CGJ/SP: REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa suscitada – Contrato de locação com cláusula de vigência na hipótese de alienação do bem – Recusa do registro em razão da indisponibilidade e penhora do imóvel – Averbações que não inviabilizam a locação nem repercutem na validade da cláusula de vigência, que visa apenas a expandir sua eficácia e alcançar terceiros, amparada em expressa disposição legal – Título, formalmente em ordem, que observa o princípio da legalidade – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida inversa e determinar o registro do título.

Acórdão DJ nº 0027161-25.2013.8.26.0100 – Apelação Cível 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0027161-25.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CURI ALIMENTAÇÃO, EDITORAÇÃO LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA INVERSA SUSCITADA E DETERMINAR O REGISTRO DO TÍTULO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI (VICE PRESIDENTE), GUERRIERI REZENDE (DECANO), ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 14 de maio de 2014.      

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 0027161-25.2013.8.26.0100

Apelante: Curi Alimentação, Editoração e Divulgação Ltda.

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Voto nº 34.011

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa suscitada – Contrato de locação com cláusula de vigência na hipótese de alienação do bem – Recusa do registro em razão da indisponibilidade e penhora do imóvel – Averbações que não inviabilizam a locação nem repercutem na validade da cláusula de vigência, que visa apenas a expandir sua eficácia e alcançar terceiros, amparada em expressa disposição legal – Título, formalmente em ordem, que observa o princípio da legalidade – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida inversa e determinar o registro do título.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MMº Juiz Corregedor do 1º Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que julgou procedente a dúvida inversa suscitada e manteve a recusa do registro do contrato de locação não residencial com cláusula de vigência na hipótese de alienação, referente ao imóvel matriculado sob nº 50.541, em razão da indisponibilidade da metade ideal de propriedade  do locador Rubens Tufik Curi, averbada sob nº 8.

A apelante afirma que a parte ideal de propriedade da locadora Ruth não está indisponível nem foi penhorada e que solicitou o registro do contrato devido ao grande investimento realizado com a reforma do imóvel. Diz que quando celebrou o contrato em 1º/2/2011 não havia averbação da penhora.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

A recusa do Oficial de registrar o contrato de locação com cláusula de vigência na hipótese de alienação do bem, celebrado entre a recorrente e os titulares do domínio do imóvel, está baseada nos seguintes fundamentos: (a) a indisponibilidade esvazia temporariamente os direitos inerentes ao domínio, o que justifica a limitação de seu exercício; (b) a indisponibilidade judicial engloba a impenhorabilidade e a incomunicabilidade, assim como ocorre com a inalienabilidade voluntária; (c) o registro tem efeito constitutivo e gera obrigação com eficácia real, nos termos do artigo 576 do Código Civil, pelo qual a locação pode ser oposta ao adquirente da coisa locada; (d) por força do contrato assinado, o locador perde a posse direta do imóvel, o que inviabiliza o exercício das atribuições de fiel depositário do juízo da execução em razão da penhora do bem.

A sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente está amparada em precedentes deste Conselho Superior da Magistratura no sentido de que, em razão da indisponibilidade, o registro da cláusula extrapola o plano do direito das obrigações e atinge o plano do direito real, na medida em que pode ser oposta a um eventual novo adquirente do imóvel e frustra, ao menos de modo potencial, faculdades contidas no domínio.

Ocorre que tal entendimento foi recentemente modificado, sob o fundamento de que a indisponibilidade não inviabiliza a locação do imóvel e não repercute na validade da cláusula de vigência, pelo que não há razão para impedir o registro, na medida em que tal ato visa unicamente a expandir a eficácia subjetiva desta cláusula amparada no princípio da função social do contrato.

Assim foi decidido na Apelação Cível nº 0018645-08.2012.8.26.0114,  que teve como relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini que, ao tratar de caso semelhante assim dispôs:

O resultado associado a publicidade registral com atribuição de eficácia real a obrigações comuns, de poderes diretos sobre os imóveis locados e, particularmente, de direitos reais de gozo e aquisição ao locatário, não é de ser indistintamente vedado em função da indisponibilidade legal, especialmente porque não implica voluntário deslocamento patrimonial subjetivo.

