CSM/SP. Carta de Arrematação. Execução extrajudicial – Decreto-Lei nº 70/66. Procuração – agente fiduciário – instrumento particular.

É possível a outorga de procuração ao agente fiduciário mediante instrumento particular, no caso de registro de carta de arrematação decorrente de execução extrajudicial fundada no Decreto-Lei nº 70/66.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível nº 0028480-18.2013.8.26.0071, onde se decidiu que, no caso de registro de carta de arrematação decorrente de execução extrajudicial fundada no Decreto-Lei nº 70/66, é possível a outorga de procuração ao agente fiduciário mediante instrumento particular, sendo dispensável sua formalização por escritura pública. O acórdão teve como Relator o Desembargador Hamilton Elliot Akel e o recurso foi julgado provido por unanimidade.

No caso em tela, o apelante apresentou para registro Carta de Arrematação, a qual teve ingresso negado pelo Oficial Registrador em razão de a procuração outorgada ao agente fiduciário ter sido formalizada por instrumento particular, o que é defeso para a prática de atos relativos a imóveis. Julgada a dúvida suscitada, o juízo a quo manteve a qualificação negativa do título. Inconformado, o apelante interpôs recurso, sustentando que a execução extrajudicial fundada no Decreto-Lei nº 70/66 tem seu rito estabelecido na referida norma legal, que em momento algum dispõe sobre a obrigatoriedade da forma pública para a outorga de poderes ao agente fiduciário.

Ao julgar o recurso, o Relator entendeu que assiste razão ao apelante, observando que, embora o art. 657 do Código Civil e o item 130 do Capítulo XIV, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça paulista mencionem que o mandato seja outorgado pela forma exigida em lei para a prática do ato, o art. 108 do mesmo Código prevê exceções quando houver lei que disponha em sentido contrário, neste caso, o referido Decreto-Lei. Posto isto, o Relator afirmou que “a execução extrajudicial da dívida deve ser instruída apenas com os documentos mencionados no art. 31 do referido Decreto, os quais foram todos regularmente apresentados.”

Diante do exposto, o Relator entendeu que não há óbice ao registro da Carta de Arrematação e votou pelo provimento do recurso.

Clique aqui e acesse a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB.

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CGJ/SP: Carta de arrematação. Execução contra um dos cônjuges. Imóvel em mancomunhão. Partilha – necessidade.

Não é possível a arrematação de 50% de imóvel, em execução ajuizada contra um dos cônjuges, enquanto não registrada a partilha do bem, decorrente da separação do casal, permanecendo os outros 50% do imóvel em mancomunhão entre eles.

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (CGJ/SP) julgou o Processo nº 2014/117758 (Parecer nº 311/2014-E), onde se decidiu não ser possível a arrematação de 50% de imóvel, em execução ajuizada contra o cônjuge varão, tendo em vista a ausência de registro de partilha do bem, decorrente da separação do casal, permanecendo os outros 50% do imóvel em mancomunhão entre eles. O parecer, de autoria do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Swarai Cervone de Oliveira, foi aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Hamilton Elliot Akel, sendo o recurso julgado improvido.

Trata-se de recurso administrativo interposto em face de sentença que manteve a recusa do Oficial Imobiliário em averbar certidão de casamento, onde, por sua vez, está averbada a separação do casal proprietário do imóvel arrematado. No caso, o interessado informou que arrematou, em 2011, perante a Justiça do Trabalho, 50% do imóvel em questão, correspondente à meação do cônjuge, sendo a outra metade da ex-esposa, de quem o executado já havia se separado judicialmente em 2008. Afirmou que, após o registro da carta de arrematação, o interessado entrou em contato com a ex-esposa do executado, concordando, ambos, em vender o imóvel para posterior divisão do produto da venda em partes iguais. Para efetuar a venda, requereu a averbação da separação judicial do casal, apresentando cópia autenticada da certidão de casamento, onde consta a averbação da separação. Todavia, o Oficial Registrador negou o pedido de averbação sob o argumento de que, sem a apresentação da carta de sentença, onde conste a partilha dos bens, permanece o estado de mancomunhão sobre os 50% do imóvel e que a mera averbação da certidão de casamento não pode fazer as vezes da partilha. Em suas razões recursais, o interessado, além de afirmar que a arrematação de 50% do imóvel, em ação ajuizada somente contra o cônjuge varão, significa que os outros 50% eram da esposa, considerando que o casal já estava separado quando da penhora e arrematação, juntou a petição de separação do casal, com posterior homologação, onde se verifica a partilha do imóvel.

