TRT/5ª Região: Cartório extrajudicial – Sucessão trabalhista – Ainda que a assunção da nova delegatária tenha ocorrido por concurso público, configura-se a sucessão trabalhista – Especialmente no caso em que os trabalhadores foram impedidos de adentrar na serventia – Conduta que configura fraude à legislação trabalhista e abuso de direito

EMENTA

CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. SUCESSÃO TRABALHISTA. AINDA QUE A ASSUNÇÃO DA NOVA DELEGATÁRIA TENHA OCORRIDO POR CONCURSO PÚBLICO, CONFIGURA-SE A SUCESSÃO TRABALHISTA. ESPECIALMENTE NO CASO EM QUE OS TRABALHADORES FORAM IMPEDIDOS DE ADENTRAR NA SERVENTIA. CONDUTA QUE CONFIGURA FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E ABUSO DE DIREITO. 1.Configura-se a sucessão de empregadores, disciplinada pelos artigos 10 e 448 da CLT, quando há transferência da unidade empresarial (serventia) e os trabalhadores, em flagrante fraude à legislação trabalhista, são impedidos de adentrar nas novas instalações do Cartório. 2. Nesse caso, estão presentes os dois requisitos para a ocorrência da sucessão: a) transferência de unidade econômico-jurídica; b) continuidade na prestação laborativa em razão do impedimento dos trabalhadores adentrarem nas novas instalações, em flagrante fraude à legislação laboral e ao princípio da continuidade da relação de emprego. 3. O cartório extrajudicial não possui personalidade jurídica, é uma pessoa formal, seu titular equipara-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda substanciosa proveniente da exploração da atividade delegada. 4. O fato de a delegação do serviço público ter se concretizada mediante prévia aprovação em certame público em nada desnatura a sucessão, pois é indiferente para o Direito do Trabalho a modalidade de título jurídico utilizada para o trespasse efetuado. 5. Não existe um novo Cartório, o que há é apenas uma nova titularidade da delegação, contudo, a prestação de serviços continuará sendo feita em face de uma base de dados pré-existentes, para a qual labutaram os antigos e os atuais empregados da serventia. Não há como separar essa relação de causa e efeito, se hoje existe uma base de dados públicos, é porque houve o trabalho humano registrando os instrumentos de alienação e aquisição dos imóveis. O patrimônio material e imaterial da serventia não pode ser separado. 6. O novo empregador é o responsável por todos os efeitos jurídicos dos contratos mantidos ou extintos após a sucessão, ressalvando-se o direito de regresso pelos valores pertinentes até a data da sucessão trabalhista. 7. A delegação é sempre limitada no tempo, seja em razão do falecimento do delegatário, seja por ascender a um novo Cartório, seja pelo afastamento Por parte da Corregedoria. Em todos esses casos, são os funcionários que assumem a responsabilidade pela prestação do serviço até a assunção do novo titular. Os milhares de cartorários espalhados pelo país merecem a proteção do Judiciário e não podem ficar à mercê do interesse meramente patrimonial do momentâneo titular da serventia, há o interesse público, de toda a sociedade brasileira, de preservar esse capital humano de grande conhecimento amealhado por séculos em nosso país. 8. Nos autos, percebe-se a intenção da ré em receber a delegação sem qualquer passivo trabalhista. Igual a um "passe de mágica", pretende obter o acervo público, prestar os serviços delegados e auferir a atraente remuneração, mas quer se livrar do "incômodo" passivo trabalhista, como se nada tivesse a ver com isso. Esquece-se, convenientemente, que foi esse "patrimônio humano", os funcionários da serventia, que, por anos e anos, guardou o acervo público, fez os registros públicos e prestou os serviços à comunidade. 9. Por óbvio, a ré é livre para dispensar o trabalhador que não lhe for conveniente, isso está dentro do seu poder jus variandi, contudo, deverá fazê-lo dentro das regras previstas pela legislação trabalhista, inclusive pagando as verbas dos cartorários dispensados, seja por justa causa ou sem. 10. O comportamento da ré configura fraude e abuso de direito, vai de encontro aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, inciso IV), da valorização do trabalho humano (art. 170, caput) e, da função social da propriedade (art. 170, inciso II), que deve assegurar a todos uma existência digna, dentro dos ditames da justiça social. No caso de delegação de serviço público, a função social também está presente e deve, a fortiori, ser observada, pois não há concorrência, os seus usuários não podem procurar outro Cartório, o ato tem que ser realizado nessa serventia. (TRT 15ª Região – Recurso Ordinário nº 0010231-85.2013.5.15.0035 – São José do Rio Pardo – 11ª Turma – Rel. Eder Sivers – DJ 16.05.2014)

