STJ: Para Quarta Turma, autor de ação de paternidade tem de apresentar indício do relacionamento

Diante da recusa do réu a fazer o exame de DNA, a presunção de paternidade deve ser considerada dentro do conjunto de provas levantado no processo. Essa recusa não acarreta automaticamente a procedência do pedido, pois é necessário que o autor da ação de paternidade apresente indícios mínimos da existência de relacionamento entre a genitora e o investigado.

O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar um processo em que o réu se recusou por duas vezes a fazer o exame, e o juízo de primeiro grau reconheceu a presunção absoluta por considerar que seria impossível ao autor da ação apresentar provas por outros meios, tendo em vista se tratar de um relacionamento esporádico e clandestino.

O juízo afirmou que seria desarrazoado impor ao autor prova impossível. O réu, no entanto, reclamou que o magistrado antecipou o julgamento da matéria e com isso cerceou sua defesa, já que não havia no processo elementos mínimos que indicassem a existência do suposto relacionamento entre o casal. A sentença se baseou no artigo 232 do Código Civil, segundo o qual a recusa à perícia ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, que proferiu o voto vencedor na Quarta Turma, a questão deve ser tratada da mesma forma como quando há revelia em processo de investigação de paternidade. Nesses casos, os fatos alegados não podem ser tidos como verdadeiros, cabendo ao autor apresentar prova mínima dos fatos alegados. O ministro considera que a recusa ao exame de DNA não é mais grave do que a revelia.

“Também deve o autor, por simetria, provar minimamente os fatos apontados na inicial da ação”, afirmou Salomão.

Casos furtivos

O relator do processo, ministro Marco Buzzi, que ficou vencido no julgamento, afirmou que não se poderia exigir a produção de provas por parte do autor da ação, porque esta seria impossível. Segundo ele, o relacionamento sexual, muitas vezes, reveste-se de caráter reservado e furtivo, o que dificulta a produção de prova.

Para Salomão, a prova do relacionamento amoroso não é condição indispensável para a declaração de paternidade, muito menos a prova de um relacionamento clandestino ou esporádico. Mas a prova indireta, consistente em indícios, deve ser produzida para que seja prestigiada a verdade real dos fatos. Ele votou no sentido de que o processo volte à primeira instância para que sejam produzidas as provas necessárias.

Segundo alegações do processo, o autor, atualmente com 32 anos, teria tido educação custeada no exterior pelo réu, mas sempre por meios indiretos e com a preocupação de não deixar provas da paternidade.

O réu sustentou que, dado o seu poder econômico, é inviável fornecer material genético toda vez que alguém alega ser seu filho, ainda mais diante de uma realidade de laboratórios mal equipados e de profissionais mal treinados.

Presunção relativa

No Brasil não há norma que obrigue a pessoa a se submeter ao exame de DNA.

No recurso de apelação, a defesa sustentou que, nos termos do artigo 2º-A da Lei 8.560/92 (com redação dada pela Lei 12.004/09), “a recusa do réu em se submeter ao exame genético gerará a presunção de paternidade, a ser apreciada com o conjunto probatório”. A defesa sustenta que não houve contexto probatório levado em consideração pela sentença.

Ao julgar a matéria, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aplicou o enunciado da Súmula 301 do STJ, a qual determina que, “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantumde paternidade” – ou seja, presunção relativa, que admite prova em contrário.

O TJSP apontou julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo o qual “a necessidade da produção da prova há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique cerceamento de defesa” (RE 101.171).

Situação delicada

O ministro Luis Felipe Salomão considerou que, no caso em julgamento, não houve menção na sentença nem no acórdão aos fatos narrados ou às provas eventualmente produzidas pelas partes.

“Tudo no processo revela a necessidade de as instâncias ordinárias avaliarem com mais precisão a situação posta nos autos, que é extremamente delicada”, disse o ministro. Salomão entende que o TJSP pode vir a aplicar o enunciado da Súmula 301 do STJ, como o fez, mas após o necessário cotejo da prova produzida.