Ao julgar o caso, o MM. Juiz Assessor da Corregedoria entendeu que, sem a apresentação da carta de sentença dando notícia da partilha dos bens, permanece o estado de mancomunhão apontado pelo Oficial Registrador. De acordo com seu entendimento, “idealmente, a metade não arrematada do imóvel permanece na propriedade do casal, ainda que separado. A mera averbação da certidão de casamento, onde averbada a separação, não é apta a suprir a partilha. Aliás, a alienação do bem, apenas, pelo arrematante e a ex-cônjuge do executado feriria o princípio da continuidade, já que, idealmente, ele ainda é proprietário, em mancomunhão, dos 50% não arrematados.”

Além disso, tendo em vista a juntada da petição de separação judicial e sua homologação, onde consta a partilha do imóvel, o MM. Juiz Assessor da Corregedoria observou que, embora 50% do imóvel tenham sido partilhados à ex-esposa do executado, os outros 50% que foram arrematados foram revertidos à filha do casal, que passou a ser a nua-proprietária, reservando-se o usufruto vitalício ao executado. Posto isto, concluiu que não é sequer possível a averbação da partilha, pois, se realizada, nem mesmo a penhora e posterior arrematação teriam sido regulares, já que foi penhorado e arrematado 50% de um imóvel sobre o qual, se houvesse sido averbada a partilha, o executado deteria apenas o usufruto e, como é sabido, o usufruto não é penhorável e não poderia ter sido arrematado por terceiro.

Diante do exposto, o MM. Juiz Assessor da Corregedoria opinou pelo improvimento do recurso.

Clique aqui e acesse a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Ferimento dos princípios da continuidade e da especialidade objetiva – Recurso desprovido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 9000002-19.2013.8.26.0531

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000002-19.2013.8.26.0531, da Comarca de Santa Adélia, em que é apelante JOSÉ FERNANDO ZANQUETA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE SANTA ADÉLIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. VENCIDO O DES. JOSÉ RENATO NALINI.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 2 de setembro de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 9000002-19.2013.8.26.0531

Apelante: José Fernando Zanqueta

Apelado: Oficial do cartório de registro de imóveis, títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas da Comarca de Santa Adélia

VOTO N° 34.029

Registro de imóveis – Carta de arrematação – Modo derivado de aquisição da propriedade – Ferimento dos princípios da continuidade e da especialidade objetiva – Recurso desprovido.

Cuida-se de apelação interposta contra a sentença de fls. 15/16, de lavra do MM. Juiz de Direito Corregedor Permanente do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Santa Adélia, que manteve a recusa de registro de carta de arrematação.

Tal recusa decorreu de três circunstâncias apontadas pela Oficial Registradora: (a) o executado detinha, tão somente, um oitavo da nua-propriedade, já que o bem era gravado por usufruto; (b) há cláusula de inalienabilidade registrada na matrícula e (c) há necessidade de averbação de retificação de área.

O recorrente alega que a arrematação é forma originária de aquisição da propriedade, o que teria o condão de sanar todos os vícios.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

Em primeiro lugar, ressalte-se que a origem judicial do título não torna prescindível a qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do Colendo Conselho Superior da Magistratura:

Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental (Ap. Cível n° 31881-0/1).

Dito isso, verifica-se que a Oficial tem razão em seus três motivos de recusa. Nem mesmo o recorrente refuta tal fato.

Basta analisar a matrícula do imóvel para se verificar que da matrícula constam cláusula de inalienabilidade (AV.7) e de instituição de usufruto vitalício (R.6).

De acordo com o art. 1911, do Código Civil, a cláusula de inalienabilidade implica a impenhorabilidade e a incomunicabilidade. Logo, o bem não poderia ter sido penhorado, muito menos alienado, nem mesmo em hasta pública.

Por outro lado, o executado não era detentor de fração ideal da propriedade plena, mas, tão somente, de um oitavo da nua-propriedade. Portanto, penhorou-se e alienou-se, em hasta pública, mais do que detinha o executado.

