CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de confissão de dívida com pacto adjeto de constituição de propriedade fiduciária e outras avenças – Imóvel indisponível – Penhora, em execução fiscal, a favor da fazenda nacional e da união – Recusa do registro com base no artigo 53, §1°, lei 8.212/91 – Alienação voluntária – Irrelevãncia da aquisição anterior por alienação forçada – Registro inviável – Dúvida procedente – Recurso desprovido, com observação.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 3003761-77.2013.8.26.0019

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3003761-77.2013.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que é apelante N A FOMENTO MERCANTIL LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE AMERICANA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 3 de junho de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 3003761-77.2013.8.26.0019

Apelante: N A Fomento Mercantil Ltda. (representada por seu sócio João Batista Bisco)

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Americana

VOTO N° 34.019

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de confissão de dívida com pacto adjeto de constituição de propriedade fiduciária e outras avenças – Imóvel indisponível – Penhora, em execução fiscal, a favor da fazenda nacional e da união – Recusa do registro com base no artigo 53, §1°, lei 8.212/91 – Alienação voluntária – Irrelevãncia da aquisição anterior por alienação forçada – Registro inviável – Dúvida procedente – Recurso desprovido, com observação.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MMa Juíza Corregedora Permanente do Registro de Imóveis da Comarca de Americana, que julgou parcialmente procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de "Escritura Pública de Confissão de Dívida com Pacto Adjeto de Constituição e Propriedade Fiduciária e Outras Avenças", referente ao imóvel matriculado sob número 58.408, fundada no fato de o bem estar indisponível por força das penhoras números 4 e 5, em favor da Fazenda Nacional e da União, nos termos do §1° do artigo 53 da Lei n° 8.212/91.

A apelante afirma que a atual proprietária adquiriu o imóvel em alienação judicial decorrente de ação trabalhista, quando já havia o registro das penhoras, e que se trata de forma de aquisição originária, razão pela qual os gravames anteriores deixam de existir. Diz que se houvesse determinação legal de indisponibilidade o título judicial apresentado jamais poderia ter ingressado no registro, e que não é possível atribuir ao atual proprietário ônus do antigo, além de ter ocorrido subrogação do crédito fiscal no produto da venda. Cita precedentes.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Está sedimentado, no âmbito do Conselho Superior da Magistratura, entendimento no sentido de que, em razão do artigo 53, §1°, da Lei n° 8.212/91, não é possível ingressar no registro título que importe disposição ou oneração, decorrente de alienação voluntária ou forçada, na medida em que a indisponibilidade constitui forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade de bens, e em que o referido dispositivo legal tem caráter genérico, a exemplo do decidido em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Luiz Tâmbara, então Corregedor Geral da Justiça:

"Registro de Imóveis – Procedimento de dúvida – Negativa de acesso de carta de arrematação – Imóvel penhorado, em parte ideal, em execução fiscal – Indisponibilidade determinada pelo artigo 53, par. 1º, da Lei 8.212/91 – Dúvida procedente – Recurso Desprovido.

(…)

Já de há muito sedimentado, diga-se em primeiro lugar, o entendimento de que 'enquanto não liberadas as constrições impostas em decorrência de penhoras concretizadas em execuções fiscais movidas pela Fazenda Nacional, impossível o acesso de carta de arrematação' (Apelação n. 029.886-0/4, São Paulo, j. 04/06/1996, rel Des. Márcio Bonilha). Isso porquanto, como está no mesmo aresto, 'a indisponibilidade de bens decorrente da Lei 8.212/1991 (art. 53, parág. 1º) envolve a expropriação forçada e conseqüente venda judicial para pagamento das obrigações do devedor'. Sendo assim, decidiu-se que 'a indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade'.

