1ªVRP/SP: Reconhecimento de firmas: autenticidade X semelhança

Processo n 0006438-82.2013.8.26.0100

Pedido de Providências

Therezinha Maluf Chamma – CP 26

Registro de imóveis pedido de providências averbação de caução locatícia (LL91, art. 38, § 1º) o reconhecimento de firmas dos figurantes e testemunhas pode fazer-se por semelhança ou por autenticidade, e não toca ao ofício do registro de imóveis exigir uma dessas formas em detrimento da outra pedido procedente.

CP 26

Vistos etc.

1. Therezinha Maluf Chamma pediu providências (fls. 02-06) a esta corregedoria permanente.

1.1. Em 2 de dezembro de 2012, com fundamento na Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991 LL91, a requerente pedira (fls. 18) ao 5º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo (5º RISP) que averbasse, na matrícula 928 (fls. 52-53), uma caução locatícia prestada dada por Marli Maria Dias para garantir contrato de locação não-residencial de imóvel (fls. 07-16).

1.2. O 5º RISP negou a averbação, exigindo que a firma de todas as partes contratantes e das testemunhas fosse reconhecida por autenticidade, na forma da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 LRP73, art. 221, II, e do Cód. de Proc. Civil CPC73, art. 369 (fls. 24).

1.3. Segundo a requerente, essa exigência não teria lugar, porque a LRP73, art. 221, II, não imporia que o reconhecimento se fizesse por autenticidade.

1.4. Assim, outro remédio não teria restado à requerente, a não ser pedir a este juízo que, afastado o óbice posto pelo 5º RISP, mandasse proceder à averbação pretendida.

1.5. A requerente fez juntar documentos (fls. 07-59).

2. O 5º RISP prestou informações (fls. 61-65).

2.1. Segundo o ofício do registro de imóveis, a LRP73, art. 221, II, de fato não exigiria reconhecimento de firmas por autenticidade, mas tampouco diria ser bastante o reconhecimento por semelhança.

2.2. São frequentes as fraudes ligadas à prestação de falsas cauções imobiliárias, como demonstram o quotidiano do ofício de registro e da própria corregedoria permanente e a caução locatícia imobiliária prevista na LL91 é propícia para tanto, porque essa forma de garantia, não pressupondo tomada de posse, pode ser contratada clandestinamente, sem que dela tome conhecimento o dono. Ademais, tanto se disseminaram as fraudes, que para os negócios concernentes a veículos automotores sempre se exige o reconhecimento de firmas por autenticidade (Conselho Nacional de Trânsito, Resolução n. 282, de 26 de junho de 2008, art. 11; Departamento Nacional de Trânsito, Portaria n. 1.606, de 19 de agosto de 2005, arts. 13-14; Decreto Estadual n. 43.980, de 7 de maio de 1999; CGJ, proc. 118/99 e Provimento CG 20/1999).

2.3. É da tradição do direito brasileiro exigir que os instrumentos particulares sejam reconhecidos por autenticidade (Decreto n. 482, de 14 de novembro de 1846, art. 8º; Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864, art. 8º, § 2º; Decreto n. 3.453, de 26 de abril de 1865, art. 77, § 2º; CC16, art. 851, verbis “conhecidas do oficial do registro”). Assim, os atos privados que ingressam no registro de imóveis entram na classe dos documentos autênticos, autenticidade que adquirem quando recebem o reconhecimento de firmas (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 3ª ed., 1982, p. 292), segundo o CPC73, art. 369.

2.4. Há paridade lógica entre a regra de escritura pública como forma dos atos imobiliários (CC02, art. 108) e os requisitos das exceções (dentre elas, as cauções reais da LL91): assim, onde se admite o instrumento particular, é logicamente necessário dotar essa espécie de título de maior rigor no que respeita à autenticidade das firmas que nele se apõem. Se para a lavratura de escritura pública é imprescindível o comparecimento pessoal, com o reconhecimento da identidade e capacidade dos figurantes e de quantos hajam comparecido ao ato (CC02, art. 215, § 1º, II), então o reconhecimento por autenticidade é o mínimo que se pode exigir nos instrumentos particulares: é a “notarialização” desses instrumentos, conforme a tradição do direito nacional.

2.5. Finalmente, na Apelação Cível n. 6.779-0-SP (Rel. Des. Sylvio do Amaral j. 9.2.1987; parecer do juiz José Renato Nalini), acerca do reconhecimento de firmas em contrato de locação, ficou dito que a imperatividade do reconhecimento de firmas nos instrumentos particulares tem um fundamento racional i. e., a garantia da identidade das partes e que “os documentos públicos, em sentido estrito, são autênticos. Mas a autenticidade nos documentos particulares provém do reconhecimento de firma por tabelião. O reconhecimento autêntico está previsto no artigo 369 do Código de Processo Civil”.

3. O Ministério Público opinou pelo deferimento do pedido (fls. 67-68).

4. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

5. A LRP73, art. 221, II, determina que os escritos particulares tragam reconhecidas as firmas das partes e testemunhas.

Reconhecidas, diz, sem esclarecer se se trata de reconhecimento por autenticidade (Cód. de Proc. Civil, art. 369) ou por semelhança.

