TJ/SC: Bebê será registrado com nomes de dois pais em caso de gestação por substituição

Um casal homoafetivo em união estável desde 2011 obteve autorização judicial para registrar o filho apenas com os nomes dos pais. A criança foi resultado de inseminação artificial, e a irmã de um dos companheiros cedeu o útero e o óvulo para a gestação. Ela abriu mão do poder familiar para atender ao pedido do irmão. A decisão do juiz Luiz Cláudio Broering considerou que, no caso, houve gestação por substituição, o que não pode ser confundido com "barriga de aluguel", conduta vedada pela legislação.

O magistrado esclareceu questionamento do Ministério Público, que entendeu tratar-se de adoção unilateral. O juiz apontou que a Resolução n. 2.013/2013, do Conselho Federal de Medicina, aprova a cessão temporária do útero, sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente consanguínea de um dos parceiros, até o quarto grau. Esclareceu, ainda, que foi cumprida a exigência de assinatura de termo de consentimento entre os envolvidos, além de contrato estabelecendo claramente a questão da filiação da criança e a garantia de seu registro civil pelo casal.

Assim, o magistrado afirmou que a tia da criança deve ser vista como gestora em substituição, e o fato de a doadora do óvulo ser conhecida em nada altera os contornos e consequências da inseminação heteróloga. Para Broering, a doadora deixou claro que apenas quis auxiliar seu irmão a realizar o sonho da paternidade, e que em nenhum momento teve dúvida a respeito do seu papel no projeto parental dos autores.

"A parentalidade socioafetiva, fruto da liberdade/altruísmo/amor, também deve ser respeitada. O presente caso transborda desse elemento afetivo, uma vez que o nascimento […] provém de um projeto parental amplo, idealizado pelo casal postulante e concretizado por meio de técnicas de reprodução assistida heteróloga, além do apoio incondicional prestado por [doadora], que se dispôs a contribuir com seu corpo, a fim de realizar exclusivamente o sonho dos autores, despida de qualquer outro interesse", ponderou o juiz.

Fonte: TJ/SC | 31/07/2014.

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Mudança do nome registral sem cirurgia transexual

* Eudes Quintino de Oliveira Júnior

A evolução dos princípios reguladores da convivência humana alcançou um estágio de liberdade que proporciona a cada um ousar ser o que quiser ser.

A resolução 1955/2010 do Conselho Federal de Medicina permite a realização da cirurgia de redesignação sexual para os pacientes que tenham sido acompanhados pelo prazo de dois anos por uma equipe multidisciplinar constituída, obrigatoriamente, por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, com o diagnóstico médico de transgenitalismo, ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia e que seja o paciente maior de 21 anos. Esta última exigência esbarra no Código Civil que estabelece a maioridade plena aos 18 anos. Após ter concluído o ajuste físico, há necessidade de se regularizar a nova situação no campo jurídico.

Até então nossos Tribunais, de forma já pacificada, vinham autorizando a alteração do nome e sexo no registro civil. Surge, agora, uma nova realidade: a retificação no assento de nascimento com a mudança do nome, sem a realização da cirurgia de transgenitalização. Não se trata da adoção do nome social, como o instituído pelo governo do Rio Grande do Sul 1, que possibilita a expedição da Carteira de Nome Social para travestis e transexuais, com a inserção do nome que reflita sua identidade de gênero, de utilização exclusiva no próprio Estado.

O Direito é dinâmico e se apresenta como um instrumento de uso coletivo para que as pessoas possam atingir suas pretensões. "O Direito, acentua Maximiliano, é um meio para atingir os fins colimados pelo homem em atividade; a sua função é eminentemente social, construtora; logo não mais prevalece o seu papel antigo de entidade cega, indiferente às ruínas que inconsciente ou conscientemente possa espalhar" 2. 

Assim, se se pretende mudar o sexo, sem a cirurgia de adequação, pergunta-se: onde está o sexo? na genitália?

A regra que sempre predominou é que o sexo é ditado pela genitália que define o homem e a mulher. A identidade sexual, sentencia Cury, "é a manifestação espontânea, seja no sentimento, ou na expressão de pertencer ao sexo feminino ou masculino independente dos seus cromossomos" 3.  A natureza do homem, apesar de carregar regras inflexíveis, todas lastreadas em conceitos fincados como dogmas, vai lentamente se diluindo e se amoldando às novas realidades. 

Então, se a cirurgia é recomendada, o sexo está na mente?

Nenhuma dúvida de que é a mente a força propulsora do mecanismo chamado corpo humano. Daí que a vocação sexual é ditada por ela e exige a  intervenção cirúrgica para se chegar ao equilíbrio da adequação sexual, em caso de desalinho. A lei permite a realização da cirurgia de transgenitalização de pessoa que carrega as genitálias interna e externa perfeitas, porém em total desajuste com sua mente, que já se amoldou ao sexo oposto. A falta de sintonia e conjugação dos fatores corpo e mente acarreta transtornos que impossibilitam o cidadão de encontrar sua verdadeira identidade sexual, como também exige uma carga supletiva de efetiva proteção legal para o exercício e a defesa de seus direitos consagrados nas políticas para a diversidade sexual.

Vários tribunais, inicialmente, rejeitavam ações com o propósito de  mudança de sexo e nome no documento registral. As decisões foram se amoldando à aceitação social e passaram a permitir a pretensão, desde que transgenitalizado o autor. Hoje o procedimento ganha corpo e permite a mudança de nome sem a cirurgia transexual, com fulcro na dignidade da pessoa humana, conforme recentes decisões4. 

Resta, ainda, indagar se o sexo está na aparência.

A evolução dos princípios reguladores da convivência humana alcançou um estágio de liberdade que proporciona a cada um ousar ser o que quiser ser. Trata-se um novo parâmetro identitário com erupções temporárias, que nem mesmo a lei, reguladora que é do controle social, consegue enunciar uma regra que seja coerente e aceitável, de acordo com um padrão ético. A aparência, por si só, não traduz uma identidade sexual definida. Basta ver o comportamento do crossdresser (aquele que traja vestes e usa acessórios do sexo oposto ao seu), que carrega dois perfis sexuais dissociados um do outro, podendo apresentar-se como heterossexual, homossexual, bissexual, totalmente divorciado da transexualidade. 

Forçoso é concluir que a definição da identidade sexual, desta forma, não está nas genitálias e sim faz parte da liberdade de escolha da pessoa, compreendida na elasticidade do princípio da dignidade humana. O Direito, obrigatoriamente, tem que caminhar de braços dados com as transformações sociais e encarar esta nova realidade, baseando-se no respeito mútuo e no convívio estável, ambos tutelados pelo Estado.

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1. Decreto 49476, de 15/8/2012.

2. Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 138.

3. Cury, Carlos Abib. Transexualidade: da mitologia à cirurgia. São Paulo: Iglu Editora, 2012, p. 33.

4. TJ/SP, APL 0082646-81.2011.8.26.0002, Ac. 7145642, 8ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Helio Faria, j. 30/10/2013). TJSP, APL 0082646-81.2011.8.26.0002, Ac. 7145642, 8ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Helio Faria, j. 30/10/2013.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp – Centro Universitário do Norte Paulista.

Fonte: Migalhas | 23/03/2014.

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