Criança pode ser registrada com nomes de dois pais em caso de gestação por substituição

O juiz Luiz Cláudio Broering, titular da 1ª Vara da Família de Santa Catarina, decidiu que um casal homoafetivo, em união estável desde 2011, tem autorização judicial para registrar o filho com os nomes dos pais. A criança foi gerada por inseminação artificial, e a irmã de um dos companheiros cedeu o útero e o óvulo para a gestação. A decisão do juiz considerou que, neste caso, houve gestação por substituição, o que não pode ser confundido com barriga de aluguel, procedimento proibido pela legislação.

Segundo o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão se configura como uma das mais corajosas que temos acompanhado por todo o Brasil. “A resolução ajuda a ponderar sobre o tema, além de valorizar o afeto. Caso fosse a vontade dos pais manter o nome da mãe biológica, também deveria ser possível, fosse esta a vontade de todos. O que a Justiça faz e deve fazer é responder os anseios da sociedade contemporânea. A relação de amor para com o seu filho ou filha independe da relação de afeto entre casais. A relação parental é totalmente diferente da relação conjugal. Uma pode se dissolver e a outra jamais.”, avalia.

Rodrigo da Cunha explica que, felizmente, são muitas as decisões que têm beneficiado todas as configurações familiares. “Uma das medidas que pode beneficiar pessoas que querem adotar, seria permitir que a Lei da Adoção realmente estimule a adoção, facilite o processo e permita que as milhares de crianças abandonadas tenham uma família para chamar de sua”, diz.

A gestação por substituição é uma técnica de reprodução humana artificial, na qual há uma cooperação de um terceiro, denominado de mãe substituta, para a consumação da gestação, tendo em vista que existe uma impossibilidade absoluta do casal engravidar. Este tipo de gestação pode utilizar métodos de fertilização in vitroou inseminação artificial e outras técnicas de reprodução humana assistida.

Luiz Cláudio Broering esclareceu o questionamento do Ministério Público, que entendeu tratar-se de um caso de adoção unilateral, que consiste na adoção, geralmente pelo padrasto ou madrasta, do filho do cônjuge ou companheiro, e ocorre o rompimento do vínculo de filiação com um dos pais, para que seja criado um novo vínculo com o pai adotivo.

O magistrado apontou que a Resolução nº. 2.013/2013, do Conselho Federal de Medicina (CFM), aprova a cessão temporária do útero, sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente consanguínea até o quarto grau de um dos parceiros. Explicou, ainda, que foi cumprida a exigência de assinatura de termo de consentimento entre os envolvidos, além de contrato estabelecendo a questão da filiação da criança e a garantia de seu registro civil pelo casal.

Com tudo isso, o juiz afirmou que a tia da criança deve ser vista como gestora em substituição, e o fato de a doadora do óvulo ser conhecida, não altera as consequências da inseminação heteróloga, que é considerada como uma técnica de reprodução assistida que envolve a doação de gametas de terceiro anônimo estranho ao casal. Em decisão, Broering comentou que a doadora afirmou que apenas quis auxiliar o irmão a realizar o sonho da paternidade, e que em nenhum momento teve dúvida a respeito de sua atuação no projeto parental.

Fonte: IBDFAM – Com informações do TJ/SC | 14/08/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Encomenda de filho

Por Jones Figueirêdo Alves

A busca do filho, por meios não naturais, encontra o caminho dos avanços da tecnologia, mediante técnicas de reprodução assistida, que faz também encontrar "novas famílias". Tal sucede nos casos da mulher solteira, em produção independente, que obtém esperma de doador desconhecido (famílias monoparentais), e de casais homoafetivos, obtendo gametas em doação (famílias de dois pais ou duas mães).

Decisão da Corte Européia de Direitos Humanos, em 03/11/11, admitiu legitima a proibição, por seus países membros, de doação de sêmen e óvulos para a fertilização in vitro; frustrando a expectativa de muitos casais inférteis. Não obstante julgamento contrário (abril/10) de uma de suas Câmaras. Em outra latitude, reconheceu, porém, que cabe a cada Estado legislar sobre a matéria, devolvendo aos países membros o poder-dever de revisões legislativas que aperfeiçoem as leis sobre reprodução assistida.

No Brasil, onde inexiste estatuto legal de reprodução medicamente assistida, a recente resolução 2.013/13, do Conselho Federal de Medicina, – publicada no DOU, de 9/5/13 – adota normas éticas para a utilização das técnicas de RMA, como disposições deontológicas a serem seguidas pela classe médica. Ali a doação de gametas é admitida, sempre sem caráter lucrativo ou comercial, e sem identificação recíproca entre doadores e receptores, ante a obrigatoriedade do sigilo pessoal da identidade dos envolvidos (cláusula IV, itens 1 e 2). A mesma resolução torna "permitido o uso das técnicas de RMA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito da objeção de consciência do médico." (cláusula II, ítem 2).