De outra parte, ante o sistema constitutivo que caracteriza o registro de imóveis, além disso, marcado pelo princípio do encadeamento subjetivo e objetivo dos atos lá assentados, importa, para verificação da disponibilidade e continuidade, que se apure a data do registro da penhora em relação ao ingresso da arrematação. Ou seja, se antes registrada a constrição, mesmo que depois da efetivação da data da alienação judicial, mas não levada, oportunamente ao fólio, não poderá mais sê-lo, 'a posteriori’. (Ap. Cív. n. 100.023-0/4 – j. 29.05.2003).

No mesmo sentido, transcrevo trecho de aresto relatado pelo eminente Desembargador José Mário Antônio Cardinale, então Corregedor Geral da Justiça, na Apelação Cível n. 386-6/2, julgada em 06.10.2005:

"O imóvel objeto da arrematação judicial foi penhorado em processo executivo ajuizado pela Fazenda Nacional, tornando-se, portanto, indisponível."

Neste sentido é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível N° 76.562-0/5, Americana e na Apelação Cível n° 79.730-0/4, Capital.

A lei não faz distinção quanto à abrangência da indisponibilidade, que atinge tanto os atos voluntários de alienação, quanto os de venda judicial forçada, e nem haveria motivo para tal diferenciação.

O Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de decidir que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade e que o dispositivo legal tem caráter genérico, e não compete ao registrador interpretá-lo restritivamente (Ap. Cível n. 76.562-0/5, j. 23.05.2001, Rel. Luís de Macedo).

Esse entendimento consolidado neste Conselho sofreu recente modificação, no sentido de que a indisponibilidade decorrente do § 1º, do art. 53, da Lei n° 8.212/91, incide apenas sobre a alienação voluntária e não sobre a forçada, e isso com fundamento em decisão do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n° 512.398, em cujo voto condutor do eminente relator Ministro Felix Fischer fazem-se as seguintes considerações:

"Tenho, contudo, que a indisponibilidade a que se refere o dispositivo (referindo-se ao §1º, do art. 53, da Lei 8.212/91) traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor-executado após a efetivação da constrição judicial. Sendo assim, a referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto." (Apelação n° 0007969-54.2010.8.26.0604 – Relator Desembargador Renato Nalini).

Neste mesmo sentido:

"REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa – Imóvel penhorado com base no art. 53, §1°, da Lei 8.212/91 – Indisponibilidade que obsta apenas a alienação voluntária – Possibilidade de registro da Carta de Arrematação – Recurso provido.” (Apelação Cível n° 0004717-40.2010.8.26.0411 – Relator Desembargador Renato Nalini).

A apelante insiste em que, não obstante o título apresentado decorra de alienação voluntária, o que deve ser considerado no caso vertente é a alienação judicial realizada anteriormente e que permitiu o ingresso do título no fólio real, com a consequente transferência da titularidade do domínio à atual proprietária, porém, os julgados nos quais se baseia tratam estritamente de casos de alienação forçada e que estão em consonância com o artigo 22 do Provimento CG n° 13/2012, pelo qual "As indisponibilidades averbadas nos termos deste Provimento e as decorrentes do §1°, do art. 53, da Lei 8.212, de 24 de junho de 1991, não impedem a alienação, oneração e contrições judiciais do imóvel".

Não há fundamento válido a agasalhar a pretensão da apelante e o Conselho Superior da Magistratura, ao julgar casos semelhantes, negou a pretensão do interessado de ingresso de título decorrente de alienação voluntária precedido de registro de título decorrente de alienação forçada, em razão da permanência de restrições decorrentes de penhoras que impedem posterior alienação voluntária, a exemplo da Apelação Cível n° 0003288-37.2009.8.26.0358, julgada em 10/5/12 e relatada pelo Desembargador José Renato Nalini, mencionada pelo Oficial suscitante, e da Apelação Cível n° 0054473-65.2012.8.26.0114, também relatada pelo Desembargador José Renato Nalini, cuja ementa assim dispõe:

"REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – Hipoteca cedular registrada – Ausência de anuência do credor hipotecário – Penhora em favor da Fazenda Nacional – Indisponibilidade que obsta as alienações voluntárias – Recurso não provido."