Votaram com Salomão os ministros Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira para dar parcial provimento ao pedido do réu recorrente. A ministra Isabel Gallotti também deu parcial provimento, mas em menor extensão.

O ministro Marco Buzzi, relator original, negou provimento por entender que a procedência da ação investigatória é medida necessária, tendo em vista que não existe nos autos nenhuma prova capaz de desconstituir a presunção relativa de paternidade decorrente da recusa do réu.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 12/11/2014.

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Jurisprudência mineira – Agravo de instrumento – Ação negatória de paternidade em face do pai registral – Preliminares afastadas – Exame de DNA dirigido contra suposta avó paterna

DIREITO DE FAMÍLIA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE EM FACE DO PAI REGISTRAL – PRELIMINARES AFASTADAS – EXAME DE DNA DIRIGIDO CONTRA SUPOSTA AVÓ PATERNA – DESNECESSIDADE QUANDO O PAI REGISTRAL NÃO FOI SUBMETIDO AO EXAME – RECURSO PROVIDO

– O STJ tem entendido que é cabível a propositura da ação de investigação de paternidade pelo neto, filho do suposto pai, já falecido, contra os eventuais avós.

– Dúvida não há de que o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, sendo inaplicável, ainda que por analogia, qualquer prazo decadencial ou prescricional.

– A análise prematura da incompetência relativa por este Tribunal, além de configurar supressão de instância, poderá ocasionar tumulto processual, na medida em que a questão ainda não foi solucionada em primeiro grau.

– "Tendo em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, verifica-se que a ambivalência presente nas recusas de paternidade é particularmente mutilante para a identidade das crianças, o que impõe ao julgador substancial desvelo no exame das peculiaridades de cada processo, no sentido de tornar, o quanto for possível, perenes os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento" (STJ – REsp 1003628).

– Existindo dúvidas acerca da existência de vínculo biológico com o pai registral, há que se examinar o pedido de negativa de paternidade para, posteriormente, se adentrar o pedido investigatório post mortem.

– Assim, em não tendo o pai registral se submetido ao exame de DNA, subverte a lógica processual a submissão de suposta avó paterna ao teste, sob o argumento de que se trata de genitora daquele que seria o verdadeiro pai da autora.

Rejeitar preliminares e dar provimento.

Agravo de Instrumento Cível nº 1.0407.12.003103-1/001 – Comarca de Mateus Leme – Agravante: A.M.M. – Agravado: R.J.S. – Interessado: J.B.P.S. – Relator: Des. Luís Carlos Gambogi

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 8 de maio de 2014. – Luís Carlos Gambogi – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. LUÍS CARLOS b GAMBOGI – Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por A.M.M. contra a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Mateus Leme, que, nos autos da ação negatória de paternidade ajuizada por R.J.S., deferiu o pedido de prova pericial, determinando a expedição de alvará para a realização de exame de DNA.

Sustenta a agravante que a decisão merece reforma, já que, antes de submetê-la à realização do DNA, há a necessidade de provar que o primeiro réu, pai registral, não é o pai biológico da agravada. Afirma contar com mais de 95 (noventa e cinco) anos de idade e que são fundamentais a garantia e a preservação do seu direito de inviolabilidade, princípio maior da dignidade da pessoa humana. Alega que, nos autos, não consta qualquer prova ou indício da suposta paternidade e que obrigá-la ao exame de DNA é atentar contra a intangibilidade de seu corpo. Aduz que a negativa de paternidade é contra o pai registral, não sendo justo que quem não participou do registro, e tem certeza absoluta de que o filho não teve convivência com a mãe da agravada, seja constrangida a submeter-se a uma perícia médica, notadamente porque a negatória de paternidade é dirigida ao pai, e não à suposta avó paterna. Com essas considerações, requer seja concedido efeito suspensivo ao recurso e, ao final, que lhe seja dado provimento, até decisão do recurso.

Decisão agravada à f. 91.

Contraminuta às f. 125/129.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se, às f. 188/193, pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

De início, observo que a agravante atravessou petição às f. 108/117, alegando, dentre outras questões, a sua ilegitimidade passiva, a incompetência do Juízo de Mateus Leme para o julgamento do presente feito, a decadência do direito da autora, a necessidade de nomeação de curador ao corréu e o descabimento do exame de DNA no caso presente.

