Breves reflexões sobre os projetos do novo Código de Processo Civil na perspectiva notarial e registral – I – Por Vitor Frederico Kümpel

* Vitor Frederico Kümpel

O atual Código de Processo Civil, reflexo da sociedade das décadas de 60 e 70, adotou um modelo pautado na cognição. A sociedade de então era extremamente burocrática, procedimentalista e clamava por um código garantista. A sociedade mudou. A tecnologia aliada a outros fatores trouxe, no mínimo, a sensação da rápida passagem do tempo, o que acabou gerando uma sociedade ávida pela rápida solução da mídia. A atividade notarial e registral apresenta, pelo princípio da eficiência, o DNA da celeridade, tanto isso é verdade que no atual estágio recebe novos encargos decorrentes da tão famigerada desjudicialização.

Difícil a ambição do legislador do CPC projetado, pois se insere diante de uma sociedade que clama por celeridade (inimaginável um processo durar dez anos), porém, abrindo mão do devido processo legal e da segurança jurídica, preceitos dogmáticos da ciência processual, tendo por óbvio o substrato constitucional. É fácil perceber que as atividades notariais e registrais passam a ter a função ímpar de auxiliar o juiz na busca da verdade, e isto de maneira célere.

Outro desafio a ser enfrentado pelo novo CPC é a crescente litigiosidade social. Estamos falando de mais de 100 milhões de processos para duzentos milhões de habitantes, ou seja, um processo para cada dois cidadãos, independentemente de qualquer faixa etária ou outra condição. Além de estarmos falando de uma sociedade extremamente complexa.

Apresentada a questão, serão ressaltadas de forma breve algumas das novidades introduzidas nos projetos do novo Código de Processo Civil (a abordagem incide tanto no projeto do Senado quanto nas alterações providas pela Câmara). Abranger-se-ão algumas das interferências diretas na rotina dos notários e registradores.

A nova redação do Código de Processo, de cara, em seu artigo 73, "o cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens", já traz o problema da expressão "separação absoluta": refere-se esta à separação total, convencional, abarcando ou não a separação total obrigatória. Haverá discussão na incidência da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que faz comunicar os aquestos e que, portanto, exigirá, para a propositura das ações reais imobiliárias, o consentimento do outro cônjuge. Além da discussão processual propriamente dita, haverá discussão no âmbito civil ou seja, se o referido dispositivo legal poderia alterar a vênia conjugal nas alienações de bens particulares do outro cônjuge, no caso do regime de separação total obrigatória. Temas que necessitam de uma boa dose de reflexão.

Ademais, convém notar que no Projeto do Senado a necessária participação de ambos os cônjuges nas ações reais imobiliárias, como autores ou réus, gerou uma equiparação, por força da adoção de um parágrafo 3º ao artigo 73, no que toca à união estável. Isso significa que os companheiros, homo ou hetero afetivos, terão os mesmos direitos dos cônjuges; porém exigiu comprovação documental da união estável. O parágrafo terceiro em si é louvável já que a isonomia é hoje um principio reinante na doutrina moderna ao tratar de entidades familiares. Porém, exigir prova documental da união estável vai um pouco ao desencontro de uma entidade familiar, que é nitidamente informal, mas que aos poucos vem sendo “formalizada” pelo direito. A redação em questão foi suprimida pela Câmara, passando a gerar outro problema que é o da aplicação, analógica ou não, do referido dispositivo.

Outra novidade diz respeito à inserção da gratuidade da justiça estendida agora expressamente aos emolumentos extrajudiciais, inovação proposta pela Câmara dos Deputados. De modo geral, o projeto do Senado Federal seguiu os passos do Anteprojeto que trouxe timidamente poucas regras relativas à gratuidade da justiça. Esse se limitou em seu art. 1.008 a revogar expressamente o art. 17 da lei 1.060/50, que regula a concessão da assistência judiciária aos necessitados. Já o projeto da Câmara vai além e, embora não revogue completamente a lei em questão, considera as mudanças muito mais substanciais à temática. As alterações dizem respeito à concessão do benefício, bem como à sua abrangência (art.. 98), ao momento e forma do requerimento, ao contraditório dele oriundo (art. 99 e 100), aos recursos interponíveis da concessão ou do indeferimento do pedido (art. 101) e à sua cassação1. Todavia, o nosso foco se restringe, como dito, ao inciso IX do parágrafo 1º, pelo qual a gratuidade da justiça também compreenderá "os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido".Ou seja, referendou o princípio da acessibilidade econômica, consolidando decisões administrativas e jurisdicionais no amplo acesso do cidadão ao sistema burocrático do Estado, dando real efetividade à jurisdição.

A terceira novidade aqui enfocada envolve a introdução da "ata notarial" como meio de prova, inovação posta pelo Projeto do Senado, acolhida e aprimorada pela Câmara. A ata notarial se insere como um meio de prova ágil, no qual o tabelião eterniza fatos que estão descritos no livro de notas. É na ata notarial que o tabelião relata tudo aquilo que vê, ouve, verifica e conclui, com seus próprios sentidos e opiniões, sem interferências externas2. A ata adquire ainda maior relevância na medida em que acaba por se constituir como o próprio fim do instrumento, conferindo eficácia aos direitos e prevenindo litígios. Ela foi introduzida no Brasil pela lei 8.935/1994 em seu artigo 7º, inciso III, segundo o qual "aos tabeliães de notas compete com exclusividade: lavrar atas notariais". No entanto, a ata já era utilizada, há muito tempo, por alguns poucos tabeliães, embora ainda hoje, apesar da lei, sua utilização seja incipiente. E, justamente nesse contexto, o novo Código tende a potencializar a fruição deste precioso instituto como meio de prova.