ACÓRDÃO

ACORDAM os Magistrados da 11° Câmara (Sexta Turma) do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, em (nos exatos termos do voto proposto): prosseguindo o julgamento iniciado em 29/04/2014 e computados os votos anteriormente proferidos, resolveu a Sexta Turma, 11ª Câmara:

"CONHECER e PROVER o recurso ordinário interposto por Alessandra Giovanelli Elias da Rin de Sandre, RECONHECENDO A SUCESSÃO TRABALHISTA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM para que todos os demais pedidos sejam apreciados.

Para fins recursais, arbitro provisoriamente o valor da causa em R$ 30.000,00. Custas pela reclamada, no importe de R$ 600,00."

Votação Unânime.

EDER SIVERS – Desembargador Relator.

RELATÓRIO

Inconformada com a r. sentença Id. 302906, que julgou improcedente a ação, insurge-se ordinariamente a reclamante, pretendendo ver reformada a decisão para que seja reconhecida a sucessão trabalhista, devendo assim a recorrida (nova titular do Cartório de Registro de Imóveis) responder solidariamente pelos haveres trabalhistas e que sejam deferidos os pedidos presentes na inicial.

Contrarrazões Id. 302901.

É o relatório.

VOTO

Fundamentação

ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos, conheço do recurso.

MÉRITO

MUDANÇA DA TITULARIDADE DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. SUCESSÃO TRABALHISTA

Com razão.

Inconformada com a improcedência da ação, insurge-se a autora alegando que laborou como auxiliar geral no Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas de São José do Rio Pardo no período de 08.05.1995 à 05.07.2013, data em que a reclamada (CAROLINA BARACAT MOKARZEL), após aprovação em concurso público assumiu a titularidade do Serviço Notarial e Registral.

Aduz que, diante da ausência de dispensa formal, no dia 10/07/2013 dirigiu-se normalmente ao trabalho no novo endereço do Cartório, oportunidade em que foi impedida de entrar e também informada que não havia interesse da nova delegatária em manter a recorrente como empregada.

Sustenta que o tabelião exerce serviço público em caráter pessoal e privado e as relações por ele mantidas nessa qualidade geram direitos e obrigações pessoais, de modo que a mudança na titularidade da serventia extrajudicial gera sucessão de empregadores.

Destaca que o Cartório não possui personalidade jurídica, de modo que é a pessoa do tabelião que ostenta a capacidade de ser parte e possui a responsabilidade pelas obrigações assumidas. Assim, insiste na tese de que no caso ocorreu sucessão e portanto deve a reclamada responder pelo pagamento de verbas do trato e do distrato, a antecipação da tutela jurisdicional com a expedição de alvarás para liberação do FGTS e percepção do Seguro Desemprego, o pagamento de indenização por perda de chance, por dano moral e por dano material, além das multas dos arts. 467 e 477 da CLT.

Pois bem.

Analisando-se detidamente os autos virtuais, percebe-se que, de fato, a recorrente está com a razão.

