2ª VRP|SP: Pedido de Providências – Serventia Extrajudicial – Funcionário estatutário dispensado imotivadamente – Precedentes do STF – Inexistência de vínculo com o Estado – Estabilidade afastada – Admissão e demissão à critério do titular da delegação – Pedido arquivado.

Processo 0241515-81.2007.8.26.0100 (100.07.241515-9) 

Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – E. S. D. – Relatório Trata-se de Ação de Pedido de Providências movida por E S D em face de J P R P. A representante atuava na condição de escrevente sob regime estatutário especial na Unidade de Serviço Registral do (…)º Subdistrito (…).

Alegou ter sido demitida indevidamente pela requerida, bem como questionou a investidura desta no cargo de Oficial. A representada apresentou resposta nas fls. 28/30 alegando ser a investidura regular, bem como a faculdade de admitir ou demitir funcionários ser matéria de organização interna das serventias.

Em resposta, fls. 32/36, a representante afirmou ter sido admitida antes da vigência da Lei 8.935/94, entendendo que somente poderia perder seu posto por exoneração e não por demissão.

A representada reafirmou (fls. 43/44) ser a demissão regular, fundamentada e livre arbítrio do Oficial delegado, independentemente do vínculo ser celetista ou estatutário. Foi colhido depoimento da representante (fls. 24/25).

A representada apresentou manifestações nas fls. 90/111, 122/187, 270/273, 279/281 e 415. As manifestações da representante se deram nas fls. 112/121, 189,193, 195/201, 204/266, 275/277, 284,298/299, 305, 308, 310/378, 380/404, 407, 410, 412/413, 417/418, 422/423, 426, 429, 432 e 439.

Houve juntada de cópia de denúncia de processo em curso na 4ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo (fls. 267 e 292/296).

É o breve relatório.

Decido.

O feito em tela diz respeito à possibilidade de estabilidade da representante no posto de escrevente de serviço notarial ou de registros. O artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias garantiu estabilidade aos servidores públicos que estavam em exercício há pelo menos cinco anos continuados na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

§ 1º – O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

§ 2º – O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do “caput” deste artigo, exceto se se tratar de servidor. A aplicabilidade do artigo 19 do ADCT aos escreventes de cartórios extrajudiciais já foi abordada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 388.589-8- DF, julgado em 15 de Junho de 2004, sendo relatora a Ministra Ellen Gracie.

A Ministra afastou a aplicabilidade do mencionado artigo àquele que atua como “mero preposto do titular do Cartório de Distribuição de Brasília, que é um ente privado prestador de serviço público, nos termos da Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e Territórios”, pois o texto legal diz respeito somente ao servidor que recebeu seus vencimentos dos cofres públicos e, portanto, possui um vínculo com o Estado.

Os escreventes dos cartórios extrajudiciais são remunerados por cofres particulares e, desta feita, não possuem vínculo com o Estado impossibilitando-se a estabilidade. O tema também foi abordado em decisão normativa pelo Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Dr. José Renato Nalini, no Processo nº 2012/00041723, que aprovou parecer do Doutor Luciano Gonçalves Paes Leme, MM Juiz Assessor da Corregedoria, seguindo a linha de raciocínio da Ministra Ellen Gracie, como se observa do seguinte extrato:

