Jurisprudência mineira – Recurso em sentido estrito – Rejeição de denúncia – Escusa absolutória – Delito patrimonial praticado por amásia na constância da união estável – Equiparação à sociedade conjugal


  
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – REJEIÇÃO DA DENÚNCIA – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – ESCUSA ABSOLUTÓRIA – DELITO PATRIMONIAL PRATICADO POR AMÁSIA NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL – EQUIPARAÇÃO À SOCIEDADE CONJUGAL – INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

– Por ter sido a união estável equiparada pela Constituição ao casamento, a escusa absolutória prevista no art. 181, inciso I, do Código Penal, deve ser estendida aos companheiros.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0153.13.002752-4/001 – Comarca de Cataguases – Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Recorrida: M.C.A.A. – Vítima: I.R.F. – Relator: Des. Octavio Augusto De Nigris Boccalini

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 11 de outubro de 2016. – Octavio Augusto De Nigris Boccalini – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. OCTAVIO AUGUSTO DE NIGRIS BOCCALINI – Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra decisão (f. 38/39-TJ) proferida pela MM. Juíza de Direito da Vara Criminal da Comarca de Cataguases, que rejeitou a denúncia oferecida contra a recorrida, nos termos do art. 395, inciso II, do Código de Processo Penal, aplicando a causa de isenção de pena prevista no art. 181, inciso I, do Código Penal.

Em razões recursais, aduz o Parquet que o instituto da escusa absolutória prevista no art. 181, inciso I, do Código Penal, pode ser aplicado tão-somente nos casos em que há prejuízo patrimonial do cônjuge, na constância da sociedade conjugal, inexistindo previsão legal para a aplicação do instituto aos companheiros em união estável (f. 41/46-TJ).

Contrarrazões (f. 59/61-TJ), pugnando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Decisão mantida pelo MM. Juiz de primeiro grau (f. 74-TJ), em sede de Juízo de Retratação.

Opina a douta Procuradoria-Geral de Justiça pelo conhecimento e desprovimento do recurso (f. 66/70-TJ).

É o relatório.

Conheço do recurso, porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

Inexistem preliminares, tampouco nulidades arguidas pelas partes ou que devam ser declaradas de ofício.

Pleiteia o Parquet a reforma da decisão que rejeitou a denúncia, nos termos do art. 395, inciso II, do CPP, aplicando a causa de isenção de pena prevista no art. 181, inciso I, do Código Penal.

Razão não lhe assiste.

Narra a denúncia que a recorrida, em 14.08.2012, na […], Município de Cataguases/MG, teria subtraído para si coisa alheia móvel consistente em um notebook com carregador, marca Toshiba e uma câmera digital Sony, pertencentes à I.R.F., incorrendo assim na prática, em tese, do delito de furto, previsto no art. 155 do Código Penal (f. 01D/02D-TJ).

A magistrada Singular, ao rejeitar a denúncia (f. 38/39-TJ), asseverou:

“[…] Conforme consta da própria denúncia, a acusada era, ao tempo da investida criminosa, amasiada com a vítima I.R.F., com quem manteve união estável por cerca de 05 (cinco) anos (f. 08).

Logo, tenho como aplicável ao caso sub judice a escusa absolutória prevista no art. 181, I, do Código Penal […]

Malgrado o dispositivo legal em tela faça expressa menção, como hipótese de imunidade penal absoluta, apenas aos crimes contra patrimônio praticados pelo cônjuge, na constância da sociedade conjugal, certo é que, por se tratar de situações idênticas, a escusa absolutória em tela deve ser estendida, por analogia in bonan partem, às hipóteses em que o agente mantém com a vítima união estável, de tal modo preservando-se a isonomia.

[…]

Com estas considerações, rejeito a denúncia de f. 01/02, ante a causa de isenção prevista no art. 181, I, do CPB, o que faço com fulcro no art. 395, inciso II, do Código de Processo Penal […]” (f. 38/39-TJ).

O instituto da escusa absolutória configura um privilégio de caráter pessoal, aplicável exclusivamente aos crimes contra o patrimônio, em virtude de laços familiares ou afetivos entre os envolvidos, e se encontra previsto no Título que trata dos Crimes Patrimoniais, no art. 181 do Código Penal, que assim dispõe:

“Art. 181 – É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.”

Com efeito, o inciso I do mencionado artigo prevê expressamente que é isento de pena aquele que pratica crime em prejuízo do patrimônio do cônjuge, na constância da sociedade conjugal.

Todavia, não obstante o artigo não mencionar o companheiro, deve o instituto ser estendido àqueles que se encontram em união estável, sob pena de violação do princípio da isonomia.