Com mais razão se considerado que não impede, em outra execução, nova penhora sobre o bem indisponível, de acordo com a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, iterativamente, tem afirmado: a indisponibilidade versada no § 1.º do artigo 53 da Lei n.º 8.212/1991 apenas impossibilita a alienação do bem penhorado pelo devedor-executado.[1]

Os recentes precedentes deste Conselho Superior da Magistratura que, na esteira do entendimento do STJ, acentuaram que a indisponibilidade focalizada não frustra a arrematação judicial nem o registro da carta que lhe corresponda também conduzem à inscrição objetada.[2]

Sob a influência da visão de contrato como fato social, instituto jurídico funcionalizado, e a inspiração de novos paradigmas jurisprudenciais, impõe, portanto, rever a orientação deste Conselho expressa no acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n.º 100.237-0/0, rel. Des.  Luiz Tâmbara, j. em 04.09.2003, quando admitida a incompatibilidade entre a indisponibilidade do artigo 53, § 1.º, da Lei n.º 8.212/1991, e o registro de contrato de locação com cláusula de vigência.

De efeito, o ato de dispor da coisa, vedado por força da indisponibilidade existente, deve ter interpretação restrita, pelo que não vai além da impossibilidade de alienação da coisa, e mesmo assim da alienação voluntária, nos termos do precedente acima mencionado, de modo que não tem o condão de impedir o exercício dos demais direitos inerentes à propriedade – de uso, gozo e fruição – e, consequentemente, não impede a locação do bem, nem tampouco tem o condão de invalidar cláusula contratual que tem por base expressa disposição na lei especial que disciplina a matéria e que autoriza o registro a fim de possibilitar que gere efeitos (artigo 8º da Lei nº 8.245/91).

Consoante lições de Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder o exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (“Registro de Imóveis”, editora Forense, 4ª edição).

O título apresentado para registro observa o princípio da legalidade. A questão acerca de possível repercussão do ato perante o juízo da execução que penhorou o bem e nomeou o devedor executado fiel depositário, e considerações acerca das peculiaridades do contrato de locação apresentado, extrapolam o exame dos aspectos formais do título e não deve obstar o seu ingresso no fólio real.

À vista do exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida inversa suscitada e determinar o registro do título.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

_______________________________

[1] Recurso Especial n.º 512.398/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 17.02.2004; Recurso Especial n.º 615.678/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. em 24.08.2005; Recurso Especial n.º 769.121/SP, rel. Min. Castro Meira, j. em 08.11.2005; Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 882.016/SP, rel. Min. Castro Meira, j. em 20.03.2007; Recurso Especial n.º 1.269.474/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 06.12.2011.

 

[2] Apelações Cíveis n.ºs 0007969-54.2010.8.26.0604, 0018382-04.2011.8.26.0019 e 0000001-78.2011.8.26.0493, todos relatados por mim, julgados, o primeiro, no dia 10.05.2012 e, os dois últimos, em 13.12.2012.

Fonte: TJ/SP | Data da Inclusão: 25/05/2014.

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CGJ/SP: TÍTULO FORMAL. MITIGAÇÃO DA CONTINUIDADE E ESPECIALIDADE SUBJETIVA. RG E CPF.

Acórdão – DJ nº 0043702-36.2013.8.26.0100 – Apelação Cível 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0043702-36.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EVERALDO TENORIO DE FREITAS, é apelado 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "PREJUDICADA A DÚVIDA, NÃO CONHECERAM DO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 18 de março de 2014.       

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 0043702-36.2013.8.26.0100

Apelante: Everaldo Tenorio de Freitas.