A ata notarial pode contemplar toda e qualquer constatação de fatos, abrangendo ainda o reconhecimento de firma, a autenticação de cópias, além da lavratura da ata notarial propriamente dita (art. 7º da lei 8935/94). Nesse sentido, temos a ata como um dos meios de provas mais eficazes do direito nacional, dada sua presunção legal de veracidade. Embora pouco conhecida por muitos operadores do direito, constitui-se instrumento de grande e eficiente utilidade3.

Outras tantas modificações importantes foram introduzidas no novo Código de Processo Civil e serão oportunamente mencionadas nessa nossa coluna, não percam os próximos capítulos. Sejam felizes!

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1. CASSIO SCARPINELLA BUENO, Projetos de Novo Código de Processo Civil – comparados e anotados. São Paulo, Saraiva, 2014, p.85.

2. CARLOS FERNANDO BRASIL CHAVES; AFONSO CELSO F. REZANDE, Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito, p. 172.

3. PAULO ROBERTO GAIGER FERREIRA; FELIPE LEONARDO RODRIGUES, Ata Notarial, douutrina, prática e meio de prova, p. 17.

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* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

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Benefícios da Justiça gratuita não se estendem a empresas em dificuldades financeiras

Entendimento é do TRT da 3ª região.

O empregador, pessoa jurídica, não tem direito aos benefícios da Justiça gratuita, ainda que esteja passando por grave crise financeira. Com esse entendimento, a 9ª turma do TRT da 3ª região deixou de conhecer o recurso ordinário interposto por uma empresa condenada na Justiça do Trabalho a pagar parcelas trabalhistas a uma ex-empregada, por considerá-lo deserto. Em outras palavras, as razões da reclamada não chegaram a ser apreciadas pelos julgadores, porque a ré não recolheu custas processuais, nem efetuou o depósito recursal.

A justificativa da empresa, de que se encontrava em grande dificuldade financeira, não foi reconhecida pela relatora do recurso, desembargadora Mônica Sette Lopes, como motivo para a concessão dos benefícios da Justiça gratuita. Isto, por não haver na legislação que regula a matéria qualquer previsão nesse sentido.

A julgadora lembrou que a lei 10.537/02, que acrescentou o artigo 790-A à CLT, isenta do pagamento de custas as entidades enumeradas nos incisos I e II, quais sejam, a União, os Estados, o DF, os Municípios e respectivas autarquias e fundações públicas federais, estaduais ou municipais que não explorem atividade econômica, bem como o Ministério Público do Trabalho. Contudo, em nenhum momento, estende o benefício às empresas em dificuldades financeiras.

Ela destacou, ainda, que tampouco a lei 5.584/70, que disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, contemplou o empregador com a gratuidade judiciária. Mesmo que ele esteja em grave crise financeira. Para a relatora, o disposto no inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição da República, que trata da assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, não se aplica, à empregadora. Do mesmo modo, não incide o inciso VII do artigo 3º da lei 1.060/50, que prevê que a assistência judiciária compreende a isenção depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório.

E mesmo que se admitisse a extensão da gratuidade judiciária às pessoas jurídicas em dificuldades financeiras, a desembargadora considerou que o recurso analisado estaria deserto. É que a reclamada não efetuou o recolhimento do depósito recursal. Na decisão foi lembrado que, no processo do trabalho, a concessão do benefício da justiça gratuita alcança apenas as custas processuais, e não o depósito recursal previsto no artigo 899 da CLT, que possui natureza de garantia do juízo da execução. Esse é o entendimento da jurisprudência do TST, conforme ementas destacadas no voto.

A notícia refere-se ao seguinte processo: 0000915-57.2013.5.03.0043 RO.

Clique aqui e leia a íntegra da decisão.

Fonte: Migalhas | 12/08/2014.

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Registro de união estável em cartório garante licença por casamento para servidores da JF

O Conselho da Justiça Federal (CJF), reunido nesta última sexta-feira (8), decidiu conceder licença gala (casamento) para um técnico judiciário que apresentou certidão de união estável lavrada em cartório. A partir de agora, o mesmo posicionamento poderá ser adotado por toda a Justiça Federal para a concessão do benefício.

Conforme o relator do processo administrativo, desembargador Francisco Wildo Lacerda Dantas, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é unânime com relação à equiparação da união estável ao casamento. “Constata-se que, tal qual o casamento, o reconhecimento da união estável como entidade familiar é de cunho indiscutivelmente constitucional”, observou.

Em seu voto, o conselheiro relator destacou que a legislação atual protege a entidade familiar, seja ela oriunda do casamento ou da união estável. O fundamento está previsto no artigo 226 da Constituição Federal, no artigo 1.723 do Código Civil de 2002 e também nos artigos 97 e 241 da Lei 8.112/90. 

“Entendo que a licença casamento deve ser concedida na formalização da união estável de servidor público federal, e não apenas nos casos de casamento, em face da analogia existente com a licença nojo, que estabelece o afastamento do servidor em caso de falecimento do companheiro (a)”, sustentou o desembargador Francisco Wildo.

A licença gala possibilita a ausência do trabalho pelo prazo de oito dias consecutivos. Para fazer jus ao benefício, o servidor deverá apresentar à administração de seu órgão o registro dessa situação em cartório, tanto no momento de sua constituição, quanto de sua dissolução, a fim de evitar a concessão indevida de licenças simultâneas.

Caso a união estável se converta em casamento e o servidor já tenha usufruído da licença, não poderá fazê-lo novamente, já que o benefício possui fim específico e passa agora a ser concedido mediante equiparação de dois institutos referentes à constituição de entidade familiar.

CJF-ADM-2014/00232.

Fonte: CJF | 08/08/2014.

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