Afirmou, ainda, ter oferecido exceção de incompetência em primeiro grau, não tendo o ilustre Magistrado apreciado a matéria, bem como determinado a suspensão do feito, nos termos do art. 306 do CPC.

Pois bem!

Primeiramente, registro que é sabido e ressabido que a legislação processual civil não admite enxertia em sede de agravo de instrumento, em função do princípio da unirrecorribilidade recursal e diante da preclusão consumativa, razão pela qual não pode a recorrente se valer de petição, apresentada em momento processual posterior à protocolização do recurso, para apresentar alegações, a fim de fazer valer seu direito.

Contudo, no caso específico dos autos, considerando que as matérias suscitadas são de ordem pública, uma vez que afetas à legitimidade, à decadência e à incompetência, passo a analisá-las.

Preliminares.

Passo, inicialmente, ao exame da preliminar de ilegitimidade passiva.

Desde já, registro que não há falar em ilegitimidade passiva, considerando tão somente o título dado à causa, mormente porque o nomen iuris informado é elemento acessório, não se destacando entre os requisitos elencados no art. 282 do CPC.

No caso dos autos, o nomen iuris conferido à causa foi "ação de negativa de paternidade".

Não obstante tal denominação, certo é que o feito se refere à investigação de paternidade c/c a desconstituição da filiação, já que o objeto da lide assenta-se, precipuamente, na ocorrência de falsidade no registro.

De fato, a hipótese sob análise não trata apenas de desconstituição da filiação, mas também de investigatória de paternidade post mortem, em que é a filha pretende ver declarado quem é seu verdadeiro pai.

Havendo pedido de investigação de paternidade, em que a pessoa indicada como suposto pai se encontra morta, o réu será, naturalmente, um de seus ascendentes ou descendentes.

Trata-se de solução jurídica que privilegia o exercício de direito fundamental à busca da identidade genética, de forma a tornar efetivos outros direitos, como o direito à igualdade entre os filhos e o direito à personalidade, bem como o princípio da paternidade responsável.

Do contrário, seria impossível a investigação de paternidade post mortem, o que inviabilizaria o próprio reconhecimento do direito ao estado de filiação e à origem genética, fundados no princípio da dignidade da pessoa humana.

Diante desses fundamentos, o STJ tem entendido ser cabível a propositura da ação de investigação de paternidade dos netos em face dos avós; ou seja, os filhos do suposto pai, já falecido, podem propor a ação de investigação de paternidade, tendo os avós no polo passivo.

Sobre a matéria, colaciono jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“Civil e processual. Ação investigatória de paternidade movida contra os avós, por já falecido o suposto pai. Recusa em se submeter ao exame de DNA. Sentença que julgou improcedente a ação, com base nas demais provas. Acórdão que, em face da recusa, inverte o resultado, baseado em confissão ficta dos avós, com omissão no exame do contexto fático restante. Impossibilidade. Contradição verificada entre voto e ementa, no tocante à fertilidade, por afirmá-la sem manifestação expressa a respeito da prova da vasectomia. Nulidade. CPC, arts. 131 e 535, I e II. I. – O julgamento da ação de investigação de paternidade deve obrigatoriamente considerar todo o contexto probatório trazido aos autos, e não apenas a recusa dos investigados em submeterem-se ao exame de DNA, que, embora constituindo prova desfavorável, pela presunção que induz de que o resultado, se realizado fosse o teste, seria positivo em relação aos fatos narrados na inicial, sofre, no caso dos autos, razoável enfraquecimento, por se cuidar de processo movido apenas contra os supostos avós – porque já falecido o suposto pai -, a demandar, por isso mesmo, minucioso exame dos fatos pelo Tribunal de Justiça, já que, na sentença, tais elementos, minuciosamente examinados pelo Magistrado de 1ª instância, foram tidos como insuficientes à procedência da demanda. II. 