Esse julgado, do mesmo modo que o caso vertente, tratou de hipótese na qual anteriormente à alienação voluntária, houve adjudicação do imóvel em execução trabalhista e permanência de restrições que impedem o registro de títulos decorrentes de alienação voluntária.

Em relação à segunda exigência, baseada na existência de contradições de algumas cláusulas e não observância do disposto no §5° do artigo 27 da Lei n° 9.514/97, verifica-se que a letra "i" da cláusula décima primeira repete o referido dispositivo legal, e o parágrafo único da cláusula décima segunda dispõe no mesmo sentido, portanto, não são contraditórias entre si nem tampouco afrontam o referido dispositivo legal. Por fim, o parágrafo quinto da cláusula décima primeira trata de questão diversa em relação àquelas, de modo que não é caso de confrontá-las, além de esta última não se referir à alienação voluntária do bem, como afirmado pelo Oficial.

Em que pese o afastamento dessa segunda exigência, a manutenção da primeira obsta o registro, o que traz como consequência a procedência da dúvida e não a parcial procedência consignada na sentença, nos termos do inciso I do artigo 203 da Lei de Registros Públicos.

Com tal observação, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Fonte: DJE/SP | 01/08/2014.

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TJ/SP RECONHECE CRÉDITO DE EMPRESA ESTRANGEIRA E DETERMINA PROSSEGUIMENTO DE EXECUÇÃO

A 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu, em julgamento realizado ontem (30), crédito de indústria estrangeira e determinou o prosseguimento da execução contra empresas devedoras. A decisão impôs ainda o rateio da verba sucumbencial entre as partes.        

A sentença havia reconhecido crédito no valor de R$ 379,5 mil, fundado em contrato de compra e venda de mercadorias, mas a empresa estrangeira alegou que o montante atingiria mais de R$ 700 mil, razão pela qual apelou. Os devedores também recorreram, sob o fundamento de que a quantia seria menor. 

Ao julgar o pedido, o relator Carlos Henrique Abrão afirmou que ao somar os valores pagos pelos devedores e deduzir o total do débito, ainda restaria saldo remanescente, que, atualizado, atingiria aproximadamente R$ 230 mil. De acordo com ele, a credora teria utilizado padrões de valorização do câmbio de maneira incorreta e irregular para exigir valor superior. “Reconhecido o valor menor do crédito exigido pela empresa estrangeira, não se faz possível atribuir apenas a ela o ônus da sucumbência. Deve prevalecer o princípio do nexo causal, impondo-se recíproca sucumbência, nos limites do objeto do litígio”, afirmou.        

Do julgamento, que teve votação unânime, participaram também os desembargadores Everaldo de Melo Colombi e Sebastião Thiago de Siqueira.

Fonte: TJ/SP | 30/07/2014.

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CINDIBILIDADE: RI deve ressalvar no título que o registro não foi integral. Veja a decisão do CSM/SP.

Acórdão – DJ nº 0002464-95.2012.8.26.0480 – Apelação Cível 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0002464-95.2012.8.26.0480, da Comarca de Presidente Bernardes, em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE PRESIDENTE BERNARDES.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 24 de junho de 2014.        

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 0002464-95.2012.8.26.0480

Apelante: Banco do Brasil

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Presidente Bernardes

Voto nº 34.021

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA COM CONFISSÃO E ASSUNÇÃO DE DÍVIDA E PACTO ADJETO DE HIPOTECA – DESNECESSIDADE DE CANCELAMENTO DE HIPOTECA ANTERIOR PARA AVERBAÇÃO DE NOVA GARANTIA – IMPOSSIBILIDADE, NO ENTANTO, DE MANUTENÇÃO DE CLÁUSULAS DE IMPENHORABILIDADE, VISTO QUE SE TRATA DE CONTRATO ONEROSO – INTELIGÊNCIA DO ART. 11 DA LEI COMPLEMENTAR N. 93/98 – POSSIBILIDADE DE REGISTRO DA ESCRITURA, DESCONSIDERADAS AS CLÁUSULAS, EM FACE DO PRINCÍPIO DA CINDIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.