Inicialmente, devemos apontar que de acordo com o ID 302955, a CTPS da trabalhadora, f. 14, foi anotada pelo empregador Cartório de Registro de Imóveis e Anexos, em 08.05.1995, como auxiliar de serviços registral. De lá para cá, houve ao menos uma alteração na titularidade do serviço registral, do então titular para o delegatário provisório, Sr. Carlos Alberto Busso, que foi sucedido pela reclamada. Ainda assim, não houve qualquer alteração no contrato de trabalho como é de rigor, em estrita observância ao princípio da continuidade da relação de emprego (artigo 10, CLT).

A anotação da CTPS da trabalhadora está em consonância com o documento objeto do ID 302940 – cartão de CNPJ do Cartório. Por sua vez, do ID 302941, constata-se que a serventia possuía, ao menos, nove funcionários, dentre eles, a reclamante. O mesmo ID demonstra que todo o acervo do Cartório foi transferido à reclamada, inclusive o CPU (servidor) da referida serventia.

Assim, é inverídica a afirmação da reclamada de que só recebeu o acervo público da serventia, ou seja, os livros registrais. A prestação dos serviços dos escreventes e auxiliares somente não continuou por conta da recusa da ré, em flagrante ofensa ao princípio da continuidade da relação de emprego. Esses trabalhadores, no mínimo, deveriam ser pré-avisados de suas dispensas, na forma prevista no artigo 487, CLT. Ressalte-se que é devido o aviso prévio mesmo na despedida indireta (§ 4º do citado artigo).

Como se sabe, a relação do emprego termina depois de expirado o prazo do aviso prévio (artigo 489, CLT e Súmula n. 371 do C. TST).

A intenção da ré em obstar a continuidade da prestação do serviço pode ser constatada na cópia da escritura objeto do ID 302944, na qual se vê a informação de que a Reclamada não permitiu a continuidade dos contratos dos antigos funcionários da serventia, aliás, fato confessado na contestação.

Porém, na mesma ata, consta a informação de que apenas três funcionários continuariam trabalhando para a ré, são eles: Ivan Brandão Barbosa, Jean Fernando Assis Carlesso e João Marcos Braz Silveira. Essa mesma informação foi colhida em audiência, PROCESSO: 0010229-18.2013.5.15.0035, conforme ID 302907.

No ID 302934, cópia de ata lavrada por tabelião de notas, consta informação de que a reclamada não utilizaria os serviços dos funcionários da serventia. Como não poderia deixar de ser, o ID 302947, cópia CNPJ da atual delegatária, comprova a continuidade da atividade.

Em sua contestação a reclamada assevera que a delegação é sempre originária e autônoma, e que o cartório não tem personalidade jurídica. Assim, uma vez outorgada a delegação ao particular, tal ato cria nova e originária delegação, afirmando que se cria "novo cartório", desvinculado do anterior. Contudo, a reclamada se esquece de dizer que esse "novo Cartório" somente poderá prestar serviços aos cidadãos com base no acervo público pré-existente, cujos responsáveis por sua conservação são os funcionários da serventia, que inclusive respondem disciplinarmente perante a Corregedoria e por crimes próprios dos funcionários públicos.

Assim, não existe um novo Cartório, o que há é apenas uma nova titularidade da delegação, contudo, a prestação de serviços continuará sendo feita em face de uma base de dados pré-existentes, para os quais, sem dúvida alguma, labutaram os antigos empregados da serventia. Não há como separar essa relação de causa e efeito, se hoje existe uma base de dados públicos, é porque houve o trabalho humano registrando os instrumentos de alienação e aquisição dos imóveis. O patrimônio material e imaterial da serventia não pode ser separado, como pretende a ré.

Aliás, é essa a conclusão a que se chega ao interpretarmos o artigo 236 da CF/88, que prevê:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

(…)

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção por mais de seis meses.