Ressalvas de fundamentação em votos vogais. III. Verificado, assim, que a Corte a quo, sem apreciar, como lhe cabe, a prova, omitiu-se a respeito, exclusivamente aplicando o princípio da confissão ficta contra os avós, inclusive incorrendo em contradição entre a ementa e o voto condutor, ao tecer afirmações sobre a fertilidade do de cujus, filho dos réus, impõe-se a nulidade do julgamento, para que outro seja proferido, suprindo as faltas apontadas. IV. Recurso especial dos réus conhecido em parte e parcialmente provido, prejudicado o recurso da autora” (REsp 292.543/PA – Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior – Quarta Turma – j. em: 05.12.2002 – DJ de 08.09.2003, p. 332).

Por fim e apenas por amor ao debate, convém destacar que doutrina e jurisprudência majoritárias afirmam caber apenas ao pai o ajuizamento da negatória de paternidade, nos termos do art. 1.601 do Código Civil:

“Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação”.

Contudo, imperativo lembrar que a ação negatória de paternidade e a ação de desconstituição de filiação possuem o mesmo provimento, qual seja o de desconstituir a paternidade.

Nesse ínterim, deve o julgador admitir a ação deduzida sob o nome de ação negatória de paternidade tanto pelo pai como pelo filho, já que ambas visam à anulação de registro civil, em homenagem aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da celeridade processual.

Nesse sentido, é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

“Direito de família. Ação negatória de paternidade. Descaracterização. Ação declaratória de inexistência de filiação. Anulação de registro de nascimento por vício de vontade. Legitimidade ativa do suposto pai e de qualquer pessoa que tenha interesse econômico e moral. Precedentes do STJ. Cumulação de medidas de natureza cautelar ao processo principal. Possibilidade. Recurso provido para cassar a sentença. – Na ação negatória de paternidade, prevista no art. 1.601 do CC/02, o objeto está restrito à impugnação da paternidade dos filhos havidos no casamento, e a legitimidade ativa para sua propositura é apenas do marido, que possui o vínculo matrimonial necessário para tanto. Na hipótese, contesta-se a paternidade de filho concebido fora do matrimônio, o que aponta a inadequada incidência do art. 1.601 do CC/02 à espécie. – O pedido de anulação de registro de nascimento, fundamentado em falsidade ideológica do assento, encontra amparo na redação do art. 1.604 do CC/02, cuja aplicação se amolda ao pedido exposto na exordial. – Não se tratando de negatória de paternidade, mas de ação declaratória de inexistência de filiação, por alegada falsidade ideológica no registro de nascimento, não apenas o pai é legítimo para intentá-la, mas também outros legítimos interessados. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça” (Apelação Cível 1.0261.10.001292- 9/001 – Relator: Des. Mauro Soares de Freitas – 5ª Câmara Cível – j. em: 27.01.2011 – p. em 08.02.2011).

“Direito de família. Ação negatória de paternidade. Legitimidade do pai registral para intentar ação que pretende a desconstituição da paternidade. – Sobre a legitimidade ativa para a propositura da negatória de paternidade, em que pese o art. 1.601 do CC estabelecer que ‘cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível’, doutrina e jurisprudência majoritária são uníssonas em afirmar que cabe ao pai o ajuizamento da negatória de paternidade, ainda que este não seja casado com a genitora do filho que se deseja desconstituir a paternidade. – Ressalta-se que o mesmo provimento da negatória de paternidade, qual seja a desconstituição da filiação, pode ser deduzida em Juízo sob o nome de ação anulatória de registro civil, tanto pelo pai como pelo filho. – O magistrado deve deixar de lado o excesso de formalismo jurídico, buscando o cumprimento dos princípios da economia processual e da celeridade processual, pois a moderna concepção de processo é sustentada justamente pelos princípios da economia, da instrumentalidade e da celeridade processual, determinando o aproveitamento máximo dos atos processuais, principalmente quando não há prejuízo para a defesa das partes” (Apelação Cível 1.0035.09.152971-5/001 – Relator: Des. Dárcio Lopardi Mendes – 4ª Câmara Cível – j. em: 22.04.2010 – p. em 18.05.2010).

