Entrevista: Maria Berenice Dias

A advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, esteve na segunda-feira, 17, na sede nacional do IBDFAM, em Belo Horizonte, e falou sobre os desafios e tendências do Direito das Famílias. Confira a entrevista:

Quais foram as principais vitórias das últimas duas décadas na área de Direito de Família?

Temos que reconhecer que essas mudanças foram muito significativas e que praticamente todas elas se devem ao IBDFAM. Houve toda uma tomada de posição. Acho que o que mudou foi isso: a busca de um olhar mais atual às questões de família, porque a lei é retardatária, a lei vem depois do fato, a lei tenta enquadrar as pessoas dentro de um determinado comportamento – as pessoas devem agir de determinada forma. Quando alguma coisa chega na Justiça, a tendência do Juiz sempre foi sair correndo para ver se a questão que está ali está dentro da lei ou não; se não está dentro da lei, a solução sempre foi extinguir o processo.

O movimento que surgiu, alavancado por esse novo panorama trazido pela Constituição Federal, foi nos apropriarmos dessa ideia de que o conceito de família está dentro da Constituição Federal. E via Constituição Federal, com essa redesignação da família, da dignidade da pessoa humana, a pessoa passou a ser mais valorizada do que a instituição do casamento. Antigamente, as pessoas precisavam ficar dentro do casamento para preservar o casamento; hoje em dia, não; as pessoas, mesmo fora do casamento, vão em busca dos seus direitos.

Houve essa verdadeira mudança de paradigmas e isso levou a um grande avanço no Direito de Família, a ponto de passar a se chamar Direito das Famílias. Acabou-se albergando neste conceito várias estruturas de convívio que, historicamente, por um conservadorismo muito ligado a questões de ordem religiosa, estavam alijados de reconhecimento, condenados à invisibilidade. Porque tudo que não está dentro de um sistema jurídico, dentro do guarda-chuva do legislador, o que está fora, não é reconhecido, é invisível. Essa mudança foi muito significativa: se perceber que as pessoas encontram outras formas de conviver e que mesmo que não correspondam a esses modelos estabelecidos, de uma maneira que eram muito fechados, não mereçam ser reconhecidas como família. Eu vejo esse alargamento bem atenta com a realidade da vida, porque de fato as coisas são desta maneira.

E quais seriam os principais desafios da área para os próximos anos?

Ainda temos muito que avançar, porque toda mudança é um caminhar rumo ao desconhecido e isso gera nas pessoas um certo temor. O espaço de conforto é onde as pessoas se encontram, e qualquer coisa fora disso abre uma certa reação. Isso é uma coisa natural do ser humano, o ser humano tem medo do desconhecido, tem medo de novas situações e é isso que dificulta um pouco o avanço. Para conseguir chegar e inserir e visualizar a segurança jurídica às formas de convívio que as pessoas encontraram, o ideal é se ter uma legislação, mas uma legislação que tenha um componente ético importante. Acho que essa foi uma das grandes mudanças. 

A legislação proibia, por exemplo, o reconhecimento dos filhos ilegítimos e isto acabava punindo os filhos nascidos de relações extramatrimoniais e livrando os pais de qualquer tipo de encargo. Enquanto as uniões extramatrimoniais, chamadas então de concubinato, não eram reconhecidas, acabava-se incentivando os homens a terem esse tipo de relacionamento, porque isso não gerava nada. A mesma coisa acontece com as famílias paralelas.  Essa é uma realidade aonde se precisa avançar, porque de fato elas existem e a Justiça está sendo conivente com quem tem duas famílias, pois incentiva isso à medida que não gera nenhuma obrigação para quem assim age, mantendo outra entidade familiar paralela. Isso tem que gerar responsabilidades.

Ainda há uma confusão com relação ao Estatuto das Famílias. Falam que este estaria conferindo direitos às amantes. Não. O conceito de amante é outro. São relações sexuais de forma eventual, que não estão ao abrigo do Direito porque não geram consequências jurídicas; está dentro da esfera da liberdade das pessoas de exercerem sua sexualidade, mas o que se busca com o Estatuto das Famílias é a responsabilização de quem mantém uma união paralela com as características legais de união estável, convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família. O que se busca é a responsabilização de quem assim age. Então, no que ainda precisamos avançar é fugir daqueles paradigmas, porque os referenciais mudaram. Família – isto já está na Lei Maria da Penha, inclusive – é uma estrutura íntima de afeto e neste conceito se albergam estruturas familiares fora do modelo homem – mulher. 