O problema, aí, é que a usufrutuária não era parte na execução. O usufruto não poderia ser extinto nem ser objeto de alienação. Da forma como feita a arrematação, quebrou-se, de forma absolutamente irregular, a continuidade.

Bem observou a Oficial do Registro de Imóveis:

"Porém, no caso em tela, verifica-se que foi alienada parte ideal do imóvel da matrícula 2169, sem, todavia, constar menção ao usufruto que grava o bem, assim como disposição de vontade da doadora do imóvel que gravou a referida doação com cláusula de inalienabilidade.

Assim, foram transmitidos ao arrematante mais direitos que o executado tinha, já que o bem está duplamente onerado: usufruto e inalienabilidade. Alienando-se o usufruto e a nua-propriedade retira-se o direito real de usufruto de Therezinha Conchetta Zavatti Zanqueta, ferindo, assim, o princípio da continuidade registral, já que não foi parte na execução.

Quanto à cláusula de inalienabilidade, é manifestação de vontade que impediria a alienação do bem, a qualquer título, por manifestação de vontade expressa do doador.

Tais exigências se fazem em nome da segurança jurídica das relações patrimoniais, que deve nortear toda e qualquer relação jurídica, já que não consta da presente carta de arrematação que tenha havido manifestação jurisdicional a respeito dos temas aqui levantados."

No que toca à quebra da especialidade objetiva, o recorrente sequer abordou o tópico especificamente. Ao que parece, acredita que a tese sobre ser a arrematação forma originária da aquisição da propriedade tem a força de afastar, inclusive, a necessidade de retificação da área.

Cuida-se de evidente equívoco. Como apontou a Oficial, a leitura da matrícula deixa entrever que o imóvel tem descrição absolutamente precária:

"…não há sequer elementos mínimos de localização do imóvel rural, razão pela qual não há certeza sobre o que realmente está sendo alienado, ferindo o princípio registral da especialidade objetiva. Deverá haver amarração geográfica, com indicação das coordenadas dos vértices definidores do imóvel rural, para que o imóvel não seja atingido pelo vício da ablaqueação (não permitir, com segurança, a real localização do imóvel.".

Resta examinar o argumento de que a arrematação é forma originária de aquisição da propriedade e, por isso, os vícios estariam superados.

A arrematação constitui forma de alienação forçada, e que, segundo ARAKEN DE ASSIS, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente (Manual da Execução. 14ª edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 819). É ato expropriatório por meio do qual "o órgão judiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executado para o credor ou para outra pessoa".

Em relação ao título da aquisição, por se tratar de alienação forçada, há acordo de transmissão e, no caso, o Estado transmite ao adquirente os direitos do executado na coisa penhorada, desde a assinatura do auto, destacando-se o duplo papel desse último, pois constitui a forma e a ultimação do negócio jurídico de adjudicação, e a partir dele é que será originado o título formal, que é a carta de adjudicação.

Diante desse quadro, e respeitadas as opiniões que veem a arrematação e a adjudicação como modos originários de aquisição da propriedade, justamente por entender que o Estado substituiria o proprietário, cindindo a cadeia de transmissões, não vejo como afastar a relação existente entre dívida e responsabilidade em matéria de execução para reconhecer que se trata de modo originário de aquisição.

Vale, nesse sentido, a observação do processualista gaúcho supra mencionado, no sentido de que "respeitando a correlação entre dívida e responsabilidade (art. 591), ao Estado descabe expungir dos bens do executado alguns ônus (v.g., servidão de passagem que grava o imóvel penhorado), que beneficiam a terceiros, ou assegurar, tout court, o domínio apenas aparente do devedor em face do verus dominus. Também aqui calha o velho brocardo: não se transfere mais do que se tem (nemo plus iuris in alios transfere potest quam ipse haberet)" (idem, ib., p. 820).

Não desconheço que, em data relativamente recente, no julgamento da Apelação Cível n.° 0007969-54.2010.8.26.0604 (Relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Renato Nalini), este Conselho Superior da Magistratura, alterando posicionamento anterior, reconheceu que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade, e isso com fundamento em decisões do Superior Tribunal de Justiça, especialmente o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° AgRg no Ag 1225813, relatado pela Ministra Eliana Calmon, assim ementado:

EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE – APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. 1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. 2. Agravo regimental não provido.