O Banco do Brasil interpôs recurso administrativo contra sentença que manteve recusa de registro de escritura de compra e venda com confissão, assunção de dívida e pacto adjeto de hipoteca.

A negativa do registro deu-se por dois fundamentos. Entendeu, o Oficial, que seria necessário o cancelamento da hipoteca de primeiro grau, inscrita no R. 02 da matrícula, para a constituição de nova garantia e que não poderiam prevalecer as cláusulas décima nona e vigésima da escritura, instituidoras de impenhorabilidade, por se tratar de negócio oneroso.

O recorrente aduz que houve mera assunção do contrato por novo mutuário e que o ônus da garantia hipotecária foi transferido a ele. E, no que diz respeito à impenhorabilidade, ela decorre da inteligência do art. 11 da Lei Complementar n. 93/98, que prescreve a inalienabilidade.

Em primeiro grau, o Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida mas nesta instância o Parquet se manifestou pelo desprovimento do recurso.

Intervieram, na dúvida, os compradores, ora mutuários, na condição de interessados.

É o relatório.

O recurso comporta provimento.

Quanto à exigência de cancelamento da hipoteca inscrita no R. 02 e registro de nova hipoteca, o Oficial entendeu que, alienado o imóvel do mutuário originário para os novos mutuários, o Banco do Brasil deveria fornecer instrumento de quitação ao primeiro, cancelando a hipoteca e instituindo nova garantia, em face dos segundos.

Desse raciocínio, data venia, se diverge. O que ocorreu, no caso em tela, foi a cessão da posição contratual. O mutuário originário, com anuência do credor hipotecário – o Banco do Brasil – e da União, cedeu sua posição contratual aos novos mutuários, que assumiram a dívida pendente e a transferência do gravame hipotecário que, em virtude da sequela, seguiu o bem imóvel.

Como anota Caio Mário da Silva Pereira, o proprietário “não está inibido de alienar o imóvel hipotecado, porque não perde o ius disponendi. Ao adquirente, porém, transfere-se o ônus que o grava, não lhe valendo de escusa a alegação de ignorância, que não prevalece contra o registro, nem lhe socorrendo para libertá-lo de qualquer cláusula de sua escritura, ou compromisso assumido pelo devedor hipotecário. A alienação transfere o domínio do imóvel; mas este passa ao adquirente com o ônus hipotecário – transit cum onere suo”(Instituições de Direito Civil, vol. IV, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 386).

A situação, aqui, afigura-se ainda mais simples. A existência do gravame era de conhecimento dos novos mutuários, que a ele acederam. E a cessão da posição contratual deu-se, ademais, com anuência do credor hipotecário e da União.

A conclusão evidente é que se transferiu o ônus da hipoteca, nos termos da cláusula primeira, alínea ‘e’, da escritura. Não há nenhuma razão ou necessidade de cancelamento da hipoteca para a constituição de nova garantia.

No que diz respeito às cláusulas décima nona e vigésima, que instituem a impenhorabilidade, a situação é diferente. Elas não podem subsistir.

O recorrente afirma que o art. 11, da Lei Complementar n. 93/98, que instituiu o Fundo de Terras e da Reforma Agrária e criou o Banco da Terra, ao prever a inalienabilidade (“Os beneficiários do Fundo não poderão alienar as suas terras e as respectivas benfeitorias no prazo do financiamento, salvo para outro beneficiário enumerado no parágrafo único do art. 1º e com a anuência do credor”) prescreveu também a impenhorabilidade. Daí a legalidade da cláusula.

