Questão esclarece acerca da ausência de legitimidade do Oficial Registrador para interposição de recurso em face de sentença proferida em procedimento de Suscitação de Dúvida.

Procedimento de Dúvida. Recurso – Oficial Registrador – legitimidade – ausência.

Para esta edição do Boletim Eletrônico a Consultoria do IRIB selecionou questão acerca da ausência de legitimidade do Oficial Registrador para interposição de recurso em face de sentença proferida em procedimento de Suscitação de Dúvida. Veja como a Consultoria do IRIB se posicionou acerca do assunto, valendo-se dos ensinamentos de João Pedro Lamana Paiva:

Pergunta: O Registrador Imobiliário possui legitimidade para recorrer da sentença proferida em procedimento de Suscitação de Dúvida?

Resposta: João Pedro Lamana Paiva, em obra intitulada “Procedimento de dúvida no Registro de Imóveis – Série Direito Registral e Notarial”, 3ª ed., Saraiva, São Paulo, 2011, p. 68-69, abordou este tema com muita propriedade. Vejamos o que ele nos ensina:

“O Registrador não é parte interessada na Dúvida, isto é, não tem interesse próprio que lhe legitime a interposição de recurso. Logo, se o juízo entender de forma diversa da exposta pela serventia, o Registrador nada poderá fazer. Em contrapartida, poderão recorrer da sentença o interessado (quando a Dúvida for julgada procedente), o Ministério Público (em qualquer situação) e eventual terceiro prejudicado (quando a decisão não lhe for favorável).”

Mais adiante, na mesma obra, p. 88, o autor explica acerca dos legitimados para interpor recurso de apelação contra sentença proferida em Procedimento de Dúvida, destacando-se o seguinte pensamento:

“Observa-se que o Registrador não foi elencado entre os possíveis apelantes, porque ele não é parte no Procedimento de Dúvida. Na verdade, ele apenas expõe a sua argumentação do porquê de não ter acatado o pedido de registro, o qual será apreciado pelo magistrado. Entendendo este que não procede a fundamentação do Oficial de Registro, o Registrador deverá recepcionar o título, realizando o ato pretendido: somente será procedido ao registro após o trânsito em julgado da sentença. No Estado do Rio Grande do Sul, este recurso é julgado por uma Câmara Cível do Tribunal de Justiça; no Estado de São Paulo, as apelações são julgadas pelo Conselho Superior da Magistratura.”

Recomendamos, para maior aprofundamento no assunto, a leitura da obra acima mencionada.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB.

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Regularização fundiária e a face fundamental do registro imobiliário brasileiro: função social do registrador imobiliário

*Emanuel Costa Santos

Porque a todo aquele, a quem muito foi dado, muito será pedido, e ao que muito confiaram, mais contas lhe tomarão (Lucas, XII: 47-48) 

O tema pertinente à regularização fundiária não é propriamente novo no Brasil, podendo ser apontadas no século XIX legislações que visavam de um lado identificar as posses e legitimar seus ocupantes e, de outro, separar os bens públicos dos privados.

No século XX a irregularidade fundiária migrou para áreas urbanas, face o êxodo rural, seguido do desordenado crescimento das cidades, fruto, em muito, de um empreendedorismo nem sempre marcado pela responsabilidade. Para mitigar os efeitos da irregularidade, o legislador tratou em alguns momentos da matéria, como, por exemplo, nas disposições transitórias do Decreto-lei 58/1937 e nas disposições gerais da Lei Federal 6.766/1979.

Contudo, é com a Lei Federal 11.977/2009, conhecida como Programa Minha Casa Minha Vida, que a Regularização Fundiária é tratada com protagonismo pelo legislador. O artigo 46 indica que a solução desse grave problema nacional demanda um “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais” com vistas a regularizar os assentamentos e titular seus ocupantes.