Isto porque, além de a Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, reconhecer a União Estável como entidade familiar, também o fez o Código Civil, em seu art. 1.723, razão pela qual a analogia, in bonan partem, é medida perfeitamente cabível. Sobre o tema, ademais, destaco os ensinamentos de Rogério Greco:

“[…] não podemos confundir os raciocínios que devem ser levados a efeito na interpretação das normas penais, pois, quando estas, de alguma forma, prejudicam o sujeito, torna-se impossível o argumento analógico, em obediência ao princípio da legalidade, pela vertente do nullum crimen, nulla poena sine lege stricta. No entanto, quando a lei penal beneficia e, principalmente, quando estamos diante de situações idênticas, que não receberam o mesmo tratamento da lei penal, a aplicação da analogia é obrigatória, a fim de que seja preservada a isonomia […].

A nosso ver, se a lei penal se preocupa com a preservação familiar, de tal modo que afasta a possibilidade de aplicação de pena àquele que praticou uma infração patrimonial contra alguém que lhe é extremamente próximo, não se justificaria a sua não aplicação numa situação reconhecida legalmente como entidade familiar […]” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial. 12. ed., Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2015, v. 3, p. 357-358).

Dessa forma, a aplicação aos companheiros da escusa absolutória prevista pelo art. 181, inciso I, do Código Penal, na constância da União Estável, é medida inteiramente cabível, porquanto observa o princípio da isonomia, além de ser uma interpretação extensiva em consonância com a Constituição.

Neste sentido, ademais, destaco as ponderações da Procuradoria-Geral de Justiça:

“[…] De fato, não se coaduna com o sentimento atual de democracia e de justiça a distinção entre entidade familiar formalizada pelo Estado e aquela baseada apenas no afeto e no desejo das partes de constituir uma família, com contornos de solidariedade, de notoriedade, de estabilidade ou duração prolongada, de continuidade e de relação monogâmica.

Nesse contexto, o fato de o atual regramento democrático reconhecer na união estável uma entidade familiar, com direitos e obrigações praticamente idênticos ao casamento, torna impositiva a extensão dos efeitos desse reconhecimento também na esfera penal, de forma a possibilitar aos conviventes se valerem da regra contida no art. 181, inciso I, do Código Penal […]” (f. 67/68-TJ)

Por fim, aduz ainda o Parquet que o casal encontrava-se separado à época dos fatos, o que tornaria inaplicável o instituto da escusa absolutória.

Contudo, tal fato não restou comprovado nos autos, que indicam que o suposto delito de furto, em tese, pode ter ocorrido em um momento de desentendimento, inexistindo certeza acerca da separação.

Ademais, verifica-se que, na Delegacia de Polícia, a recorrida e a suposta vítima se identificaram como marido e mulher (f. 07/08 e 09/10-TJ), constando ainda no Boletim de Ocorrência (f. 03/06-TJ) idêntica referência, a saber:

“[…] comparece a esta delegacia a vítima descrita em campo próprio narrando: que na data de 12.08.2012 sua esposa saiu de casa por motivo de desentendimento entre as partes, pois alega a vítima que pegou no celular da autora umas mensagens comprometedoras que levaram o mesmo a suspeitar que a autora estaria o traindo […]” (f. 05-TJ).

Assim, por ter o suposto delito de furto ocorrido enquanto ainda na constância da união estável, correta a aplicação do art. 181, inciso I, do Código Penal, consoante procedido pela Magistrada Singular.

Neste sentido:

“Recurso em sentido estrito. Furto. Rejeição da denúncia. Manutenção. Incidência do instituto da escusa absolutória. Delito patrimonial praticado por amásio na constância de união estável. Equiparação à sociedade conjugal. Recurso ministerial desprovido. – Muito embora o art. 181, inciso I, do Código Penal, mencione como hipótese de imunidade penal absoluta os crimes cometidos em prejuízo do patrimônio do cônjuge, na constância da sociedade conjugal, deve a referida escusa ser estendida ao companheiro, sob pena de incorrer em violação ao princípio constitucional da igualdade” (Recurso em Sentido Estrito nº 1.0153.13.006404-8/001, Rel. Des. Eduardo Machado – TJMG – 5ª Câmara Criminal, julgado em 01.12.2015). Por todo o exposto, nego provimento ao recurso, mantendo inalterada a r. decisão que rejeitou a denúncia.

É como voto.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Antônio Carlos Cruvinel e Paulo Cézar Dias.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – Diário do Judiciário Eletrônico/MG | 13/10/2016.

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