Registro de Imóveis – Requerimento visando à alteração da destinação de bem – Posicionamento do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que restrição convencional não pode se sobrepor à Lei

Número do processo: 1008998-91.2016.8.26.0223

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 319

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1008998-91.2016.8.26.0223

(319/2017-E)

Registro de Imóveis – Requerimento visando à alteração da destinação de bem – Posicionamento do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que restrição convencional não pode se sobrepor à Lei – Hipótese, no entanto, em que o Plano Diretor Municipal conserva a eficácia das restrições convencionais já instituídas – Autorização concedida por Secretaria Municipal que não substitui a necessidade de Lei – Parecer pelo não provimento do recurso.

Trata-se de recurso administrativo interposto por Canter Empreendimentos Imobiliários Ltda. contra a sentença de fls. 119/122, que indeferiu o pedido da recorrente no sentido de afastar as exigências formuladas pelo Oficial e autorizar a averbação da modificação da destinação do imóvel matriculado sob n° 100.700 no Registro de Imóveis de Guarujá.

Sustenta a recorrente, em síntese, que o óbice à alteração da destinação do bem objeto da matrícula n° 100.700, de “comercial”, para “residencial”, não se sustenta; que há precedente do Conselho Superior da Magistratura a embasar o entendimento de que a restrição convencional não pode prevalecer; que a exigência consistente na apresentação de certidão expedida pela GRAPHOHAB não encontra amparo legal; que seu pedido conta com a aprovação do Município de Guarujá; que seu pedido não contempla desmembramento e a possibilidade de que isso venha a ser requerido no futuro não pode prejudicar o seu pleito atual; que nem os proprietários do bem nem os seus vizinhos têm interesse na construção de complexo comercial no local; que o uso residencial do imóvel gerará muito menos impacto na região; e que a obtenção da anuência de todos os proprietários dos imóveis situados no Jardim Acapulco é inviável (fls. 128/160).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 228/230).

É o relatório.

Opino.

A recorrente prenotou na serventia imobiliária do Guarujá requerimento visando à alteração da destinação do bem matriculado sob n° 100.700. De acordo com referida matrícula, trata-se de área reservada para zona comercial do loteamento denominado Jardim Acapulco, encerrando a área 32.161,21m² (fls. 19). Pretende a recorrente modificar a destinação do espaço, transformando-o em área de uso residencial.

Segundo o Oficial, como o requerimento implica alteração do loteamento, necessária a apresentação: (a) de certidão do Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo – GRAPROHAB; e (b) de anuência de todos os proprietários dos lotes atingidos pela alteração, direta ou indiretamente.

Por meio da sentença de fls. 119/122, o Juiz Corregedor Permanente da unidade manteve o óbice ao registro.

Entretanto, as exigências formuladas pelo registrador, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não se sustentam.

Nem a apresentação de certidão expedida pelo GRAPHOHAB nem a anuência de todos os proprietários de lotes atingidos pela alteração encontram amparo legal ou normativo.

Como se verá, todavia, a inscrição pretendida ainda sim é inviável.

O recorrente afirma que as restrições convencionais estatuídas por ocasião da implantação do loteamento não podem prevalecer sobre o que preceitua a Lei Municipal.

Nesse ponto, tem razão o recorrente.

Com efeito, por ocasião do julgamento da apelação n° 0038476-21.2011.8.26.0100, o Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, decidiu que as restrições convencionais não prevalecem contra lei municipal, se com ela forem incompatíveis:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Registro de contrato de locação não residencial. Existência de restrição convencional de uso apenas residencial em contraste à permissão do Plano Diretor. Mudança de orientação de precedentes administrativos. Prevalência da norma legislativa em conformidade com a Constituição Federal. Recurso provido” (Des. José Renato Nalini, j. em 12/9/2012).

Do corpo do voto do então Corregedor Geral da Justiça, colhe-se o seguinte trecho:

A controvérsia a respeito das restrições convencionais é antiga. Longeva orientação da Corregedoria Geral de Justiça as considera obrigação propter rem, aptas a vincular atuais e futuros proprietários.

