PRATICANDO O ATO EM DILIGÊNCIA: “Quando o cliente não pode sair de casa” – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

* Marco Antonio de Oliveira Camargo

Todos sabem que o tabelião de notas pode praticar atos notariais fora de seu cartório. Escrituras, procurações, atas notariais, testamentos e o que mais necessário for e que seja de competência do tabelião pode ser praticado em diligência, na residência ou local de trabalho das partes interessadas, desde que o tabelião ou seu preposto não ultrapasse os limites territoriais do município para o qual recebeu a delegação (cf. art.9º da Lei 8935/94).

Na realidade, em alguns casos é necessário que o ato seja praticado fora das dependências do cartório – as atas notariais para constatação de fato são exemplos típicos desta necessidade. No entanto, o mais comum é ocorrer o atendimento em domicílio de pessoas com problemas de locomoção, doentes ou incapacitadas de se deslocarem até a sede do cartório.

O atendimento em domicílio, nestes casos em que existe dificuldade para o interessado apresentar-se em cartório, para ali manifestar sua vontade perante o tabelião ou seu prepostos, certamente é um dos serviços mais relevantes prestados pelos tabeliães de  notas deste país.

Recentemente, no Tabelionato de Notas do Distrito de Sousas, Comarca de Campinas – SP, onde o colunista-tabelião exerce a sua delegação, ocorreu um fato curioso e ilustrativo das particularidades dos atos em diligência e que ainda serviu para constatação da eficácia das ordens judiciais de Indisponibilidade de Bens e sobre a forma de cobrança de emolumentos por tais atos.

Este é o relado do ocorrido:

Foi solicitada que se fizesse uma procuração em diligência, em um bairro residencial da cidade de Campinas. Segundo afirmou-se no balcão do cartório, a pessoa que deveria assinar o ato “não podia sair de casa” e existia alguma urgência na outorga daquele mandato.

Sem maiores especulações sobre o motivo ou causa da limitação para aquela pessoa (e imaginando tratar-se de uma limitação de mobilidade física) me propus a lavrar o ato em diligência naquele local, desde que me fossem apresentados os dados e documentos necessários à redação da procuração; que esta pessoa interessada me acompanhasse até aquele domicílio e que comigo retornasse ao cartório para a expedição do 1º Traslado do ato a ser praticado.

A procuração, segundo se esclareceu então, seria específica para a compra de um imóvel localizado na comarca e deveria ser utilizada junto a uma instituição financeira que já havia aprovado um financiamento imobiliário e agendado para o dia imediatamente seguinte a assinatura de um instrumento particular  (com força de escritura pública!… em uma publicação de e para notários é melhor nem comentar esta aberração jurídica)

De posse das informações necessárias e mediante a afirmação categórica de que a pessoa interessada era capaz, estava lúcida, desejava outorgar aquele instrumento e que portava seus documentos de identificação pessoal, iniciei a redação daquele instrumento de mandato.

Como se tratava de uma procuração para fins relacionados à propriedade imobiliária, por força do hábito, foi feita uma consulta na Central de Indisponibilidade de Bens, mantida pela ARISP nesta internet.

Para surpresa deste tabelião, pela primeira vez, entre dezenas de consultas realizadas (quiçá, centenas), a central acusou a existência de uma ordem de indisponibilidade para o número de CPF ali digitado. O cidadão que deseja outorgar a procuração, portanto, estava com seus bens indisponíveis.

Ainda mais surpreendentemente foi a reação da futura mandatária/procuradora, que estava ali presente. Ela, advogada e irmã do outorgante/mandante não mostrou-se surpresa ou preocupada com o fato de existir tal ordem judicial – e com tal publicidade – que impede o seu irmão de dispor de quaisquer de seus bens imóveis.

Na medida em que o mandato era para adquirir um imóvel – com financiamento de longo prazo e alienação fiduciária – e não para a venda de nenhum bem,  a procuração foi redigida normalmente; mas não sem antes ressalvar para aquela futura procuradora que a existência daquela ordem tornaria o imóvel a ser adquirido sujeito aos rigores da indisponibilidade.

Redigida a minuta. Analisada cuidadosamente e devidamente corrigida em alguns pequenos detalhes, após concordamos com a redação final do texto, fiz a impressão do instrumento no livro de notas do cartório e, em seguida, acompanhei aquela advogada/mandatária até o endereço de residência do outorgante (igualmente advogado) para fazer a conferência do documento, colher a sua manifestação de vontade e assinatura no instrumento público lavrado.

