TJ/PE: Artigo – O Nascituro órfão – Por: JONES FIGUEIRÊDO ALVES

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES

Designa-se como nascituro aquele que concebido, há de nascer, e que em vida-intra-uterina tem sua existência já tutelada (a exemplo dos alimentos gravídicos), bem como os seus direitos postos a salvo, desde a concepção; tudo conforme a leitura concepcionista do artigo 2º do Código Civil, embora sua personalidade civil comece do nascimento com vida. Significa, assim, o ser já concebido e gestado, aguardando no ventre materno o evento maior, o de exsurgir para a vida terrestre com sua vida como pessoa. Aquele que ainda não nasceu e haverá, por certo, de nascer com vida.

Há quem sustente que o nascituro também será o ente concebido e ainda não gestado, ou mais precisamente, o que está em vida extra-uterina, conceituado como embrião pré-implantatório, resultado de técnicas de reprodução medicamente assistida, ou seja, aquele de concepção "in vitro" e crioconservado, em nitrogênio líquido. Significa, assim, que nascituro será também o embrião, como tem sustentado, modernamente, juristas do elevado porte de Silmara Juny Chinelato (autora da clássica obra "Tutela Civil do Nascituro", 1999) e Flávio Tartuce (2007). De tal ordem, presente a figura do artigo 1.597, inciso IV, do Código Civil, ou seja, a do embrião excedentário, havido a qualquer tempo.

Pois bem: nessa ordem de ideias, dominante na doutrina moderna a teoria concepcionista, tendo o nascituro seus direitos reconhecidos desde a concepção, pontua-se, para o propósito do tema, a figura do nascituro órfão, certo que essa situação insere-se em três realidades assentadas por fatos da ciência ou da própria vida: (i) o havido por concepção artificial homóloga "post mortem", por técnicas de inseminação do sêmen (artigo 1.597, III, Código Civil); (ii) o havido por ulterior implantação, como embrião excedentário, quando já falecido o genitor (artigo 1.597, III, Código Civil); (iii) o nascituro que durante a gestação, tem a perda superveniente do genitor, (por causas diversas), não o conhecendo ao nascer.

O tema tem sido enfrentado pela doutrina, designadamente quanto às duas primeiras hipóteses, quando induvidosa e admitida a paternidade póstuma, a teor dos reportados incisos do artigo 1.597 do Código Civil. A Resolução nº 1.957, de 06.01.2011, do Conselho Federal de Medicina, dispõe a respeito, ao dizer não constituir ilícito ético a reprodução assistida "post mortem", "desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente".

A fecundação "post mortem" tem tratamentos diferenciado nas diversas legislações, bastando referir que a proíbem as leis da Suécia (1985) da Alemanha (1990) e de Portugal (Lei 32, de 26.06.2006, art. 22, 1. e 2.), certo ainda que (i) a lei portuguesa admite, porém, lícita a transferência "post mortem" de embrião, diante de projeto parental definido por escrito antes da morte do pai (idem, art. 22, 3) e (ii) a lei da Espanha, embora admita, impõe prazo máximo da inseminação "post mortem", de doze meses após a morte do marido (Lei nº 35/1988, art. 9º). Afinal, a inseminação "post mortem", tem dois paradigmas emblemáticos: (i) O mitológico – quando encontra Isis reconstituindo os restos mortais de Osíris, para fecundar a si mesma e; (ii) o humanista – quando, por exemplo, do esforço afetivo de uma mulher enlutada, na corrida contra o tempo, para recolher, em no máximo trinta e seis horas, o sêmen de seu noivo Johhny Quintana, morto por ataque cardíaco.  Ela, Gisela Marrero, obteve da corte do Bronx (NY, EUA), a autorização para a coleta.

Desde quando Corine Parplalaix  reivindicou junto à corte de Creteil (França), o sêmen de seu marido falecido, Alain, e por ela autorizada à inseminação (08/1984), iniciaram-se nos âmbitos ético e jurídico, as inquietantes peculiaridades dos seus efeitos, com debates a respeito. O principal deles, sem dúvida, é o da criança ser gerada em situação de orfandade.

Na terceira hipótese, a orfandade, mais das vezes, porém, é situação imposta em decorrência de culpa de terceiro, quando por acidentes de trabalho ou por atos de uma criminalidade não controlada, adequadamente, pelo Estado. Essa orfandade é a mais cruel e dramática, porquanto as anteriores decorrem, como observado, de projetos parentais que, via de consequência, asseguram a vida a quem poderia não ter vindo ao mundo.