“Precedentes do Superior Tribunal de Justiça – STJ, manifestados no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.° 16.208 – MG, relator Ministro Félix Fischer, no Recurso em Mandado de Segurança n.° 17.448 – MG e no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n.° 7.237 – MG, ambos sob relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgados, respectivamente, nos dias 10 de junho de 2003, 07 de março de 2006 e 01.° de setembro de 2011, também caminham nessa direção, então presos à ideia da incompatibilidade da estabilidade com as atividades executadas em regime de direito privado, cuja remuneração não advém dos cofres públicos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, já exteriorizou posicionamento que em nada difere com os referidos, de forma a excluir o atributo pessoal da estabilidade do regime jurídico dos escreventes e auxiliares das serventias extrajudiciais, ainda que admitidos antes da CF/1988, afastando, portanto, a subsunção da situação deles à regra do artigo 19 do ADCT. (…) Desta maneira, no âmbito do Estado de São Paulo, os escreventes e os auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial que deixaram de optar pela transformação de seu regime jurídico, assim não acedendo à legislação trabalhista, são regidos, nos termos do § 2.° do artigo 48 da Lei n.° 8.971/1994, ou pela Lei n.° 10.261/1968 ou pelas normas editadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, naquilo, no entanto, que não afrontar o sistema introduzido pela CF/1988 e, portanto, sem estabilidade. (…) Agora, oportunizada aos notários e aos oficiais de registro a possibilidade da dispensa imotivada, livre de qualquer processo administrativo – pois inadmissível a instituição de uma estabilidade disfarçada. (…) Não se discute, neste parecer, porque inapropriado, na via administrativa, a natureza do vínculo existente entre os novos delegados e os escreventes e os auxiliares submetidos ao regime estatutário ou especial, também denominado híbrido; não se aborda, porque também indevido neste campo, a quem caberá o pagamento de indenização eventualmente devida aos desligados; afirma-se, isso sim, e apenas, que são passíveis de exoneração, ao lado da demissão, e que somente os novos titulares, com o início da atividade notarial e de registro, têm o poder/dever de formalizar a dispensa daqueles que, não-celetistas, encontravam-se, à época da investidura deles, delegados, atrelados, na serventia extrajudicial, à execução dos serviços notariais e de registro. Sequer mesmo podem ser desligados pelo Estado: não desempenham atividade estatal, não integram o aparelho estatal, a sua organização administrativa, e tampouco mantêm laço de trabalho profissional com o Estado.

Na realidade, estão presos à serventia extrajudicial, também denominada unidade extrajudicial e, antes, cartório. Estão, caso se prefira, atrelados aos serviços notariais e de registro recebidos, em delegação, pelos notários e oficiais de registro. (…) A concepção – para reforçar a obrigação imputada aos titulares dos serviços notariais e de registro -, de que os escreventes e os auxiliares não-optantes estavam, antes da CF/1988, e continuam depois dela, vinculados ao cartório, à serventia extrajudicial ou aos serviços notariais e de registro, não colide com a transformação provocada pela Carta de 1988 e o rompimento do sistema/modelo cartorial. Não é empecilho ao reconhecimento da obrigação conferida aos delegados. A reboque de Celso António Bandeira de Mello, “tanto como os órgãos públicos e os cargos públicos, cada ‘serviço’ notarial ou registral, constitui-se em um plexo unitário, individualizado, de atribuições e competências públicas”; passíveis de ficarem vagas, as serventias, expressão empregada pela CF/1988 (§ 3.° do artigo 236 da CF/1988), são unidades de organizações técnicas e administrativas, não são criadas pelas delegações que antes as pressupõem -, nem são suprimidas quando estas se extinguem; enfim, para o renomado jurista, “a Constituição e a Lei 8.935 não fizeram desaparecer as unidades conhecidas como ‘cartórios’” e, “não tendo se servido de tal expressão, valeram-se de outras para referir tais específicas e individuadas unidades que concentram plexos de atribuições públicas a serem exercidas em caráter privado.”41 Não à toa, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar, no dia 22 de setembro de 2011, a Ação de Direta de Inconstitucionalidade n.° 2.415/SP, relator Ministro Ayres Britto, atribuiu à lei formal, lei em sentido estrito, a criação, a modificação e a extinção de serventias extrajudiciais, de unidades do serviço notarial e de registro, a revelar – em sentido contrário de precedentes desta Corregedoria42 -, que os cartórios, com outro rótulo por vezes, com o mesmo, veremos abaixo -, e nova roupagem, continuam a existir, malgrado desprovidos de personalidade jurídica, sem parecença com os órgãos públicos e desapegados da estrutural estatal. Inclusive, se a Constituição de 1988 e a Lei n.° 8.935/1994 utilizam as expressões serviços notariais e de registro e serventia, esta, a Lei n.° 8.935/1994, e a Lei n.° 9.492, de 10 de setembro de 1997 Lei do Protesto -, também empregam o vocábulo tabelionato.

