CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra de imóvel – Aquisição do imóvel na constância do casamento – Regime de separação obrigatória de bens – Presunção da comunicação dos aquestos nos termos da súmula 377 do supremo tribunal federal – Necessidade de prévia retificação do registro – Princípio da continuidade – Recusa do registro mantida – Recurso não provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0023763-70.2013.8.26.0100

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0023763-70.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JUNJI HISA, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 26 de agosto de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação n°: 0023763-70.2013.8.26.0100

Apelante: Junji Hisa

Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO N° 34.072

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra de imóvel – Aquisição do imóvel na constância do casamento – Regime de separação obrigatória de bens – Presunção da comunicação dos aquestos nos termos da súmula 377 do supremo tribunal federal – Necessidade de prévia retificação do registro – Princípio da continuidade – Recusa do registro mantida – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Junji Hisa contra a sentença das fls. 64/68, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital para manter a recusa de registro da escritura pública de compra e venda outorgada perante o 3º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, em 23/03/1998, pela qual Dulce Eliza de Campos Ferreira do Amaral vendeu a Junji Hisa o imóvel objeto da matrícula 5.332, sob o fundamento de que referido imóvel foi adquirido em 24/08/76, por ato oneroso, pela outorgante Dulce, ao tempo em que era casada sob o regime de separação obrigatória com Estanislau Ferreira do Amaral, não havendo qualquer notícia que afaste a presunção de que esse aquesto decorre de esforço comum e que, portanto, comunicar-se-ia ao patrimônio de ambos, por força da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal. Além disso, ainda que o R.2 da matrícula n. 5.332 tenha sido lavrado em erro, necessária sua retificação, em atenção ao princípio da continuidade.

O adquirente do bem, ora apelante, insiste na possibilidade do registro, sob o argumento de que não se aplica ao caso o disposto na Súmula 377 do STF e que se acha atendido o princípio da continuidade porque comprovado que o imóvel objeto da matrícula em questão não pertencia ao cônjuge de Dulce, Estanislau Ferreira do Amaral, por força do regime de casamento adotado e pelo fato deste último ter comparecido na escritura de compromisso apenas como assistente de sua mulher e não como compromissário vendedor, como induz, erroneamente, o registro R. 2 da matrícula n. 5.332, somado ao fato de que o imóvel não foi arrolado no inventário dos bens por esse deixados, o que implicaria na aceitação tácita, tanto pelo então marido, quanto pelo Espólio, de que o imóvel pertencia exclusivamente à viúva, sendo ainda relevante o fato de a escritura de compra e venda haver sido outorgada em cumprimento de compromisso anteriormente assumido e quitado, quando ainda vivo o marido (fls. 88/95).

Processado o recurso, a Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 105/108).

É o relatório.

O recurso não merece provimento.

A vendedora Dulce Eliza de Campos Ferreira do Amaral, casada sob o regime da separação obrigatória de bens com Estanislau Ferreira do Amaral, comprou, juntamente com seu cônjuge, em 24/08/76, o imóvel acima descrito, conforme R.1/M. 5.332 (fl. 06), compromissando-o posteriormente à venda a Junji Hisa, conforme R. 2/M. 5.332.

Ainda que se pudesse questionar o erro na lavratura do registro, quando na escritura de compromisso de compra e venda que fundamentou o R. 2 acima citado constou que a vendedora era Dulce Eliza, assistida por seu cônjuge Estanislau (fls. 29/31), mostra-se imperiosa a retificação prévia do registro, atendendo-se ao princípio da continuidade, sob pena de aquele agora perseguido comprometer o exato encadeamento subjetivo das sucessivas transmissões e aquisições de direitos reais imobiliários.

Indispensável, pois, observar o artigo 225, § 2°, da Lei de Registros Públicos, que consagra o princípio da continuidade, que é corolário do princípio da especialidade.

