TJSP: Cancelamento que constituiu efetivamente uma nova doação, desta feita dos então donatários aos outrora doadores – Retorno dos bens então doados ao patrimônio dos doadores primitivos – Doação, havida em 2003, que se aperfeiçoou cabalmente, em que pese, os donatários não haverem realizado o seu registro, sendo da índole do instituto da doação a impossibilidade de seu cancelamento puro e simples

EMENTA

Apelação cível. Anulatória de débito fiscal e repetição de indébito. Doação havida em 2003. Cancelamento desta, ocorrido em 2006. Bis in idem. Inocorrência. Sentença de improcedência do pedido que há de ser mantida. Cancelamento que constituiu efetivamente uma nova doação, desta feita dos então donatários aos outrora doadores. Retorno dos bens então doados ao patrimônio dos doadores primitivos. Doação, havida em 2003, que se aperfeiçoou cabalmente, em que pese, os donatários não haverem realizado o seu registro, sendo da índole do instituto da doação a impossibilidade de seu cancelamento puro e simples. Irrevogabilidade, outro traço ínsito à natureza do instituto. Revogações admitidas apenas quando presentes as condições previstas em lei. Estas não verificadas no caso dos autos. Não apresentado, na espécie, qualquer motivo para a revogação da doação havida em 2003. Despicienda, no mais, a inscrição da escritura, no Registro de Imóveis para a incidência do tributo, visto que o pagamento do imposto constitui exigência indispensável à consolidação da doação. Estando o tabelionato, inclusive, impedido de finalizar o procedimento no âmbito cartorial, não havendo referido pagamento tributário. Por conseguinte, o "cancelamento" ou "revogação" (indiferente a nomenclatura que se utilize) havido em 2006, implicou no retorno dos bens doados à esfera patrimonial dos então doadores, tudo a revelar novo fato gerador e nova operação tributável, afastando-se, destarte, a alegação de que houve, na espécie, bis in idem. Recurso não provido. (TJSP – Apelação Cível nº 0000152-04.2013.8.26.0322 – Lins – 3ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Ronaldo Andrade – DJ 28.08.2014)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0000152-04.2013.8.26.0322, da Comarca de Lins, em que é apelante IVAN DE OLIVEIRA, é apelado FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso, vencido o 3º juiz, que fará declaração de voto.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANTÔNIO CARLOS MALHEIROS (Presidente) e JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA.

São Paulo, 8 de abril de 2014.

RONALDO ANDRADE – Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto em face da r. sentença de fls. 211/216, proferida nos autos de ação declaratória de inexistência de relação jurídica, cumulada com repetição de indébito, por meio da qual seu autor afirma que a cobrança tributária neste feito impugnada não tem base legal.

Referida sentença, cujo relatório se adota, julgou a pretensão em questão improcedente, entendendo que o atuar fazendário fora regular e revestido da inafastável legalidade, não havendo, portanto, razões para que fossem acolhidos os pleitos deduzidos pelo autor.

Este, insatisfeito com o resultado do julgado, apela pugnando por sua integral reforma e acolhimento in totum dos pedidos que postulou.

Suas razões recursais estão acostadas, às fls. 224/230.

Recurso respondido pela fazenda estadual.

Contrarrazões recursais, às fls. 242/247.

E o relatório do necessário.

VOTO

O recurso não comporta provimento.

Em sua peça exordial o autor traz a informação de que, com muita estranheza, recebeu notificação fiscal expedida pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, Posto Fiscal de Lins, com o seguinte teor:

“…Os documentos entregues, referentes à Notificação PF 419.4 156/2011, demonstram que foi feita doação no valor de R$740.000,00 com reserva de usufruto em 24/01/2003 por Vossa Senhoria a diversos donatários e em 07/06/2006 ocorreu a revogação desta doação, em situação não prevista na legislação, o que configura uma nova doação, um novo ato jurídico e por isso, fica V. Senhoria NOTIFICADO a, nos termos do artigo 2o, II, c.c. artigo 7o, III da Lei 10.705 de 28/12/2000 a apresentar, no prazo de 5(cinco) dias úteis, nesta Repartição Fiscal:

1. Cópia da guia de recolhimento do ITCMD – imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos, referente à doação, no importe de 4% sobre R$590.000,00, 2/3 referente ao retorno da nua propriedade para ele, com os acréscimos legais.