Apelado: 14o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

Voto nº 33.957

REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA – CONCORDÂNCIA COM UMAS DAS EXIGÊNCIAS – IRRESIGNAÇÃO PARCIAL CARACTERIZADA – DÚVIDA PREJUDICADA – EXAME, EM TESE, DAS DEMAIS EXIGÊNCIAS A FIM DE ORIENTAR FUTURAS PRENOTAÇÕES – DIVERGÊNCIA DO ESTADO CIVIL DOS VENDEDORES NO TÍTULO RECUSADO E NO REGISTRO DE IMÓVEIS – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DESTINO JURÍDICO DOS IMÓVEIS – PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE E ESPECIALIDADE SUBJETIVA VIOLADOS – ERRO MATERIAL DO NÚMERO DO RG DO VENDEDOR QUE, NO CASO, NÃO PREJUDICA A SUA PERFEITA IDENTIFICAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO – RECURSO NÃO CONHECIDO.

Trata-se de apelação interposta por Everaldo Tenorio de Freitas contra a r. decisão de fls. 61/63 que julgou prejudicada a dúvida suscitada pelo 14o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital e manteve a recusa do registro da escritura pública de compra e venda por meio da qual adquire (com sua esposa Zarif Abdala de Freitas) de Claudia Abdala e José Carlos Castanho os imóveis descritos nas matrículas nos 55.618 e 55.619.

Alega, em suma, que a dúvida não está prejudicada; ausência de amparo legal para exigir a comprovação de que não houve partilha quando os vendedores se divorciaram; impossibilidade e desnecessidade de retificação do título para correção do no do RG do vendedor porque decorridos mais de 17 anos do contrato; a certidão de cancelamento do CPF da vendedora, exigida pelo Oficial, não é emitida pela Receita Federal de modo que o documento não existe; e, em relação às certidões de casamento dos vendedores, afirmou que apenas mencionou que poderia apresentá-las, o que não caracteriza concordância com a exigência.

Contrarrazões às fls. 86.

A Procuradoria Geral de Justiça propôs o não conhecimento do recurso porque a dúvida – em razão da concordância parcial do suscitado com uma das exigências formuladas pelo Oficial de Registro de Imóveis – está prejudicada (fls. 92/94).

É o relatório.

A dúvida registral tem por premissa o dissenso entre o Oficial de Registro de Imóveis e o interessado no registro do título. E esse dissenso, essa discordância, tem de ser integral, isto é, deve-se voltar contra todos os óbices impostos pelo Oficial de Registro de Imóveis na nota de devolução para o registro pretendido, e não contra parte deles, sob pena de se caracterizar a concordância parcial que prejudica a dúvida porque, mesmo que afastado os óbices questionados, restariam os demais que, como não foram atendidos, continuariam a impedir o registro do título.

Além disso, a concordância parcial daria ensejo a decisão condicional porque o registro, caso afastados óbices questionados, ficaria na dependência, ainda, do cumprimento da exigência não contestada.

Por fim, a discussão de parte das exigências, sem prévio atendimento às tidas como corretas, levaria à injusta prorrogação do prazo de prenotação do título sem amparo legal, prejudicando, com isso, os demais possuidores de títulos contraditórios.

É o que se extrai da tranquila jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura, da qual cito, por todas, trecho da Apelação Cível no 822-6/3, Relatada pelo então Corregedor Geral da Justiça Ruy Pereira Camilo, julgada em 03.06.08:

Como tem decidido reiteradamente este Colendo Conselho Superior da Magistratura, o procedimento de dúvida não se presta à solução de dissenso relativo a apenas um dos óbices opostos ao registro. Isso porque, uma vez afastado o óbice questionado, restariam os demais, que, não atendidos, impediriam, de todo modo, o registro.

Anote-se que, entender de maneira diversa implicaria admitir decisão condicional, ficando o registro do título, uma vez afastado o óbice objeto da dúvida, na dependência do cumprimento das demais exigências pelo interessado. Além do mais, a discussão parcial dos óbices, sem atendimento às exigências tidas como corretas, levaria à prorrogação do prazo de prenotação do título sem amparo legal. Pertinente invocar, neste passo, acórdão relatado pelo eminente Desembargador e então Corregedor Geral da Justiça Luiz Tâmbara:

"A posição do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, como bem ressaltado pelo digno Procurador de Justiça, é tranqüila no sentido de se ter como prejudicada a dúvida, em casos como o que se examina, em que admitida como correta uma das exigências, não sendo a outra cumprida, posto que permanece a impossibilidade de acesso do título ao fólio. Nesse sentido os julgados das Apelações Cíveis números 54.073-0/3, 60.046-0/9, 61.845-0/2 e 35.020-0/2.

