II, da Lei n° 8.935/1994 a ensejar instauração de processo administrativo disciplinar – Lavratura de procuração a pessoa idosa – Limitação do poder da apuração do Notário – Critério etário que não pode significar impedimento ao ato – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso administrativo interposto por SÉRGIO ANTÔNIO DIAS contra r. sentença que determinou o arquivamento do pedido de providências movido em face do 2° Tabelião de Notas da Capital, alegando suposta irregularidade na lavratura de procurações públicas outorgadas por sua tia, Izabel Dias, já falecida.

Segundo o recorrente, é de rigor a abertura do processo administrativo disciplinar, diante das manifestas irregularidades ocorridas na serventia extrajudicial, quando da lavratura das referidas procurações, tendo em vista a idade e condições pessoais da outorgante.

Pretende o recorrente a reforma da r. sentença, para cancelamento das procurações lavradas, desde o falecimento da outorgante Izabel Dias, bem como declarada a irregularidade dos mandatos.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento parcial do recurso, para que seja determinada a revogação das procurações desde a data do óbito da outorgante.

É o relatório.

Opino.

O recorrente é sobrinho da falecida outorgante, Izabel Dias, afirmando que ela era pessoa idosa, viúva e sem filhos, que apresentava saúde delicada, razão pela qual os sobrinhos ajustaram com o zelador José Roberto Soares Lima e sua esposa Edjane da Costa Macedo que esses prestariam todo o auxílio necessário à tia.

Em maio de 2017, depois do óbito de Izabel Dias, o recorrente, nomeado o inventariante do espólio, teve ciência que José Roberto figurava como outorgado em diversas procurações públicas outorgadas por sua falecida tia, conferindo-lhe poderes para movimentar contas bancárias e alienar um imóvel.

A decisão recorrida foi tecnicamente precisa ao reconhecer os fatos relevantes para a apuração, em especial quanto à inexistência de elementos concretos a ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar.

A outorgante era idosa, com 97 anos de idade, não possuía filhos e marido, com irmãos todos falecidos, recebendo os cuidados de sobrinhos.

Exercendo a função de inventariante, o recorrente se deparou com movimentações nas contas da falecida, com um saque no valor de R$ 5.000,00 e duas transferências eletrônicas, perfazendo o valor de R$ 31.000,00, em nome do zelador José Roberto.

As procurações outorgavam poderes de representação junto ao: (I) Banco Bradesco, lavrada em 24 de abril de 2017; (II) INSS, lavrada em 24 de abril de 2017; (III) Banco Citibank, lavrada em 10 de maio de 2017; (IV) outorga de poderes para a venda de imóvel localizado na cidade de Jundiaí, de propriedade da falecida, lavrada em 24 de abril de 2017; (V) escritura de venda e compra do referido imóvel, no valor de R$ 247.000,00, lavrada em 12 de maio de 2017.

O fato de o recorrente ter sido eventualmente lesado com a lavratura dos atos não pode ser considerado como elementar da hipótese de incidência da responsabilidade disciplinar.

Ou seja, embora a tipicidade disciplinar não seja tão restrita quanto à penal, a ocorrência de dano ao usuário e/ou seus parentes não é parte integrante das suas elementares.

Nunca é demais lembrar que a responsabilidade penal, civil e administrativa são, em regra geral, autônomas.

Independentemente da ocorrência ou não de dano, em matéria censória, o enfoque é outro: é preciso haver subsunção do fato à hipótese prevista como infração disciplinar, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

Na hipótese, o fato da outorgante contar, à época, com 97 anos de idade não a tornava incapaz, por si só, para os atos da vida civil.

Aliás, a Lei n° 10.741/2003 assegura ao idoso todos os direitos inerentes à pessoa humana, não sendo possível privá-lo do acesso a todos os atos da vida civil, ressalvado manifesto risco de ofensa ou abuso contra a sua pessoa, nos termos do art. 2° do referido diploma:

Art. 2° O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

A mesma lei ainda veda a discriminação ao idoso, seja sob qual fundamento for:

Art. 4° Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

É verdade que o § 1º do referido artigo dispõe que: “É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso”. Contudo, essa prevenção ao risco somente poder ser levada a efeito quando houver, de fato, manifestos e fundados motivos para se negar o acesso do idoso à lavratura de atos que apenas instrumentalizam sua declaração de vontade.

