Acórdão do TJ-SP mantém base de cálculo fixa do ISS com base na atividade pessoal desenvolvida pelo Oficial

Cuida-se de apelação em face de sentença (fls. 138/140) que concedeu segurança para garantir direito ao recolhimento de ISS com base de cálculo fixa

Registro: 2014.0000123803

ACÓRDÃO

Disponibilizado em 10/03/2014

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Reexame Necessário nº 0270004-69.2009.8.26.0000, da Comarca de São Pedro, em que são apelantes PREFEITURA MUNICIPAL DE SAO PEDRO e JUIZO EX-OFFICIO, é apelado GLADYS ANDREA FRANCISCO CALTRAM

ACORDAM, em 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por maioria de votos, negaram provimento ao recurso, vencido o 2º juiz.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

Voto nº 18101

Apelação nº 0270004-69.2009.8.26.0000

Apelante: Prefeitura Municipal de São Pedro Apelada: Gladys Andrea Francisco Caltram Comarca: São Pedro (Adv. Edson de Azevedo Frank).

APELAÇÃO Mandado de segurança – ISS sobre serviços de registros públicos, cartoriais e notariais. Base de cálculo. Aplicação do Decreto-lei nº 406/68 para cobrança em valor fixo. Possibilidade, tendo em vista responsabilidade pessoal do delegatário. Responsabilidade tributária por sucessão. Descabimento. Precedente desta Corte, em consonância com entendimento da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (Expediente CG nº 12.227/99). Recurso não provido.

Cuida-se de apelação em face de sentença (fls. 138/140) que concedeu segurança para garantir direito ao recolhimento de ISS com base de cálculo fixa, declarando exigíveis, em face da impetrante, somente os impostos incidentes a partir da data da investidura como Oficial de Registro Civil na Comarca.

Defende a incidência sobre os emolumentos percebidos pelos notários, pois ostentam caráter de contraprestação remuneratória, bem como a realização de lançamento de forma retroativa.

Doutro lado, sustenta responsabilidade tributária por sucessão a autorizar cobrança referente a período anterior à investidura no cargo.

Quanto à base de cálculo, aduz descabida aplicação do Decreto-lei nº 406/68 (artigo 9º), vez que reservado à classe dos profissionais autônomos.

Pede reforma.

A hipótese comporta reexame necessário.

Recebido e processado (fls. 160), houve contrarrazões (fls. 161/177), sobrevindo parecer do Ministério Público pelo improvimento (fls. 179/182).

É o relatório.

O recurso não merece provimento. Em face da improcedência da ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil Anoreg/BR (ADI nº 3.089-2), não mais se admite discussão em torno da incidência ou não do ISS decorrente dos serviços de registros públicos, notários ou cartorários.

Contudo, a impetrante faz jus ao recolhimento de ISS nos termos do artigo 9º, §1º, do Decreto-lei nº 406/68.

Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme disposto no artigo 236, “caput”, da Constituição Federal, dispositivo este regulamentado pela Lei nº 8.935/94.

Saliente-se, a propósito do tema, o que dispõe o diploma por último referido:

“Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.”
(…)

“Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.” (destaque nosso)

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelosdanos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.”

Diante disso, tudo aponta a pessoal responsabilidade dos titulares dos cartórios, em função da delegação dos serviços feita em seu nome, mediante a aprovação em concurso público.

Este, aliás, o entendimento de Sacha Calmon, conforme artigo coletivo, publicado na Revista Dialética, acerca da base de cálculo do ISSQN incidente sobre serviços notariais e de registro público:

“… a responsabilidade dos titulares de cartórios é pessoal, em decorrência da delegação dos serviços, respondendo, de forma 
ilimitada e intransferível, pelos danos causados por eles mesmos e por seus prepostos a terceiros.”

