Artigo: Reflexões acerca da possibilidade de reparação civil decorrente de abandono afetivo – Por Yves Zamataro

A CF prevê o dever dos pais em assegurar aos seus filhos o direito à dignidade e à convivência familiar.

"Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever" (Ministra Nancy Andrighi)

Recentemente, a 2ª seção do STJ manteve (EResp 1159242), por maioria de votos, decisão de 2012 que obrigou um pai a pagar à sua filha uma indenização no valor de R$ 200 mil, em decorrência de abandono afetivo.

O ministro Marco Buzzi foi incisivo ao afirmar que: "Não se trata de uma impossível obrigação de amar, mas de um dever impostergável de cuidar."

Todavia, ao analisarem o recurso interposto pelo pai e entenderem pela ocorrência efetiva do dano moral, destacaram tratar-se de um caso excepcional.

Dessa forma, restou evidente que inexiste, ainda, um posicionamento pacífico acerca do tema.

De fato, a questão do abandono afetivo impõe uma discussão acerca da possibilidade ou não da reparação do dano moral causado, geralmente ao filho menor, em razão da atitude omissiva do pai no cumprimento dos encargos decorrentes do poder familiar.

Todavia, nossa jurisprudência tem considerado, ainda, a ocorrência do que se denominou "abandono afetivo inverso". Mas o que vem a ser abandono afetivo e abandono afetivo inverso?

O abandono afetivo nada mais é do que a atitude omissiva do pai no cumprimento dos deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, dentre os quais se destacam os deveres de prestar assistência moral, educação, atenção, carinho, afeto e orientação à prole.

Enquanto que o abandono afetivo inverso deve ser considerado como o abandono dos filhos em relação aos pais, tanto material (alimentos), quanto imaterial (cuidado, afeto, carinho). Nas palavras do desembargador Jones Figueirêdo Alves (PE), Diretor Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), "a inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos".1

Como bem se observa, o abandono afetivo diz respeito ao sentimento íntimo do indivíduo.

Pressupõe a ausência total de vínculos afetivos entre pais e filhos.

Suas consequências são danosas, tanto no aspecto psicológico, quanto jurídico.

CF prevê o dever dos pais em assegurar aos seus filhos o direito à dignidade e à convivência familiar, obrigação essa reproduzida nos artigos 4º e 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Carta Magna estabelece, ainda, que "os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade" (artigo 229).

Nota-se que nossa Lei Maior fala em "dever"! Portanto, não se trata de simples faculdade. Logo, o seu descumprimento acarreta consequências no âmbito jurídico, especialmente, no campo da responsabilidade civil.

Há que se considerar que o abandono configura um ilícito, previsto em nosso ordenamento jurídico, uma vez que, conforme explicitado acima, se está diante de um "dever" de cuidado entre pais e filhos.

Dispõe o artigo 186 do CC: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Devemos compreender que o afeto, via de regra, não pode ser considerado como um acessório no "dever" de cuidar, mas sim um elemento fundamental, de extrema relevância no desenvolvimento de uma pessoa e no seu bem estar.

É certo que estamos diante de uma responsabilidade civil estritamente subjetiva.

O dano moral, nesses casos, consiste na afetação dos direitos da personalidade da pessoa, gerando um abalo em sua tranquilidade psíquica. Logo, deve ser muito bem comprovado.

Partindo-se desse pressuposto, deparamo-nos com a problemática do quantum indenizatório cabível nessas situações, sendo certo que o legislador deixou essa questão ao livre arbítrio do juízo que, a partir da análise concreta do caso, calculará a extensão do dano causado.

Para se aferir o valor dessa indenização, além dessa análise criteriosa do caso, deve o Juízo levar em consideração diversos aspectos, tais como o grau de culpa do agente, suas ações e consequências perante a vítima.

Muito embora seja compreensível que o afeto não possa ser reconstituído com o pagamento da indenização, eis que não é passível de quantificação, vale o escopo de "reparação de um dano, de fato, suportado com prejuízos na formação da personalidade e identidade da criança".2

Diversos doutrinadores defendem a perda do pátrio poder como penalidade em caso de abandono afetivo, além da indenização.

Aplicar-se-ia tal medida àquelas situações em que o genitor possuísse sérios desajustes em sua conduta social, associados ao abandono não só afetivo. Em tais hipóteses, inequívoca a existência do dano causado à criança. Então, caberia ao julgador protegê-la, decretando a completa incapacidade daqueles pais de manter alguém sob os seus cuidados.

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Fontes:

1- "Abandono afetivo inverso pode gerar indenização" – IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Disponível em: https://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+ger

ar+indeniza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 13 de novembro de 2014.

