Ações para regularização de terras quilombolas têm imissão na posse analisada pelo Judiciário

Levantamento do Comitê Executivo Nacional do Fórum de Assuntos Fundiários do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que todas as ações de desapropriação para regularização de território de comunidades quilombolas tiveram a chamada imissão na posse analisada pelo Poder Judiciário.

Nos casos em que a imissão é aceita pelo juiz, o expropriante passa a ter a posse do bem antes de finalizado o processo de desapropriação. São dois os critérios para deferir a imissão, de acordo com o Decreto-Lei n. 3.365, de 1941: urgência e depósito integral do valor do bem. Embora ainda não tenha a propriedade, o Incra pode entrar nas terras para verificar medidas e realizar avaliações. O proprietário, por sua vez, fica impedido de dar qualquer destinação econômica ao bem.

O levantamento realizado pelo CNJ junto aos juízes das causas atendeu solicitação da Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra. Foram listadas 10 ações que para o órgão estariam pendentes de análise.  Os processos estão em andamento na Justiça Federal de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Sergipe.

Do total, cinco pedidos foram aceitos e um negado. Em outras quatro ações, a análise dos requerimentos foi prorrogada para cumprimento de diligências pelo Incra.

A expropriação de área particular que consista em terreno pertencente aos remanescentes de quilombo é prevista no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O objetivo é garantir a posse à comunidade identificada como quilombola.

Reforma agrária – Em março, o Fórum realizou, também a pedido do Incra, levantamento semelhante referente a ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Em apenas uma das 47 ações listadas – ou, aproximadamente 2% do total – a imissão na posse não havia sido analisada pelo Poder Judiciário.

Fonte: CNJ | 07/07/2014.

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TJ/MG: Desapropriado não será indenizado por posse em terreno público

Um morador de Belo Horizonte que residia no bairro Taquaril não vai receber indenização pela posse de uma casa em área que deu lugar ao empreendimento Vila Viva na região leste da capital mineira.

J.P.S. foi desapropriado em 2010 e indenizado em R$ 89 mil pelas benfeitorias que fez na residência, mas a Justiça entendeu que ele ocupava imóvel em terreno público e não teria direito a ser indenizado pela posse da propriedade. A decisão é do juiz da 4ª Vara da Fazenda Municipal, Renato Luís Dresch.

Na Justiça, o morador argumentou que foi desapropriado pela Companhia Urbanizadora de Minas Gerais – Urbel e pelo Município de Belo Horizonte e, desde setembro de 2010, mora em imóvel alugado. Argumentou que não foi assentado na vila construída no local e que, por isso, deveria ser indenizado integralmente, mas recebeu indenização apenas pelas benfeitorias e nada por ser dono do imóvel.

J.P.S. reafirmou o direito subjetivo ao reassentamento na própria vila e cobrou o pagamento mensal de R$ 350 pelo período em que foi obrigado a pagar aluguel em outra residência.

A Urbel questionou o pedido alegando que o morador não foi obrigado a desocupar o imóvel e a alugar outro. Destacou que ele deixou a casa voluntariamente, concordando, inclusive com o acordo que o indenizava. Por fim, confirmou que o município vem concretizando o direito à moradia há quase duas décadas por meio do Pró-Favela, do Vila Viva e de outros programas.

O município de Belo Horizonte também contestou o pedido e reafirmou que o morador não aceitou o reassentamento em apartamento que foi oferecido no Vila Viva Taquaril.

Segundo o juiz Renato Luís Dresch, a Constituição estabelece que a ocupação de área pública não gera usucapião, ou seja, o ocupante não adquire direito à propriedade. O magistrado disse que J.P.S. recebeu indenização pelas benfeitorias superior a R$ 84,8 mil, complementada depois por reavaliação em mais R$ 4,2 mil.

“Além de receber indenização substancial, o autor pretende receber aluguel, o que não se pode admitir porque não se enquadra na hipótese que autoriza sua inclusão no 'bolsa moradia'”, disse. O magistrado negou os pedidos também por causa da recusa do morador em ser realocado para uma unidade de apartamento.

Por ser de Primeira Instância, essa decisão está sujeita a recurso.

A notícia refere-se ao seguinte processo: 0224324-44.2012.8.13.0024.

Fonte: TJ/MG | 03/06/2014.

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A atividade notarial e registral na perspectiva do usucapião administrativo – Por: Vitor Frederico Kümpel

* Vitor Frederico Kümpel

Na coluna de hoje trabalharemos a modalidade de Usucapião Administrativa instituída pela lei 11.977/2009, que adotou o Programa Minha Casa Minha Vida, em benefício da regularização fundiária no Brasil. O intuito é desenvolver a potencialidade das atividades notarial e registral na perspectiva do fenômeno da desjudicialização, em atendimento à EC 45 de 2004 com a reforma do Judiciário.