De saída, tem-se considerar, então, que novos filhos serão obtidos de uma aplicação específica das imensas possibilidades apresentadas pela medicina reprodutiva. É certo que "esses recursos, positivamente considerados excepcionais, devam ser acessíveis somente quando o emprego de tais técnicas seja o instrumento inevitável ou que seja muito útil ao desenvolvimento da pessoa" (Pietro Perlingieri, 2000).

No ponto, a saber dos muitos arranjos de experimentação reprodutiva, tenha-se presente a hipótese, então, da encomenda de filho por casal homoafetivo, onde os dois pretendidos pais elaboram projeto parental do filho, mediante a doação de óvulo e a gestação de substituição, figurando o envolvimento, portanto, de duas mulheres: a mãe de gestação (biológica) e a mãe genética (doadora de óvulo). Aqui, não importa discutir a diretiva de presunção jurídica de filiação.

Interessa observar que a lei não oferece resposta jurídica adequada quanto a uma aplicação distorcida ou desconforme de tais técnicas, com rupturas bioéticas a contemplar situações atípicas ou inusitadas.

Pois bem. Convoca-se a essa hipótese, o aparato novelesco dos personagens Niko, Eron e Amarilis; os primeiros formando um casal homoafetivo e a última, figurando como amiga comum daqueles ("Amor à Vida"). Na trama da novela, todos os elementos fáticos contrariam as normas da reportada resolução 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina.

Bastante assinalar que (i) doadoras temporárias do útero, à gestação de substituição, devem pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (VII, ítem 1); (ii) inadmissível uma inseminação artificial mista, confusa ou combinada, cuja prática consiste no emprego de coquetel de sêmen, combinação seminal de sêmen do marido e de terceiro(s) ou de dois parceiros, havida por amoral por consenso de geneticistas e juristas.

Mas não é só:

(iii) Quando o personagem Amarilis resolve utilizar seu próprio óvulo, desconstitui-se, em bom rigor, a gestação por outrem, porque ela mesma torna-se, nesse caso, genitora genética e mãe geratriz, impondo-se a si mesma uma maternidade plena (maternidade binária ou dual). Em menos palavras, ela estaria gerando o seu filho para uma adoção. Isto porque não é permitido que a mulher que sub-roga seu útero, use o seu óvulo à concepção programada.

Em outra vertente, quando aquele mesmo personagem (Amarilis) resolve envolver-se com um dos pretendidos pais (Eron), admite-se a formação de um casal convencional, como pai e mãe do filho pretendido (família biparental) em detrimento ao projeto intentado pelo outro par (Eron/Niko). Tal situação foi tratada no filme "Minhas Mães e Meu Pai" ("The Kids are all right", 2010), onde um casal de lésbicas tem dois filhos adolescentes, concebidos por inseminação artificial, vindo um deles, Laser, procurar seu pai biológico (doador do sêmen) e ao encontrá-lo, este termina por se envolver com uma das mães. Em discussão, as figurações múltiplas e concomitantes de filiação (biológica e socioafetiva).

Diante de tal cenário, em novela e na vida, cumpre lembrar o famoso "Caso Baby M.", onde a mãe portadora e genética pretendeu anular o contrato "mediante o qual se obrigava a entregar a criança gerada ao pai biológico e a consentir na adoção pela mulher do pai biológico". A Suprema Corte de New Jersey, ao confirmar (1988) a decisão do tribunal de 1ª instância, ponderou pela prioridade dos interesses da criança, que na hipótese, admitiu-os protegidos pela ligação afetiva revelada ao pai e à sua mulher, não cuidando de avaliar os fundamentos éticos e psicológicos da mãe genética para descumprir o contrato.

Segue-se pensar uma eventual disputa de guarda, envolvendo os personagens da novela (Amarilis vs. Eron/Niko ou Amarilis/Eron vs. Niko).

No primeiro caso, a recusa da suposta mãe substitutiva, por pressuposto de unicamente hospedeira (sem doação de seu material genético) à entrega da criança gestada, implica em incumprimento do contrato, com lesão à boa-fé dos encomendantes do projeto parental, pela reserva mental do uso do próprio óvulo. Insere-se, na controvérsia, um contexto de fraude, face uma aparente gravidez por outrem. Afinal, a maternidade de substituição representa, às expressas, uma variante eloquente da inseminação artificial heteróloga, importando considerar que a cedente do útero, mesmo com seu material genético, faz a cessão para um projeto parental de terceiros.

No segundo caso, mãe e pai em constituindo um novo casal (convencional) preferem a uma adoção singular (pai único), quando os parceiros separados e encomendantes possuem idênticos direitos ao filho encomendado? Haverá, por certo, de atender-se ao melhor interesse da criança, tutela máxima e absoluta.

Resta, portanto, concluir que as ficções jurídicas da filiação transcendem os sistemas clássicos, sem o determinismo biológico e com a conformação de novas interpretações, que se extraem, inclusive, de fatores culturais e afetivos. A família preexiste à ordem jurídica cuja interpretação deverá sempre dignificar seus personagens, vivos ou idealizados em novela.

_______

* Jones Figueirêdo Alves é diretor nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família e coordena a Comissão de Magistratura de Família.

Fonte: Migalhas.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.