Antes, a família tinha finalidade de procriação, e agora não tem mais. Essa concepção era tão forte que famílias que não procriavam, os casamentos podiam ser anulados. Nisso se avançou e essas modernas técnicas de reprodução assistida que estão aí, à disposição de todos, mudou esse formato de família. Não vejo porque essas pessoas que se utilizam desses métodos procriativos não tenham também responsabilidades e direitos com relação aos filhos assim concebidos, como crianças que têm uma convivência familiar fora desse modelo, que são esses vínculos poliparentais. Não vejo porque crianças não possam ser adotadas por três irmãs que querem ser mães. Está se caminhando um pouco, fugindo dessa ideia do biologismo e valorizando o vínculo da afetividade, que é a verdadeira ética das famílias. Isso tem ressonância dentro do Direito, acho que temos que avançar ainda nesse sentido.

O que não funciona hoje no Direito de Família e como resolver essa questão?

O que mais falta avançar, onde há um descaso terrível, é com as crianças que estão depositadas nos abrigos à espera da adoção. Há uma falta de comprometimento do Estado. A chamada Lei da Adoção é desastrosa, gerou um temor nos juízes, buscou estabelecer cadastros para facilitar o processo de adoção, só que isto só está dificultando. Há ainda uma concepção biologista muito forte, está havendo uma leitura inconstitucional da busca da família extensa. O que tem que ser cumprido é a previsão constitucional de que a criança tem direito a convivência familiar – não é convivência com a família biológica. Essas crianças que a mãe não quer têm que ser imediatamente encaminhadas para adoção, sem falar da legião de crianças que está irregular; elas não têm nem chance de serem adotadas porque não constam no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). No momento, eu vejo essa como a maior chaga em termos de família no Brasil. Esse descaso, essa desatenção com as crianças abrigadas.

E com relação às crianças que não têm o nome do pai no registro de nascimento?

Por que as crianças não estão registradas? Em primeiro lugar, porque a mãe espera que o pai vá registrar e o pai não registra. Existem resoluções do CNJ que tentam resolver isso no sentido de a mãe ir registrar o filho só no nome dela ou dizer quem é o pai para desencadear um procedimento investigatório inoficioso, que não funciona no Brasil. Existe lei, mas não funciona.

Seria assim: o suposto pai é intimado; se ele vai e não reconhece, ou não vai, o processo é encaminhado ao Ministério Público; enquanto isso, a criança está sem registro e sem alimentos. O ideal seria que aqui acontecesse como já acontece no Peru, que quando a mãe indica o nome do suposto pai ele é intimado para proceder ao registro da criança ou para fazer o exame de DNA. Se ele não comparece ou não quer registrar, a criança deve ser registrada em seu nome, pois presume-se que ele é o pai. Se ele não é o pai, que entre com uma ação de negatória de paternidade para provar isso. Mas as crianças não ficariam sem registro.

Ao final da entrevista, a jurista Maria Berenice Dias deixou a seguinte mensagem aos membros do IBDFAM:

“O IBDFAM, mais do que um instituto, é um movimento. Um movimento vanguardista. E as pessoas que integram este movimento têm que ter uma maior consciência da sua enorme responsabilidade. O IBDFAM existe na medida em que nós somos protagonistas de reformas. Fizemos muito até agora, mas ainda temos muito o que fazer. Isso depende muito da participação efetiva de cada membro. Essa é a mensagem que eu quero passar para os associados: não seja apenas um associado, seja um agente transformador”.

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Maria Berenice Dias é Vice-presidente nacional do IBDFAM.

Fonte: IBDFAM | 20/11/2014.

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Um novo Direito de Família que se projeta – Por Mário Luiz Delgado

* Prof. Dr. Mário Luiz Delgado

Está reaberto o debate em torno do projeto de lei que institui o chamado “Estatuto das Famílias”, reapresentado perante o Senado Federal pela Senadora Lídice da Mata, agora aperfeiçoado e sob nova roupagem. Esse projeto (PLS 470/13), como se sabe, desmembra do Código Civil o título que trata do Direito de Família e reestrutura toda a matéria, criando um estatuto autônomo.

Consentâneo com as realidades da vida, para as quais o Direito não pode fechar os olhos, o projeto busca soluções para conflitos e demandas familiares, a partir de novos valores jurídicos como o afeto, o cuidado, a solidariedade e a pluralidade. Optando pela celeridade, simplicidade, informalidade, fungibilidade e economia processual, a fim de proporcionar a efetiva concretização dos princípios constitucionais, abre as portas do sistema jurídico-positivo para as novas demandas surgidas nas relações de família, como é caso da paternidade socioafetiva, do abandono afetivo, da alienação parental e das famílias recompostas, simultâneas ou não.