No mesmo sentido, mencionaram-se na ocasião os seguintes precedentes: AgRg no Ag 1225813/SP, de 23/03/2010 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp 1059102/RS, de 03/09/2009 (Relator Ministro Luiz Fux); REsp 1038800/RJ, de 20/08/2009 (Relator Ministro Herman Benjamin); REsp n° 807455/RS, de 28/10/2008 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp n° 40191/SP, de 14/12/1993 (Relator Ministro Dias Trindade); e REsp n° 1179056/MG, de 07/10/2010 (Relator e Ministro Humberto Martins).

Em todos esses precedentes, a solução dada, a meu sentir, foi muito peculiar e relacionada, na quase totalidade dos casos, à responsabilidade tributária, especialmente à vista do disposto no parágrafo único do artigo 130 do Código Tributário Nacional, no sentido de que, no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação do crédito tributário ocorre sobre o respectivo preço.

O fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário (executado) e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não afasta, contudo, o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

Como destaca Josué Modesto Passos, "diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária" (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111-112).

Como anotado acima, arrematação e adjudicação são negócios jurídicos entre o Estado e os adquirentes. O primeiro detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade dos adquirentes, não se podendo dizer, só por isso, que não houve relação causal entre a propriedade adquirida e a situação anterior da coisa.

Em outras palavras: nos casos de alienação forçada não deixa de haver vínculo entre a situação anterior da coisa e a propriedade adquirida, com a diferença que, nesses casos de transferência coativa, o ato figura mais complexo, justamente diante da participação do Estado.

Por isso, entendo que o fato de na arrematação não haver relação negocial direta entre o anterior proprietário e o adquirente não torna originária a aquisição da propriedade daí decorrente.

É certo que o precedente deste Conselho Superior da Magistratura, acima mencionado, buscou confortar situação bastante delicada, relacionada à indisponibilidade a que se refere o § 1º, do artigo 53, da Lei 8.212/91, ao reconhecer que referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores referentes ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto. De qualquer modo, entendo que tal situação pode e deve ser contornada sem que para isso seja preciso reconhecer como modo originário de aquisição da propriedade a arrematação ou a adjudicação.

Nesse sentido, destaca-se a observação feita por Josué Modesto Passos, no sentido de que "a arrematação não pode ser considerada um fundamento autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante), e não entre o mais lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija – como de fato se exige -, no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante.

Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então – quod erat demonstrandum – a aquisição é derivada (e não originária)" (op. cit., p. 118).

A propósito, não há como simplesmente apagar as ocorrências registrárias anteriores ao ato de transmissão coativa, quando é da essência do registro público justamente resguardar as situações anteriores, situação que não se confunde com mecanismos de modulação dos efeitos da transmissão coativa, para atingir ou mesmo resguardar direitos de terceiros.

Parece-me até mesmo desnecessária qualquer tentativa de flexibilização das regras de continuidade e especialidade, no intuito de desatrelar a alienação forçada dos títulos dominiais pretéritos, porque não há óbice para que convivam harmonicamente, a partir de critérios de modulação de seus efeitos.

Nesse sentido é que o Superior Tribunal de Justiça, nos precedentes que serviram de paradigma para a decisão deste Conselho Superior da Magistratura, reconheceu a inexistência de responsabilidade tributária do arrematante por débitos tributários anteriores, sem que com isso se possa estender o raciocínio para abarcar a prescindibilidade da observância dos princípios da continuidade e da especialidade subjetiva, mesmo porque responsabilidade não se confunde com débito, embora normalmente correlatos (AgRg no Ag 1225813/SP, de 23/03/2010 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp 1059102/RS, de 03/09/2009 (Relator Ministro Luiz Fux); REsp 1038800/RJ, de 20/08/2009 (Relator Ministro Herman Benjamin); REsp n° 807455/RS, de 28/10/2008 (Relatora Ministra Eliana Calmon). Do mesmo modo, no REsp n° 40191/SP, de 14/12/1993 (Relator Ministro Dias Trindade), que tratou da arrematação nos casos de existência de hipoteca; e no REsp 1179056/MG, de 07/10/2010 (Relator e Ministro Humberto Martins), que ressalvou os casos de obrigação propter rem.