Cabe, então, perguntar: pode o registrador, em algum caso, ou alguns, ou todos, exigir ao interessado que o reconhecimento se faça por uma, ou por outra forma (na prática, por autenticidade, meio que é mais seguro)?

As razões do 5º RI são ponderáveis, porque se fundam, todas, na necessidade de segurança jurídica, que é a razão de ser do registro público. Entretanto, a construção esbarra em que ninguém está obrigado a fazer algo, senão em virtude de lei (Constituição da República CF88, art. 5º I), e ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus: se a própria lei não exigiu, expressis verbis, alguma forma específica de reconhecimento, é porque qualquer delas basta, e não se pode exigir o contrário.

Como diz a doutrina:

“14. Reconhecimento de firmas O reconhecimento de firmas, no sistema dos registros públicos, somente pode ser exigido pelo oficial, como no caso das escrituras particulares, por efeito de disposição expressa de lei” (PONTES, Walmir. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 148)

Responde-se, portanto: qualquer das duas formas de reconhecimento (por semelhança, ou por autenticidade), munida que está de fé pública, é eficaz, e não pode o registrador fazer com que os interessados empreguem uma, e não outra.

5.1. De fato conviria que no direito registral imobiliário do Brasil mais e mais se restringisse o cabimento dos instrumentos particulares, e que se tendesse a admitir, como títulos formais hábeis para ingresso, somente os atos notariais e judiciais, indubitavelmente mais seguros. Entretanto, assim não é, de maneira que, para bem ou para mal, o instrumento particular é admitido com largueza e, como dito, para a sua constituição não exigiu a lei, de modo expresso, o reconhecimento de firma por autenticidade.

5.2. Não se duvida que a caução locatícia se preste a artifícios e ardis, ou que os meios fraudulentos tanto se hajam disseminado, que certas autoridades administrativas (nomeadamente, as de trânsito) se tenham visto obrigadas a exigir maiores cautelas na documentação de certos negócios (como a transmissão de veículos automotores). O argumento, contudo, não é sólido o bastante para impor o reconhecimento por autenticidade aos instrumentos particulares de atos imobiliários: afinal, em matéria de muito maior gravidade qual seja, a viagem de menores ao exterior basta o reconhecimento de firma por semelhança (Resolução n. 131 do Conselho Nacional de Justiça, de 6 de maio de 2011, art. 1º, II e III, art. 2º, II, e art. 8º, § 1º). Vale dizer: os critérios pelos quais administrativamente se exija ou não o reconhecimento de firma por semelhança ou autenticidade são por demais casuísticos, e não bastam para fixar regra geral que sirva, no âmbito administrativo-registral, para conduzir uma interpretação normativa que justifique que aceitar somente o reconhecimento por autenticidade.

5.3. Ademais, ainda que a tradição de nosso direito possa exigir reconhecimento por autenticidade, de lege lata a exigência não existe.

5.4. Novamente, é realmente curioso (ut alia non dicam) que se tenha buscado munir a escritura pública de tanta segurança (cf. CC02, art. 215) e, ao mesmo tempo, se hajam aberto tamanhas exceções ao instrumento particular como título formal para ingresso no registro de imóveis. Infelizmente, porém, é esse o estado de coisas, e as opções legislativas não podem ser corrigidas na esfera administrativa.

5.5. Por fim, na Ap. Cív. n. 6779-0 foi dito que a autenticidade nos documentos particulares provenha do reconhecimento de firma por tabelião, e que o reconhecimento autêntico seja aquele previsto no CPC73, art. 369, está certo; contudo, para além disso a decisão não foi, e tanto essas afirmações foram meros obiter dicta, que em nenhum passo está excluída a eficácia do reconhecimento, por semelhança, das firmas de figurantes e testemunhas.

6. Do exposto, julgo procedente o pedido de providências deduzido por Therezinha Maluf Chamma e determino ao 5º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo a averbação, na matrícula 928, da caução locatícia estipulada no instrumento de fls. 07-16 destes autos.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios.

Desta sentença cabe recurso administrativo, com efeito suspensivo, em quinze dias, para a E. Corregedoria Geral da Justiça (Cód. Judiciário de São Paulo, art. 246).

Oportunamente, arquivem-se.

P. R. I. 

Fonte: DJE/SP I 22/07/2013.

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A rubrica não é assinatura, mas é auxiliar da assinatura para ligar as páginas rubricadas à última, que é assinada

Por falta de rubricas, e afirmação do pensamento de Pontes de Miranda de que "a rubrica não é assinatura, mas é auxiliar da assinatura para ligar as páginas rubricadas à última, que é assinada", o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo negou o registro de contrato de locação no Registro de Imóveis. Veja a íntegra da decisão:

Processo 0026786-24.2013.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital – YK Rede Park Estacionamento Ltda – Dúvida – averbação de contrato de locação para exercício de direito de preferência – instrumento eivado de vícios que comprometem a segurança jurídica – saneamento de parte dos vícios – manutenção do óbice referente à necessidade de rubrica dos subscritores em todas as folhas do instrumento – dúvida procedente. CP 127

Vistos etc.

