Artigo: CONDOMÍNIO DE LOTES DE TERRENO – Por Melhim Namem Chalhub


  
 

*Melhim Namem Chalhub

É admitida a instituição de condomínio de lotes de terreno de acordo com o art. 8º, “a” da Lei nº 4.591/1964 e arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, competindo aos Municípios legislar sobre sua implantação (Código Civil, arts. 1.331 e seguintes, Lei nº 4.591/1964, Lei nº 6.766/1979 e Constituição Federal, art. 30, VIII).

JUSTIFICATIVA

Ao julgar o RE 607.940-DF, em grau de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade de legislação do Distrito Federal que permite o parcelamento do solo sob forma de condomínio de lotes, mediante normas que “mesclam os atributos do condomínio edilício previsto na Lei 4.591/64 e do loteamento conceituado na Lei 6.766/79”.

O acórdão ressalta que legislação dessa espécie “visa, entre outras finalidades, inibir a consolidação de situações irregulares de ocupação do solo, está inserida na competência normativa conferida pela Constituição Federal aos Municípios e ao Distrito Federal”.

Essa é a ratio da lei do Distrito Federal cuja constitucionalidade foi reconhecida pela Suprema Corte: de uma parte, definir os requisitos legais para implantação de condomínios de lotes e delimitar as áreas nas quais é permitida e, de outra parte, conter o crescimento da quantidade de “loteamentos fechados”.

A decisão coincide com o 15º aniversário do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10.7.2001) e põe em relevo a necessidade de rigorosa disciplina da ocupação e uso do solo urbano por meio de legislação municipal que regulamente a instituição de condomínios de lotes, como forma de assegurar a realização das funções sociais da cidade e, em consequência, conter a arbitrária proliferação de “loteamentos fechados”.

A iniciativa já vem sendo adotada por alguns Municípios, cuja legislação busca harmonizar a implantação de condomínios com as estruturas internas do bairro e da cidade, mediante delimitação, no contexto do zoneamento estabelecido pelo Plano Diretor, as áreas nas quais será admitida, restringindo-se aos condomínios a atribuição da propriedade e posse das vias de circulação do conjunto imobiliário, tal como definido na legislação federal acima referida.

A decisão do STF põe fim, em definitivo, à infundada controvérsia sobre a aplicação restritiva desse regime jurídico, limitando-o aos conjuntos imobiliários compostos por unidades imobiliárias construídas, deixando clara a permissão legal para sua aplicação a todas as situações de fracionamento da propriedade em que seja possível conjugar partes de propriedade comum e partes de propriedade exclusiva. Obviamente, devem ser observadas as singularidades das distintas conformações materiais às quais se há de instituir esse regime especial, como observa Caio Mário da Silva Pereira, ao se referir à alínea “a” do art. 8º da Lei nº 4.591/1964, que trata da demarcação do perímetro de cada lote de terreno em que são edificadas as casas integrantes de um condomínio:

“O princípio jurídico dominante é o mesmo do edifício urbano, guardadas as peculiaridades especiais. Cada titular é o dono da sua unidade e, como se lhe reserva um terreno à utilização exclusiva, pode cercá-lo ou fechá-lo, observando o tipo de tapume previsto na convenção. Pode aliená-lo com o terreno reservado. Mas não lhe assiste o direito de dissociar a sua unidade do conjunto condominial nem separá-la da fração ideal que lhe corresponde nesse conjunto. E muito menos apropriar-se das partes de uso comum ou embaraçar sua utilização pelos demais.”1

É o princípio dominante a que se refere o Professor Caio Mário que “torna viável a constituição e atribuição dessa espécie de propriedade para todas as situações em questão, sejam apartamentos superpostos em vários pavimentos, casas integrantes de um conjunto ou lotes resultantes da divisão de uma gleba. Em todos esses casos é legalmente admitida a conjunção da parte de propriedade exclusiva atribuída a cada condômino e das partes de propriedade comum atribuída a todos os condôminos, sendo unidades autônomas os apartamentos, as casas ou os lotes.”2

Assim, tal como nos conjuntos imobiliários compostos por apartamentos ou casas, os lotes (quinhões em que seja dividida a gleba, localizados, individualizados e demarcados) constituem objeto de propriedade individual dos adquirentes, enquanto as vias de circulação e demais partes comuns são atribuídas à copropriedade dos titulares dos lotes; estes podem usar, alienar ou gravar seus lotes independentemente de anuência dos demais condôminos, bem como podem usar as partes comuns do condomínio.

Em contrapartida, os condôminos são legalmente obrigados pelo pagamento das despesas de custeio de limpeza, manutenção, vigilância e demais serviços do condomínio (situação diversa da dos moradores de “loteamentos fechados”, em relação aos quais não só não há previsão legal de obrigação de custear essas despesas, como, a fortiori, questiona-se a obrigatoriedade de filiação à associação que promove a execução desses serviços, a despeito de o não pagamento das contribuições à associação poder caracterizar enriquecimento sem causa).

É com base nessa fundamentação que a I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal, aprovou Enunciado segundo o qual os condomínios de lotes de terreno submetem-se ao regime jurídico da propriedade condominial por unidades autônomas definido nos arts. 1.331 e seguintes do novo Código Civil, observadas, naturalmente, as peculiaridades materiais do objeto de cada um desses condomínios.3

Em conclusão, a partir da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 607.940-DF, consolida-se a interpretação segundo a qual o regime jurídico do condomínio especial por unidades autônomas, regulado pelos arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, é aplicável ao fracionamento de gleba em lotes de terreno, competindo aos Municípios, nos termos do art. 30, VIII, da Constituição Federal, dispor sobre sua implantação em conformidade com os respectivos Planos Diretores.

São Paulo, 10 de setembro de 2016

Melhim Namem Chalhub

NOTA DO IRIB – Em que pese a decisão acima, temos ciência de que algumas Unidades da Federação ainda não admitem o ingresso nos assentos do Registro de Imóveis de condomínios de lotes, como ali em trato, devendo os Oficiais Imobiliários se aterem ao que suas Corregedorias pensam quanto a melhor cuidar do caso.

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1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 12. ed., 2016. Atualizadores: Sylvio Capanema de Souza e Melhim Chalhub, p. 65.

2 CHALHUB, Melhim Namem, Condomínio de lotes de terreno urbano, in Revista de Direito Imobiliário, RT, v. 67, jul.-dez./ 2009, pp. 101-151.

3 Enunciado 89, CJF: “Art. 1.331: O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo.”

Fonte: IRIB | 10/09/2016

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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