Posicionar-se de maneira diversa importaria admitir uma decisão condicional pois, somente se atendida efetivamente a exigência tida como correta é que a decisão proferida na dúvida, eventualmente afastando o óbice discutido, é que seria possível o registro do título.

A discussão parcial dos óbices, por outro lado, sem cumprimento daqueles admitidos como corretos, possibilitaria a prorrogação indevida do prazo de prenotação, com conseqüências nos efeitos jurídicos desta decorrentes, tal como alteração do prazo para cumprimento das exigências ou a prorrogação da prioridade do título em relação a outro a ele contraditório. (CSM Ap. Cív. n. 93.875-0/8 j. 06.09.2002). A esse respeito, ainda: Ap. Cív. n. 71.127-0/4 j. 12.09.2000 rel. Des. Luís de Macedo;Ap. Cív. n. 241-6/1 j. 03.03.2005 rel. Des. José Mário Antonio Cardinale; Ap. Cív. n. 000.505.6/7 j. 25.05.2006 rel. Des. Gilberto Passos de Freitas". Nesses termos, caracterizada, na hipótese, a irresignação parcial, deve-se ter por prejudicada a dúvida.[1]

No caso em exame, a despeito do esforço do recorrente para sustentar que não houve concordância com a exigência do Oficial de Registro de Imóveis que solicita a apresentação de duas certidões dos dois casamentos e respectivos divórcios dos vendedores, o teor da impugnação à suscitação da dúvida demonstra o contrário:

Com relação as certidões de casamento dos vendedores, as mesmas não foram exigidas anteriormente, e somente foram mencionadas nas alegações constantes na inicial.

Por outro lado, o impugnante compromete-se a apresentar tais documentos, caso seja necessário. (fl. 51).

Ao se comprometer a apresentar, caso necessário, as certidões dos casamentos solicitadas pelo Oficial de Registro de Imóveis no item 1, da nota devolutiva de fls. 36, fica evidente que o recorrente anuiu com a exigência, o que caracteriza concordância parcial, também chamada pela jurisprudência de irresignação parcial.

A prejudicialidade apontada não impede, no entanto, o exame – ainda que em tese – das demais exigências constantes da nota devolutiva a fim de orientar futuras prenotações.

Para o registro da escritura pública de compra e venda por meio da qual o recorrente e sua esposa adquirem de Claudia Abdala e José Carlos Castanho os imóveis descritos nas matrículas nos 55.618 e 55.619, o Oficial de Registro de Imóveis solicitou:

a) apresentação de certidão emitida pela Secretaria da Receita da Fazenda comprovando o cancelamento do CPF da vendedora no 057.237.788-62 e a nova inscrição sob o no 069.174.338-02.

A exigência é desnecessária porque os "comprovantes de situação cadastral no CPF" emitidos pela Secretaria da Receita da Fazenda demonstram claramente que a inscrição no 057.237.788-62 está cancelada (fl. 20) e que a no 069.174.338-02 – que consta do título recusado – está regular.

Assim, à vista desses elementos, pode o Registrador, de ofício, como lhe permite o art. 213, I, g, da LRP, proceder à averbação da alteração do número da inscrição da vendedora Claudia Abdala.

b) retificação da escritura de compra e venda ou do registro – onde estiver errado – para que, em ambos, o número do RG do vendedor João Carlos Castanho seja o mesmo. Nas matrículas dos imóveis negociados, o RG dele consta como no 11.782.909, mas, no título, como no 11.782.902-2. Pede, ainda, a juntada de cópia autenticada de referida cédula.  

A exigência tem lastro no princípio da especialidade subjetiva e, em um exame perfunctório, parece ser pertinente.