Quando da apresentação da primeira versão projeto, em 2007, manifestei, em carta aberta divulgada em diversas publicações, posteriormente transformada em artigo e em capítulo de livro1, posição contrária à iniciativa. A contrariedade, no entanto, era restrita ao aspecto formal. Explico: talvez imbuído da paixão pelo Código Civil de 2002, decorrente da minha atuação direta no processo legislativo junto à ultima relatoria do projeto, tinha dificuldade em aceitar qualquer alteração relevante do Código, especialmente essa, que iria suprimir do regramento codificado toda uma disciplina jurídica. Defendia ser mais conveniente e oportuno reformar o próprio Código Civil no lugar de começar do zero, tentando criar um código novo, e que todas as inovações do Estatuto poderiam, com muito mais facilidade, ser inseridas no Código Civil.

Portanto, em momento algum, me opus à necessidade de modernização do Direito de Família tal como proposto, no mérito, pelo PL 470/13. Aliás, modernização que é imperativa, face às grandes transformações legislativas ocorridas na última década, tais como as leis 11.698 (guarda compartilhada), 11.804 (alimentos gravídicos), 11.924 (acréscimo do sobrenome do padrasto ou madrasta), 12.010 (adoção) e a EC 66/10.

Passados os anos, e com o peso da experiência que transforma certezas em dúvidas, hesito, agora, sobre a correção da minha posição anterior. Como defendo em meu livro “Codificação, descodificação e recodificação do direito civil brasileiro”, a evolução do Direito é sempre marcada por movimentos cíclicos e alternados de concentração e de fragmentação ou dispersão das fontes. O desenvolvimento da sociedade, a causar o envelhecimento natural dos códigos, gera, em contrapartida, a necessidade de se regulamentar a lattere do código toda uma gama de novas questões. Esse processo de dispersão das fontes sempre se sucede ao processo de codificação.

O Direito de Família realmente possui institutos que o diferenciam, de forma muito peculiar, dos demais ramos, especialmente pela sua aderência direta e imediata às realidades da vida, que de tão diversificadas e mutáveis implicam a impossibilidade de o Código Civil albergar todas as demandas da família contemporânea. Sob esse aspecto, uma legislação unificada em forma de estatuto autônomo talvez venha a proporcionar uma hermenêutica mais harmônica dos princípios constitucionais e facilitar a sua concretização, tal como sustentado pelos elaboradores do projeto. Nos domínios da técnica legislativa, os estatutos são textos legais bastante semelhantes aos códigos, procurando disciplinar de modo completo e estanque uma determinada ordem de relações jurídicas. Implicam sempre na criação de direito novo, não tratando de condensar normas pré-existentes.

De qualquer forma, independentemente do aspecto formal da iniciativa legislativa, o fato é que o projeto, quanto ao seu conteúdo, representa notável avanço legislativo, à medida que incorpora no regramento positivado posições que atualmente só são acolhidas na jurisprudência, porém com considerável deficit na segurança jurídica. Isso porque a uniformização dessas questões só é obtida depois de muitos anos, quando decididas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Algumas dessas inovações, entretanto, estão sendo mal compreendidas. Veja-se o caso, por exemplo, do reconhecimento de certos direitos às chamadas entidades familiares paralelas. Os críticos ao projeto sustentam a impossibilidade jurídica dos arranjos familiares simultâneos, a exemplo de uniões estáveis paralelas, ou nomeadamente a concomitância de união estável e casamento, produzirem quaisquer efeitos jurígenos. Apegados ao dogma da família patriarcal, monogâmica e matrimonial, tais críticos esquecem as situações extraídas da realidade social e que vem sendo reconhecidas pela jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça, como de diversos tribunais estaduais, cada vez mais pujante no amparo das multifárias manifestações familiares, mesmo porque não cabe ao Estado exercer qualquer tipo de controle sobre o comportamento das pessoas na seara afetiva.

Cite-se, aqui, o julgamento do REsp 1.126.173/MG, de 9 abril de 2013, onde o STJ, para fins de aplicação da lei 8.009/90, decidiu que o devedor, possuindo entidades familiares simultâneas e concomitantes, tem estendida a impenhorabilidade do bem de família a ambos os imóveis utilizados como residência pelas famílias paralelas .

No julgamento da Apelação Cível 70022775605, a 8ª câmara Cível do TJ/RS reconheceu efeitos jurídicos também à união estável concomitante ao casamento não desfeito, com partilha de bens entre cônjuges e companheira.

No mesmo sentido, em demanda envolvendo uniões estáveis paralelas, colhe-se a seguinte manifestação em voto-vencedor do desembargador José Fernandes de Lemos, da 5ª câmara Cível do TJ/PE, na Apelação Cível 296.862-5:

“No caso em análise, há que se atentar para o fato evidente de que, se o varão esteve no vértice de uma relação angular com duas mulheres, duas casas e duas proles, preenchendo em ambos os núcleos o papel de marido, de provedor e de pai, é que cultivava a compreensão pessoal de que podia integrar duas famílias, e, no seu íntimo, nutria a aberta intenção de fazê-lo.