Afrânio de Carvalho, ao tratar do tema, observa:

"…importa lembrar que o título atual só é admissível no registro quando aí encontre outro pretérito a que possa ligar-se: o encadeamento há de ser ininterrupto. Essa afirmação não é senão um corolário de preceito latente do sistema, por mim realçado no anteprojeto atrás aludido, segundo o qual a pré-inscrição de titular antigo é indispensável à inscrição de novo titular." (Revista dos Tribunais 643/20 – "Títulos Admissíveis no Registro")

O mesmo doutrinador ensina:

"O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente." e acrescenta: "Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não-titular dele disponha. A pré-inscrição do disponente do direito, da parte passivamente interessada, constitui, pois, sua necessidade indeclinável em todas as mutações jurídicos-reais." (Registro de Imóveis, 4ª ed., Ed. Forense, 1998, p. 254).

Correta, pois, a recusa de se registrar o mencionado título negocial, pois, se os bens adquiridos na constância do casamento, segundo a Súmula 377 da Suprema Corte, comunicam-se mesmo no regime da separação obrigatória de bens, o marido tornou-se comunheiro da propriedade comprada pela mulher e, no caso de seu falecimento, seus herdeiros têm direito sobre a meação.

Em outras palavras: se entre cônjuges vigorava o regime da separação obrigatória de bens e se houve aquisição onerosa de bens durante a sociedade conjugal, o aquesto presume-se decorrente do esforço comum de ambos e, portanto, comunica-se, nos termos da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal. Em tal caso, se um dos cônjuges falecer, para que se possa saber, com relação ao aquesto, qual poder de disposição restou em mãos do cônjuge supérstite, é necessário que se demonstre que comunicação não houve ou que, por outra causa, na partilha ou adjudicação, o bem coube todo ao supérstite, o que só poderia ser resolvido a partir da apresentação do formal de partilha.

Como consignado no acórdão proferido na Apelação Cível n. 990.10.094.271-9 deste Conselho (relator o Desembargador Marco César Müller Valente, julg. 30/06/2010 in DJ: 24/09/2010), "determinar o registro sem o inventário, traria o risco de prejudicar possíveis herdeiros dele, sem que tenham tido oportunidade de manifestar-se. No processo de inventário se decidirá se afinal o imóvel comunicou-se ou não, e só então haverá a segurança jurídica necessária que se exige para a promoção do registro".

No mesmo sentido, este Conselho Superior da Magistratura já se pronunciou nos seguintes precedentes: Ap. Cível n. 990.10.017.203-4 (Relator Des. Marco César Müller Valente); Ap. Cível n. 094159-0/8 (Des. Luiz Tâmbara); Ap. Cível n. 077870-0/8 (Relator Des. Luís de Macedo); Ap. Cív. n. 62.111-0/0 e 63.914-0/2 (Relator Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição).

Portanto, não há como afastar a presunção de comunicabilidade dos aquestos nesta via administrativa, da forma pretendida.

Posto isso, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR 

Fonte: DJE/SP | 21/10/2014.

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STJ: Indenização trabalhista após separação deve ser partilhada se o direito foi gerado durante o casamento

O direito ao recebimento de proventos (salário, aposentadoria e honorários) não se comunica ao fim do casamento. Contudo, quando essas verbas são recebidas durante o matrimônio, elas se tornam bem comum, seja o dinheiro em espécie ou os bens adquiridos com ele.

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), esse mesmo raciocínio deve ser aplicado à situação em que o fato gerador dos proventos e a sua busca na Justiça ocorrem durante a vigência do casamento, independentemente da data em que for feito o pagamento.

Por essa razão, a indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos na constância do casamento integra o acervo patrimonial partilhável. Esse entendimento está consolidado na Terceira Turma, e também há precedentes da Quarta Turma.

Uma das decisões já proferidas (REsp 1.024.169) aponta que a interpretação harmônica dos artigos 1.659, inciso VI, e 1.660, inciso V, do Código Civil de 2002 permite concluir que os valores obtidos por qualquer um dos cônjuges a título de retribuição pelo trabalho integram o patrimônio comum tão logo sejam recebidos. Isto é, tratando-se de salário, esse ingressa mensalmente no patrimônio do casal, prestigiando-se dessa forma o esforço comum.