Nesses casos, vacância na serventia, são os funcionários que assumem a responsabilidade pela prestação do serviço até a assunção do novo titular. Essa mesma conclusão é obtida ao interpretarmos de forma sistemática a Lei n. 8.935/1994, que dispõe sobre os serviços notariais e de registros.

Não se pode esquecer que a citada lei facultou, aos antigos funcionários, a opção pelo regime anterior ou pelo celetista. Diz o artigo 48 da referida lei:

"Art. 48. Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei.

§ 1º Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado, para todos os efeitos de direito.

§ 2º Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei. "(Grifei).

Como se vê, os escrevente e auxiliares admitidos antes da referida lei tem garantias próprias, inclusive estabilidade. Suas relações são disciplinadas pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos, muitos com direito à licença prêmio e outras garantias.

Ora, se são detentores de garantia no emprego, por óbvio que essa garantia persiste com a mudança da titularidade da serventia, pois, senão negar-se-ia o direito previsto na Lei n. 8.935/94.

E se aos antigos funcionários a lei reconhece a garantia do emprego e a continuidade da prestação de serviços para o novo delegatário, logicamente que aos funcionários contratados após a promulgação da referida lei também é assegurada a mesma garantia, em estrita observância do princípio da igualdade, previsto no caput do artigo 5º, CF/88.

Assim, deve prevalecer a interpretação que garante os direitos dos trabalhadores, a justiça social e preserva a paz social.

Portanto, ainda que a assunção da nova delegatária tenha ocorrido por concurso público, configura-se a sucessão trabalhista, especialmente no caso em que os trabalhadores foram impedidos de adentrar nas novas instalações da serventia. Conduta que configura fraude à legislação trabalhista e abuso de direito.

A sucessão de empregadores, disciplinada pelos arts. 10 e 448 da CLT, configura-se quando há transferência da unidade empresarial (serventia) e os trabalhadores, em flagrante fraude à legislação trabalhista, são impedidos de adentrar nas novas instalações do Cartório.

Nesse caso, estão presentes os dois requisitos para a ocorrência da sucessão: a) transferência de unidade econômico-jurídica; b) continuidade na prestação laborativa em razão do impedimento dos trabalhadores adentrarem nas novas instalações, em flagrante fraude à legislação laboral e ao princípio da continuidade da relação de emprego.

O cartório extrajudicial não possui personalidade jurídica, é uma pessoa formal, seu titular equipara-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda substanciosa proveniente da exploração da atividade delegada.

O fato de a delegação do serviço público ter se concretizada mediante prévia aprovação em certame público em nada desnatura a sucessão, pois é indiferente para o Direito do Trabalho a modalidade de título jurídico utilizada para o trespasse efetuado.

O novo titular da serventia assume não somente o acervo público, como também o humano, assume o patrimônio material e imaterial, inclusive pessoal, nos exatos termos dos artigos 10 e 448 da CLT. É responsável por todos os efeitos jurídicos dos contratos mantidos ou extintos após a sucessão, ressalvando-se o direito de regresso pelos valores pertinentes até a data da sucessão trabalhista.

O fato da Serventia não ter personalidade jurídica não obsta a sua equiparação ao empregador, nos termos do artigo 2º, § 1º, CLT.

A sociedade de fato, a massa falida, o espólio, a herança jacente, o condomínio, a massa do devedor civil insolvente, têm capacidade de ser parte, conforme o disposto no § 2º, artigo 12, CPC, verbis: "As sociedades sem personalidade jurídica, quando demandadas, não poderão opor a irregularidade de sua constituição." O mesmo acontece com o cartório.