O pagamento deverá ser feito em guia ITCMD e o não recolhimento poderá implicar em lançamento de ofício.

Apresentada defesa em sede administrativa, o processo fora julgado e mantido o lançamento de cobrança do ITCMD sobre o ato da revogação da escritura de doação, entendendo o fisco que tal operação constituiu nova doação.

Aduz o autor, ora apelante, que a incidência do citado tributo sobre a "revogação" da escritura de doação não tem qualquer propósito, visto que tal não configurou nova doação, tratando-se apenas de cancelamento da mesma.

Sustenta ainda tratar-se de procedimento notarial interno, simples cancelamento da escritura de doação e que não houve o registro do título translativo no Registro de Imóveis, tudo a demonstrar, segundo alega, que os bens doados, em 2003, nunca ingressaram no patrimônio dos donatários, fato que revela a inocorrência de uma nova doação ou reversão dos bens ao patrimônio do doador, em 2006.

Estando, dessa forma, descaracterizada a ocorrência do fato gerador que enseja a cobrança nestes autos discutida.

Em acréscimo, aduz o apelante que depois de cancelada a escritura de doação foram os imóveis novamente doados nos anos de 2010 e 2011, com o recolhimento das taxas devidas.

Dessa feita, defende fazer jus a almejada declaração de inexistência de relação jurídica, cancelamento do débito fiscal correlato e repetição dos valores já despendidos.

Contudo, sem razão.

Sua pretensão é de fato, improcedente.

O juízo originário bem decidiu a controvérsia; aplicando o direito com correição e tecnicidade.

Não se mantém a alegação trazida pelo apelante de que os bens constantes da escritura lavrada em janeiro de 2003 não foram transmitidos, continuando sempre no patrimônio dos doadores, por não ter havido o registro da escritura por nenhum dos donatários.

A doação em comento, havida em 2003, em que pese os donatários não haverem realizado o seu registro, aperfeiçoou-se cabalmente.

Nem se olvide, que uma doação não pode ser pura e simplesmente cancelada.

A irrevogabilidade é traço ínsito a este instituto, sendo admitida apenas quando presentes as condições previstas em lei.

Estas não verificadas na espécie, visto que não fora apresentado qualquer motivo para a revogação da doação.

Ao revés, houve o comparecimento ao Cartório para o ato de “cancelamento” ou revogação dos então doadores e donatários.

Despicienda, no mais, a inscrição da escritura, no Registro de Imóveis para a incidência do tributo, visto que o pagamento do imposto constitui exigência indispensável à consolidação da doação.

A esse propósito, agregue que o tabelionato fica inclusive impedido de finalizar o procedimento no âmbito cartorial, não havendo referido pagamento tributário.

Destarte, o "cancelamento" ou "revogação" (indiferente a nomenclatura que se utilize) havido em 2006, da doação ocorrida em 2003, implicou, na prática, no retorno dos bens então doados à esfera patrimonial dos então doadores.

O que revela uma nova operação tributável, afastando-se, por conseguinte, a alegação de que houve, na espécie, bis in idem.

Pondere-se, ainda, que o procedimento fiscal combatido por meio da presente ação transcorreu de forma regular, sendo oportunizado e exercido pelo contribuinte o contraditório e o direito de se defender.

Suas alegações foram suficientemente enfrentadas na seara administrativa, sendo expostas, com clareza, as razões da manutenção da combatida exação.

Isto posto, não há razões ou elementos aptos a ensejar a reforma da sentença e o acolhimento da pretensão deduzida na exordial e reiterada nesta via recursal.

O tributo é devido, visto que os bens doados em 2003 retornaram ao patrimônio dos doadores em 2006, traduzindo efetiva e nova operação de doação, na medida em que os bens outrora doados, no ano de 2003, regressaram ao campo patrimonial dos então doadores de forma plena.