O acórdão diz ainda que “à mulher que durante a constância do casamento arcou com o ônus da defasagem salarial, o que presumivelmente demandou-lhe maior colaboração no sustento da família, não se pode negar o direito à partilha das verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do casamento, ainda que percebidas após a ruptura da vida conjugal”.

Origem da indenização

A tese voltou a ser discutida pela Quarta Turma no julgamento do recurso de ex-esposa que pleiteou a divisão de indenização trabalhista recebida pelo ex-marido após a separação.

Na primeira vez em que analisou o caso, a Turma determinou o retorno do processo ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para que se manifestasse a respeito do período em que a indenização teve origem e foi reclamada em ação trabalhista.

Cumprindo a decisão do STJ, o TJSP julgou os embargos de declaração no caso, que acabaram rejeitados. O fundamento foi que não havia omissão a ser sanada, uma vez que seria irrelevante saber a época da reclamação e do recebimento da indenização, pois a verba permaneceria incomunicável na partilha.

No julgamento de novo recurso especial contra essa decisão, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, reafirmou que é de extrema relevância para a solução do litígio identificar esse período. Como o STJ não pode averiguar matéria fática em recurso especial, a Quarta Turma deu provimento ao recurso para determinar novamente o retorno do processo ao TJSP.

Superada a questão da comunicabilidade da indenização trabalhista, a corte paulista deve agora verificar o período em que foi exercida a atividade laboral que motivou a ação trabalhista.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 26/09/2014.

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Artigo – O pacto antenupcial de separação de bens quando os nubentes estão sujeitos à separação obrigatória de bens – Por Letícia Maculan

* Letícia Maculan

O pacto antenupcial, ou contrato antenupcial, é um negócio jurídico bilateral de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinado a estabelecer regime de bens.

Nos termos do parágrafo único do art. 1640 do Código Civil, o pacto antenupcial tem que ser feito por escritura pública, sendo sua lavratura, assim, de atribuição exclusiva do Notário, conforme estabelece o art. 6º da Lei 8.935/94.

É indispensável o pacto quando os nubentes querem adotar o regime da comunhão universal, o da participação final nos aquestos, o da separação convencional ou ainda qualquer outro regime, posto que a doutrina e a jurisprudência admitem a criação de regimes diversos daqueles previstos no Código Civil. 

O pacto não é necessário quando as partes pretendem se casar pelo regime da comunhão parcial ou nos casos da separação obrigatória, pois ambos os referidos regimes decorrem de lei.

A questão a ser analisada neste artigo é a possibilidade da lavratura de pacto antenupcial nos casos em que a lei determina a aplicação do regime da separação obrigatória de bens e o regime que deveria constar no registro de casamento, lembrando que o referido registro é atribuição do Oficial do Registro Civil.

A pergunta é importante, pois os regimes de separação obrigatória de bens e de separação consensual de bens são diversos, de modo que é impossível constar no registro que o casamento estará regido pelo regime de separação obrigatória de bens e também que há pacto antenupcial de separação consensual de bens, por total incompatibilidade.

DAS DIFERENÇAS ENTRE OS REGIMES DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS E DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL

Os regimes da separação obrigatória de bens e da separação consensual de bens são diversos.

Nos termos do art. 1641 do Código Civil de 2002, por razões de ordem pública, visando proteger o nubente ou terceiro, o legislador impôs a separação obrigatória de bens.

Determina o referido art. 1641:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Logo, as pessoas inseridas nas situações previstas no art. 1641 do Código Civil terão que suportar os efeitos da imposição legal do regime, já que o legislador excepcionou a regra da livre manifestação de vontade dos consortes, estabelecendo a separação compulsória de bens.