Destaca-se, além disso, que a aventada modulação dos efeitos da transmissão coativa não é novidade, bastando lembrar do direito de sequela, típica hipótese em que não há propriamente o afastamento dos princípios registrários mencionados, mas uma adequação da cadeia registral.

Em suma: a arrematação não constitui modo originário de aquisição da propriedade, caindo por terra as alegações formuladas pelo recorrente.

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

VOTO N.° 21.567

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

APELAÇÃO CÍVEL N.° 9000002-19.2013.8.26.0531

Apelante: JOSÉ FERNANDO ZANQUETA

Réu: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA ADÉLIA

Vistos etc.

Ouso divergir em parte da posição esposada pela d. maioria, sem porém alterar o resultado do julgamento, porque concluo pela procedência da dúvida e, assim, pelo desprovimento do recurso.

A discordância se restringe à fundamentação e, particularmente, ao reconhecimento da ofensa ao princípio da especialidade objetiva e à compreensão da arrematação como modo derivado de aquisição da propriedade imobiliária.

A carta de arrematação tendo por objeto parte ideal correspondente a 1/8 do bem imóvel identificado na mat. n.° 2.169 do RI de Santa Adélia, de propriedade do executado JOSÉ ROBERTO ZANQUETA, foi desqualificada para fins de registro em atenção, primeiro, à cláusula de inalienabilidade, instituída por meio da av. 7 [1], e também porque ofensiva aos princípios da continuidade e da especialidade objetiva. [2]

Quanto ao princípio da continuidade, afirmou-se que JOSÉ ROBERTO ZANQUETA é proprietário apenas da nua-propriedade, de modo que a penhora e a alienação judicial desconsideraram o direito real de usufruto sob titularidade de THEREZINHA CONCHETTA ZAVATTI. [3]

A respeito do princípio da especialidade objetiva, invocou-se a precariedade da descrição tabular, a exigir a prévia retificação, com averbação da reserva legal, condição para o registro pretendido.

O r. voto preponderante da lavra do Corregedor Geral da Justiça, o e. Des. HAMILTON ELLIOT AKEL ao desprover o recurso, assentou a pertinência das exigências e, alterando orientação administrativa que prevalecia nesse C. Conselho, acrescentou: a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade.

Em relação à cláusula de inalienabilidade, é realmente impeditiva do registro. Estabelecida em favor do donatário/executado JOSÉ ROBERTO ZANQUETA [4], não há como quebrá-la em prejuízo dele, salvo nas hipóteses de desapropriação, como prevê o parágrafo único do art. 1911 do CC [5]. E porque, consoante o caput desse dispositivo [6], importa impenhorabilidade do bem imóvel, o registro representaria ofensa ao princípio da legalidade.

O usufruto pertencente a terceira pessoa estranha à execução judicial [7], desprezado pela constrição judicial e pela arrematação [8], obsta igualmente o registro do título, mas não sob o palio do princípio da continuidade.

Porque a impenhorabilidade e a inalienabilidade são ínsitas ao usufruto, que, nos expressos termos do art. 1.393 do CC [9], admite apenas a cessão de seu exercício, o registro da carta de arrematação – e aqui desimportante a discussão sobre eventual ciência dos usufrutuários – feriria o princípio da legalidade e o da inscrição, compreendido em sua dimensão negativa.

Em contrapartida, a precariedade da descrição não justifica a desqualificação. Há exata identidade entre a descrição tabular e a do título. O registro não importaria desmembramento, tampouco fusão. Não criaria nova unidade imobiliária. A base geodésica permaneceria inalterada. Por isso, a prévia retificação é desnecessária, na linha da atual jurisprudência desse Conselho e, em especial, das Apelações Cíveis n.° 0009480-97.2013.8.26.0114 e n.° 0015003-54.2011.8.26.0278, sob a relatoria do e. Des. HAMILTON ELLIOT AKEL, julgadas, aliás, na mesma sessão do presente recurso [10], em 2 de setembro de 2014.

Por sua vez, a afirmação de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade – a par de prescindível para fins de desqualificação e desprovimento do recurso – contraria a recente e firme jurisprudência desse C. Conselho [11], construída no último biênio sob a inspiração do C. Superior Tribunal de Justiça [12], que procurou, com seus poderosos precedentes, atribuir a essa espécie de aquisição a máxima segurança, inclusive em prestígio do Poder Judiciário e da efetividade das decisões judiciais.