Tendo chegando ao local, me surpreendi com uma pessoa saudável e jovem a me aguardar em pé junto ao portão da residência… era o outorgante (aquele que não podia sair de casa!!!!). Estranhei o fato, mas nada comentei.

O protocolo notarial foi devidamente cumprido: o cidadão identificado por seus documentos pessoais, a leitura do ato foi realizada, o teor e as disposições consideradas adequadas à sua vontade. Foi colhida sua assinatura no livro de notas e ainda em um cartão de autógrafos para o arquivo do cartório (para servir de base a eventual reconhecimento de firma) onde anexou-se uma cópia de sua cédula de identidade.

Concluído o ato, retornei ao cartório, expedi imediatamente o traslado e me despedi da procuradora.

Entretanto permaneci com um gosto amargo de insatisfação a me incomodar: teria sido todo este trabalho por um simples capricho daquele cliente?  Por que perdemos tanto tempo para atender alguém que poderia perfeitamente ter se deslocado até o cartório? 

Teria sido tão mais fácil se, acompanhado por sua irmã e procuradora, ele mesmo tivesse comparecido ali no cartório!

Mas para esta dúvida (e para qualquer outra) existe, na internet, a ferramentas de busca, o oráculo que tudo sabe,  que tudo responde.

Digitei na caixa de buscas do Google, entre aspas, apenas o nome completo daquele cliente.

A resposta obtida foi iluminadora: aquele advogado que eu havia acabado de conhecer e para quem lavrei aquela procuração estava envolvido em uma investigação criminal  movida pela Policia Federal, Ministério Público e Auditoria da Previdência Social.  Pelo que constava em diversas páginas da internet,  aquele meu cliente seria integrante de uma quadrilha acusada de fraudar a Previdência Social e, entre as centenas de resultados localizados, constava a notícia publicada na imprensa de que o mesmo, por ordem judicial, juntamente com outros integrantes daquela quadrilha, havia sido preso no ano de 2013.

Então acrescentei à busca feita o termos seguintes:  + "prisão domiciliar".

Pronto!  Descobri em publicação mais recente, no site do Superior Tribunal de Justiça, que aquele cliente havia conseguido a conversão em prisão domiciliar daquela prisão decretada pela Justiça Estadual Paulista. 

Realmente ele não podia sair de casa! 

Pronto, tudo explicado e compreendido.

Mas Uma história assim curiosa não é facilmente esquecida. Alguns dias depois do ocorrido, em um grupo de discussão entre notários e registradores, um colega de outro Estado da Federação questionou a todos os tabeliães, em especial a nós, paulistas, sobre a eventual obrigatoriedade de que também eles realizassem consulta naquela Central de Indisponibilidade, antes da prática de seus atos notariais.

Dada a oportunidade de discussão sobre o fato me manifestei sobre o assunto.

Dei meu testemunho sobre o pitoresco fato ocorrido e, justificando meu estranhamento em praticar o ato em diligência, fiz um comentário sobre a cobrança de emolumentos e custas para a prática de atos fora do cartório nos seguintes termos:

O que motivou-me a praticar o ato em diligência, de modo algum, foi interesse econômico. Minha intenção era exatamente prestar o serviço para quem não poderia ir até o cartório – pois não podia sair de casa (conforme foi declarado pela interessada). Foi apenas por isso que me surpreendi com aquela situação tão diferente de outras que já vivenciei. O comum é a prestação deste serviço para pessoas de saúde debilitada, doentes, deficientes físicos… Pela nossa tabela de custas (sabidamente das mais altas do país), uma procuração com conteúdo econômico, como a que lavrei em diligência, não deve ser cobrada com acréscimo algum sobre o preço normal do ato lavrado no próprio cartório.  A  realização da diligência fica a critério do tabelião, se ele não puder fazê-la, não está obrigado a tanto, mas, se ele se dispuser a praticar o ato, nada além do custo normal do instrumento poderá ser cobrado. Existe previsão de cobrança de emolumentos em dobro apenas para atos "sem conteúdo econômico" (espécie de documento que tem, realmente, custo muito mais baixo para o usuário).

Alertado por alguns colegas percebi o erro desta minha afirmação – que havia sido feita sem consulta à Tabela de Custas –  fui traído pela memória e pelo costume de nada cobrar pela prática de atos em diligências (a grande maioria dos atos lavrados em domicílio são as procurações para fins previdenciários, de interesse de idosos ou portadores de necessidades especiais, que são totalmente gratuitas).

Um colega me alertou: em nossa Tabela de Emolumentos existe previsão de cobrança em dobro para atos praticados fora do cartório e esta ocorrência diz respeito aos  atos sem valor declarado  e não sem conteúdo econômico como eu havia afirmado (cf. Notas Explicativas item 8.1).

