CNJ: Comissão estuda medidas que evitem sequestro de crianças e que agilizem solução de conflitos

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) esteve reunido nesta segunda-feira (8/9) com representantes da Comissão Permanente de Subtração Internacional de Crianças e a embaixadora dos EUA Susan Jacobs para discutir formas de solucionar processos de subtração internacional de crianças de maneira mais célere. Entre os pontos que vêm sendo analisados estão o retorno do nome dos pais aos passaportes brasileiros, a inclusão da cidade e do país de origem da criança neste documento, assim como a criação de um programa de capacitação de agentes consulares brasileiros e de assistência legal aos brasileiros fora do país.

Para dificultar a saída ilegal de crianças, desde 2012 o CNJ instituiu a obrigatoriedade da autorização com firma reconhecida em cartório dos responsáveis nos casos de viagem ao exterior. A medida é considerada essencial para se evitar que ocorra a transferência de uma criança ilicitamente de um país para o outro sem o consentimento de um dos genitores.

"No Brasil, para sair com uma criança para fora do país, há a necessidade de apresentação de uma série de documentos, o que dificulta o sequestro. Outros países, no entanto, não possuem medidas de precaução tão eficazes", comparou o conselheiro Saulo Casali Bahia, representante do CNJ na comissão. Para ele, é importante que mecanismos de prevenção sejam aplicados entre os países signatários da Convenção de Haia, até mesmo para que o instituto da bilateralidade seja, de fato, respeitado.

Reciprocidade – "Os brasileiros não contam com assistência jurídica em solo estrangeiro. Será que isso não seria uma questão de reciprocidade que devemos cobrar, já que aqui, todos, se hipossuficientes, têm esse direito?", questionou Casali. Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República, há 70 casos de sequestro internacional no Brasil. Em sua maioria, relacionam-se a crianças trazidas ao país (86%).

O caso de maior repercussão em relação a esse assunto foi o do menino Sean Goldman, cuja guarda foi disputada na Justiça americana e na brasileira. Na época, a Justiça deu ganho de causa ao pai americano e o garoto passou a ter dificuldades para se encontrar com a família da mãe brasileira. O caso inspirou a criação de uma controversa medida. Sancionada pelo presidente americano em agosto, a lei prevê formas de cooperação para a recuperação de crianças sequestradas, mas também prevê sanções aos países que estiverem envolvidos na disputa.  

Ainda na busca por saídas menos demoradas para o conflito familiar que envolve cidadãos dos dois países, foi apresentada a possibilidade de criação de um projeto-piloto que estabeleça comunicação mais estreita entre juízes brasileiros e estadunidenses com vistas a agilizar os trâmites processuais. A embaixadora americana afirmou ser favorável ao estreitamento na comunicação entre os juízes.

Seis semanas – Para o conselheiro Guilherme Calmon, outro representante do CNJ indicado para a Comissão, a cooperação judicial internacional pode ajudar o Brasil a cumprir o prazo de seis semanas presente no texto do acordo internacional. "Como signatários da Convenção de Haia, precisamos encontrar meios que possibilitem que esses casos sejam resolvidos nesse prazo. Esse é um tempo que não vem sendo cumprido pelo Brasil", observou.

Na reunião estavam presentes membros dos ministérios da Justiça e de Relações Exteriores, da Advocacia-Geral da União, da Secretaria de Política para Mulheres da Presidência da República, da Defensoria Pública da União, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Em outubro, acomissão se reunirá novamente para debater uma minuta de projeto de lei com a lista de medidas apresentadas pelos órgãos que compõem o grupo.

Para saber mais – O sequestro internacional é o ato de transferir uma criança ilicitamente de um país para outro sem o consentimento de um dos genitores. Também é considerado ilegal reter uma criança em um país sem o consentimento do outro genitor, após um período de férias, por exemplo, ainda que o pai ou a mãe tenha dado a sua autorização.

Processos de subtração de crianças são objeto da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. Firmado em 1980 e ratificado pelo Brasil em 2000, o tratado tem por objetivo "assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante (país que assina o acordo) ou neles retidas indevidamente", assim como assegurar os direitos de guarda e de visita nos países que fazem parte da convenção.

A Comissão Permanente de Subtração Internacional de Crianças tem como objetivo propor iniciativas de prevenção à subtração e retenção internacional de crianças e adolescentes, propor medidas de divulgação da Convenção de Haia sobre sequestro de crianças, atuar na capacitação dos agentes públicos envolvidos em sua aplicação, elaborar propostas e atos normativos sobre a implementação da Convenção de Haia e da Convenção Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores, além de estimular pesquisas sobre tais convenções.

Fonte: CNJ | 09/09/2014.

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Artigo: Famílias mútuas – Por JONES FIGUEIRÊDO ALVES

A troca de bebês em maternidades, nascidos em mesmo dia, decorrente da ineficiência da administração hospitalar, tem provocado que famílias assumam como filhos os que são de outras, tendo-os, todavia, como verdadeiros filhos, ao fim e ao cabo da convivência familiar prolongada, em manifesta parentalidade socioafetiva.

As primeiras repercussões fáticas são danosas, quando a não semelhança física com os pais, permite "inconvenientes desconfianças" do cônjuge varão, que levam, em alguns casos, à separação judicial, ou à compreensão social do "filho de criação"; culminando, outrossim, com a realização de exames genéticos para a verificação da paternidade e, ao depois, a procura e identificação do filho biológico trocado.

As soluções subsequentes são a destroca dos filhos (em medida do possível) a retificação dos registros civis pessoais (com mudança dos prenomes) e as indenizações por danos morais (de caráter compensatório); quando, em bom rigor, as sequelas psicológicas são profundas, os fatos da vida se tornaram inexoráveis pelos danos existenciais causados, valendo, anotar, por essencial, os vínculos socioafetivos que jamais se desfazem.