Nesse quadro, é oportuna ainda a referência do ilustre jurista ao voto do Ministro Marco Aurélio, no julgamento da ADI nº 3.089, perante o Supremo Tribunal Federal:

“(…) Encontramo-nos, então, em posição de analisar a inserção de uma consideração isolada, obiter dictum, no voto do Ministro Marco Aurélio, do seguinte teor: 'no tocante à base de incidência descabe a analogia profissionais liberais, Decreto n° 406/68 -, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei dispondo especificamente sobre a matéria. O artigo 70 da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência sobreo preço do serviço."

À vista dos argumentos e considerações expostos ao longo deste Parecer, tem razão o Ministro Marco Aurélio, descabe a analogia. Embora proferida em obiter dictum, o que não obriga nem o próprio Ministro Marco Aurélio, em futuro julgamento sobre a base de cálculo adequada aos serviços de registro público, cartorários e notariais, cabe-nos ponderar que, efetivamente, é inadequada a analogia entre os serviços prestados por 'profissionais liberais', que podem se associar, formando sociedades especiais (como ocorre com os advogados), e os serviços radicalmente diferentes, prestados pelos tabeliães, notários e registradores públicos. A analogia ao parágrafo 3° do art. 9° do DL n° 406/68 somente poderia ser feita se os titulares de cartórios e tabelionatos pudessem, legalmente, integrar ou formar sociedades o que não é possível – ou pelo menos se as serventias tivessem personalidade (o que não ocorre) e, uma vez feita a analogia, o que é incompatível com nosso sistema jurídico, ela arrastaria consigo toda a problemática da vigência, superveniente ao advento da Lei Complementar n° 116, do mesmo dispositivo, o parágrafo 30 do art. 9°, constante do citado DL na 406/68.

Em verdade, o que se dá é o enquadramento direto e perfeito da prestação de serviços notariais e de registro público no parágrafo 1° do art. 9° do DL n° 406/68, de vigência não contestada.

O exercício da profissão de notário, tabelião e oficial de registro desencadeia responsabilidade personalíssima. (…)”

Veja-se, por sua vez, precedente do Egrégio Superior Tribunal deJustiça, em caso semelhante ao ora discutido:

“PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva. Recurso conhecido e provido.” (destaque nosso)

Assim, entendendo-se que o artigo 9º, § 1º, do Decreto-lei nº 406/684 permanece vigente, mesmo após a edição da Lei Complementar nº 116/03 (artigo 10), tal confere aos titulares de cartórios o recolhimento do ISSQN fixo, não obstante a possibilidade de contratação de terceiros (artigo 20, da Lei 8.935/94).

A propósito, questão idêntica foi travada nos autos de mandado de segurança nº 533.01.2008.010018-2, impetrado perante a 1ª Vara Cível de Santa Bárbara D'Oeste, sendo oportuno transcrever parte da sentença ali proferida:

“… A prestação do serviço sob a forma de trabalho pessoal, ainda que suscetível de auxílio de terceiros para redação de atos, aliada à responsabilidade pessoal derivada da leidisciplinadora dos serviços notariais e de cartório, aponta para a correção da incidência da regra de exação especial, inserta no artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68. Ademais, a legislação tributária, especificamente a que diz respeito ao Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99, artigos 45 e 106), confere aos tabeliães, notários e oficiais de registro tratamento fiscal idêntico àquele carreado aos exemplos clássicos de profissionais liberais, como sói ocorrer em relação a médicos, engenheiros e advogados, no tocante aos quais a aplicação da regra de exação veiculada no artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68, conforme reiterada jurisprudência pátria, é fora de dúvidas, dês que o serviço seja unipessoal. Derradeiramente, entendo que a tributação sobre todo o rendimento do impetrado (ainda que ressalvadas as custas repassadas ao Estado), de fato, caracteriza inaceitável bitributação, uma vez que o rendimento já consiste na base de cálculo para apuração do Imposto de Renda, do qual é contribuinte o impetrado. E, nessa senda, avista-se-me ilícita a persecução de exação sobre o rendimento do impetrado, devendo o Município valer-se da regra de alíquotas fixas ou variáveis, nos termos do disposto no § 1º do artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68.” (grifo nosso)

Nesse quadro, tem-se que o impetrante deve recolher ISS nos termos do artigo 9º, § 1º do Decreto-lei nº 406/68, tal como lançado na sentença.