A realidade apontava que os casos de irregularidade não eram – e de fato não são – de todo idênticos, indicando a necessidade de tratar de forma desigual os empreendimentos irregulares dos empreendimentos projetados, de maneira a garantir também ao conjunto de ocupantes daqueles o mesmo acesso que os adquirentes destes tinham ao fundamental direito à moradia digna, acrescida com o plus da propriedade (no estrito sentido civilista), dela se extraindo suas funções sociais e ambientais. No plano da moradia, a regularização atua, portanto, garantindo os basilares direitos à igualdade e à dignidade.

Vista por outro ângulo, a Lei 11.977 evidencia a próxima relação entre o sistema registral imobiliário brasileiro e os direitos fundamentais. Trabalhando há 170 anos na senda da segurança jurídica, atua, entre outros, na proteção de direitos patrimoniais e creditícios, no controle jurídico do ordenamento urbano, na publicidade ambiental e na proteção de consumidores de bens imóveis.

Nesse passo, a competência dos registradores imobiliários para processamento do pedido de regularização fundiária encontra matriz histórica, sendo consequência lógica da tutela constitucional do direito à propriedade imobiliária a eles atribuída.

Não obstante, necessário se fez alterar alguns paradigmas do moderno sistema registral para viabilizar a regularização fundiária e o ingresso de milhões de brasileiros ao mercado imobiliário formal. Dentre eles, a possibilidade de publicidade registral da posse legitimada, de forma a permitir, administrativamente, sua conversão em domínio pelo decurso do prazo prescricional.

Também houve significativa flexibilização dos princípios registrais, sempre lembrando que se está diante de situação fática complexa, em que as soluções tradicionais foram revisitadas pelo legislador de 2009.

Se já é possível vislumbrar nesse breve artigo pontos de contato do registro imobiliário com os direitos fundamentais, parece que a atual regularização fundiária confere contornos especiais ao papel da instituição registral na realização daqueles direitos.

Sem prejuízo da mantença do controle formal, próprio do sistema registral, verifica-se que houve clara percepção pelo legislador que o direito à moradia não se realiza em sua plenitude sem a necessária titulação registrada, esta sim passível de viabilizar o pleno cumprimento das funções sociais – e econômica – da propriedade.

Esta proximidade com a realização do direito material deve conduzir o registrador imobiliário a uma postura ativa – sem ativismo – diante dos casos de regularização. Daí se falar também da assunção de sua função social, compreendendo não só o aspecto jurídico do desempenho de sua atividade, mas também sua repercussão social e econômica.

Comunicar-se com o conjunto de partícipes desse processo de resgate da dignidade é papel que se impõe. Sem se descurar dos princípios próprios do administrador público, notadamente os da legalidade, impessoalidade e moralidade, deve estabelecer diálogo construtivo e permanente com pessoas jurídicas de direito público, agentes públicos, companhias habitacionais e associações de moradores de empreendimentos irregulares, por exemplo, sempre com vistas a tornar exitosa a regularização fundiária.

Como agente constitucionalmente responsável pela realização de diversos direitos fundamentais, deve o registrador imobiliário estar afinado com a cidadania; trabalhar pela promoção da dignidade da pessoa humana; construir palco jurídico seguro para o desenvolvimento da livre iniciativa; solidarizar-se na edificação de uma sociedade marcada por liberdade e padrões de justiça que atendam cada vez mais uma parcela maior da população; contribuir, com seu mister, para erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais; promover o bem comum. Em poucas palavras, estar afinado com os fundamentos e os objetivos da República Federativa do Brasil.

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*Emanuel Costa Santos – 2o Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Araraquara/SP, Diretor de Assuntos Estratégicos da ARISP. Mestre em Direito Constitucional pela ITE/Bauru, Especialista em Direito Registral pela Facultad de Derecho Esade, Universitat Ramon Lllul, Barcelona, Espanha.

Fonte: Jornal Carta Forense | 27/12/13

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