Contudo, é preciso lembrar que todos os princípios registrais têm por escopo garantir a segurança jurídica do registro, e não podem ser considerados um fim em si mesmos.

É preciso, então, em cada caso, verificar se o princípio apontado como causa da recusa do registro atende, efetivamente, ao seu propósito. Ou seja, deve-se examinar se, afastada exigência com base em determinado princípio, o registro do título trará ou não algum tipo de insegurança jurídica seja para os interessados no registro, seja para terceiros.

O princípio da especialidade subjetiva tem por finalidade identificar, individualizar, aquele que está transmitindo ou adquirindo algum tipo de direito no registro de imóveis, tornando-o inconfundível com qualquer outra pessoa.

A essência da concepção da especialidade objetiva trazida por Afrânio de Carvalho vale também para a subjetiva:

o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro [2].

No caso posto, o Oficial de Registro de Imóveis em momento algum aduz ter dúvidas quanto à identificação daquele que, no título recusado, consta como vendedor; apenas afirma que o número do RG do vendedor João Carlos Castanho que consta das matrículas não é o mesmo do título.

Realmente, nas matrículas nºs 55.618 e 55.619, o número do RG de João Carlos Castanho consta como 11.782.909 (fls. 38v e 41); no título, como 11.782.902-2.

O cotejo dos números mostra que a divergência reside apenas no último algarismo (“9” nas matrículas e “2” no título). Todo o restante do número é o mesmo: “11.782.90”, o que deixa evidente tratar-se de mero erro material sem potencial lesivo à segurança jurídica almejada pelo princípio da especialidade. 

Além disso, é preciso destacar que o número do CPF constante do título e dos registros é o mesmo: 033.430.138-62, de modo a também espancar qualquer dúvida quanto à pessoa que está transmitindo os direitos.

Somando-se isso ao fato de que o art. 176, § 1º, III, “a”[3], da Lei nº 6.015/73, ao cuidar da especialidade subjetiva, exige o número do CPF ou do RG, tem-se que a discrepância apontada, porque irrisória, não tem o condão de impedir o registro pretendido, bastando que o Oficial leve em conta apenas o número do CPF. 

c) apresentação da escritura de divórcio ou carta de sentença que decidiu sobre a partilha dos bens do casal, haja vista que os imóveis transmitidos foram adquiridos pelos ora vendedores José Carlos Castanha e Claudia Abala a título oneroso enquanto ainda casados no regime da comunhão parcial de bens na vigência da Lei nº 6.515/77.  Ainda, o oficial solicita as certidões dos dois casamentos com as respectivas averbações dos divórcios.

Como bem destacou a i. Promotora de Justiça, a comprovação documental da partilha ou da não inclusão dos imóveis em questão nela é imprescindível para que se possa aferir o atendimento ao princípio da continuidade registral.

Os titulares de domínio constam nas matrículas como “casados no regime da comunhão parcial de bens, na vigência da Lei 6.515/77” (fls. 38v e 41) ao passo que, no título, como divorciados.

Considerando-se que os imóveis foram adquiridos enquanto casados pelo regime da comunhão parcial de bens, é preciso que se comprove o destino dos imóveis após o divórcio, isto é, se permaneceu com ambos ou se foi atribuído a apenas um deles. Todavia, nenhum elemento de convicção foi trazido aos autos neste sentido.

Observe-se, ainda, que também não se juntou cópia dos autos do divórcio de José Carlos Castanha e Claudia Abdala, de modo que não há como se aferir ou comprovar o que consta da cláusula segunda do traslado da escritura pública recusada.

A dificultar o registro pretendido pelo recorrente, há ainda o fato de que, conforme consta da escritura pública ora em análise, José Carlos Castanha, em 06.05.00, contraiu novas núpcias com Adriana Gonçalves Taranto, de quem se divorciou em 21.11.07.

Essa circunstância evidencia ainda mais a necessidade de primeiro se conhecer o destino do imóvel ao final de seu primeiro casamento para, em seguida, verificar eventual mutação dominial em virtude do segundo casamento e de sua extinção.