Embora o recorrente informe que a outorgante não andava mais e respirava com a ajuda de aparelhos, não há qualquer documento médico atestando sua referida incapacidade ou limitação mental. E mais, se realmente incapaz estivesse, caberia ao próprio recorrente a propositura de ação para a decretação de sua interdição.

Os atos notariais foram praticados em diligência, o escrevente foi até à residência da outorgante, e constatou que não havia indícios manifestos de comprometimento mental, embora houvesse comprometimento físico.

Também não era exigível que fosse lavrado “termo de doação”, ao invés de procuração; a uma, porque a vontade declarada era de lavratura de uma procuração; a duas, porque não se poderia exigir fosse lavrada a suposta “promessa de doação”, o que sequer seria cabível.

O recorrente afirma supostos indícios de incapacidade da outorgante por sua “assinatura tremida” lançada no cartão de assinatura (fl. 139), o que também não é critério para que seja atestado comprometimento mental.

E não há nada nos autos que comprove que a vontade da outorgante não era aquela declarada, ou seja, que ela não queria outorgar as procurações para aquela determinada pessoa e com aqueles determinados poderes.

Fosse assim, entraríamos no terreno perigoso do relativismo, pois dificilmente saberíamos dizer qual é a idade limite para que se outorgue procuração livremente, não se sabendo se aos 90, 95, 85 anos ou outra idade qualquer.

Qualquer escolha que não fosse fundada em critérios previstos em lei significaria diferenciação injustificada e inconstitucional, por ofensa ao art. 5º da Constituição Federal, e poderia, em tese, caracterizar o tipo penal do art. 96, do Estatuto do Idoso.

E nem se diga que o Tabelião teria responsabilidade disciplinar por não dar preferência a parentes, ao invés de pessoas sem vínculos de consanguinidade.

Não existe qualquer disposição legal dando preferência a parentes no momento de outorga de mandatos. Ora, o outorgante outorga poderes a quem quiser, de acordo com seu grau de confiabilidade no fiel cumprimento dos poderes outorgados.

É comum, inclusive, que pessoas tenham mais afinidade e confiança com amigos sem vínculo de sangue do que em relação a parentes em linha reta ou colateral.

Esse foi o caso, já que o zelador cuidava da idosa há mais de 10 anos, pois, os sobrinhos não dispunham de tempo para tanto. Inclusive, o próprio recorrente confessa que o óbito foi comunicado pelo zelador (fl. 123).

Quanto ao Item 131 das Normas de Serviço, tal regra traduz uma recomendação que, é claro, deve ser seguida, mas especialmente quando insinuado risco concreto de comprometimento patrimonial do idoso, o que não estava claro na hipótese.

Ademais, o referido Item limita o prazo a 1 ano e a um negócio jurídico determinado, o que não faria qualquer diferença no caso, já que os atos foram praticados dias depois da lavratura das procurações.

Repita-se, as regras normativas acima descritas são cautelas que devem ser tomadas e observadas, mas a sua ausência, por si só, não poder servir para punir quase que automaticamente o Tabelião, sob risco de má interpretação dos institutos que dão fundamento à responsabilidade disciplinar administrativa.

Diz o art. 31, I e II, da Lei n° 8.935/1994, que:

Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

I a inobservância das prescrições legais ou normativas;

II a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;

Já o item 1.3, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça tem a seguinte redação:

1.3. É seu dever recusar, motivadamente, por escrito, a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico e sempre que presentes fundados indícios de fraude à lei, de prejuízos às partes ou dúvidas sobre a manifestação de vontade.