Também não assiste razão à Municipalidade ao defender responsabilidade tributária por sucessão da impetrante, relativamente a período anterior à sua investidura no cargo.

Veja-se trecho de julgado desta Câmara: 

“Pertinente ressaltar que a responsabilidade tributária no caso é cometida na pessoa de quem exercia a função na ocasião do fato gerador. O artigo de Fábio Capraro sobre 'Regime Jurídico Tributário aplicável a Notários e Registradores', esclarece: 'As serventias extrajudiciais não possuem personalidade jurídica; não são pessoas jurídicas, nem empresas. Nesse sentido, aliás, reza o parágrafo único do art. 966 do Código Civil Brasileiro: 'Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa' (g.n)”. 'Dessa forma, notários e registradores não estão adstritos às normas tributárias e civis aplicáveis às pessoas jurídicas. A delegação é exercida após aprovação em concurso público de provas e títulos, sendo que a responsabilidade pelos atos praticados é pessoal. A outorga da delegação extrajudicial é tida inexoravelmente como ingresso originário. Não há sucessão trabalhista, tributária, civil ou de qualquer outra natureza.”

(…)

“Destacamos, também, o entendimento da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo sobre o tema, consoante podemos observar do expediente CG nº 12.227/99, a seguir transcrito: 'importa anotar que, como essas DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO não possuem personalidade jurídica, os responsáveis pelos expedientes vagos responderão, pessoalmente, por quaisquer desvios ou abusos ocorridosdurante a sua gestão, com o aumento injustificável das despesas, que depois venham refletir na futura idoneidade financeira da unidade DELEGADA DO SERVIÇO DE NOTAS E REGISTRO'. (g.n)”.

(…)

“A corroborar essas afirmações trazemos à baila o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria: 'registre-se que, tratando-se de delegação por concurso público, toda a titularidade na serventia é originária, não podendo ser adquirida ou transferida por qualquer forma. Por conseqüência, não há sucessão na responsabilidade tributária (art.113 do Código Tributário Nacional) e trabalhista (art.448 da Consolidação das Leis do Trabalho).

(…)

Dessarte, o cartório não possui capacidade processual, uma vez que todas as relações estão concentradas na pessoa do tabelião, que detém completa responsabilidade sobre os serviços.

 
Do contrário, a legitimidade dos cartórios apenas estenderia a responsabilidade para os tabeliães sucessores para atos pretéritos, porquanto somente eles teriam patrimônio para arcar com os resultados da demanda. Esses sucessores, entretanto, não adquiriram fundo de comércio ou foram transferidos em todos os direitos e obrigações, mas apenas assumiram delegação diretamente efetuada pelo Poder Público, estando infensos aos prejuízos ou lucros auferidos pelo seu antecessor'. (STJ, 4ª Turma, REsp.nº545.613/MG, rel. Min. Asfor Rocha, j.16.10.2003, m.v.).”

“Noutro julgado, asseverou a mesma corte, a saber: 'nessa linha de raciocínio, é de se ter presente que só poderia mesmo responder como titular do cartório aquele que efetivamente ocupava o cargo à época da prática do fato reputado como lesivo aos interesses dos autores, razão pela qual não poderia tal responsabilidade ser transferida ao agente público que o sucedeu'. (STJ, 3ª Turma, REsp nº696.989/PE, rel. Ministro Castro Filho, j.23.05.2006, v.u..).”

Assim, descabe cogitar de responsabilidade tributária por sucessão, bem como incidência do ISS sobre o faturamento, afigurando-se correta a concessão da segurança.

Posto isso, nega-se provimento ao recurso.

João Alberto Pezarini
Relator

Fonte: Arpen Brasil – TJ/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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