A propósito, notável julgado da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde relator o desembargador Erik de Sousa Dantas Simões, juiz decisor de primeiro grau o magistrado Glacidelson Antonio da Silva (1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Garanhuns; sentença em DJe. nº 123/2011, de 07.07.2011, pp. 1.182-1.185) e patrono dos autores o advogado Ivonaldo de Albuquerque Porto, confirmou a responsabilização civil estatal por troca de bebês, com o significativo de que ambas as famílias e os menores impúberes ajuizando, em conjunto, a ação indenizatória, permaneceram aqueles em companhia dos seus pais registrais, civis e sociafetivos, por inarredável situação consolidada de amor paterno-filial entre eles. (TJPE – DJe. nº 45/2014, de 10.03.2014, pp. 167-168). 

"Bem que fartos em amor, como natural, puderam ter em J.R.B.S.J., a satisfação de tê-lo amado como filho e continuarão a ama-lo como tal", disseram os primeiros pais na petição inicial da ação proposta, o mesmo repetindo os segundos, em relação a L.F. de S.

Os bebês nasceram no mesmo dia (30.05.1998), no mesmo hospital, com uma diferença de apenas oito minutos, trocados na primeira hora, e somente sete anos depois (25.04.2005), tiveram, por exame genético, suas verdadeiras origens biológicas reveladas.

As decisões recíprocas dos pais afetivos, uns e outros, de mantê-los no lar original de cada um, onde foram criados e amados, ao tempo que exaltam a paternidade e maternidade socioafetivas fazem, em ato instante, uma cumplicidade inevitável com o destino deles, mormente quando, na hipótese, tudo evidencia uma desigualdade econômica das famílias envolvidas. Essa singularidade mais enaltece o triunfo do amor, cuja prevalência tem seguido precedentes dignificantes: (i) o caso "Stanley e Jobson", em Cruzeiro do Sul, no Acre, quando somente quinze anos depois (05.2013)  foi  descoberta a troca, mantiveram-se os jovens com suas genitoras afetivas, decidindo ambas as famílias estabelecer encontros para a dinâmica de convivência entre os filhos e as mães biológicas Maria Lúcia Bezerra e Ana Cláudia Ramos;  (ii) o caso "Franciele e Danielle", em Foz do Iguaçu, no Paraná, quando trocadas em maternidade (23.10.1995), o que somente constatado sete depois, decidiram também as famílias em não desfazer a troca, morarem próximas, tornando-se duas famílias unidas.

Em situações que tais, recolhem-se esses fatos da vida como elementos indutores ao surgimento determinante do que ora se denomina de "famílias mútuas". Famílias mútuas serão aquelas, portanto, que se apresentam formadas por mães e pais que assumindo, efetivamente, a socioafetividade parental de seus filhos, que lhes foram remetidos pelo destino, desde o berço trocado, não deixam, todavia, de proteger o vinculo biológico com os seus filhos consanguíneos em poder de outra família, cuja permanência ali se oferece como ditame da mesma socioafetividade preordenada.

Há um outro dignificante exemplo, no caso russo da família Belyaeva, quando sua filha Anya foi trocada por Irina, filha de uma família muçulmana, a do tadjique Naimat Iskanderov, tendo o tribunal de Kopeisk, nos montes Urais, condenado o hospital a uma indenização de U$ 100 mil (2011). As duas famílias, independente de tradições, costumes e religião diferentes, decidiram utilizar a indenização para possibilitar residências próximas ou até uma moradia multifamiliar, para as crianças crescerem juntas com todos os pais.

Anota-se que a troca de bebês em maternidades, notadamente públicas, tem sido um fenômeno crescente, não obstante medidas de segurança, normas internas ou municipais e a tímida tipificação penal referida pelo art. 229 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no atinente à correta identificação do neonato e da parturiente, por ocasião do parto. Os julgamentos dos tribunais brasileiros, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, têm sido frequentes, a assinalar a responsabilização civil por ilicitudes dessa espécie.

No caso mais recente, anota-se com louvor que, para além da condenação do Estado de Pernambuco à indenização no valor de R$ 300 mil por danos morais para todos os autores (pais e filhos), foi acrescida a obrigação de o Estado fornecer tratamento psicológico a todos eles, pelo prazo de dois anos.

No ponto, tenha-se por refletir da impostergável construção jurídica do instituto do "pensionamento por dano existencial", de prazo determinado ou permanente, em moldura jurídica equipotente à do "pensionamento por morte", do art. 948, I, do Código Civil; ou seja, uma "pensão civil por dano" destinada a suprir não apenas as despesas necessárias de tratamento psicológico de suporte às situações de adequação supervenientes ao ilícito mas, sobremodo, as despesas advenientes e dirigidas à uma dinâmica de convivência dos pais com os filhos biológicos que permaneçam na família socioafetiva preestabelecida.

De efeito, há que se incluir na doutrina e na jurisprudência, o abrigo jurídico mais apropriado a reger as situações de vida onde as famílias mútuas, surgidas pela prevalência do afeto, edificam presença eloquente de dignidade. São exemplos de multiparentalidade, no entrelace de fatos, que a ordem jurídica, por certo, também haverá de, sem submissão a dogmas, necessariamente contemplar.  Quando separadas por troca, em Rio Verde (Goiás), há vinte e seis anos atrás, as gêmeas Kátia Sousa e Juliana Flausina, descobriram-se irmãs, em ocasião que foram trabalhar na mesma loja de sapatos, o destino orienta que o direito deve compreender melhor a vida.

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* O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE | 14/04/2014.

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