A primeira diferença entre os regimes é a questão sucessória. No caso de separação consensual de bens, a lei é clara ao afirmar que não há meação. Já na separação obrigatória, grande parte da doutrina e da jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, entende ser ainda aplicável a Súmula 377 do STF, de modo que é devida a partilha igualitária do patrimônio adquirido onerosamente na constância do casamento, com base no princípio da solidariedade e a fim de evitar a ocorrência de enriquecimento ilícito de um consorte em detrimento de outro.

O Superior Tribunal de Justiça publicou, nesse sentido, o acórdão cuja ementa abaixo se reproduz (no original não há grifos ou negritos):

Ementa: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE SEXAGENÁRIOS. REGIME DE BENS APLICÁVEL. DISTINÇÃO ENTRE FRUTOS E PRODUTO.

1. Se o TJ/PR fixou os alimentos levando em consideração o binômio necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante, suas conclusões são infensas ao reexame do STJ nesta sede recursal.

2. O regime de bens aplicável na união estável é o da comunhão parcial, pelo qual há comunicabilidade ou meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união, prescindindo-se, para tanto, da prova de que a aquisição decorreu do esforço comum de ambos os companheiros.

3. A comunicabilidade dos bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve prevalecer sobre as exceções, as quais merecem interpretação restritiva, devendo ser consideradas as peculiaridades de cada caso.

4. A restrição aos atos praticados por pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos representa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.

5. Embora tenha prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável na união estável entre sexagenários é o da separação obrigatória de bens, segue esse regime temperado pela Súmula 377 do STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, sendo presumido o esforço comum, o que equivale à aplicação do regime da comunhão parcial.

6. É salutar a distinção entre a incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união, contida no § 1º do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, e a comunicabilidade dos frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão, conforme previsão do art. 1.660, V, do CC/02, correspondente ao art. 271, V, do CC/16, aplicável na espécie.

7. Se o acórdão recorrido categoriza como frutos dos bens particulares do ex-companheiro aqueles adquiridos ao longo da união estável, e não como produto de bens eventualmente adquiridos anteriormente ao início da união, opera-se a comunicação desses frutos para fins de partilha.

8. Recurso especial de G. T. N. não provido.

9. Recurso especial de M. DE L. P. S. provido. (Processo REsp 1171820 / PR – RECURSO ESPECIAL 2009/0241311-6 – Relator Ministro SIDNEI BENETI (1137) – Relatora para Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI – Órgão Julgador -TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 07/12/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 27/04/2011 – LEXSTJ vol. 262 p. 149)

Outra diferença importante é a que se refere à necessidade ou não da outorga do cônjuge para a alienação de bens imóveis. A doutrina e a jurisprudência já se posicionaram no sentido de que o art. 1647 do Código Civil, ao dispensar a outorga do cônjuge para alienação de bens, abarcou apenas o regime da separação consensual, isso porque, em virtude da Súmula 377 do STF, o regime da separação obrigatória de bens não é de “separação absoluta”:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis

É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento cuja ementa abaixo se reproduz (sem grifos ou negritos no original):

Ementa: RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. DOAÇÃO DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO EM REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. OUTORGA UXÓRIA. NECESSIDADE. FINALIDADE. RESGUARDO DO DIREITO À POSSÍVEL MEAÇÃO. FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO COMUM. CONTRIBUIÇÃO INDIRETA. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO IMPROVIDO.

1. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência.

2. Controvérsia sobre a aplicação da Súmula n. 377 do STF.

3. Casamento regido pela separação obrigatória. Aquisição de bens durante a constância do casamento. Esforço comum. Contribuição indireta. Súmula n. 7 do STJ.

4. Necessidade do consentimento do cônjuge. Finalidade. Resguardo da possível meação. Plausibilidade da tese jurídica invocada pela Corte originária.

5. Interpretação do art. 1.647 do Código Civil.

6. Precedente da Terceira Turma deste Sodalício: "A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no artigo 1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377/STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória/marital para os negócios jurídicos previstos no artigo 1647 da lei civil." (REsp n. 1.163.074, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 4-2-2010).