Além disso, ainda a título de exemplo, o Código Civil de 2002, em diversas passagens, refere-se ao Cartório de Registro de Imóveis e ao Cartório de Títulos e Documentos. Consequentemente, a circunstância dos escreventes e dos auxiliares não sujeitos ao regime celetista estarem, e permanecerem, após a Carta de 1988, vinculados ao cartório, à serventia extrajudicial ou aos serviços notariais e de registro, não sofreu abalo algum diante da nova ordem jurídica fundante. com os princípios da segurança jurídica e da confiança, ambos radicados no corpo constitucional.

Por isso, remodelados os serviços notariais e de registro, os notários e os oficiais de registro – que, investidos em tais serviços, desconsideraram, ignoraram ou dispensaram informalmente os escreventes e os auxiliares estatutários ou em regime especial, então atrelados à serventia extrajudicial que concentra os serviços titularizados. (…) Pelo todo exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de:

I) estabelecer que os escreventes e os auxiliares, particularmente os admitidos nos serviços notariais e de registro antes da Constituição Federal de 1988, não têm estabilidade e, portanto, podem ser livre e imotivadamente dispensados pelos notários e oficiais de registro; II) que, à regulação confiada a esta Corregedoria, é estranha qualquer deliberação sobre a indenização eventualmente devida aos dispensados e a responsabilidade pelo seu pagamento”.

É certo, portanto, que à representante não deve ser aplicado o disposto no artigo 19 do ADCT, não sendo reconhecida a estabilidade e ficando a critério do Oficial do cartório extrajudicial a admissão ou demissão de seus funcionários. De outra parte, está fora das atribuições desta Corregedoria Permanente exame de questões de ordem trabalhista, as quais, inclusive são objeto de ação judicial. O início do exercício da Titular da Delegação foi regular e a demissão era uma possibilidade no plexo de suas atribuições atinente ao gerenciamento da unidade extrajudicial e do serviço delegado sob sua responsabilidade pessoal. Por fim, ressaltamos que a presente decisão refere-se apenas aos aspectos administrativos da atuação da Titular da Delegação sem qualquer reflexo na esfera trabalhista e criminal, consoante processos noticiados nos autos.

Tendo em vista a ausência de quaisquer indícios de ilícito administrativo praticado por parte da Sra. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do (…)º Subdistrito- Lapa, J P R P, determino o arquivamento dos presentes autos.

Intimem-se as Senhoras Representante e Representada desta decisão. Expeça também ofício para E. Corregedoria Geral de Justiça com cópia desta decisão para ciência.

P.R.I. – ADV: DJALMA DE SOUZA GAYOSO (OAB 17020/SP), SERGIO RICARDO MACHADO GAYOSO (OAB 145246/SP) (D.J.E. de 10.03.2014 – SP)

Fonte: DJE/SP | 10/03/2014.

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União estável – Pressupostos – Affectio maritalis – Coabitação – Publicidade da relação – Prova – Sucessão do companheiro – Diferença de trato legislativo entre união estável e casamento – Inexistência de violação a preceitos ou princípios constitucionais

EMENTA

UNIÃO ESTÁVEL. PRESSUPOSTOS. AFFECTIO MARITALIS. COABITAÇÃO. PUBLICIDADE DA RELAÇÃO. PROVA. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. DIFERENÇA DE TRATO LEGISLATIVO ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A PRECEITOS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 1. A união estável assemelha-se a um casamento de fato e indica uma comunhão de vida e de interesses, reclamando não apenas publicidade e estabilidade, mas, sobretudo, um nítido caráter familiar, evidenciado pela affectio maritalis. 2. Comprovada a relação de companheirismo e configurada a intenção de constituir um núcleo familiar, a procedência da ação se impõe. 3. A companheira tem direito à metade dos bens adquiridos na constância da vida em comum, pouco importando qual a colaboração prestada por ela para a aquisição do patrimônio, pois a união estável é regida pelo regime da comunhão parcial de bens. Inteligência do art. 1.725 do CC. 4. O art. 226 da Constituição Federal não equiparou a união estável ao casamento civil, apenas admitiu-lhe a dignidade de constituir entidade familiar, para o fim de merecer especial proteção do Estado, mas com a expressa recomendação de que seja facilitada a sua conversão em casamento. 5. Tratando-se de institutos jurídicos distintos, é juridicamente cabível que a união estável tenha disciplina sucessória distinta do casamento e, aliás, é isso o que ocorre, também, com o próprio casamento, considerando-se que as diversas possibilidades de escolha do regime matrimonial de bens também ensejam seqüelas jurídicas distintas. 6. O legislador civil tratou de acatar a liberdade de escolha das pessoas, cada qual podendo escolher o rumo da sua própria vida, isto é, podendo ficar solteira ou constituir família, e, pretendendo constituir uma família, a pessoa pode manter uma união estável ou casar, e, casando ou mantendo união estável, a pessoa pode escolher o regime de bens que melhor lhe aprouver. Mas cada escolha evidentemente gera suas próprias seqüelas jurídicas, produzindo efeitos, também, no plano sucessório, pois pode se submeter à sucessão legal ou optar por fazer uma deixa testamentária. Recurso desprovido. (TJRS – Apelação Cível nº 70055524748 – Osório – 7ª Câmara Cível – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – DJ 03.09.2013)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO E DES.ª SANDRA BRISOLARA MEDEIROS.