1. O 1º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo (RI) suscitou dúvida a pedido de YK – REDE PARK ESTACIONAMENTO LTDA (fls. 02 – 04).

1.1. A suscitada fez prenotar, em 19 de fevereiro de 2013, sob nº 313.203 no 1º RI, contrato de locação celebrado em 18 de junho de 2007 (fls. 24 – 30), onde figura como locadora TEREZINHA SOARES DE ARAUJO e como locatária a suscitada. O título foi devolvido, em 22 de fevereiro de 2013, com exigências (fls. 32).

1.2. Em 18 de março de 2013, o contrato foi reapresentado, acompanhado de requerimento (fls. 05 – 09) que solicitava suscitação de dúvida caso o registrador não concordasse com a argumentação da suscitada acerca do cumprimento apenas parcial das exigências.

1.3. Tendo reconsiderado parte dos óbices impostos, o 1º RI manteve somente uma exigência (fls. 31), referente à necessidade de rubrica de TEREZINHA em todas as folhas do contrato ou de suprimento judicial. Nestes termos, e conforme solicitado a fls. 09, aquela serventia suscitou a presente dúvida.

1.4. YK – REDE PARK ESTACIONAMENTO LTDA está devidamente representada ad judicia pelo advogado NELSON DE SOUZA PINTO NETO (OAB/SP 280.190 – fls. 10) 2. Houve impugnação (fls 42 – 50), ocasião em a suscitada expôs os mesmos argumentos apresentados no requerimento de fls. 05 – 09.

3. Não houve necessidade de esclarecimentos posteriores do 1º RI, uma vez que os elementos dos autos já foram suficientemente elucidativos.

4. A fls. 54 – 56 foram apresentadas provas documentais (notificações extrajudiciais) de que realmente houve alienação do imóvel objeto do contrato de locação por parte dos herdeiros de TEREZINHA SOARES DE ARAÚJO.

5. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 58 – 59). Entendeu que o contrato de locação não goza de segurança suficiente para ingresso em fólio real. Ademais, afirmou que, como o imóvel já foi alienado, não será mais possível adjudicá-lo (artigo 33 da Lei 8.245/91). No caso, a suscitada, se realmente preterida no direito de preferência, tem direito apenas à indenização por perdas e danos.

6. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.

7. A suscitada apresentou contrato de locação eivado de vícios que comprometem sua segurança jurídica. Após sanar algumas exigências do registrador e justificar-se com relação a outras, fora mantido apenas um óbice, relativo à necessidade de rubrica da locadora TEREZINHA em todas as folhas do contrato.

7.1. Impossível será a aposição da rubrica da locadora em todas as folhas do contrato, uma vez que, segundo o alegado, ela já faleceu. Essa circunstância, porém, não justifica que neste caso se afaste o óbice. A exigência decorre da própria essência do documento particular, que deve formar, com todas as suas folhas e demais elementos, uma unidade precisa e confiável que prove a existência de um fato – o que não ocorre aqui.

7.2. Analisando a última folha do contrato (fls. 30 dos autos), percebe-se que a assinatura de TEREZINHA está aposta de maneira não habitual, como bem observou o registrador (fls. 03). Além disso, o instrumento não traz rubricas da locadora em todas as folhas. Longe de se tentar insinuar qualquer fraude, fato é que o título, conforme se apresenta, gera dúvidas quanto à sua inteireza e isso é suficiente para impedir o seu ingresso no fólio real.

7.3 No ensinamento de Luiz Guilherme Loureiro: O registro de imóveis é fundamentalmente um instrumento de publicidade, portanto, é necessário que as informações nele contidas coincidam com a realidade para que não se converta em elemento de difusão de inexatidões e fonte de insegurança jurídica.” (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e Prática. 2. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 230.)

7.4 Acerca da necessidade da rubrica em todas as folhas do instrumento particular, Pontes de Miranda ensina que: “A assinatura somente individualiza aquilo que está acima dela, ou, se há mais páginas, o que está nas outras páginas, se rubricadas. A rubrica não é assinatura, mas é auxiliar da assinatura para ligar as páginas rubricadas à última, que é assinada. A assinatura individualiza e fecha.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: Parte Geral Negócios Jurídicos Representação Conteúdo – Forma – Prova. 3. ed. reimp. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. t. 3, p. 366 (= § 339) (grifamos).

8. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 1º Ofício de Registro de Imóveis a requerimento de YK REDE PARK ESTACIONAMENTO LTDA (prenotação nº 313.203). Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Desta sentença cabe apelação, com efeito suspensivo e devolutivo, para o E. Conselho Superior da Magistratura, no prazo de 15 dias. Uma vez preclusa esta sentença, cumpra-se a Lei 6.015/73, artigo 203, I, e arquivem-se os autos, se não for requerido nada mais.

P. R. I .C. São Paulo, Josué Modesto Passos JUIZ DE DIREITO.

Fonte: DJE/SP I 30/07/2013.

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