Induvidoso o dever de fiscalização pelo registrador imobiliário quanto à sua existência, pois não se cuida de mero interesse individual. Desde que aprovadas pelo Poder Público, as restrições convencionais passam a integrar o Direito Urbanístico e adquirem caráter público, além de uma natureza difusa.

Nada obstante, o arquétipo de solução para o presente julgamento implica em diálogo entre o caso concreto e a normatividade. O ideal, para o saudosista, seria a preservação da fisionomia urbana das regiões cujos empreendedores originais pretenderam qualificar com diferenciais urbanísticos. Mas as cidades, como as pessoas, crescem, amadurecem, se deterioram, são submetidas a inúmeras mutações de toda ordem.

Regiões há que nasceram com uma vocação e se viram totalmente transmutadas, diante dos ciclos de desenvolvimento na insensata conturbação paulistana. Na espécie, a empresa interessada viu-se impedida de colocar sob a tutela registrária o seu contrato locatício. Todavia, aquelas situadas talvez na mesma via pública, por não necessitarem do acesso à realidade matricial os seus ajustes, funcionam com desenvoltura para finalidades mui distantes da exclusivamente residencial.

(…)

É exatamente a situação destes autos. Por isso é que o registrador, embora mencione as restrições convencionais no registro, não pode deixar de admitir ao registro os títulos apresentados, apenas com base nessas imposições particulares.

Impõe-se alteração da orientação até aqui preservada no âmbito do E. Conselho Superior da Magistratura, para deixar de considerar as restrições convencionais superadas por normatividade posterior, notadamente se fundadas num pacto fundante que consagra a função social da propriedade”.

A lição de Hely Lopes Meireles também é citada para embasar o novo posicionamento que se firmou a partir daquele julgamento:

“As restrições operam efeitos entre o loteador e os que vão construir no bairro, enquanto não colidentes com a legislação urbanística ordenadora da cidade e de seus núcleos urbanos, formados por loteamentos particulares… E é natural que assim seja, porque a cidade cresce, evolui exige novas atividades para atender as necessidades supervenientes de sua população, o que impõe uma legislação dinâmica, variável e adequada “à solução dos novos problemas urbanos”.

“(…) Se assim não fosse, os particulares é que passariam a ter o controle do uso do solo urbano, impedindo o Poder Municipal de ordenar a cidade, em flagrante ofensa à competência constitucional do Município,… pois bastaria que os loteadores estabelecessem restrições urbanísticas incompatíveis com o desenvolvimento da urbe, ou, por exemplo, proibissem a passagem de veículos de transporte coletivo pelas ruas, para que a Prefeitura ficasse tolhida de, por lei, adequar, no futuro, a utilização daquele bairro e nele implantar o serviço de ônibus, que se tomasse necessário, não só àquela comunidade, mas a outras interceptadas por aquele loteamento”.

No entanto, embora não haja discussão acerca da supremacia da lei sobre eventual restrição convencional, o caso aqui é outro.

Isso porque na hipótese não há lei que autorize a alteração da destinação da área.

Ao tratar das zonas residenciais, preceitua o artigo 124 da Lei Complementar Municipal n° 156/2013, Plano Diretor do Guarujá:

Art. 124 Consideram-se Zonas Residenciais aquelas situadas em Zonas de Baixa Densidade, destinadas à moradia unifamiliar e multifamiliar, correspondente a uma ou mais habitações permanentes por lote.

§ 1º As zonas residenciais correspondem aos loteamentos com cláusulas restritivas em relação ao uso, previstas no registro de imóveis desses parcelamentos, onde devem ser adotadas as regras determinadas pelos mesmos, salvo em casos de decisão judicial ou de anuência expressa, aprovada com maioria qualificada de 2/3 (dois terços) dos proprietários em assembleia da entidade representativa, apresentada por escrito, com a respectiva ata de aprovação.