(…)

Tais circunstâncias, se analisadas com a devida isenção de ânimo, demonstram o caráter familiar da união amorosa mantida pela autora-apelante, que em nada se assemelha às relações clandestinas e furtivas, de finalidade meramente libidinosa. Assim, configurando-se a formação de autênticos núcleos familiares simultâneos, não há razão jurídica para que se exclua um deles da tutela estatal, desmerecendo-o e relegando-o à plena desconsideração, ou, quando muito, à tutela do direito obrigacional.”

E antes que se deturpe o sentido desta minha manifestação, para transformá-la em uma espécie de ode à poligamia, ressalto o meu pleno convencimento da permanência do princípio monogâmico como um dos princípios basilares do nosso Direito de Família legislado, ao lado da afetividade, da busca da felicidade, da isonomia de gênero e do melhor interesse da criança e do adolescente. Ocorre que todo e qualquer princípio está sujeito à colisão com outros princípios e até mesmo com outras regras, submetendo-se, portanto, a contínua e permanente operação de ponderação. A convivência dos princípios é sempre tensa, conflitual e, por isso, não pode o princípio da monogamia impedir o reconhecimento de determinados direitos, especialmente quando estiver em jogo o macro princípio da dignidade da pessoa humana. Os princípios colidentes coexistem, deixando de ser aplicados em um caso ou em outro, de acordo com o seu peso ou sua importância naquela situação concreta, mas permanecendo no ordenamento.

Da mesma forma que se reconhecem direitos ao casamento putativo, a despeito de sua nulidade absoluta, em prol do princípio da boa fé, é de se reconhecer também juridicidade às uniões paralelas quando, através de uma operação de ponderação e sopesamento, se puder afastar o princípio monogâmico no caso concreto.

O que se verifica, como tendência jurisprudencial, portanto, é a proteção da família em seu sentido mais amplo, abrangendo, inclusive, a multiplicidade da entidade familiar, em hipóteses excepcionais.

Enfim, se o projeto 470/13 puder ser aperfeiçoado, o momento é este. E nesse sentido, o IASP, através de sua Comissão de Estudos de Direito de Família e das Sucessões, estará, oportunamente, se debruçando sobre o texto.

Concorde-se ou não com a iniciativa da Senadora Lídice da Mata e do IBDFAM, não se pode lhe retirar o mérito de trazer luzes a um debate tão instigante quanto apaixonante, como sói acontecer com todas as questões de família.

__________

1 DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 466-469.

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* O autor é advogado e parecerista.

Fonte: Site Mário Luiz Delgado.

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Jurisprudência mineira – Agravo de instrumento – Ação negatória de paternidade em face do pai registral – Preliminares afastadas – Exame de DNA dirigido contra suposta avó paterna

DIREITO DE FAMÍLIA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE EM FACE DO PAI REGISTRAL – PRELIMINARES AFASTADAS – EXAME DE DNA DIRIGIDO CONTRA SUPOSTA AVÓ PATERNA – DESNECESSIDADE QUANDO O PAI REGISTRAL NÃO FOI SUBMETIDO AO EXAME – RECURSO PROVIDO

– O STJ tem entendido que é cabível a propositura da ação de investigação de paternidade pelo neto, filho do suposto pai, já falecido, contra os eventuais avós.

– Dúvida não há de que o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, sendo inaplicável, ainda que por analogia, qualquer prazo decadencial ou prescricional.

– A análise prematura da incompetência relativa por este Tribunal, além de configurar supressão de instância, poderá ocasionar tumulto processual, na medida em que a questão ainda não foi solucionada em primeiro grau.

– "Tendo em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, verifica-se que a ambivalência presente nas recusas de paternidade é particularmente mutilante para a identidade das crianças, o que impõe ao julgador substancial desvelo no exame das peculiaridades de cada processo, no sentido de tornar, o quanto for possível, perenes os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento" (STJ – REsp 1003628).

– Existindo dúvidas acerca da existência de vínculo biológico com o pai registral, há que se examinar o pedido de negativa de paternidade para, posteriormente, se adentrar o pedido investigatório post mortem.

– Assim, em não tendo o pai registral se submetido ao exame de DNA, subverte a lógica processual a submissão de suposta avó paterna ao teste, sob o argumento de que se trata de genitora daquele que seria o verdadeiro pai da autora.

Rejeitar preliminares e dar provimento.

Agravo de Instrumento Cível nº 1.0407.12.003103-1/001 – Comarca de Mateus Leme – Agravante: A.M.M. – Agravado: R.J.S. – Interessado: J.B.P.S. – Relator: Des. Luís Carlos Gambogi

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 8 de maio de 2014. – Luís Carlos Gambogi – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. LUÍS CARLOS b GAMBOGI – Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por A.M.M. contra a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Mateus Leme, que, nos autos da ação negatória de paternidade ajuizada por R.J.S., deferiu o pedido de prova pericial, determinando a expedição de alvará para a realização de exame de DNA.