Uma vez declarado pelas partes a intenção de efetivarem o ato notarial sob a responsabilidade legal do notário, ele passa a ter o dever legal de atuação, somente podendo se recusar a fazê-lo em casos de impedimento legal, físico ou ético, dúvida quanto à identidade ou capacidade das partes, dentre outras hipóteses restritas.

Se não há impedimento legal manifesto, não cabe ao notário se recusar à pratica do ato, seja por achar que determinada pessoa não represente uma boa procuradora, seja por entender que os poderes conferidos deveriam ser mais ou menos amplos.

Cabe, sim, o aconselhamento jurídico, a qualificação do ato pretendido e a orientação das partes quanto a eventual invalidade ou ineficácia do ato, o que, pela prova trazida, ocorreu na hipótese.

Recusar-se a fazê-lo, sem que haja impedimento legal absoluto, não seria lícito.

E a ausência de critério legal para a recusa é que retira a culpa do ato do notário, ou mesmo a existência de ato contrário à normatização correcional, que justifique a instauração de procedimento administrativo disciplinar.

No dizer da doutrina:

Em ambos os quadros [dolo e culpa em sentido estrito] a culpa é um mal, porque sempre implica uma desordenação voluntária relativa aos fins exigíveis da conduta humana. É exatamente porque se poderia e deveria agir de outro modo, para assim cumprir os fins a que se tinham por devidos, que alguém pode dizer-se culpado em dada situação concreta. Se, pois, a culpa pressupõe a possibilidade de ter agido de outra maneira, são seus pressupostos indispensáveis (II) a contingência da ação e (II) a liberdade de agir ou não agir, bem como a liberdade de agir de um modo ou de outro. Assim sendo, não há culpabilidade possível quanto não haja contingência na conduta e liberdade no exercício (a de agir ou não agir) e de especificação (a de eleger os meios de agir)[1]

É claro que a repercussão dos atos lavrados na serventia pode ter gerado prejuízos a terceiros, mas isso é matéria de competência da esfera criminal e civil, não administrativa, pois tal repercussão diz respeito à conduta dos supostos fraudadores, esses sim, caso tenham agido com culpa ou dolo, devem ser responsabilizados.

O que não se pode é usar os prejuízos materiais como fundamento para apuração disciplinar do Tabelião. Não é demais lembrar que a função notarial comporta certa independência e discricionariedade. Por outro enfoque, também não lhe é permitido se negar à prática do ato notarial apenas com base em impressões pessoais.

Além disso, apesar do Notário ser um aconselhador, ao mesmo tempo ele está vestido de neutralidade, não podendo tomar posição e assumir o que está reservado à liberdade de declaração de vontade das partes.

Assim, a prestação notarial é de caráter obrigatório e não pode ser recusada, ressalvadas as hipóteses legais de impedimento subjetivo, nulidade e manifesta impossibilidade física ou mental.

Ausente impedimento legal para o ato que se realizava, ou seja, ausente a ilicitude absoluta do objeto em si, eventual responsabilidade administrativa do notário pela lavratura do ato caracterizaria o reconhecimento da culpa pela falta de consideração de elementos que, em linhas finais, ligam-se apenas à eficácia legal do ato, seja por nulidade absoluta, seja por nulidade relativa.

A fé pública do instrumento notarial não diz respeito, como regra geral, ao conteúdo da vontade declarada pelas partes, mas sim quanto à existência da declaração em si e, naturalmente, seus efeitos.

Exigir-se-ia do notário a prévia apuração da veracidade das declarações dos comparecentes, a fim de se verificar a existência ou não de ato simulado ou anulável por erro ou dolo, o que, no sistema brasileiro, não se admite.

Não poderia o notário afirmar fraude à lei ou vício na manifestação de vontade tão somente com base na idade avançada, dificuldades de locomoção e inexistência de vínculo de parentesco entre as partes, sem que ultrapassasse os limites legais de sua atuação, já que não há vedação legal para a ocorrência de nenhuma dessas circunstâncias.

Eventual nulidade ou ineficácia declarada por iniciativa de qualquer interessado não significa o reconhecimento de culpa do notário. O objeto era lícito, as partes, ao menos ao tempo de sua prática, eram capazes e a forma estava sendo observada.