Assim, por todos os fundamentos trazidos, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.

Seguindo em frente, no que se refere à decadência do direito da autora, razão não assiste à recorrente, data venia. 

Fora de dúvida que a anulação do registro anterior é mera consequência do eventual reconhecimento da paternidade biológica, não havendo falar em aplicação de prazo decadencial de anulação de registro civil a inviabilizar o direito ora perseguido.

Assim vem decidindo iterativamente o colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade c/c petição de herança e anulação de partilha. Decadência. Prescrição. Anulação da paternidade constante do registro civil. Decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade. Citação do pai registral. Litisconsórcio passivo necessário. – Não se extingue o direito ao reconhecimento do estado de filiação exercido com fundamento em falso registro. – Na petição de herança e anulação de partilha, o prazo prescricional é de vinte anos, porque ainda na vigência do CC/16. – O cancelamento da paternidade constante do registro civil é decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do pedido de reconhecimento da nova paternidade, o que torna dispensável o prévio ajuizamento de ação com tal finalidade. – Não se pode prescindir da citação daquele que figura como pai na certidão de nascimento do investigante para integrar a relação processual na condição de litisconsórcio passivo necessário. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido" (STJ – 3ª Turma – REsp 693230/MG – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – DJ de 02.05.2006).

Ademais, o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado sem qualquer restrição, sendo inaplicável, ainda que por analogia, qualquer prazo decadencial ou prescricional.

Diante do exposto, rejeito a preliminar de decadência.

Por fim, analiso a preliminar de incompetência.

No que se refere à preliminar, noticiou a recorrente ter oferecido exceção de incompetência em primeiro grau, não tendo o ilustre Magistrado apreciado a matéria, ou determinado a suspensão do feito, nos termos do art. 306 do CPC.

Não obstante tais alegações, nada há que ser tecido por este juízo de revisão sobre a questão, em respeito ao devido processo legal.

Não se pode perder de vista que a análise prematura da matéria por este Tribunal, além de configurar supressão de instância, poderá ocasionar tumulto processual, na medida em que a questão nem sequer foi debatida em primeiro grau. 

Isso porque a exceção de incompetência relativa aforada, mas ainda não apreciada, vindo a ser objeto de decisão, poderá ser questionada mediante recurso próprio, não havendo falar em prejuízo à agravante.


Por outro lado, forçoso reconhecer que este Juízo de revisão deve se ater aos limites da decisão agravada, que apenas tratou de determinação da expedição de alvará para a realização de exame de DNA.

Com efeito, rejeito a preliminar de incompetência e passo ao exame do mérito.

Mérito.

Inicialmente, aponto que o nó górdio destes autos se resume à necessidade da produção de prova pericial e a consequente expedição de alvará para a realização de exame de DNA pela recorrente.

Conforme já enfatizado, a ação de investigação de paternidade trata de direito personalíssimo, de natureza pública, sendo matéria afeta ao estado das partes.

Conforme enuncia o art. 1.604 do Código Civil, somente é possível a revogação da paternidade quando o registro decorrer de erro ou falsidade, in verbis:

“Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”.

Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça assentou que "O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o ‘pai registral’ foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou, ainda, que tenha sido coagido a tanto" (REsp 1229044/SC – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – j. em: 04.06.2013 – DJe de 13.06.2013).

Em verdade, a lógica trazida pelo ordenamento jurídico brasileiro, reconhecida pela doutrina e jurisprudência, é a de que se impõe a desconstituição inicial da paternidade registral para, só posteriormente, emergirem as condições que permitam buscar a real identidade genética da parte.

Em outras palavras, existindo dúvida acerca da existência de vínculo biológico com o pai registral, há que se examinar o pedido de negativa de paternidade para, posteriormente, se enveredar pelos meandros do pedido investigatório.

Isso porque, mesmo que reconhecida a ausência de vínculo biológico, nas causas em que o Poder Judiciário fora chamado a se posicionar, é possível prevalecer a paternidade socioafetiva do pai registral sobre a biológica, principalmente quando as peculiaridades do caso concreto indicarem ser a medida a que melhor espelha a justiça, o que torna prejudicada a questão relativa ao vínculo genético.