No ponto, assinala-se que "maior a agonia de perder um pai, é a angústia de jamais ter podido conhecê-lo, de nunca ter recebido um gesto de carinho, enfim, de ser privado de qualquer lembrança ou contato, por mais remoto que seja, com aquele que lhe proporcionou a vida" (STJ – REsp. nº 931556, j. em 17.06.2008). Nessa toada, tem sido de há muito admitido, pelos tribunais nacionais, que o nascituro tem direitos a danos morais, pela morte do pai – consagrando-se a teoria concepcionista, – e sem distinção de valor indenizatório em relação aos filhos já nascidos.

Agora, na mesma latitude, em acórdão de 03 de abril corrente, a 2ª Seção do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal acaba por findar séria controvérsia jurisprudencial ao reconhecer que uma criança, hoje com sete anos, deva receber uma indenização de 20 mil euros por danos morais e mais 45 mil euros pela perda de alimentos, causados pela morte do pai que nunca chegou a conhecer. O julgado reformou decisão do Tribunal de Relação do Porto.

"Repugna ao mais elementar sentido de justiça – e viola o direito constitucional da igualdade – que dois irmãos, que sofrem a perda do mesmo progenitor, tenham tratamento jurídico diferenciado pela circunstância de um deles já ter nascido à data do falecimento do pai (tendo 16 meses de idade) e o outro ter nascido apenas 18 dias depois de tal acontecimento fatídico, reconhecendo-se a um e negando-se a outro, respectivamente, a compensação por danos não patrimoniais próprios decorrentes da morte do seu pai", subscreve o Relator Álvaro Rodrigues (Proc. 436/07.6TBVRI.P1S1). A decisão invocou o art. 26º da Constituição Portuguesa, para dar uma interpretação não limitativa ou discriminativa ao art. 496º do Código Civil, superando, destarte, o art. 66º, II do mesmo estatuto civil. (Web: http://www.stj.pt/jurisprudencia/basedados).

Diante de indicadores sociais de mulheres grávidas que perderam os seus maridos, por mortes provocadas pela insegurança pública do Estado, impotente em preservar a vida do cidadão comum, segue-se, então, considerar, que os nascituros órfãos serão havidos filhos do Estado.  Com essa condição, merecedores de indenização civil, pela perda do pai e ao direito a uma vida digna, como a vida deve ser em sua dignidade existencial, indistintamente, a cada um.

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* O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE | 22/04/2014.

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TJ/MG: Juiz fala sobre alimentos gravídicos na rádio Inconfidência

Em entrevista ao programa Conexão Inconfidência, o juiz Agnaldo Pereira, da 2ª Vara de Feitos Tributários da comarca de Belo Horizonte, esclareceu o que são os alimentos gravídicos. O magistrado, que também é coordenador do Núcleo de Apoio à Prestação Jurisdicional do Interior (Napi), lançará no próximo dia 10 de abril um livro a respeito do tema. A publicação Os Alimentos Gravídicos à Luz das Legislações Brasileira e Portuguesa é fruto de estudos do juiz na Universidade de Coimbra, em Portugal.

O juiz esclareceu que alimentos gravídicos são aqueles devidos a uma gestante pelo suposto pai da criança. “No caso dos alimentos gravídicos, durante o período em que a mulher está gestando a criança, ela já pede alimentos para aquele que foi concebido, que está no útero dela em formação”, afirmou. Os gastos com exames, remédios, alimentos devem ser assegurados, e o pai tem a obrigação legal de contribuir.

Para o magistrado, a falta de informação ainda é um problema. A lei é relativamente nova, datada de 5 de novembro de 2008, e, por esse motivo, muitas pessoas ainda a desconhecem. “Eu acredito que as mulheres não sabem que, a partir do momento em que está confirmada a gravidez, elas já podem exigir do suposto pai que ele contribua”, afirmou. O juiz ainda ressaltou que “pai e mãe são responsáveis pela manutenção do feto durante a gravidez, para que a criança nasça com vida e com saúde”.

Indagado sobre as diferenças entre as legislações brasileira e portuguesa, o juiz afirmou que, em relação ao tema alimentos gravídicos, o Brasil está na frente de Portugal, pois conta com uma legislação específica para o assunto. Em Portugal, para que a gestante garanta os direitos do filho, ela tem de recorrer a outros princípios jurisdicionais, como o da dignidade humana e o do direito da personalidade jurídica.

Em relação à comprovação da paternidade da criança, o juiz esclareceu que existem algumas maneiras de fazê-lo. Uma delas é comprovar o relacionamento. Por exemplo, um recado no Facebook ou uma mensagem de texto no celular podem ser indícios de prova. Fotografias também podem constar nos autos para comprovar que ocorreu uma relação com o suposto pai. O exame de DNA pode ser feito através do líquido amniótico entre 10 e 12 semanas de gravidez.