7. Recurso especial improvido. (Processo REsp 1199790 / MG – RECURSO ESPECIAL 2010/0118288-3 – Relatora Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) – Órgão Julgador TERCEIRA TURMA – Data do Julgamento 14/12/2010 – Data da Publicação/Fonte DJe 02/02/2011 – RMDCPC vol. 40 p. 106)

Por fim, há diferença no que se refere à herança. No regime da separação obrigatória de bens, o cônjuge não é herdeiro; já no regime da separação consensual de bens, o cônjuge é herdeiro, nos termos do art. 1829 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (sem grifos ou negritos no original)

A corroborar o entendimento acima apresentado, há o recente acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais cuja ementa abaixo se reproduz:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – DIREITOS SUCESSÓRIOS – CÔNJUGE SOBREVIVENTE – REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO CC/02 – INTERPRETAÇÃO – CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA HERANÇA – HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO – NECESSIDADE.

A mais adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão. (Processo: Agravo de instrumento 1.0701.13.009162-5/001, 0820985-66.2013.8.13.0000, Relator Desembargador Geraldo Augusto, DJe 12/12/2013)

Conclui-se que os regimes de separação consensual e de separação obrigatória de bens não se confundem, sendo somente o regime de separação consensual uma separação verdadeiramente absoluta, já que o regime da separação obrigatória, tanto em virtude da Súmula 377 do STF, quanto em decorrência do determinado no art. 1647 do Código Civil, não leva, na realidade, a uma separação de bens.

POSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS DAQUELES QUE ESTÃO SUJEITOS, EM VIRTUDE DA LEI, AO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA

Demonstrado, pois, que os regimes da separação consensual e da separação obrigatória não se confundem, resta examinar a possibilidade de opção pela separação consensual daqueles que, em virtude do determinado no art. 1.641 do Código Civil, teriam que se submeter à separação obrigatória.

A primeira questão a ser observada é que o objetivo da lei ao impor o regime da separação de bens é proteger o nubente ou terceiros.

Assim, se um casal opta pelo regime da separação consensual, que na realidade é o regime da separação absoluta de bens, não está sendo ferido o objetivo da lei, ao contrário, tal objetivo está sendo plenamente observado. O casal que se encaixa nosrequisitos do art. 1641 do Código Civil pode optar pelo regime da separação consensual, seja para evitar transtornos de anuência do cônjuge sempre que houver alienação de imóveis, seja para que cada um administre seus bens, seja ainda para proteger o patrimônio no caso de eventual separação, sem que haja, para eles ou para terceiros, qualquer prejuízo.

A segunda questão a ser analisada é o fato de existir questionamento sobre a constitucionalidade da separação obrigatória de bens, havendo grande tendência, pois, em ser declarada inconstitucional a imposição do referido regime. Em razão disso, pode ocorrer que um casal QUE EFETIVAMENTE QUEIRA A SEPARAÇÃO DE BENS, mas que não pôde escolhê-la por ter sido a ele imposta a separação obrigatória de bens, venha a ter também a separação obrigatória afastada, por inconstitucionalidade.

DO EXAME DA QUESTÃO EM CASO CONCRETO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA E PELA JUÍZA DA VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DE BELO HORIZONTE

Em caso concreto ocorrido no Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte-MG, a Oficial, autora do presente artigo, apresentou à Exma. Juíza da Vara de Registros Públicos consulta sobre a possibilidade de opção de casal sujeito à separação obrigatória de bens pelo regime da separação consensual de bens.

A Exma. Juíza determinou a abertura de vista ao Douto Ministério Público, que assim se manifestou:

Através do presente procedimento, a Oficiala do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro formula "Consulta" à Exma. Juíza da Vara de Registros Públicos desta Capital, a respeito da possibilidade de se realizar sob a égide da Separação Consensual de Bens, em caso de obrigatoriedade de Separação de Bens, nos moldes do art. 1641 do Código Civil.

