1ª VRP SP: Registro de Imóveis – Compromisso de compra e venda – Transferência da propriedade com prova de quitação

1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Compromisso de compra e venda – Transferência da propriedade com prova de quitação – Previsão do art. 26, §6º, da Lei 6.766/79 – Aplicação restrita aos casos em que o compromisso foi celebrado pelo próprio loteador – Aplicação da regra dos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil nas demais hipóteses – Caso concreto em que o compromisso foi firmado por terceiro – Necessidade de escritura de compra e venda para transferência da propriedade – Dúvida Procedente

Processo 1077880-52.2017.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

A. de J. J.

Compromisso de compra e venda – Transferência da propriedade com prova de quitação – Previsão do art. 26, §6º, da Lei 6.766/79 – Aplicação restrita aos casos em que o compromisso foi celebrado pelo próprio loteador – Aplicação da regra dos arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil nas demais hipóteses – Caso concreto em que o compromisso foi firmado por terceiro – Necessidade de escritura de compra e venda para transferência da propriedade – Dúvida Procedente.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 18º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de A. de J. J., após negativa de registro de compromisso particular de compra e venda, em conjunto de prova de quitação, com o objetivo de transferir a propriedade do imóvel de matrícula nº 41.229 da mencionada serventia.

Alega o Oficial que o óbice se deu pois, apesar de a Lei 6.766/79 permitir o registro do compromisso com prova de sua quitação, tal permissão só ocorre quando o compromisso for firmado pelo loteador do imóvel, conforme precedente da E. Corregedoria Geral da Justiça, sendo que no presente caso o compromisso foi firmado por terceiro, o que inviabiliza o uso do favor legal, exigindo-se que seja lavrada escritura de compra e venda. Juntou documentos às fls. 6/135.

O suscitado manifestou-se às fls. 136/141. Alega que o dispositivo legal deve ser interpretado de maneira extensiva, de modo a desjudicializar os conflitos existentes. Aduz não haver precedente que expressamente negue a possibilidade do registro quando o outorgante do compromisso não for o loteador. Argumenta que a atual proprietária é sociedade limitada com o nome da loteadora, o que demonstra não ter havido efetiva transferência do bem.

O Ministério Público opinou às fls. 145/146 pela procedência da dúvida.

O suscitado complementou informações às fls. 155/160 e 167/168.

É o relatório. Decido.

Em regra, o compromisso de compra e venda não tem o poder de, por si só, transferir a propriedade de um imóvel. Ele gera direito real com relação ao bem, no sentido de permitir que se exija do outorgante a lavratura de escritura de venda e compra definitiva. É este o título hábil a transferir o imóvel.

Nos termos do Código Civil:

”Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”
Como constou da Apelação Cível 1066059-56.2014.8.26.0100, Rel. Elliot Akel, Dje. 19/08/15:

”A leitura não dá margem a equívocos. A promessa de compra e venda – ou seja, o compromisso -, em que não conste cláusula de arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, desde que registrada, não confere ao promitente comprador o direito de propriedade, mas direito real à aquisição do imóvel.E como se dá essa aquisição? O art. 1.418 o diz. Por meio de escritura definitiva – após o pagamento do preço. Se ela não for outorgada, cabe ao promitente comprador requerer ao juiz a adjudicação compulsória.”

Exceções a tal regra devem ser interpretadas de maneira restritiva, uma vez que o registro de títulos diversos com o fim de se transferir a propriedade representa a perda de um direito real do antigo titular de domínio, que não pode se dar se não nas formas previstas na legislação.Uma destas exceções é aquela prevista no §6º do Art. 26 da Lei 6.766/79, que dispõe que “[o]s compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.”
E, justamente por se tratar de exceção, sua interpretação deve se dar no contexto da legislação em que prevista. Ou seja, a norma mencionada não pode ser interpretada como se afastasse o regramento dos compromissos de compra e venda previsto no Código Civil.

No contexto da lei em que inserida, a norma deve ser lida como aplicável apenas nos casos de parcelamento do solo.Não se ignora que o E. Conselho Superior da Magistratura, interpretando o dispositivo, firmou entendimento nos autos da Apelação Cível 0012161-30.2010.8.26.0604 de que o compromisso de compra e venda, em conjunto com prova da quitação, pode ser utilizado para a transferência de propriedade em qualquer tipo de loteamento, não apenas aqueles populares.Na mesma decisão, contudo, de Relatoria do E. Des. Maurício Vidigal, constou que:

”JOÃO BAPTISTA GALHARDO, após transcrever o teor do § 6º e consignar a validade dos compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, como títulos para o registro da propriedade, ressalva apenas que a validade limita-se à primeira transferência, do loteador para o primeiro adquirente, valendo transcrever: “Esse parágrafo aplica-se uma única vez com referência ao lote, ou seja, quando o domínio houver de ser transferido do loteador para o comprador” (grifo nosso)
E tal interpretação deve ser aqui utilizada. Isso porque, como dito acima, tratando-se de exceção, a aplicação do dispositivo deve se dar de forma restritiva, respeitados os limites lógicos da norma. E, tendo sido inserida na Lei 6.766/79, que trata de parcelamento do solo, então a aplicação da regra legal deve se dar nestes casos, ou seja, nos contratos celebrados pelo loteador com adquirentes dos lotes.