No caso vertente, após muito refletir e analisar os fatos narrados, estou em que a submissão da avó paterna ao exame de DNA somente se justificaria caso tivesse sido reconhecido não ser o pai registral o pai biológico da autora.

Não se me parece inteligente permitir a inversão das fases processuais para, antes que se resolva a matéria afeta à negativa de paternidade, determinar que quem não participara do registro, sem qualquer evidência nos autos de que seu filho tivera convivência com a mãe da agravada, seja constrangido a submeter-se a uma perícia médica.

Assim, em não tendo o pai registral se submetido ao exame de DNA, reputo desaconselhável a submissão de suposta avó, cujo filho já faleceu, ao teste de DNA, sob o mero apontamento de que se trata da genitora daquele que seria o pai biológico da autora.

Entendo que a agravante somente deve ser compelida a realizar o exame de DNA após reconhecido que o pai registral não é seu pai biológico.

Nesse mesmo sentido, colaciono:

“Apelação cível. Investigação de paternidade. Ausência de indício da relação entre a genitora e o investigado. DNA. Comparação do material genético do investigante e supostos avós paternos. Excepcionalidade não configurada. Sentença confirmada. – Deve ser confirmada a sentença que julga improcedente o pedido de reconhecimento de paternidade se o autor não se desincumbiu do ônus da prova, previsto no art. 333, I, do CPC. – A determinação de perícia para comparação do material genético do investigante em face dos supostos avós paternos é medida excepcional, admitida somente em ação de investigação de paternidade post mortem, em que os familiares do de cujus figurem no polo passivo” (Apelação Cível 1.0126.06.005283-7/001 – Relator: Des. Afrânio Vilela – 2ª Câmara Cível – j. em: 25.09.2012 – p. em 05.10.2012).

Diante do exposto, entendo que razão assiste à recorrente em não concordar com a perícia, pelo menos no presente momento, em que o pai registral nem sequer foi ouvido nos autos, não tendo também se submetido ao referido exame.

Isso posto, após debruçar-me detidamente sobre os elementos fáticos e probatórios constantes dos autos, na esteira do que restou defendido pelo digno representante do Ministério Público, rejeito as preliminares e dou provimento ao recurso, para reformar a decisão que determinou à agravante a submissão a exame de DNA.

Custas, ex lege.

DES. BARROS LEVENHAGEN – De acordo com o Relator.

DES. VERSIANI PENNA – Sr. Presidente.

Rejeito as preliminares na esteira da d. Relatoria.

Quanto ao mérito, acompanho, in tontum, o preciso voto do eminente Relator, Desembargador Luís Carlos Cambogi, visto que eventual submissão da suposta avó biológica, ora agravante, ao exame de DNA está a depender da prévia desconstituição do registro civil da recorrida.

Com efeito, "ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade", nos termos do art. 1.604 do Código Civil.

É cediço que o reconhecimento de filhos por meio de registro público é irrevogável, fazendo o registro presunção da paternidade declarada – presunção esta iuris tantum.

Nesse sentido, leciona Fabrício Zamprogna Matiello:

“[…] a filiação constante do termo de nascimento é oponível contra todos, sendo tomada, enquanto perdurar a presunção como verdade insuscetível de contestação por quem quer que seja. A ninguém se permite afirmar ou invocar estado diverso daquele que resulta do registro de nascimento, a menos que à alegação some-se prova cabal de ter havido erro ou falsidade quando da sua lavratura. A prevalência do registro é relativa; a lei preocupada em preservar a credibilidade dos assentos e da fé pública admite que qualquer pessoa legitimamente interessada (o próprio registrado, o cônjuge que não declarou o conhecimento, terceiro etc.) tenha acesso às vias ordinárias para vindicar estado contrário ao mencionado nos livros oficiais, mas exclusivamente nos casos de erro ou falsidade (MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comentado. 2. ed. São Paulo: LTR, 2005, p. 1.046).