O próprio teor do instrumento de "revogação", "cancelamento" da doação deixa claro tratar-se de nova doação. Ressalte-se que a revogação não foi unilateral, tendo havido concordância dos donatários para a efetivação de tal ato, retornando os bens doados ao patrimônio dos doadores. A lei não impede a revogação plurilateral sem motivação, só a unilateral, que demanda a motivação do artigo 555 do Código Civil. Assim não colhe a alegação de que a revogação seria um procedimento interno, que aliás, inexiste no nosso sistema. O que houve de fato e de direito foi a revogação de uma doação já aperfeiçoada e depois nova doação, sendo devido o tributo ante a transferência de propriedade.

Apropriada, no mais, a analogia feita pelo juízo originário e constante da sentença, no sentido de que operações de compra e venda poderiam, com base nos fundamentos apresentados pelos ora apelantes, ser desfeitas da mesma forma, ou seja, um comprador poderia revender um dado imóvel ao seu proprietário anterior, mediante o simples cancelamento ou revogação da escritura de compra e venda primária.

Consideram-se prequestionados, para fins de possibilitar a interposição de recurso especial e extraordinário, todos os dispositivos de lei federal e normas da Constituição Federal mencionados pelas partes.

Ante os fundamentos expostos acima, nega-se provimento ao recurso.

RONALDO ANDRADE – Relator.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6580 | 04/09/2014.

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TJ/GO: Filha que nasceu após doação de imóveis do pai a irmãos terá direito a parte deles em herança

A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), por unanimidade de votos, reformou sentença proferida pelo juízo da Vara de Família da comarca de Formosa para que dois imóveis sejam levados à colação a fim de serem divididos entre os herdeiros de Ezequiel Espíndola de Ataíde. Ezequiel havia doado os imóveis aos seus filhos anteriormente ao nascimento de sua outra filha, Sílvia Xavier de Ataíde. O relator do processo foi o juiz substituto em segundo grau Wilson Safatle Faiad.

Consta dos autos que no dia 30 de julho de 1979, Ezequiel doou todos seus bens imóveis, com dispensa de colação, aos seus filhos. A doação foi feita depois que seus filhos descobriram que ele estava convivendo com Deusalice Soares de Oliveira. Em agosto de 1982 Sílvia nasceu, fruto do relacionamento de Ezequiel e Deusalice. Ezequiel faleceu no dia 17 de dezembro de 1998 e, em primeiro grau, foi determinada a exclusão dos dois imóveis doados pelo inventariante.

Sílvia e sua mãe interpuseram agravo de instrumento pedindo a cassação da sentença para determinar que a metade dos bens doados aos filhos, seja colacionada para a partilha com igualdade. Elas citaram o Código Civil de 1916 que prevê a nulidade da doação que ultrapasse a metade disponível do doador.

Em seu voto, o juiz destacou o parecer ministerial que opinou pela colação dos imóveis com o objetivo de se igualar a herança a todos os filhos. Para o Ministério Público, "quando da morte do doador, o herdeiro necessário que recebeu bens do ascendente precisa trazê-los à conferência para verificar se não houve excesso. É o único meio de respeitar a igualdade".

Wilson Safatle ainda chamou a atenção para o fato de que "a doação extrapolou a reserva legal prevista pela legislação atinente". Logo, em seu entendimento, a doação nada mais é que adiantamento da legítima, sendo dever dos filhos trazer à colação os bens doados.

A ementa recebeu a seguinte redação: "Agravo de instrumento. Ação de inventário cumulada com colação de bens. Recurso secundum eventum litis. Doação feita por ascendente a descendente. Herdeiro necessário superveniente à liberalidade. Validade do negócio. Dever de se levar os bens doados à colação como forma de igualar a legítima. Decisão desacertada. Reforma parcial. 1. Em sede de agravo de instrumento, por se tratar de recurso secundum eventum litis, mostra-se pertinente ao órgão ad quem averiguar tão somente a legalidade e/ou o acerto ou desacerto do ato a quo, sob pena de suprimir-se inexoravelmente um grau de jurisdição. 2. As concessões feitas pelo doador em favor dos donatários são válidas, porquanto além de beneficiar todos os herdeiros à época, pôs os bens em usufruto seu aquele que doou. Contudo, com o falecimento do genitor, momento em que foi aberta a sucessão, os descendentes que receberam as doações são obrigados, por força do disposto no artigo 2.002 do Código Material, a trazer à colação os valores/propriedades que dele receberam em vida, para igualar a legítima, sob pena de sonegação. Ressalva necessária é a de que: a circunstância de a demandante ter nascido posteriormente, portanto, herdeira superveniente, não tem o condão de liberar os demandados da obrigação. Recurso conhecido e parcialmente provido.“ (201491309083)