Estender tal entendimento seria negar vigência ao art. 1.418 do Código Civil, pois se retiraria a necessidade de lavratura da escritura de compra e venda em todos os casos, e não mais apenas naqueles relativos ao parcelamento do solo pelo loteador.

Também com isso em mente deve se dar a interpretação dos itens 287 e seguintes do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, no sentido de limitar sua aplicação aos contratos celebrados pelo loteador, até porque o item 287 fala em contrato padronizado, que nos termos do art. 18, VI, da Lei 6.766/79 deve ser realizado pelo loteador.

Em conclusão, a regra prevista no §6º do Art. 26 da Lei 6.766/79 deve ser interpretada para que se permita o registro do compromisso de compra e venda, com fins de transferir o domínio do bem, apenas quando o compromisso for lavrado pelo loteador. E, no presente caso, como consta da matrícula de fls. 07/09, os loteadores eram os proprietários do bem, J. C. de M. S. e M. do C. P. de M. S.. Assim, o compromisso de compra e venda poderia ser utilizado como título aquisitivo caso fosse por eles celebrado. Ocorre que os loteadores venderam o imóvel para J. M. do C. Empreendimentos Imobiliários Ltda., que foi quem efetivamente celebrou o compromisso de venda e compra com o ora suscitado.

Assim, descumprido o requisito acima exposto, não há a possibilidade de transferência da propriedade apenas como o compromisso particular de compra e venda e prova de sua quitação.

Destaca-se que houve a venda do bem pelos loteadores, em favor de sociedade com personalidade jurídica diversa, de modo que não se pode presumir a confusão entre eles, para se considerar a sociedade como loteadora. Portanto, correto o óbice apresentado pelo Oficial. Para superá-lo, poderá o suscitado utilizar da opção prevista no art. 1.418 do Código Civil, requerendo do compromissário vendedor a lavratura da escritura de compra e venda.

Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 18º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de A. de J. J.r, mantendo o óbice apresentado.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

(DJe de 23.11.2017 – SP)

Fonte: iRegistradores – DJE/SP | 04/12/2017.

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Artigo: PACTO PÓS-NUPCIAL: PARA RATIFICAR, APÓS AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, REGIME DE BENS ESCOLHIDO QUANDO DE CASAMENTO CELEBRADO NO EXTERIOR – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

*Letícia Franco Maculan Assumpção

1- Introdução

Como já esclarecido em artigo anterior[1], o pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinado a estabelecer regime de bens.

No Brasil, nos termos do parágrafo único do art. 1640 do Código Civil, o pacto antenupcial deve obrigatoriamente ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do Notário, conforme art. 6º da Lei nº 8.935/94. É indispensável o pacto antenupcial quando os nubentes quiserem adotar o regime da comunhão universal, o da participação final nos aquestos, o da separação convencional ou ainda qualquer outro regime, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de regimes diversos daqueles previstos no Código Civil.

Muito já se escreveu sobre o pacto antenupcial[2], mas o pacto pós-nupcial é novidade no Brasil e sua importância ainda está sendo, aos poucos, reconhecida, não se encontrando menção a tal ato jurídico na lei brasileira, apesar de já ser objeto de diversas decisões judiciais, que autorizam a sua lavratura.

 2- O pacto pós-nupcial

O pacto pós-nupcial é um acordo que rege o regime de bens vigente no casamento já celebrado. No Brasil, o pacto pós-nupcial poderá ser lavrado após autorização judicial específica, conforme estabelece o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP 1300205[3]: “o pacto pós-nupcial […] em nossa legislação, depende de aprovação do Poder Judiciário para que seja válido.” A jurisprudência, pois, já reconheceu a possibilidade de lavratura do pacto pós-nupcial, sendo que o RESP acima mencionado tratou da sua utilização para fins de alteração do regime de bens. Em artigo anterior, apresentamos sua utilidade também para fins de retificação de registro civil, caso assim seja determinado pelo Ministério Público, no processo de retificação de registro civil previsto no art. 110 da Lei de Registros Públicos[4]. Também poderia o pacto pós-nupcial ratificar um regime de bens escolhido quando de casamento celebrado no exterior? Essa questão será examinada no decorrer deste artigo.

3- Do exame de caso concreto em que foi autorizada a lavratura do pacto antenupcial para ratificar regime de bens escolhido no exterior

Caso concreto inédito ocorreu em Minas Gerais.  Um casal casou-se na Itália e naquele país optou pelo regime da SEPARAÇÃO DE BENS, a vigorar durante seu casamento.

A lei italiana não exige a celebração de pacto antenupcial para optar pelo regime da SEPARAÇÃO DE BENS, tendo a opção sido feita diretamente perante o Oficial do Estado Civil.

Registraram o casamento no Consulado Geral do Brasil na Itália e fizeram a transcrição do casamento no Brasil, mas nem no registro feito no Consulado, nem na transcrição foi esclarecido que o regime de bens escolhido era o da separação de bens[5].