Usando do jargão futebolístico: Em meu despretensioso comentário  Bati na Trave! De fato, as custas foram cobradas à menor… mas pelo menos o serviço foi adequadamente prestado e houve um final feliz para a história.

Na procuração que lavrei, constou exatamente o que era necessário constar: "Em data tal, perante mim tabelião, em domicílio, na Rua X, compareceu fulano de tal etc…". De fato, se eu houvesse esquecido de mencionar que a assinatura foi colhida em domicílio; se, por descuido e pela força do hábito houvesse menção no instrumento de procuração de que, naquela data, o outorgante compareceu perante mim tabelião em cartório,  poderia haveria problemas e estaríamos, outorgante e tabelião, obrigados a explicar uma suposta infração à prisão domiciliar.

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TST: Procuração apenas com nome de representantes de empresa é considerada válida

A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que é suficiente que a procuração contenha o nome das pessoas naturais que representam a empresa para que o documento tenha validade. Com esse entendimento, que consta da Orientação Jurisprudencial 373 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, a Turma reverteu decisão que não conheceu de recurso da Stemac S.A. – Grupos Geradores por irregularidade na representação processual.

A decisão foi tomada em recurso interposto pela empresa em processo no qual foi condenada, pela 18ª Vara do Trabalho de Recife, a pagar adicional de periculosidade a um mecânico. O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) não conheceu do recurso ordinário por entender que as advogadas responsáveis pelo protocolo das razões recursais não tinham poderes para representar a Stemac, porque a procuração não qualificava devidamente as pessoas físicas (os diretores) que assinavam em nome da empresa, em desrespeito aos requisitos do artigo 654, parágrafo 1º, do Código Civil.

A empresa de geradores recorreu e no TST a decisão foi outra. O relator do recurso, desembargador convocado João Pedro Silvestrin, observou que a procuração continha o nome da empresa outorgante e a identificação das pessoas físicas que a subscreveram, qualificados como diretor presidente e vice-presidente. A rejeição do documento, portanto, caracterizou ofensa ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal (princípio do contraditório e da ampla defesa).

Por unanimidade, a Turma determinou o retorno do processo ao TRT-PE para novo julgamento.

A notícia refere-se ao seguinte processo: RR-915-22.2011.5.06.0018.

Fonte: TST | 12/08/2014.

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STJ: Peculiaridade do caso afasta revogação tácita de procuração de advogado

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera que a outorga de procuração a novo advogado acarreta revogação tácita dos mandatos anteriores, a menos que haja ressalva em sentido contrário.

Apesar desse entendimento, a Primeira Turma – apreciando recurso contra acórdão que manteve decisão denegatória de antecipação da tutela jurisdicional – não reconheceu, em princípio, essa revogação tácita do mandato de um advogado que atuava em defesa da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL). O relator do recurso, ministro Sérgio Kukina, não aplicou a jurisprudência em razão das peculiaridades do caso.

A procuração inicial foi outorgada a uma advogada em outubro de 2003, que substabeleceu os poderes a um colega. Em dezembro do mesmo ano, a CPFL nomeou outro procurador, que era do mesmo escritório. Contudo, esse novo instrumento só foi juntado ao processo mais de quatro anos depois, em março de 2008.

Continuidade

Além disso, o defensor substabelecido, cujo mandato se alega tacitamente revogado desde dezembro de 2003 (ante a constituição de novo procurador), continuou atuando regularmente no processo, praticando atos em defesa da CPFL. Kukina destacou que, em janeiro de 2006, juntou-se aos autos pedido para que todas as intimações fossem feitas em nome desse advogado substabelecido, sob pena de nulidade.

Para o relator, a continuidade da atuação regular do advogado substabelecido no processo e a demora superior a quatro anos para juntada da nova procuração afastariam a existência da vontade de revogar, ainda que tacitamente, a antiga procuração, sem prejuízo de novo exame da matéria por ocasião do julgamento de recurso especial a ser eventualmente interposto contra o acórdão que apreciar o mérito da ação ajuizada na origem.

Seguindo o voto do relator, a Turma negou provimento ao recurso da CPFL, que pretendia o reconhecimento da revogação tácita da primeira procuração e, consequentemente, dos substabelecimentos dela decorrentes. O objetivo da empresa, em ação declaratória de inexistência de coisa julgada, era tornar nula a intimação da sentença dada em outro processo, efetivada em nome de advogado supostamente sem procuração.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico nº 6471 | 25/06/2014.

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