O elemento subjetivo, aqui, não pode ser relegado a um segundo plano, certo que:

O agente deve ter praticado o ato tido por ilícito com a intenção de realizar a conduta ou, ao menos, faltando com o dever de cuidado na vigilância dos atos praticados por seus funcionários ou mesmo por ter dado orientações errada ou incompatíveis com a boa e leal prestação da função pública.[2]

Em situação semelhante, a Câmara Especial deste E. Tribunal decidiu neste sentido, nos autos do Recurso Administrativo n° 0048142-07.2015.8.26.0100, em trecho do voto do E. Relator Desembargador SALLES ABREU:

Não se exige deste a investigação da veracidade das declarações, nem de eventual ineficácia por conta de nulidade a ser arguida e demonstrada por terceiro interessado. A possível existência de fraude, quando vinculada ao aspecto subjetivo da manifestação de vontade, como no caso de reserva mental, não permite a interferência do notário, por significar um julgamento da vontade final e dissimulada pela vontade declarada. A fraude apta à recusa de lavratura do ato é objetiva, verificável entre o objeto da declaração e o ordenamento jurídico, e não em relação à causa ou intenção das partes, isentos da investigação pessoal do notário. Nem se diga, em complemento, que a escolha do regime de bens para a união estável que seja vedado ao cônjuge idoso, aceita pelo notário no ato declaratório, caracterizaria sua culpa administrativa a justificar a punição impugnada. A uma porque a declaração de como desde o passado teriam os companheiros estabelecido o regime de bens não estaria impedido pela existência de um regime legal. É que, diversamente do casamento, o regime de bens declarado na escritura declaratória de união estável tem efeito ex tunc, refletindo algo que já é quanto à relação patrimonial escolhida pelos companheiros, desde quando iniciada a convivência, enquanto no casamento o regime de bens tem efeitos ex nunc. Não caberia ao notário, assim, questionar algo que já é, conforme a declaração dos interessados, embora orientando-os quanto à possível ineficácia da escolha dos companheiros. A duas porque de duvidosa constitucionalidade o dispositivo que impõe regime legal de bens aos cônjuges maiores de 70 anos (art. 1.641, II, CC) autorizando a pretensão ao afastamento pelos companheiros, os quais poderiam buscar a manutenção da eficácia externa em caso de questionamentos por terceiros. Por tais ângulos, não se vê, por parte do apelante, cometimento de ilícito administrativo culposo, seja pela inevitabilidade do ato pretendido pelos declarantes, seja pela ausência de quebra de um dever legal a caracterizar conduta culposa. E sem tal conduta culposa, não há que se falar em responsabilidade disciplinar. A responsabilidade disciplinar administrativa do notário ou do registrador não pode prescindir da verificação de conduta dolosa ou culposa do imputado.

Assim, tem-se que o ato notarial realizado não exige a instauração de processo administrativo disciplinar, por não poder ser qualificado como culposo, especialmente à míngua de vício ou divergência entre a vontade declarada e os atos lavrados.

Por fim, deve ser mantido o desbloqueio das escrituras determinado na r. sentença, já que não há previsão normativa para cancelamento de procurações pela via administrativa.

O próprio Código Civil prevê expressamente que a morte leva à extinção do contrato de mandato, nos termos do art. 682, inciso II. Como dito, se nulidade houve, isso somente poderá ser declarado em devido processo legal, com contraditório e ampla defesa.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 12 de julho de 2018.

Paulo César Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e nego provimento ao recurso. São Paulo, 26 de julho de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: ANDREIA MAIO DIAS, OAB/SP 353.819.

Diário da Justiça Eletrônico de 07.08.2018

Decisão reproduzida na página 138 do Classificador II – 2018

Notas:

[1] DIP, Ricardo. Conceito e natureza da responsabilidade disciplinar dos registradores públicos. São Paulo: Quartier Latin, 2017, Fl. 12.

[2] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Manual de direito notarial. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 246.

Fonte: INR Publicações.

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