Sustenta a agravante que a decisão merece reforma, já que, antes de submetê-la à realização do DNA, há a necessidade de provar que o primeiro réu, pai registral, não é o pai biológico da agravada. Afirma contar com mais de 95 (noventa e cinco) anos de idade e que são fundamentais a garantia e a preservação do seu direito de inviolabilidade, princípio maior da dignidade da pessoa humana. Alega que, nos autos, não consta qualquer prova ou indício da suposta paternidade e que obrigá-la ao exame de DNA é atentar contra a intangibilidade de seu corpo. Aduz que a negativa de paternidade é contra o pai registral, não sendo justo que quem não participou do registro, e tem certeza absoluta de que o filho não teve convivência com a mãe da agravada, seja constrangida a submeter-se a uma perícia médica, notadamente porque a negatória de paternidade é dirigida ao pai, e não à suposta avó paterna. Com essas considerações, requer seja concedido efeito suspensivo ao recurso e, ao final, que lhe seja dado provimento, até decisão do recurso.

Decisão agravada à f. 91.

Contraminuta às f. 125/129.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se, às f. 188/193, pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

De início, observo que a agravante atravessou petição às f. 108/117, alegando, dentre outras questões, a sua ilegitimidade passiva, a incompetência do Juízo de Mateus Leme para o julgamento do presente feito, a decadência do direito da autora, a necessidade de nomeação de curador ao corréu e o descabimento do exame de DNA no caso presente.

Afirmou, ainda, ter oferecido exceção de incompetência em primeiro grau, não tendo o ilustre Magistrado apreciado a matéria, bem como determinado a suspensão do feito, nos termos do art. 306 do CPC.

Pois bem!

Primeiramente, registro que é sabido e ressabido que a legislação processual civil não admite enxertia em sede de agravo de instrumento, em função do princípio da unirrecorribilidade recursal e diante da preclusão consumativa, razão pela qual não pode a recorrente se valer de petição, apresentada em momento processual posterior à protocolização do recurso, para apresentar alegações, a fim de fazer valer seu direito.

Contudo, no caso específico dos autos, considerando que as matérias suscitadas são de ordem pública, uma vez que afetas à legitimidade, à decadência e à incompetência, passo a analisá-las.

Preliminares.

Passo, inicialmente, ao exame da preliminar de ilegitimidade passiva.

Desde já, registro que não há falar em ilegitimidade passiva, considerando tão somente o título dado à causa, mormente porque o nomen iuris informado é elemento acessório, não se destacando entre os requisitos elencados no art. 282 do CPC.

No caso dos autos, o nomen iuris conferido à causa foi "ação de negativa de paternidade".

Não obstante tal denominação, certo é que o feito se refere à investigação de paternidade c/c a desconstituição da filiação, já que o objeto da lide assenta-se, precipuamente, na ocorrência de falsidade no registro.

De fato, a hipótese sob análise não trata apenas de desconstituição da filiação, mas também de investigatória de paternidade post mortem, em que é a filha pretende ver declarado quem é seu verdadeiro pai.

Havendo pedido de investigação de paternidade, em que a pessoa indicada como suposto pai se encontra morta, o réu será, naturalmente, um de seus ascendentes ou descendentes.

Trata-se de solução jurídica que privilegia o exercício de direito fundamental à busca da identidade genética, de forma a tornar efetivos outros direitos, como o direito à igualdade entre os filhos e o direito à personalidade, bem como o princípio da paternidade responsável.

Do contrário, seria impossível a investigação de paternidade post mortem, o que inviabilizaria o próprio reconhecimento do direito ao estado de filiação e à origem genética, fundados no princípio da dignidade da pessoa humana.

Diante desses fundamentos, o STJ tem entendido ser cabível a propositura da ação de investigação de paternidade dos netos em face dos avós; ou seja, os filhos do suposto pai, já falecido, podem propor a ação de investigação de paternidade, tendo os avós no polo passivo.