Por fim, o magistrado fez um alerta em relação ao papel da família na sociedade. “Nós estamos carentes daqueles poderes informais da sociedade. A família é um poder informal que não tem polícia. Não tem nenhuma autoridade que consegue dar um direcionamento correto para a vida de uma pessoa melhor do que a família. Não é juiz que vai corrigir filho, não é professor que vai corrigir filho, quem corrige filho é pai e mãe”, enfatizou.

Fonte: TJ/MG | 03/04/2014.

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Paternidade intrauterina

* Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Pedro Bellentani Quintino de Oliveira

O feto surge como agente de tutela estatal em várias oportunidades. A Declaração dos Direitos da Criança, promulgada pela Assembleia Geral da ONU, preconiza que a criança, em razão de sua imaturidade física e mental, necessita de proteção legal apropriada, tanto antes como depois do nascimento. O ECA acrescenta ainda o direito de proteção à vida e à saúde, proporcionando um nascimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Já não se pode limitar o direito do nascituro apenas ao de nascer. E sim ampliá-lo e agregar a ele o nascer com dignidade, com saúde, com a proteção Estatal necessária, extensiva à sua mãe, de quem é dependente na vida pré-natal. A assertiva é de fácil constatação e a esse respeito foi proposto um projeto de lei para considerar o embrião como dependente para fins de dedução na base de cálculo do imposto de renda, mas não vingou em razão do aborto provocado pelo legislador.

Pode o feto, desta forma, pela projeção alcançada, figurar como autor em ação de alimentos, investigação de paternidade e outros direitos compatíveis com sua condição de concebido, mas não nascido.

Pois bem. A lei 11.804/08, conhecida como “alimentos gravídicos”, melhor seria se fosse “alimentos do nascituro” em apertado resumo, confere direito à mulher gestante, não casada e que também não viva em união estável, de receber alimentos, desde a concepção até o parto. Para tanto, deverá ingressar com o pedido judicial em desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base nos indícios de paternidade, a obrigação alimentar do suposto pai, que poderá contestar, mas em restrito núcleo cognitivo também. Os alimentos fixados permanecerão até o nascimento com vida, quando serão convertidos em pensão alimentícia e, a partir deste marco, poderão ser revistos pelas partes.

Trata-se, como se percebe, de uma de uma decretação provisória de paternidade, calcada somente em indícios. Eventual contestação pugnando pela realização de exame excludente da alegada paternidade será analisada após o nascimento da criança. É uma situação de incerteza que obrigará o suposto pai a arcar com a verba alimentar, não se afastando da finalidade da medida que é atingir uma procriação responsável, com o comprometimento integrado e solidário dos genitores, numa verdadeira guarda compartilhada intrauterina.

Feitas tais considerações, é de se concluir pela dificuldade da determinação da paternidade, que trabalha somente com indícios, elementos circunstanciais que gravitam em torno do fato principal sem, contudo, apresentar uma prova inconcussa. A não ser a colheita do líquido amniótico da gestante a partir de 14 semanas, que carrega risco de provocar o abortamento, por se tratar de procedimento invasivo.

Agora, no entanto, em razão evolução da engenharia genética, já é possível a realização no Brasil de exame não invasivo consistente na procura do DNA fetal circulante na mãe e compará-lo com o material fornecido pelo pretenso pai. O avanço científico é tamanho que, além do objetivo da paternidade, carrega precisão quase que incontestável no sentido de demonstrar que o feto seja portador de síndromes de Down, Edwards, Patau, Turner, Klinefelter e Triplo X.

Permanece sim a proibição de selecionar sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, mas não se questiona a realização do exame para diagnóstico pré-implantatório e testes genéticos visando verificar se o embrião é portador de alterações cromossômicas ou genéticas. Se a constatação for positiva, admite-se o procedimento corretivo1.

A regra da paternitas incerta est cai por terra diante da precisão de referido exame e pode se dizer que a até então imutável afirmativa de que maternitas semper certa est também não resiste quando se tratar de inseminação artificial heteróloga, prevista no artigo 1597, inciso III do CC.

Se Machado de Assis vivesse nestes novos tempos quando escreveu Dom Casmurro, não deixaria o leitor tão ansioso a respeito da paternidade de Ezequiel, filho de Capitu. Apontaria a paternidade com toda segurança a Bentinho ou Escobar.

Mas também o romance perderia a riqueza do relato psicológico de cada personagem e a crucial pergunta se a “cigana oblíqua e dissimulada” traiu Bentinho.

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1 – Resolução Conselho Federal de Medicina, nº 1957/2010, item VI.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado; Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.

Fonte: Migalhas I 08/10/2013.

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