Prossegue o autor:

“A relatividade da presunção de firmeza do conteúdo registral leva em consideração a existência de situações como a de falso registro de filho alheio como se fosse próprio, equívoco na apresentação dos elementos do assento (nome dos pais, por exemplo), e outras tantas, capazes de produzir a derrubada da verdade jurídica estabelecida pelas normas civilistas. Assim, o reconhecimento do erro e da falsidade constitui forma pertinente e eficaz de estabelecer a verdade das coisas, evitando a subsistência de informações cartoriais viciadas e potencialmente capazes de produzir danos ou constrangimentos a outrem” (Ibidem).

Assim, e porque o exame biológico ainda não foi realizado com o pai registral, que nem sequer fora ouvido nos autos, não vindo a ser desconstituído o assentamento civil, não se justifica, a priori, a submissão da agravante ao exame de DNA.

Ora, a ausência de vínculo biológico não desconstitui, por si só, a paternidade, se não comprovado vício de vontade na assunção da mesma, como bem ressalvou o eminente Relator, na esteira do entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1229044/SC – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – j. em: 04.06.2013 – DJe de 13.06.2013).

Ante o exposto, também dou provimento ao agravo de instrumento para reformar a interlocutória que determinou a submissão da agravante ao exame de DNA.

Custas, na forma da lei.

É como voto.

Súmula – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 07/11/2014.

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Não se pode manter à força relação de paternidade

Autor da ação requereu a retificação do assento de nascimento da então filha, que é de outro homem.

Em caso de exame de DNA conclusivo pela exclusão da paternidade, não há que se falar em manter à força a relação parental. A conclusão é da 4ª câmara de Direito Privado do TJ/SP, ao analisar caso de homem que descobriu, após quatro anos do nascimento da filha, que esta não era sua em realidade.

No processo de investigação de paternidade, o homem requereu a retificação do assento de nascimento, alegando que fora enganado pela namorada. O autor pactuou união estável com a mãe da criança, e, assim que nasceu, a registrou e passou a conviver com ela como se seu pai fosse.

Passados quase quatro anos, durante uma briga de casal envolvendo a educação da filha, ouviu de sua companheira: “Não se meta na educação dela, até porque, pra seu governo, ela nem é sua filha….”

Convencido da afirmação, rompeu a relação com ambas, voltou a morar com os pais e propôs a demanda.

A defesa reconheceu a inexistência de paternidade biológica e sustentou a tese da paternidade afetiva, requerendo que, reconhecido este instituto, ele fosse mantido no assento de nascimento como o pai da infante.

"Não se cria vínculo afetivo por decisão judicial"

O juízo da 1ª vara da Família e Sucessões de Santo Amaro/SP assentou que deve prevalecer o melhor interesse da criança. E neste ponto, “se mostra que manter a mentira, além de inaceitável por si, será por demais danoso à menor. Ao saber ela da verdade poderá buscar, se o caso, a verdadeira paternidade, inclusive fazer valer aspectos patrimoniais dela decorrentes. Os vínculos afetivos se estabelecem independentemente da ligação sanguínea e, portanto, imperioso se mostra não confundirmos a existência da ligação afetiva, certamente alheia à discussão desses autos, com a ligação biológica". (grifos nossos)

Para o juiz de Direito José Ernesto de Souza Bittencourt Rodrigues, “não se cria vínculo afetivo por decisão judicial”, e assim determinou a procedência do pedido de negatória de paternidade e a retificação no assento de nascimento da criança, bem como a supressão do patronímico do autor do nome da menina.

Houve recurso da ré, mas o TJ/SP manteve a sentença em sua integralidade. O relator, desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, fixou que se mostra “diabólica” a “prova da falta de conhecimento da realidade biológica acerca da paternidade à época do registro”

Para Carvalho Filho, ausente prova de que o vínculo entre a criança e o homem se manteve, a sentença deu adequada solução à lide.

Atuou, em favor do autor, o advogado Fernando Moreno Del Debbio, do escritório Fernando Moreno Advogados.

Fonte: Migalhas | 06/11/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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