Sobre a matéria, colaciono jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“Civil e processual. Ação investigatória de paternidade movida contra os avós, por já falecido o suposto pai. Recusa em se submeter ao exame de DNA. Sentença que julgou improcedente a ação, com base nas demais provas. Acórdão que, em face da recusa, inverte o resultado, baseado em confissão ficta dos avós, com omissão no exame do contexto fático restante. Impossibilidade. Contradição verificada entre voto e ementa, no tocante à fertilidade, por afirmá-la sem manifestação expressa a respeito da prova da vasectomia. Nulidade. CPC, arts. 131 e 535, I e II. I. – O julgamento da ação de investigação de paternidade deve obrigatoriamente considerar todo o contexto probatório trazido aos autos, e não apenas a recusa dos investigados em submeterem-se ao exame de DNA, que, embora constituindo prova desfavorável, pela presunção que induz de que o resultado, se realizado fosse o teste, seria positivo em relação aos fatos narrados na inicial, sofre, no caso dos autos, razoável enfraquecimento, por se cuidar de processo movido apenas contra os supostos avós – porque já falecido o suposto pai -, a demandar, por isso mesmo, minucioso exame dos fatos pelo Tribunal de Justiça, já que, na sentença, tais elementos, minuciosamente examinados pelo Magistrado de 1ª instância, foram tidos como insuficientes à procedência da demanda. II. 

Ressalvas de fundamentação em votos vogais. III. Verificado, assim, que a Corte a quo, sem apreciar, como lhe cabe, a prova, omitiu-se a respeito, exclusivamente aplicando o princípio da confissão ficta contra os avós, inclusive incorrendo em contradição entre a ementa e o voto condutor, ao tecer afirmações sobre a fertilidade do de cujus, filho dos réus, impõe-se a nulidade do julgamento, para que outro seja proferido, suprindo as faltas apontadas. IV. Recurso especial dos réus conhecido em parte e parcialmente provido, prejudicado o recurso da autora” (REsp 292.543/PA – Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior – Quarta Turma – j. em: 05.12.2002 – DJ de 08.09.2003, p. 332).

Por fim e apenas por amor ao debate, convém destacar que doutrina e jurisprudência majoritárias afirmam caber apenas ao pai o ajuizamento da negatória de paternidade, nos termos do art. 1.601 do Código Civil:

“Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação”.

Contudo, imperativo lembrar que a ação negatória de paternidade e a ação de desconstituição de filiação possuem o mesmo provimento, qual seja o de desconstituir a paternidade.

Nesse ínterim, deve o julgador admitir a ação deduzida sob o nome de ação negatória de paternidade tanto pelo pai como pelo filho, já que ambas visam à anulação de registro civil, em homenagem aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da celeridade processual.

Nesse sentido, é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

“Direito de família. Ação negatória de paternidade. Descaracterização. Ação declaratória de inexistência de filiação. Anulação de registro de nascimento por vício de vontade. Legitimidade ativa do suposto pai e de qualquer pessoa que tenha interesse econômico e moral. Precedentes do STJ. Cumulação de medidas de natureza cautelar ao processo principal. Possibilidade. Recurso provido para cassar a sentença. – Na ação negatória de paternidade, prevista no art. 1.601 do CC/02, o objeto está restrito à impugnação da paternidade dos filhos havidos no casamento, e a legitimidade ativa para sua propositura é apenas do marido, que possui o vínculo matrimonial necessário para tanto. Na hipótese, contesta-se a paternidade de filho concebido fora do matrimônio, o que aponta a inadequada incidência do art. 1.601 do CC/02 à espécie. – O pedido de anulação de registro de nascimento, fundamentado em falsidade ideológica do assento, encontra amparo na redação do art. 1.604 do CC/02, cuja aplicação se amolda ao pedido exposto na exordial. – Não se tratando de negatória de paternidade, mas de ação declaratória de inexistência de filiação, por alegada falsidade ideológica no registro de nascimento, não apenas o pai é legítimo para intentá-la, mas também outros legítimos interessados. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça” (Apelação Cível 1.0261.10.001292- 9/001 – Relator: Des. Mauro Soares de Freitas – 5ª Câmara Cível – j. em: 27.01.2011 – p. em 08.02.2011).

“Direito de família. Ação negatória de paternidade. Legitimidade do pai registral para intentar ação que pretende a desconstituição da paternidade. – Sobre a legitimidade ativa para a propositura da negatória de paternidade, em que pese o art. 1.601 do CC estabelecer que ‘cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível’, doutrina e jurisprudência majoritária são uníssonas em afirmar que cabe ao pai o ajuizamento da negatória de paternidade, ainda que este não seja casado com a genitora do filho que se deseja desconstituir a paternidade. – Ressalta-se que o mesmo provimento da negatória de paternidade, qual seja a desconstituição da filiação, pode ser deduzida em Juízo sob o nome de ação anulatória de registro civil, tanto pelo pai como pelo filho. – O magistrado deve deixar de lado o excesso de formalismo jurídico, buscando o cumprimento dos princípios da economia processual e da celeridade processual, pois a moderna concepção de processo é sustentada justamente pelos princípios da economia, da instrumentalidade e da celeridade processual, determinando o aproveitamento máximo dos atos processuais, principalmente quando não há prejuízo para a defesa das partes” (Apelação Cível 1.0035.09.152971-5/001 – Relator: Des. Dárcio Lopardi Mendes – 4ª Câmara Cível – j. em: 22.04.2010 – p. em 18.05.2010).