Conforme despacho de fls. 09, a Exma. Juíza determinou a abertura de vista ao Ministério Público, para que este requeira o que entender de direito.

É o breve relato.

A princípio, cabe esclarecer que, como bem salientou a Oficiala, os regimes da Separação Obrigatória de Bens e Separação Consensual são diferentes, em que pese haver, em regra, a não comunhão de bens do casal.

A Súmula 377 do STJ e o art. 1.647 do Código Civil, ambos em pleno vigor, são suficientes para demonstrar que a separação obrigatória de bens não é tida como um separação absoluta, ao contrário da Separação Consensual devidamente optada através de um Pacto Antenupcial.

Isto é, a Separação Consensual, por se tratar de uma separação absoluta, abarca os efeitos da Separação Obrigatória de Bens, nos moldes do art. 1.641 do Código Civil, não havendo razão para se preterir a Separação Consensual em face da Separação Obrigatória, se os nubentes pretendem que o casamento seja regido pela Separação Consensual.

Desta forma, concordando com a interpretação da Oficiala ao explanar as razões desta Consulta, o Ministério Público entende ser possível e plenamente cabível a realização do casamento sob o regime da Separação Consensual, constando do respectivo registro tal regime somente, isto é "Regime da Separação Consensual de Bens.

Após receber o Parecer Ministerial, a Exma. Juíza decidiu:

Vistos etc,

Defiro o pedido nos termos do requerimento da ilustre Oficial e do parecer ministerial. Deve ser ressaltado na certidão de casamento o regime de separação consensual de bens, pois resulta da incomunicabilidade pactuada dos bens adquiridos antes, na constância e após o casamento, de modo que os bens de cada cônjuge constituem acervos distintos. Vê-se que até mesmo os bens adquiridos durante a vigência do casamento figurarão. Desta forma, concordando com a interpretação da Oficiala ao explanar as razões desta Consulta, o Ministério Público entende ser possível e plenamente cabível a realização do casamento sob o regime da Separação Consensual, constando do respectivo registro tal regime somente, isto é "Regime da Separação Consensual de Bens".

CONCLUSÃO

Examinada a questão por todos esses ângulos, conclui-se que não há qualquer prejuízo para os nubentes ou para terceiros em se admitir que as pessoas às quais seria imposto o regime da separação obrigatória de bens optem pelo regime da separação consensual de bens. Também o objetivo da lei seria preservado, pois a separação consensual é MAIS AMPLA do que a separação obrigatória de bens.

Estaria, ainda, sendo observada a autonomia da vontade, garantindo àqueles que querem ter patrimônios SEPARADOS que assim ocorra, facilitando também a negociação de imóveis, se essa for a vontade dos nubentes, posto que a separação consensual de bens afasta a necessidade de outorga conjugal, o que não ocorre no regime da separação obrigatória de bens.

Ocorrendo tal opção pela separação consensual de bens, e sendo juntado aos autos do processo de habilitação para casamento o pacto antenupcial, deverá o Oficial do Registro Civil fazer constar que o regime do casamento é o da SEPARAÇÃO CONSENSUAL DE BENS, não podendo ser admitido que seja registrado “regime da separação obrigatória com pacto”, pois os regimes são diversos e a falta de clareza poderia levar a grandes transtornos para o casal. 

Apesar de a interpretação acima parecer ser a melhor, como não há lei expressa sobre a questão, cabe ao Oficial de Registro, diante de um caso concreto, consultar o Poder Judiciário, por meio do Juiz de Direito competente para Registros Públicos, a fim de que seja fixada a interpretação sobre o tema. 

Apesar de haver posicionamento isolado do Superior Tribunal de Justiça, no RESP 992749/MS, DJe 05/02/2010, no sentido de que tanto no regime da separação consensual quanto no da separação obrigatória o cônjuge não herda, não tem sido esse o entendimento da doutrina e jurisprudência majoritárias.

A consulta foi autuada sob o nº 8002126.84.2014.813.0024.

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Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro.
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