Somente na Justiça estadual paulista existem mais de 20 milhões de processos em andamento, em uma cultura de litigiosidade descontida e difusa. Frente a tal situação, as atividades Notarial e Registral surgem sob o viés da desjudicialização, bem como da jurisdição voluntária, na linha da prevenção de litígios e da administração pública dos interesses privados.

Nesse sentido, o Programa Minha Casa Minha Vida, em busca da celeridade prometida pelos métodos adequados de resolução de conflitos (sistema multiportas – o melhor método em cada caso), instituiu o usucapião administrativo a fim de desafogar as prateleiras do Judiciário de milhares de ações de usucapião, consequência do histórico nacional de ocupação irregular de terras. Trata-se de modalidade única no ordenamento brasileiro, instituída exclusivamente pela referida lei (PMCMV).

O programa estabeleceu, então, que o detentor do título de legitimação de posse, pode requerer ao oficial registrador de imóveis a conversão deste título em registro de propriedade por usucapião (usucapião especial), após a decorrência de cinco anos do registro da legitimação (art. 60). O propósito é regularizar a posse em assentamentos e facilitar a aquisição de unidades habitacionais pela população de baixa renda. Nesse sentido, a legitimação de posse e a usucapião atuam como instrumentos da concretização do direito social à moradia e do pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, além do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado (art. 46).

A legitimação de posse funda-se no princípio social da propriedade, bem como nas diretrizes gerais de política urbana (arts. 182 a 191 CF). Trata-se de questão extremamente complexa, que paira no cenário brasileiro desde a famosa Lei de Terras de D. Pedro II, lei 601 de 1850. Temos, portanto, na Legitimação de Posse um instituto verdadeiramente nacional, assim determinado no art. 5º da Lei de Terras "serão legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas de primeiro ocupante, que se acharem cultivadas ou com princípio de culturas, e moradia habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente (…)". Nesse sentido, podemos definir a legitimação de posse como a "exacração de ato administrativo, através do qual o poder público reconhece ao particular que trabalha na terra a sua condição de legitimidade; outorgando, ipso facto, o formal domínio pleno"1.

Ainda antes da vigência da lei 601/50, a lei 514 de 28 outubro de 1948, reportava-se a legitimações sem mencionar a espécie ou forma, autorizando a cobrança tributária sobre imóveis então legitimados. A lei imperial de terras foi efetivamente a primeira que se preocupou com a regularização fundiária e com a invasão de terras e autorizou a permanência nos imóveis decorrentes de concessões sesmariais. A circular 260 de 1863 mandou dar preferência aos posseiros cujas posses tivessem sido anuladas para adquirirem por compra as terras correspondentes, sendo esta a pedra basilar da estrutura jurídico-agrária implantada no Brasil. O tempo de posse necessário para a referida regularização era de cincos anos antes da medição, e, depois da mesma, pelo prazo de dez anos. Já na época, era indispensável a posse mansa e pacífica, a ocupação primária cultivada e a moradia habitual do posseiro ou preposto e, por fim, o não incurso em comisso. Essas mesmas bases foram mantidas pela lei 6383/76 e pela Lei do PMCMV, todas mantendo a mesma base relacional.

Assim, na atualidade, uma das grandes novidades da lei PMCMV foi a introdução da legitimação de posse no Sistema Registral brasileiro. O instituto foi introduzido no artigo 167, inciso I, itens 41 e 42, da Lei de Registros Públicos.

Nessa linha, a lei 11.977/2009, é a primeira a regulamentar especificamente o assunto em âmbito extrajudicial. Em termos procedimentais, atribuiu ao registrador a capacidade para emissão do documento de Legitimação da Posse, por meio do qual o Poder Público confere ao cidadão um justo título, que constitui direito ao possuidor (art. 59), em benefício da segurança jurídica de milhares de pessoas. Para tanto, temos os requisitos da usucapião especial (art. 183 CF), além da necessidade do imóvel fazer parte do procedimento de regularização fundiária de interesse social e de que o título de legitimação de posse seja registrado a mais de cinco anos.

Em 2011, a lei 12.424 alterou a lei 11.977 de 2009, estendendo a usucapião administrativa às áreas com mais de 250 m2 e facultando a conversão dos títulos em usucapião. Por conseguinte, os registros dos primeiro títulos de legitimação de posse são datados de 2011, logo, computado o prazo de cinco anos, os títulos poderão ser convertidos em domínio apenas em 2016.