Porto Alegre, 28 de agosto de 2013.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – Relator.

RELATÓRIO

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (Relator):

Trata-se da irresignação da SUCESSÃO DE LINDOMAR M.S, representada pelos seus herdeiros, com a r. sentença que julgou procedente a ação de reconhecimento de união estável que lhe move TEREZINHA G.J.S. no período de 1º de janeiro de 2000 a 23 de setembro de 2012.

Sustentam os recorrentes inexistir prova suficiente para o reconhecimento da alegada união estável, ponderando que o falecido convivia com a sua esposa Cecília e com seus filhos até a data da sua morte. Dizem que eles ainda eram casados e que a esposa era sua dependente no IPERGS. Afirmam que a prova dos autos é insuficiente para agasalhar o reconhecimento da união estável entre a recorrida e o falecido. Pretendem seja a ação julgada a improcedente. Pedem o provimento do recurso.

Intimada, a recorrida ofereceu contra-razões afirmando que a prova coligida demonstrou cabalmente a união estável e pede o desprovimento do recurso.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pela confirmação da sentença.

Foi observado o disposto no art. 551, § 2º, do CPC.

É O RELATÓRIO.

VOTOS

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (Relator):

Estou confirmando a douta sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

Com efeito, observo que, inequivocamente, houve um relacionamento amoroso entre o casal, e, embora nem todo o relacionamento amoroso constitua união estável, há que se atentar para as peculiaridades do relacionamento entretido entre a autora e o falecido.

Assim, para que uma relação possa ser qualificada como união estável, que é entidade familiar, é imperioso que se verifiquem, de forma clara e insofismável, as suas características peculiares postas no art. 1.723 do Código Civil, que são (a) a diversidade de sexos, (b) a convivência pública, contínua e duradoura, (c) estabelecida com o objetivo de constituição de uma família.

Pode-se afirmar que a união estável corresponde a um casamento de fato. Enquanto a entidade familiar que inicia com o casamento é comprovada pela mera exibição da certidão respectiva, a união estável reclama cuidadosa apuração dos fatos, mercê dos gravíssimos efeitos jurídicos dela resultantes. E, para que uma relação seja reconhecida como união estável, é imprescindível a cabal demonstração de todos os seus requisitos.

POR ESSA RAZÃO, É QUE O PRÓPRIO LEGISLADOR CONSTITUINTE APRESSOU-SE EM APONTAR NO ART. 226, §3º, QUE “PARA EFEITO DE PROTEÇÃO DO ESTADO, É RECONHECIDA A UNIÃO ESTÁVEL ENTRE O HOMEM E A MULHER COMO ENTIDADE FAMILIAR, DEVENDO A LEI FACILITAR A SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO”.

Ora, assim como ocorre com o casamento, também a união estável reclama um período anterior de aproximação, que vai do conhecimento, passa pelo namoro, configura um pré-compromisso e, enfim, se estabelece a própria entidade familiar, a partir da efetiva comunhão de vida, valendo gizar que lei não trata de proteger o amor, nem os amantes, mas sim a família resultante dessa relação.

Na união estável, o relacionamento marital passa a ser reconhecido quando o casal exterioriza insofismavelmente a intenção de constituir uma família com uma plena comunhão de vidas.