Assim, por todos os fundamentos trazidos, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.

Seguindo em frente, no que se refere à decadência do direito da autora, razão não assiste à recorrente, data venia. 

Fora de dúvida que a anulação do registro anterior é mera consequência do eventual reconhecimento da paternidade biológica, não havendo falar em aplicação de prazo decadencial de anulação de registro civil a inviabilizar o direito ora perseguido.

Assim vem decidindo iterativamente o colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade c/c petição de herança e anulação de partilha. Decadência. Prescrição. Anulação da paternidade constante do registro civil. Decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade. Citação do pai registral. Litisconsórcio passivo necessário. – Não se extingue o direito ao reconhecimento do estado de filiação exercido com fundamento em falso registro. – Na petição de herança e anulação de partilha, o prazo prescricional é de vinte anos, porque ainda na vigência do CC/16. – O cancelamento da paternidade constante do registro civil é decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade, o que torna dispensável o prévio ajuizamento de ação com tal finalidade. – Não se pode prescindir da citação daquele que figura como pai na certidão de nascimento do investigante para integrar a relação processual na condição de litisconsórcio passivo necessário. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido" (STJ – 3ª Turma – REsp 693230/MG – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – DJ de 02.05.2006).

Ademais, o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, sendo inaplicável, ainda que por analogia, qualquer prazo decadencial ou prescricional.

Diante do exposto, rejeito a preliminar de decadência.

Por fim, analiso a preliminar de incompetência.

No que se refere à preliminar, noticiou a recorrente ter oferecido exceção de incompetência em primeiro grau, não tendo o ilustre Magistrado apreciado a matéria, ou determinado a suspensão do feito, nos termos do art. 306 do CPC.

Não obstante tais alegações, nada há que ser tecido por este juízo de revisão sobre a questão, em respeito ao devido processo legal.

Não se pode perder de vista que a análise prematura da matéria por este Tribunal, além de configurar supressão de instância, poderá ocasionar tumulto processual, na medida em que a questão nem sequer foi debatida em primeiro grau. 

Isso porque a exceção de incompetência relativa aforada, mas ainda não apreciada, vindo a ser objeto de decisão, poderá ser questionada mediante recurso próprio, não havendo falar em prejuízo à agravante.


Por outro lado, forçoso reconhecer que este Juízo de revisão deve se ater aos limites da decisão agravada, que apenas tratou de determinação da expedição de alvará para a realização de exame de DNA.

Com efeito, rejeito a preliminar de incompetência e passo ao exame do mérito.

Mérito.

Inicialmente, aponto que o nó górdio destes autos se resume à necessidade da produção de prova pericial e a consequente expedição de alvará para a realização de exame de DNA pela recorrente.

Conforme já enfatizado, a ação de investigação de paternidade trata de direito personalíssimo, de natureza pública, sendo matéria afeta ao estado das partes.

Conforme enuncia o art. 1.604 do Código Civil, somente é possível a revogação da paternidade quando o registro decorrer de erro ou falsidade, in verbis:

“Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.

Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça assentou que "O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o ‘pai registral’ foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou, ainda, que tenha sido coagido a tanto" (REsp 1229044/SC – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – j. em: 04.06.2013 – DJe de 13.06.2013).

Em verdade, a lógica trazida pelo ordenamento jurídico brasileiro, reconhecida pela doutrina e jurisprudência, é a de que se impõe a desconstituição inicial da paternidade registral para, só posteriormente, emergirem as condições que permitam buscar a real identidade genética da parte.

Em outras palavras, existindo dúvida acerca da existência de vínculo biológico com o pai registral, há que se examinar o pedido de negativa de paternidade para, posteriormente, se enveredar pelos meandros do pedido investigatório.

Isso porque, mesmo que reconhecida a ausência de vínculo biológico, nas causas em que o Poder Judiciário fora chamado a se posicionar, é possível prevalecer a paternidade socioafetiva do pai registral sobre a biológica, principalmente quando as peculiaridades do caso concreto indicarem ser a medida a que melhor espelha a justiça, o que torna prejudicada a questão relativa ao vínculo genético.

No caso vertente, após muito refletir e analisar os fatos narrados, estou em que a submissão da avó paterna ao exame de DNA somente se justificaria caso tivesse sido reconhecido não ser o pai registral o pai biológico da autora.

Não se me parece inteligente permitir a inversão das fases processuais para, antes que se resolva a matéria afeta à negativa de paternidade, determinar que quem não participara do registro, sem qualquer evidência nos autos de que seu filho tivera convivência com a mãe da agravada, seja constrangido a submeter-se a uma perícia médica.