Fonte: TJ/GO | 01/09/2014.

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STJ: Terceira Turma afasta impenhorabilidade ao reconhecer má-fé em doação de imóvel

O reconhecimento de fraude à execução, com a consequente declaração de ineficácia da doação, afasta a proteção ao bem de família prevista na Lei 8.009/90. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso em que se discutia a validade de uma doação feita em benefício de filho menor. 

No caso, o credor ingressou com ação de cobrança para receber valores decorrentes de aluguéis em atraso. Durante a fase de cumprimento de sentença, os devedores decidiram transferir seu único imóvel residencial para o filho. A doação foi feita três dias depois de serem intimados ao pagamento da quantia de quase R$ 378 mil. 

O artigo 1º da Lei 8.009 dispõe que o único imóvel residencial da família é impenhorável e não responderá por nenhuma dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, salvo nas hipóteses legalmente previstas. 

Há precedentes no STJ que não reconhecem fraude à execução na alienação de bem impenhorável, já que o bem de família jamais será expropriado para satisfazer a dívida. A Terceira Turma, no entanto, considerou que a conjuntura dos fatos evidenciou a má-fé do devedor e, ponderando os valores em jogo, entendeu que deve prevalecer o direito do credor. 

Problemas de saúde 

Os devedores alegaram em juízo que não tinham por objetivo fraudar a execução. Como o pai enfrentava problemas de saúde, o casal teria decidido resguardar o filho doando-lhe o imóvel, evitando assim custosos e demorados processos de inventário. Sustentaram que não teriam praticado nenhum ato que pudesse colocá-los em insolvência, já que não havia bens penhoráveis mesmo antes da doação. 

O juízo de primeiro grau concluiu que, mesmo sendo inválida a doação, não houve fraude à execução, tendo em vista que se tratava de imóvel que não poderia ser penhorado. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no entanto, reformou a decisão ao fundamento de que houve má-fé na conduta, o que afasta a natureza impenhorável do imóvel. 

Ao analisar a questão, a Terceira Turma do STJ considerou que, em regra, o devedor que aliena, gratuita ou onerosamente, o único imóvel onde reside com a família abre mão da proteção legal, na medida em que seu comportamento evidencia que o bem não lhe serve mais à moradia ou subsistência. 

“As circunstâncias em que realizada a doação do imóvel estão a revelar que os devedores, a todo custo, tentam ocultar o bem e proteger o seu patrimônio, sacrificando o direito do credor, assim obrando não apenas em fraude da execução, mas também – e sobretudo – com fraude aos dispositivos da própria Lei 8.009”, afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi. 

Jurisprudência 

A jurisprudência do STJ estabelece que a impenhorabilidade do bem de família pode ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, mediante simples petição. As Súmulas 364 e 486 estendem o alcance da garantia legal da impenhorabilidade ao imóvel de pessoas solteiras, separadas e viúvas, e também àquele que esteja locado a terceiros, se a renda obtida for revertida para a subsistência da família. 

A proteção legal pode ser afastada quando o imóvel está desocupado e não se demonstra o cumprimento dos objetivos da Lei 8.009. Também é afastada quando há o objetivo de fraudar a execução. Nesse sentido, “o bem que retorna ao patrimônio do devedor, por força do reconhecimento de fraude à execução, não goza da proteção da impenhorabilidade disposta na Lei 8.009”. 

A jurisprudência aponta ainda que “é possível, com fundamento em abuso de direito, afastar a proteção conferida pela Lei 8.009”. 

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1364509.

Fonte: STJ | 18/08/2014.

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