Entendemos, dessa forma, que o usucapião via extrajudicial já via plenamente existente no Brasil e se mostra ainda viável, devido à menor complexidade da prova documental. As circunstâncias fáticas quanto à existência ou inexistência da situação possessória podem ser verificadas e demonstradas amplamente, pois se trata de uma prova predominantemente objetiva. Na verdade, o que ocorre é umajustificação material que gera a conversibilidade da posse em uma relação dominial, por meio do usucapião em decorrência da prévia legitimação de posse.

Temos, portanto, um procedimento menos complexo, que não exige a apreciação pelo magistrado. Contudo, o Judiciário não deixa de controlar, orientar e fiscalizar o procedimento do usucapião administrativo, tal como ocorre com a lei 11.441/2007.

Contudo, embora a lei PMCMV tenha privilegiado a via extrajudicial de resolução de conflitos, em momento algum mencionou a participação da figura do Tabelião de Notas na regularização fundiária. As tarefas de notificação dos proprietários e confrontantes e de promoção da tentativa de acordo entre impugnante e o Poder Público, foram atribuídas apenas ao Registrador Imobiliário. No mesmo sentido, o novo Código de Processo Civil, prevê o pedido de reconhecimento extrajudicial do usucapião diretamente ao Ofício de Registro de Imóveis, bastando, para tanto, o requerimento do interessado, representado por advogado e instruído apenas de ata notarial que ateste o tempo de posse do requerente.

No entanto, sob influência do exemplo português foi proposto no Brasil projeto de lei em que o procedimento é desenvolvido fundamentalmente pelo Tabelião de Notas. Em Portugal, o notário atua diretamente no usucapião administrativo por meio da lavratura da Escritura Pública de Justificação Notarial (embora o procedimento como um todo lá também seja gerido na Conservatória Imobiliária pelo registrador). A opção é justificada em torno da competência do tabelião para recepcionar a vontade das partes, expressando-as em termos jurídicos para o aperfeiçoamento e a segurança do ato pretendido. Ademais, como profissional do direito, o tabelião já é especializado na condução de atos de espécies semelhantes, como no caso, já exemplificado, dos inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais.

Sob tal projeto, caberia ao tabelião dar início à legitimação de Posse, tutelando as primeiras declarações, bem como a justificação da posse e a lavratura da escritura declaratória de usucapião, a qual seria apresentada posteriormente ao Registrador Imobiliário. Assim, o Tabelião de Notas lavra a escritura declaratória em nome dos requerentes do usucapião, após a conferência da inexistência de matrícula ou transcrição anterior no Registro de Imóveis, da documentação completa para o exame preliminar e da ausência de manifestação de oposição. Caso haja impugnação, também caberia ao Tabelião a audiência de conciliação entre os interessados, e, em caso de acordo, faculta-se a lavratura da Escritura Pública Declaratória em nome dos requerentes. Temos, portanto, uma liturgia notarial que instrumentalizaria a mediação entre os interesses jurídicos, finalizando com a lavratura do acordo, mediante escritura pública.

Contudo, o projeto permaneceu estagnado, ganhando prestígio apenas a atuação registral para o procedimento do usucapião administrativo. Argumenta-se que o procedimento notarial atravancaria o processo.

Todavia, dentre as inúmeras possibilidades e maneiras de intervenção extrajudicial na questão, a ideia saudável é retirar da esfera exclusiva do Judiciário a questão da regularização de posse e usucapião. O que ocorre é um processo de desjudicialização, que, de modo algum, reduz o prestígio do judiciário, muito pelo contrário, é ganho mútuo a operadores e usuários da Justiça, pois confere seletividade à atuação do magistrado dentro de suas funções típicas.

Na verdade, em vista do sucesso do instituto, os esforços devem se deslocar ao aparelhamento das serventias extrajudiciais, com pessoal qualificado, tanto por meio do concurso de seleção dos oficiais, quanto pelo treinamento e capacitação dos profissionais. Nessa linha, reduziríamos ainda o subaproveitamento das atividades extrajudiciais, que são completamente aptas a atuar lado a lado do Judiciário, sob a hipótese da jurisdição voluntária.

O usucapião administrativo, muito embora sem a vertente notarial, é, hoje, fato consolidado no ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que a legislação de posse é conversível em propriedade em cumprimento à função socioeconômica ambiental. Ademais, o legislador foi arrojado ao autorizar à posse e à sua conversão o assento na tábula registral. É uma adaptação histórica antropológica da realidade social no sistema jurídico formal, em consonância com o fenômeno da inclusão social.

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1. Luiz de Lima Stefanini, A propriedade do Direito AgrárioSão Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

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Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas | 27/05/2014.

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