Da leitura desse dispositivo, vislumbra-se, com clareza, que ele não trata de inalienabilidade. Prova maior disso é que o próprio artigo permite a alienação, condicionando-a, tão somente, à anuência do credor. Aliás, foi exatamente o que ocorreu aqui.

O que o legislador pretendeu ressaltar, no referido artigo, foi a necessidade da anuência, não a inalienabilidade, que não existe. Trata-se da mesma regra do Sistema Financeiro da Habitação. Permite-se a alienação, condicionando-a, contudo, à anuência do credor hipotecário.

Ressalte-se, ainda, que as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, por limitarem o direito de propriedade, são cabíveis, tão somente, em atos graciosos. Elas são restritas a atos de mera liberalidade, como doação e testamento.

Assentado que o art. 11 da Lei Complementar 93/98 não retrata hipótese de inalienabilidade, da mesma maneira não poderia ser inserida na escritura cláusula de impenhorabilidade. Afinal, a segunda – impenhorabilidade – não pode decorrer da primeira – inalienabilidade – se essa não existe.

A escritura pode ser registrada, em suma, extirpando-se as cláusulas décima nona e vigésima, levando-se em consideração o princípio da cindibilidade.

Conforme decidido em voto da lavra do Des. Maurício Vidigal (Apelação Cível nº 0024268-85.2010.8.26.0320), em que se discutia a possibilidade de registro de escritura de doação, com cláusula de impenhorabilidade, “a falta de justa causa compromete apenas a validade da cláusula restritiva, não da doação. Há muito este Egrégio Conselho Superior da Magistratura vem aplicando a regra da cindibilidade do título, pelo qual autoriza-se o registro daquilo que possa ingressar no fólio real, e nega-se o daquilo que não possa, permitindo-se extrair do título apenas aquilo que comporta o registro. A doação é hígida e foi livremente celebrada entre os contratantes. Apenas a cláusula de impenhorabilidade padece de vício, por afronta ao art. 1848, “caput”, do Código Civil. Admissível, portanto, o registro da escritura de doação, desconsiderando-se a cláusula de impenhorabilidade nele inserida.

Em caso similar, este Egrégio Conselho Superior decidiu:

“Há, contudo, um único vício no instrumento de compra e venda do imóvel adquirido pela apelante que impede o seu ingresso no registro, na forma como elaborado. Diz respeito à cláusula de incomunicabilidade inserida na escritura. Com efeito, quando a interveniente Maria Helena doou a importância de R$ 120.000,00, representada pelo apartamento do edifício Príncipe de Liverpool, no. 63, transmitindo-o a seguir aos vendedores Edmundo Antonio e sua mulher, fez constar que a doação se fazia com exclusividade, em caráter incomunicável, como adiantamento de sua legítima. A disposição constante do título é nula, porque afronta o disposto no art. 1848 do Código Civil … Todavia a nulidade ora apontada se restringe apenas à cláusula inserida no título e não importa na invalidade deste, mas somente na sua cindibilidade, a fim de que se torne viável o seu registro a seguir” (Ap. Civ. 440-6/0, de 06 de dezembro de 2005, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale).”

Possível, então, o ingresso do título no registro imobiliário, com a desconsideração das cláusulas restritivas de impenhorabilidade nele inseridas.

É preciso consignar, porém, importante advertência feita por Mário Guerra Serra e Monete Hipólito Serra:

“Devemos ressaltar por fim que, caso se aplique o princípio da cindibilidade, o registrador deve deixar bem claro no título que somente parte dos direitos foram registrados, especificando-os. Isto tendo em vista que a regra é o registro integral do título, e, como estamos aqui tratando de uma exceção, devemos tomar todos os cuidados para evitar que terceiros possam ser induzidos em erro” (Registro de Imóveis, vol. I, parte geral, São Paulo: Saraiva, 2013, p. 141)

Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, dou provimento ao recurso, com a observação acima.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: TJ/SP | 11/07/2014.

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