Por serem as uniões estáveis fatos da vida, com múltiplas peculiaridades, as relações não observam necessariamente um modelo paradigmático. Cada relação é única e, por essa razão, cuida-se de examinar os sinais externos, isto é, a projeção do relacionamento no contexto social, ou seja, a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de uma família.

Por essa razão é que o fato da coabitação, evidenciada pela moradia comum, sob o mesmo teto, constitui fortíssimo indicativo da união estável, assim como, o fato do casal não residir sob o mesmo teto constitui também evidente indicativo de que o casal não pretende constituir uma família… É que, se o casal não estabelece o ninho, a sede da família, a base material do casamento, tudo indica que inexistia a intenção de constituir um núcleo familiar.

Do exame da prova coligida (fls. 10/16 e 111/112), verifica-se que, efetivamente, o relacionamento amoroso envolvendo a autora e o falecido configurou uma união estável, pois era pública e notória a convivência deles como um casal, inclusive perante os familiares, vizinhos e amigos.

Com tais considerações, estou acolhendo, os argumentos postos no parecer do Ministério Público, de lavra do eminente PROCURADOR DE JUSTIÇA RICARDO VAZ SEELIG, que peço vênia para transcrever, in verbis:

No mérito, entende o Signatário que o recurso merece ser desprovido.

Ao contrário do alegado, os elementos probatórios trazidos ao feito não deixam dúvidas de que o relacionamento havido entre Lindomar e Teresinha Goreti preenchia os requisitos legais, pois acompanhado de convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família.

Os depoimentos prestados em juízo, bem como a prova documental juntada com a inicial corrobora a tese da demandante, no sentido de que o relacionamento perdurou por, aproximadamente, 12 anos. Ademais, não há nenhum outro elemento nos autos que contraponha a versão sustentada pela demandante.

Os apelantes, por sua vez, embora inconformados com a sentença, não apresentaram motivo suficiente para sua reforma. Ao longo da instrução do feito, ainda que tivesse oportunidade, não lograram comprovar a inexistência do direito alegado pela apelada. O fato de o de cujus não ter se separado judicialmente, por si só, não impossibilita o reconhecimento da união vivida com Teresinha, porquanto restou amplamente demonstrado nos autos que Lindomar estava separado de fato de Cecília, sua primeira esposa.

Nessa linha, cumpre transcrever alguns trechos da bem lançada sentença da lavra da Juíza de Direito, Dra. Letícia Bernardes da Silva, assim expressos:

“(…) Em suma, o conjunto probatório deixa evidente que a relação estabelecida entre a autora e o falecido Lindomar, do ano de 2000 até a morte deste, ocorrida em 23 de setembro de 2012, efetivamente, possuiu affectio maritalis”.

Com efeito, restou claramente comprovado pelo contexto probatório a manutenção, entre o falecido Lindomar e a demandante Teresinha Goreti, motivo pelo qual constato que o relacionamento por eles mantido possui contornos maiores do que o de um namoro ou de um caso extraconjugal.

(…) Além das fotografias colacionadas pela autora, o documento das fls. 10/12 demonstra que Maria Goreti e Lindomar eram titulares que uma conta-poupança conjunta, o que corrobora a existência da alegada vida em comum.

Neste mesmo sentido, ainda, a certidão da fl. 12, em que o casal fora testemunha de um enlace matrimonial, bem como documento da fl. 14, o qual demonstra que Lindomar autorizou a requerente a movimentar seu crediário na loja Bazar Cinderela.

Outrossim, a prova oral também consubstanciou a existência da união estável entre a autora e o falecido Lindomar. (…)” (fls. 111-112)

Sendo assim, correto o Juízo a quo, ao declarar a existência da união estável havida entre Teresinha Goreti e o de cujusLindomar, visto que a autora/apelada desincumbiu-se do ônus que lhe cabia de comprovar a existência do relacionamento no período alegado.

4. DIANTE DO EXPOSTO, o Ministério Público manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.

DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO (REVISORA) – De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª SANDRA BRISOLARA MEDEIROS – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE E RELATOR) – Presidente – Apelação Cível nº 70055524748, Comarca de Osório: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6045 I 23/9/2013.

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