Ao pontuar a inexistência de relação jurídica entre o adquirente e o anterior titular do direito real, a irrelevância da ausência de nexo causal entre o passado e a situação jurídica atual e a inocorrência de transmissão voluntária do direito de propriedade, esse Conselho, ao rever seu pretérito entendimento, identificou a arrematação judicial como modo originário de aquisição da propriedade, de sorte a alinhar-se com a pacífica orientação do C. STJ e prestigiar o princípio da segurança jurídica.

Concluiu que a arrematação é causa autônoma suficiente que liberta a propriedade de seus vínculos e dos títulos dominiais anteriores, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, embora sujeita, por expressa disposição legal, aos riscos da evicção. A ressalva textual, positivada no art. 447 do CC [13], somente reforça o caráter originário da aquisição da propriedade via arrematação, pois, se derivado fosse, prescindível seria o acautelamento.

Desse modo, nova alteração de posicionamento em tão curto espaço temporal, em desconformidade com a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça e logo após, insisto, a consolidação do entendimento que se revê, sem fatos novos e antes de permitir a reflexão sobre o impacto e as consequências da modificação que se supera, gera insegurança jurídica, em afronta a princípio cardeal do sistema registral, revela-se prematura e fragiliza o princípio da colegialidade.

De mais a mais, com a devida vênia, sequer era necessário debater e, principalmente, deliberar a mudança de orientação administrativa. Para a procedência da dúvida e a rejeição do apelo bastava, conforme assinalado, a invocação do princípio da legalidade.

A qualificação registral, iluminada pelo princípio da legalidade, não se restringe aos aspectos extrínsecos; abarca os intrínsecos, o conteúdo do título. A integralidade é um de seus traços. A propósito, lembro acurado escólio do e. Des. RICARDO DIP:

No Brasil, a qualificação registral dos títulos exibidos diz respeito não apenas a seu aspecto exterior (título em sentido formal), mas igualmente à causa de aquisição ou de oneração (título em sentido material)

Tampouco se restringe o juízo qualificador ao título ordinário (ou principal), estendendo-se aos acessórios (ou complementares) …, nem se limita, sob o color da origem pública dos títulos, a apreciar os instrumentos privados. [14]

Por estes fundamentos, malgrado desproveja o recurso em atenção à cláusula de inalienabilidade, ao direito real de usufruto e, especialmente, ao princípio da legalidade, meu voto, quanto à fundamentação, diverge parcialmente do proferido pelo Relator, o e. Des. HAMILTON ELLIOT AKEL, que, ao final, foi acolhido pela maioria.

JOSÉ RENATO NALINI

Presidente do Tribunal de Justiça

_____________________________

Notas:

[1] Fls. 27 dos autos em apenso.

[2] Fls. 2-6.

[3] R.6 e Av. 22 da mat. 2.169 – fls. 26v, 27 e 30 dos autos em apenso.

[4] Fls. 27 dos autos em apenso.

[5] Art. 1.911. (…)

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

[6] Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

[7] R.6 e Av. 22 da mat. 2.169 – fls. 26v, 27 e 30 dos autos em apenso.

[8] Fls. 10, 11 e 33 dos autos em apenso.

[9] Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.

[10] Itens 25 e 27 da pauta.

[11] A título de exemplo, Apelações n.°s 0007969-54.2010.8.26.0604, j. 10.5.2012, 0018138-36.2011.8.26.0032, j. 20.9.2012, 0021311-24.2012.8.26.0100, j. 17.1.2013, 0013197-92.2012.8.26.0554, j. 18.4.2013, e n.° 0038265-20.2012.8.26.0562, j. 9.5.2013, todas de minha relatoria.

[12] REsp n.° 40.191/SP, rel. Min. Dias Trindade, j. 14.12.1993; REsp n.° 807.455/RS, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28.10.2008; REsp n.° 1.038.800/RJ, rel. Min. Herman Benjamin, j. 20.08.2009; AgRg no Ag n.° 1.225.813/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 23.3.2010; REsp n.° 1.179.056/MG, rel. Min. Humberto Martins, j. 7.10.2010.

[13] Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública. (grifei)

[14] Sobre a qualificação no regi

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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