A respeito do segundo casamento – com Adriana Gonçalves Taranto – sublinhe-se que não há notícias do regime de bens adotado nem do que se acertou no divórcio, de modo que não há segurança jurídica para se afirmar inocorrência de comunicação ou de atribuição de direitos a Adriana. 

Por fim, a apresentação das certidões dos casamentos dos vendedores – com o que concordou o recorrente – é mesmo necessária  em respeito aos princípios da especialidade subjetiva e, como visto acima, da continuidade registral.

Ante o exposto, prejudicada a dúvida, não conheço do recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

_______________________________

[1] Ainda sobre irresignação parcial: Apelação Cível nº 15.808-0/2, Rel. Des. José Alberto Weiss de Andrade, j. 29.3.93; Apelação Cível nº 20.603-0/9, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 17.2.95; Apelação Cível nº 44.760-0/0, Rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, j. 28.4.98; Apelação Cível nº 71.127-0/4, Rel. Luís de Macedo, j. 12.9.00; Apelação Cível nº 93.909-0/4, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 30.10.02; Apelação nº 154-6/4, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale, j. 12.5.04; Apelação nº 495-6/0, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 11.5.06; 0010255-87.2012.8.26.055; 0019332-94.2011.8.26.0477; 9000002-16.2011.8.26.0296; e 1.258-6/6

[2] Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei nº 6.015, de 1973, com as alterações da Lei nº 6.216, de 1975, 2ª ed., Rio de Janeiro,  1977, p. 224.

[3] Art. 176. …

§ 1º …

III …  

2) …

a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação;

_______________________________

Fonte: TJ/SP | 25/03/2014.

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CSM/SP: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Registro de Títulos e Documentos – Obscuridade reconhecida, uma vez que o acórdão abordou questão diversa do pedido do embargante – Alteração das NSCGJ, no curso do processamento do recurso, que possibilita o recebimento e provimento dos embargos com efeito modificativo – Possibilidade de registro facultativo do documento apresentado pelo embargante, para fim de mera conservação, a teor do item 3, do Capítulo XIX, das NSCGJ.

Embargos de Declaração n° 0000916-35.2012.8.26.0286/50000

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração n° 0000916-35.2012.8.26.0286/50000, da Comarca de Itu, em que é embargante SINDPRESP – SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS IND. FABRICANTES DE PEÇAS E PREFABRICADOS EM CONCRETO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é embargado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE ITU.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "ACOLHERAM OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, PARA SANAR OBSCURIDADE VERIFICADA NO ACÓRDÃO QUE REJEITOU EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ANTERIORES E MANTEVE O ARESTO QUE PRESTIGIOU A DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU, EMPRESTANDO-LHES, EXCEPCIONALMENTE, EFEITO MODIFICATIVO E, VIA DE CONSEQUÊNCIA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO ADMINISTRATIVO PARA DETERMINAR O REGISTRO DO DOCUMENTO DE FLS. 42/43 PERANTE O REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS, COM A RESSALVA DO ITEM 3, DO CAPÍTULO XIX, DAS NSCGJ, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 18 de março de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Embargos de Declaração n° 0000916-35.2012.8.26.0286/50001

Embargante: SINDPRESP – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Fabricantes de Peças e Pré-Fabricados em Concreto do Estado de São Paulo

Embargado: Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Itu

VOTO N° 34.003

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Registro de Títulos e Documentos – Obscuridade reconhecida, uma vez que o acórdão abordou questão diversa do pedido do embargante – Alteração das NSCGJ, no curso do processamento do recurso, que possibilita o recebimento e provimento dos embargos com efeito modificativo – Possibilidade de registro facultativo do documento apresentado pelo embargante, para fim de mera conservação, a teor do item 3, do Capítulo XIX, das NSCGJ.

Estes embargos de declaração foram tirados em face de outros embargos de declaração, opostos a acórdão que manteve a sentença de procedência de Dúvida, de maneira a impossibilitar o registro de Ata no Registro de Títulos e Documentos.

