A Inconstitucionalidade do Decreto-Lei Nº 70/66

Por Ivanei de Almeida Alvim*

O Decreto-Lei nº 70, de 21.11.66, que autorizou o funcionamento de associações de poupança e empréstimo e instituiu a “cédula hipotecária”, prevê em seus artigos 31 a 35 um procedimento extrajudicial contra o devedor hipotecário, que resulta na expropriação de seus bens, em praça pública, mediante arrematação, no caso de vencida e não paga a dívida hipotecária. Essa mesma regra se aplica  ao SFH, nos termos do art. 36 do mesmo Decreto-Lei.

Trata-se de um procedimento inconstitucional, que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por não garantir ao devedor o devido  processo  legal, nos termos do que prescreve o art.  5º, LIV, da Constituição Federal, in verbis: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal, bem como da ampla defesa, esta assegurada no artigo  5º, LV, que estabelece que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e, aos acusados em geral, são assegurados os contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes”.

O Decreto-Lei em referência, em seu art. 20, prevê apenas a notificação do devedor para no prazo de 20 dias purgar a mora, não tendo, portanto, oportunidade de se defender, tendo de se submeter à expropriação de seu bem, se não puder quitar a obrigação, o que fere qualquer consciência jurídica. Tal procedimento de venda extrajudicial, portanto,  é à toda evidência, incompatível com tais princípios da Carta Magna, exsurgindo daí a sua inconstitucionalidade.”

Professora Ada Pellegrini Grinnover, em artigo intitulado “Deformalização do processo e deformalização”, publicado na RP nº 46, assim opina a respeito das execuções extrajudiciais previstas no Decreto-Lei nº 70/66:

“Inteiramente desvinculada das generosas razões que informam a tendência rumo à deformalização do processo e das controvérsias, a execução extrajudicial para o Sistema Financeiro de Habitação, prevista no Dec. Lei 70/66, e da Lei 5.741/71, representa distorção de origem autoritária que não se coaduna com os princípios processuais brasileiros.

Referidos diplomas legais permitem que a execução de operações ligadas aos mútuos para aquisição de casa própria se faça mediante procedimento administrativo sumário, instaurado por simples solicitação do credor ao agente fiduciário, sem possibilidade de defesa, sem contraditório, sem fase de conhecimento, ainda que incidental, e sem via recursal. O devedor tem o prazo de apenas  20 dias para a purgação da mora: diante da simples omissão, o imóvel é levado a leilão público pelo agente fiduciário; efetivada a alienação, transmite-se ao arrematante o domínio do imóvel hipotecado, mediante ação de imissão de posse.

Cumpre notar, ainda, que o Banco Nacional de Habitação, por disposição legal, é o agente fiduciário; e pode ser – e na maioria dos casos o é – o credor hipotecário. Nessa hipótese, concentram-se nas mãos da mesma entidade a legitimação ativa para a execução e a competência legal para os atos executórios.

A constitucionalidade do sistema tem sido defendida, argumentando-se com a necessária ação de imissão de posse, para a entrega compulsória do imóvel ao arrematante. Mas mesmo esse controle jurisdicional é insuficiente, porquanto a lide se circunscreve tão-só  à verificação do preenchimento das formalidades legais, ficando a matéria restrita ao âmbito angusto da discussão sobre a posse.

A verdade é que a malsinada execução extrajudicial consagra uma forma de autotutela, repudiada no Estado de direito, salvo casos excepcionais; infringe o princípio constitucional da inafastabilidade da apreciação judiciária e fere os institutos da unidade da jurisdição e da atribuição da função jurisdicional ao juiz constitucional; além de violar os postulados que garantem o direito de defesa, o contraditório, a produção das próprias razões, sem os quais não pode caracterizar-se o ‘devido processo legal”.

A execução extrajudicial promovida nos moldes dos procedimentos do Dec.Lei nº 70/66, está sendo questionada no RE-627106, em trâmite no STF. Em 18.8.2011, o Tribunal Pleno teve a seguinte decisão:

Após os votos dos Senhores Ministros Dias Toffoli (Relator) e Ricardo Lewandowski, negando provimento ao recurso extraordinário, e os votos dos Senhores Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ayres Britto, provendo-o, pediu vista dos autos o SenhorMinistro Gilmar Mendes. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Falaram, pela recorrida, o Dr. Natanel Lobão Cruz e, pela interessada, o Professor Arruda Alvim. Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 18.08.2011.

Como se trata de uma legislação que deve ser adequada à Constituição de 88, o foro correto para essa discussão é o Congresso Nacional. Afinal de contas, “é a cidadania, e não o poder econômico, que deve ser ouvida em primeiro lugar”, conforme a colocação tão adequada de nossa presidenta.

*Ivanei de Almeida Alvim é Advogado Especializado em Processo Civil pela ESA.

(O artigo publicado é de total responsabilidade do autor)

Fonte: ANOREG BR, com remissão ao Jornal Fórum Ed. Julho de 2013

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Caixa pode leiloar imóvel de mutuário inadimplente

A 6.ª Turma do TRF da 1.ª Região decidiu manter o leilão extrajudicial de um imóvel adquirido por meio de financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF), após o comprador manter-se inadimplente por 79 meses. O caso chegou à Justiça em 2007, quando o morador de Belo Horizonte apresentou ação na tentativa de suspender o processo de execução. Em primeira instância, a 17.ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais negou o pedido e concedeu à Caixa o direito de vender o imóvel.

Insatisfeito, o morador apelou ao TRF. Argumentou que a perda do bem ocorreu de forma ilegal, contrariando a função social do contrato firmado com a Caixa – destinado à população de baixa renda – e o direito à renegociação da dívida. A relatora do processo, entretanto, deu razão à CEF. No voto, a juíza federal convocada Hind Ghassan Kayath, observou que o procedimento adotado pelo banco deu-se conforme previsto no Decreto-Lei n.º 70/1966, que regula o trâmite da execução extrajudicial no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). “Calha notar que foram expedidos avisos para pagamento do débito e houve a correta notificação para purgação da mora em até 20 dias (…), não existindo mácula no procedimento”, pontuou.

A magistrada também afastou a alegada violação ao direito social de moradia, assegurado pela Constituição, ao frisar que esse direito não se confunde, necessariamente, com o direito à propriedade imobiliária. “Ele convive no mundo jurídico com outros direitos também fundamentais, entre eles, o direito à liberdade, materializado, no caso concreto, pela autonomia da vontade (…) de obrigar-se contratualmente e, por conseguinte, suportar o ônus dessa livre manifestação”.

Quanto à suposta tentativa de renegociação da dívida, a juíza destacou não haver qualquer documento, nos autos, capaz de demonstrar essa pretensão por parte dos compradores. Além disso, “mesmo após a determinação judicial para depósitos das prestações vincendas, os autores permaneceram inertes, indicando, assim, total desinteresse em adimplir o contrato”.

Dessa forma, a relatora negou provimento à apelação e manteve, integralmente, a decisão de primeira instância. O voto foi acompanhado, por unanimidade, pelos outros dois magistrados que compõem a 6.ª Turma do Tribunal.

RC

Processo n.º 0019888-89.2007.4.01.3800

Julgamento: 22/03/2013
Publicação: 02/04/2013

Fonte: Assessoria de Comunicação Social- Tribunal Regional Federal da 1.ª Região. Publicação em 13/05/2013.