Assim, em não tendo o pai registral se submetido ao exame de DNA, reputo desaconselhável a submissão de suposta avó, cujo filho já faleceu, ao teste de DNA, sob o mero apontamento de que se trata da genitora daquele que seria o pai biológico da autora.

Entendo que a agravante somente deve ser compelida a realizar o exame de DNA após reconhecido que o pai registral não é seu pai biológico.

Nesse mesmo sentido, colaciono:

“Apelação cível. Investigação de paternidade. Ausência de indício da relação entre a genitora e o investigado. DNA. Comparação do material genético do investigante e supostos avós paternos. Excepcionalidade não configurada. Sentença confirmada. – Deve ser confirmada a sentença que julga improcedente o pedido de reconhecimento de paternidade se o autor não se desincumbiu do ônus da prova, previsto no art. 333, I, do CPC. – A determinação de perícia para comparação do material genético do investigante em face dos supostos avós paternos é medida excepcional, admitida somente em ação de investigação de paternidade post mortem, em que os familiares do de cujus figurem no polo passivo” (Apelação Cível 1.0126.06.005283-7/001 – Relator: Des. Afrânio Vilela – 2ª Câmara Cível – j. em: 25.09.2012 – p. em 05.10.2012).

Diante do exposto, entendo que razão assiste à recorrente em não concordar com a perícia, pelo menos no presente momento, em que o pai registral nem sequer foi ouvido nos autos, não tendo também se submetido ao referido exame.

Isso posto, após debruçar-me detidamente sobre os elementos fáticos e probatórios constantes dos autos, na esteira do que restou defendido pelo digno representante do Ministério Público, rejeito as preliminares e dou provimento ao recurso, para reformar a decisão que determinou à agravante a submissão a exame de DNA.

Custas, ex lege.

DES. BARROS LEVENHAGEN – De acordo com o Relator.

DES. VERSIANI PENNA – Sr. Presidente.

Rejeito as preliminares na esteira da d. Relatoria.

Quanto ao mérito, acompanho, in tontum, o preciso voto do eminente Relator, Desembargador Luís Carlos Cambogi, visto que eventual submissão da suposta avó biológica, ora agravante, ao exame de DNA está a depender da prévia desconstituição do registro civil da recorrida.

Com efeito, "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade", nos termos do art. 1.604 do Código Civil.

É cediço que o reconhecimento de filhos por meio de registro público é irrevogável, fazendo o registro presunção da paternidade declarada – presunção esta iuris tantum.

Nesse sentido, leciona Fabrício Zamprogna Matiello:

“[…] a filiação constante do termo de nascimento é oponível contra todos, sendo tomada, enquanto perdurar a presunção como verdade insuscetível de contestação por quem quer que seja. A ninguém se permite afirmar ou invocar estado diverso daquele que resulta do registro de nascimento, a menos que à alegação some-se prova cabal de ter havido erro ou falsidade quando da sua lavratura. A prevalência do registro é relativa; a lei preocupada em preservar a credibilidade dos assentos e da fé pública admite que qualquer pessoa legitimamente interessada (o próprio registrado, o cônjuge que não declarou o conhecimento, terceiro etc.) tenha acesso às vias ordinárias para vindicar estado contrário ao mencionado nos livros oficiais, mas exclusivamente nos casos de erro ou falsidade (MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comentado. 2. ed. São Paulo: LTR, 2005, p. 1.046).

Prossegue o autor:

“A relatividade da presunção de firmeza do conteúdo registral leva em consideração a existência de situações como a de falso registro de filho alheio como se fosse próprio, equívoco na apresentação dos elementos do assento (nome dos pais, por exemplo), e outras tantas, capazes de produzir a derrubada da verdade jurídica estabelecida pelas normas civilistas. Assim, o reconhecimento do erro e da falsidade constitui forma pertinente e eficaz de estabelecer a verdade das coisas, evitando a subsistência de informações cartoriais viciadas e potencialmente capazes de produzir danos ou constrangimentos a outrem” (Ibidem).

Assim, e porque o exame biológico ainda não foi realizado com o pai registral, que nem sequer fora ouvido nos autos, não vindo a ser desconstituído o assentamento civil, não se justifica, a priori, a submissão da agravante ao exame de DNA.

Ora, a ausência de vínculo biológico não desconstitui, por si só, a paternidade, se não comprovado vício de vontade na assunção da mesma, como bem ressalvou o eminente Relator, na esteira do entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1229044/SC – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – j. em: 04.06.2013 – DJe de 13.06.2013).

Ante o exposto, também dou provimento ao agravo de instrumento para reformar a interlocutória que determinou a submissão da agravante ao exame de DNA.

Custas, na forma da lei.

É como voto.

Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 07/11/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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