A leitura do dispositivo leva à conclusão de que, no Município de Guarujá, as restrições convencionais inscritas na serventia imobiliária continuam a vigorar, salvo nas hipóteses de decisão judicial ou de aprovação em assembleia pelos proprietários de dois terços dos lotes do parcelamento.

A decisão judicial referida no dispositivo, à evidência, é aquela proferida em processo de caráter jurisdicional, e não a prolatada nesta via administrativa, que se atém aos aspectos formais da questão.

E nem se argumente que a autorização concedida pela Secretaria Municipal de Administração, no Processo n° 27534/47998/10, supre a necessidade de Lei Municipal.

O precedente acima citado do Conselho Superior da Magistratura, assim como a doutrina e a jurisprudência em que ele se assenta partem todos do princípio de Lei Municipal que diverge de restrição convencional. Isso se dá, em especial, porque o § 1º do artigo 182 da Constituição Federal indica o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, como o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

Não se pode entender que mera autorização advinda de Secretaria Municipal gere o mesmo efeito que lei específica. Principalmente na hipótese aqui analisada, em que o Plano Diretor Municipal expressamente faz referência à eficácia das restrições convencionais já instituídas e não delega a nenhum órgão municipal a atribuição de conceder autorização semelhante.

Desse modo, embora as exigências constantes na nota devolutiva não se sustentem, a averbação requerida encontra óbice no artigo 124 do Plano Diretor do Guarujá.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de ser negado provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 4 de setembro de 2017.

Carlos Henrique André Lisboa

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 05 de setembro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: ROBERTO GONCALVES LA LAINA, OAB/SP 137.080.

Diário da Justiça Eletrônico de 25.09.2017

Decisão reproduzida na página 262 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações.

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Projeto que regulamenta a multipropriedade será analisado pela CCJ

A regulamentação do regime de multipropriedade, quando vários proprietários dividem um bem imóvel e o usufruem por determinada fração de tempo, é objeto do projeto de lei da Câmara (PLC) 51/2018, em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

O texto, da deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), inclui a multipropriedade como uma nova forma de direito sobre imóveis. Nela, há o compartilhamento entre os vários donos do imóvel, que o utilizam em um tempo determinado e distinto dos demais proprietários, podendo dispor de sua parte e vendê-la quando quiser.

O projeto, que altera o Código Civil (Lei 10.406/2002), determina que haja a aprovação de uma convenção pela maioria absoluta dos multiproprietários para ditar as regras do imóvel, e a Lei 4.591/1964, que regula condomínios e incorporações imobiliárias, deve valer para qualquer dúvida em relação a essas normas.

Segundo a autora, embora o Judiciário já esteja tratando casos concretos relacionados ao tema, há lacunas legais que devem ser preenchidas. Hoje, a lei não impede que contratos sejam firmados nessa modalidade, mas a definição legal vai ajudar a diminuir as dúvidas quanto ao novo tipo de propriedade, na opinião de Laura.

O relator na CCJ é o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE).

Condomínio

O assunto já foi discutido na Casa. Em maio, o Senado enviou para análise da Câmara dos Deputados o substitutivo ao PLS 54/2017, do senador Wilder Morais (DEM-GO), para regulamentar a multipropriedade. O substitutivo do senador Sérgio Petecão (PSD-AC) define a multipropropriedade como o “regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.

O PLS 54/2017 regulamenta a multipropriedade ao longo de mais de 20 artigos. E estipula três modalidades para uso do bem, em função do tempo disponibilizado para cada proprietário: a tempo fixo e determinado previamente; flutuante, caso em que a determinação do período se dará periodicamente; ou misto, combinando os dois modelos. Também fica permitida a aquisição de frações variáveis do imóvel, maiores do que a mínima, o que assegura o direito de uso por períodos de tempo maiores também.

Na Câmara, o projeto se tornou o PL 10.287/2018 e está na CCJ aguardando análise do relator, deputado Herculano Passos (MDB-SP).

Fonte: Agência Senado | 01/08/2018.

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