O documento que se pretende registrar é o de fls. 42/43 ("ATA DA ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DE FUNDAÇÃO DO SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS FABRICANTES DE PEÇAS E PRÉ-FABRICADOS EM CONCRETO DE ITU, SALTO, PORTO FELIZ, ITUPEVA, CABREUVA E BOITUVA.").

A Serventia onde se pretende registrá-lo cumula as atribuições de Títulos e Documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Em todas as oportunidades em que se manifestou, o embargante deixou claro que não pretende o registro da Ata no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, mas sim no Registro de Títulos e Documentos, e isso nos termos do art. 127, VII, da Lei de Registro Públicos.

Inobstante, a sentença de primeiro grau negou o registro, fundada no art. 114 da Lei de Registros Públicos, olvidando-se de que tal dispositivo está inserido no Título sobre Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Embargos de declaração a ela opostos foram desacolhidos.

O acórdão que manteve tal sentença, embora não mencione o art. 114 da LRP, fundou-se no art. 45 do Código Civil e no item 2 do Capítulo XVIII das NSCGJ, como se o embargante pretendesse o registro de ata para a constituição de pessoa jurídica, o que não corresponde à realidade. E a decisão proferida nos primeiros embargos de declaração não sanaram a obscuridade apontada.

Em que pese a denominação do documento ("ATA DA ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DE FUNDAÇÃO DO SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS FABRICANTES DE PEÇAS E PRÉ-FABRICADOS EM CONCRETO DE ITU, SALTO, PORTO FELIZ, ITUPEVA, CABREUVA E BOITUVA") o que se vê é que o embargante deseja, tão somente, registrar esse documento perante o Registro de Títulos e Documentos – e tem interesse nisso, pois, ao final, acabou não sendo criado outro Sindicato, diverso do seu. Não pretendeu, em momento algum, constituir pessoa jurídica nem registrar nenhuma alteração nessa pessoa.

Daí porque a sentença e o acórdão não trataram, em verdade, da hipótese posta nos autos. E a obscuridade não foi sanada através dos primeiros embargos de declaração opostos.

Dito isso, é preciso ressaltar que havia, antes, vedação à pretensão do embargante, no item 3.1 do Capítulo XIX das NSCGJ ("É vedado o registro de quaisquer atos relativos a associações e sociedades civis, mesmo que os atos constitutivos estejam registrados no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do próprio cartório"). E o Sindicato é abrangido por essa regra por equiparação.

Ao longo do processamento do recurso, o item 3.1 foi suprimido e o item 3 teve sua redação alterada, pelo Provimento CG 41/2013. Eis a nova redação do item 3: “No caso do registro facultativo, exclusivamente para fins de mera conservação, o Oficial fará abaixo do registro a seguinte declaração: "registro efetuado, nos termos do art. 127, VII, da Lei de Registro Públicos, apenas para fins de mera conservação, prova apenas a existência, a data e o conteúdo do documento, não gerando publicidade nem efeitos em relação a terceiros".

Pelo princípio da instrumentalidade do processo e levando-se em conta, ainda, que se está no âmbito de procedimento administrativo, não há óbice, a meu ver, a que, em sede de julgamento de embargos de declaração, se aplique a redação em vigor das NSCGJ, a fim de que a decisão espelhe o regramento atual da matéria.

Por isso, não se vislumbra impedimento a que o embargante registre o documento de fls. 42/43, ainda que para mero fim de conservação, perante o Registro de Títulos e Documentos, com a ressalva do item 3, do Capítulo XIX, das NSCGJ.

Nesses termos, pelo meu voto ACOLHO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, para sanar obscuridade verificada no acórdão que rejeitou embargos de declaração anteriores e manteve o aresto que prestigiou a decisão de primeiro grau, emprestando-lhes excepcionalmente efeito modifícativo e, via de consequência, DOU PROVIMENTO ao recurso administrativo para determinar o registro do documento de fls. 42/43 perante o Registro de Títulos e Documentos, com a ressalva do item 3, do Capítulo XIX, das NSCGJ.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (D.J.E. de 05.05.2014 – SP)

Fonte: DJE/SP | 06/05/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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