O casal estava preocupado com a situação, bem como ciente dos problemas que poderia ter, pois no Brasil, para a escolha do referido regime da separação de bens, é obrigatória a lavratura de pacto e que, sempre que apresentassem a sua certidão de casamento, já transcrita, haveria questionamento sobre o regime de bens. Sendo assim, procuraram esta Tabeliã, apresentando o problema.

Esta Tabeliã, dentre as soluções possíveis, atenta ao princípio da liberdade, que rege o Direito de Família, e também aos princípios notariais da cautelaridade, da tecnicidade e da juridicidade[6], entendeu que a melhor opção seria a lavratura de pacto pós-nupcial, pois a sua apresentação em muito facilitaria os negócios que o casal no futuro viesse a realizar no Brasil, evitando transtornos e demora para esclarecimento da situação, razão pela qual solicitou autorização para sua lavratura ao Juízo competente[7], que assim decidiu:

“Considerando que os cônjuges já registraram o casamento no Brasil, mas que, em face do regime escolhido, de fato, haveria a necessidade, no nosso país, do pacto, a única forma de garantir que eles possam dar plena eficácia ao ato praticado no exterior, é através de sua complementação, aqui, com o pacto pós-nupcial, razão pela qual AUTORIZO SUA LAVRATURA”

Assim, foi lavrada a escritura de pacto pós-nupcial, para RATIFICAR a escolha pelo regime da separação de bens, de forma que a vontade do casal foi reconhecida no Brasil.

4 – Conclusão

O pacto pós-nupcial é uma realidade no Brasil e no mundo, apesar de não existir previsão do referido ato na legislação brasileira. No Brasil a doutrina e a jurisprudência já reconhecem a importância do pacto pós-nupcial para definição do novo regime de bens após autorização judicial, considerando a tendência da desjudicialização ou extrajudicialização. Também há a possibilidade de lavratura de pacto pós-nupcial para fins de correção de erro existente no registro civil, conforme já apresentado em artigo anterior[8], bem como para a ratificação de regime de bens escolhido quando de casamento celebrado no exterior, o que foi demonstrado no presente artigo.

A liberdade é um princípio fundamental no Direito de Família, correlacionando-se com o princípio da autonomia privada. O Poder Judiciário, os advogados e os notários e registradores devem atuar em conjunto para privilegiar a vontade e a liberdade das pessoas, garantindo também a segurança jurídica.

*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e dos livros Função Notarial e de Registro e Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil. É Diretora do INDIC – INSTITUTO NACIONAL DE DIREITO E CULTURA e Coordenadora da pós-graduação em Direito Notarial e Registral do CEDIN – CENTRO DE DIREITO E NEGÓCIOS. É Presidente do Colégio do Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB-MG.

[1] Ver artigo O PACTO PÓS-NUPCIAL: na alteração de regime de bens após autorização judicial e na retificação de registro civil, de autoria de Letícia Franco Maculan Assumpção e de Bernardo Freitas Graciano. Disponível em: http://www.notariado.org.br. Acesso em: 3 dez. 2017.

[2] Para aprofundamento, ver artigo de minha autoria O PACTO ANTENUPCIAL DE SEPARAÇÃO DE BENS QUANDO OS NUBENTES ESTÃO SUJEITOS À SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. Disponível em: < http://www.recivil.com.br/noticias>. Acesso em: 22 out. 2016.

[3] REsp 1300205 – Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – Data da Publicação 20/04/2015.

[4] Ver artigo O PACTO PÓS-NUPCIAL: na alteração de regime de bens após autorização judicial e na retificação de registro civil, de autoria de Letícia Franco Maculan Assumpção e de Bernardo Freitas Graciano. Disponível em: http://www.notariado.org.br. Acesso em: 3 dez. 2017.

[5] A Resolução nº 155, do Conselho Nacional de Justiça, art. 13, parágrafos 2º e 3º, determina que a omissão do regime de bens no assento de casamento, lavrado por autoridade consular brasileira ou autoridade estrangeira competente, não obstará o traslado, facultando a averbação do regime de bens posteriormente, sem a necessidade de autorização judicial, mediante apresentação de documentação comprobatória.

[6] Conforme BRANDELLI, Leonardo. Princípios da Função Notarial. Disponível em: www.anoreg.org.br. Acesso em: 3 dez. 2017.

[7] Decisão proferida pela MMa. Juíza de Direito da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, MG, Dra. Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, nos autos do processo de nº 8004508.45.2017.813.0024.

[8] Ver artigo O PACTO PÓS-NUPCIAL: na alteração de regime de bens após autorização judicial e na retificação de registro civil, de autoria de Letícia Franco Maculan Assumpção e de Bernardo Freitas Graciano. Disponível em: http://www.notariado.org.br. Acesso em: 3 dez. 2017.

Fonte: CNB/CF | 04/12/2017.

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OAB apresenta palestra sobre como potencializar a advocacia fazendo uso dos cartórios extrajudiciais

Fonte: Anoreg/SP | 04/12/2017.

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