2 – “A precificação do abandono afetivo – As consequências jurídicas à luz do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça” – Eddla Karina Gomes Pereira. Disponível em: http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/75/a-precificacao-do-abandono-afetivo-as-consequencias-juridicas-a-263287-1.asp. Acesso em 13 de novembro de 2014.

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* Yves Zamataro é advogado da banca Angélico Advogados.

Fonte: Migalhas.

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TJ/MG: Mulher deve indenizar ex-marido por omitir que filho era de outro homem

Uma mulher residente em Ubá foi condenada pela 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a indenizar seu ex-marido em R$ 30 mil, por danos morais, porque omitiu que o filho mais novo do casal era de outro homem.

A ação foi movida por A.R.V. contra a ex-mulher, M.C.V., e o pai da criança, S.D.M.P. Na inicial, A. narra que se casou com M. em julho de 1994 e que da união nasceram a primeira filha em fevereiro de 2000 e o segundo filho em junho de 2009.

A. afirma que depois do nascimento do filho mais novo, a convivência com M. foi-se tornando insuportável, até que em outubro de 2009 se separaram. Ele afirma que ao procurar documentos em sua casa, para sua surpresa encontrou um exame de DNA de seu filho mais novo, comprovando que na verdade era filho de S., um de seus melhores amigos. Disse também que veio a saber que o relacionamento entre M. e S. ocorria há mais de dois anos, culminando com o nascimento da criança.

Ele afirma na inicial que sentiu uma dor incalculável ao saber que não era o pai de seu “tão amado e esperado filho”, do que não tinha a menor desconfiança devido à ótima convivência que existia entre ele e S. Requereu danos morais pela “infração do sagrado dever conjugal da fidelidade” e por ter sido enganado e levado a acreditar que o filho fosse seu. Pediu também indenização por danos materiais, pelos gastos que teve com o sustento da criança, desde seu nascimento.

M. contestou, alegando que o convívio conjugal com A. sempre foi “extremamente difícil”. Ela afirma que em setembro de 2008 se separou dele, alugou um apartamento e, logo após, conheceu S., com quem se relacionou por aproximadamente um mês. Segundo ela, A. tinha conhecimento disso. Ela afirma ainda que, por insistência de A., retomou o casamento com ele e, quando o filho nasceu, A. buscou registrá-lo em seu nome o mais rápido possível, mesmo sabendo que ela havia tido um outro relacionamento. M. afirma que, ao contrário do que diz seu ex-marido, S. não era um de seus melhores amigos e sim apenas conhecido.

S. também contestou, afirmando que era apenas um simples conhecido de A., com quem nunca teve um relacionamento de amizade. Confirmou que se relacionou com M. apenas durante a época em que ela estava separada de A. Ao ficar sabendo da segunda separação do casal, ele afirma que procurou M. para saber se havia possibilidade de o filho ser seu, manifestando o desejo de fazer o teste de DNA.

A juíza da 1ª Vara Cível de Ubá julgou improcedentes os pedidos de A., entendendo que não houve prova de infidelidade, já que M. estava separada de fato de A. na época em que ocorreu a concepção. A juíza afirmou também que A. “não demonstrou que houve grave humilhação ou exposição pública da situação para que se pudesse acolher a pretensão por indenização por dano moral”. Quanto aos danos materiais, a magistrada considerou que A. não apresentou prova de despesas com o menor.

Recurso

A. recorreu ao Tribunal de Justiça. Ao julgar o caso, o desembargador Veiga de Oliveira, relator, entendeu que M. causou danos morais ao ex-marido, que sofreu abalo emocional “pela traição de sua então esposa com um de seus melhores amigos, se cientificando de que não é o genitor da criança gerada durante a relação matrimonial, dano efetivo que justifica a reparação civil”.

“Não há dúvidas de que, no caso vertente, A. teve o dever de fidelidade violado, tanto no aspecto físico, com as relações sexuais adulterinas, quanto no aspecto moral, constante da deslealdade manifestada por M. ao esconder a paternidade de seu filho, experimentando profundo abalo psicológico e sofrimento moral”, continua o relator.

Ele fixou o valor da indenização em R$ 30 mil, com correção a partir da data da citação.

Quanto a S., o relator entendeu que não é solidariamente responsável a indenizar o marido traído, “pois tal fato não configura ilícito penal ou civil, não sendo o terceiro estranho à relação obrigado a zelar pela incolumidade do casamento alheio”.

A desembargadora Mariângela Meyer acompanhou o relator quanto à indenização e seu valor, mas determinou que a correção monetária fosse calculada a partir da publicação do acórdão, ficando vencida nesse ponto. O desembargador Paulo Roberto Pereira da Silva acompanhou na íntegra o voto do relator.

Fonte: TJ/MG | 10/03/2014.

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