Nesse sentido, veja-se a seguinte ementa:

"PROCESSUAL CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. CAPACIDADE PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. PREQUESTIONAMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. Tendo a Corte Regional fundamentado sua decisão em base jurídica adequada e suficiente ao desate da lide, não haveria por que reexaminar a matéria sob perspectiva diversa ditada pela embargante. Violação do art. 535 do CPC não-caracterizada. 2. Entre as atribuições do magistrado, inclui-se a prerrogativa de, a todo tempo, zelar pela higidez da relação processual, determinando as providências corretivas que julgar adequadas para que o processo ultime-se de modo eficaz e efetivo. Hipótese em que o apego excessivo à formalidade da norma adjetiva contraria os princípios que informam a razoabilidade, a efetividade e a economia processual. 3. O Cartório de Notas, conquanto não detentor de personalidade jurídica, ostenta a qualidade de parte no sentido processual, ad instar do que ocorre com o espólio, a massa falida etc., de modo que tem capacidade para estar em juízo. 4. Recurso Especial não-provido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; REsp 774911; MG; Segunda Turma; Rel. Min. João Otávio de Noronha; Julg. 18/10/2005; DJU 20/02/2006; Pág. 313)"

Assim, o Cartório deve ser equiparado às pessoas formais acima elencadas.

Tanto é assim que a IN-SRF n. 200/2000, em seu art. 12, prevê:

"Todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas, estão obrigadas a se inscrever no CNPJ.

§ 3º São também obrigados a se inscrever no CNPJ, mesmo não possuindo personalidade jurídica:

VII – serviços notariais e registrais (cartórios), exceto aqueles vinculados à varade justiça dos tribunais.

Dessa forma, luzidio que o Cartório detém capacidade processual – tanto ativa, como passiva.

Conforme muito bem asseverado pelo Desembargador Antônio Álvares da Silva, ao relator o processo n. 00748-2008-105-03-00-1, em 18.3.2009:

"Nos termos do art. 236, da Constituição da República, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, sendo certo que seus titulares não são servidores públicos em sentido estrito. Não ocupam cargo público. Daí por que continuam na atividade mesmo depois dos 70 anos, e são conhecidos como os "donos" de cartórios, os quais ostentam seus respectivos nomes. O sistema de delegação é legitimado pela força da tradição e da inércia. Portanto, o modelo brasileiro até aqui adotado é surreal e precisa ser repensado, a fim de que se harmonize com o princípio republicano. Não é razoável ficar discutindo a legitimidade passiva de "dono" de cartório, que fatura uma desconhecida mas milionária renda mensal, e nunca divulgada oficialmente, enquanto seus empregados deveriam ser remunerados dignamente, em face da responsabilidade das funções que exercem. O tema está a merecer uma urgente reforma constitucional. Isso posto, a legitimação passiva cabe ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão. É o que ocorre na hipótese, onde o reclamado continua resistindo à pretensão contra ele formulada, e o quanto basta para figurar no polo passivo da demanda.

(…)

O titular do cartório é o responsável pela contratação, remuneração e direção da prestação dos serviços, equiparando-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda proveniente da exploração das atividades do cartório. Os trabalhadores contratados mesmo anteriormente à edição da Lei nº 8.935/94, caso da reclamante, vincula-se ao titular da serventia, estando a relação laboral submetida às normas da Consolidação das Leis do Trabalho. A celebração de novo contrato de trabalho é, portanto, nula de pleno direito. Desprovejo."

Claro, portanto, que o novo titular assume também as obrigações trabalhistas dos cartorários que labutam naquela serventia.

Nem se argumente que seria caso de denunciação da lide do antigo responsável pela serventia, é que o escopo de tal instituto é antecipar uma ação que o denunciante poderia propor contra o denunciado, caso sucumbente na demanda principal. Porém, eventual ação regressiva não é de competência da Justiça Laboral, motivo suficiente para rejeitar a pretensão. Igualmente não é caso de chamamento ao processo, pois a reclamante escolheu a parte que, no seu entender, deveria figurar no polo passivo da demanda, é o que basta.

No caso dos autos, houve a transferência de todo o acervo público da serventia – livros, banco eletrônico de dados, fichas, microfilmes, e da CPU do antigo responsável pelo Cartório, portanto, ocorreu a transferência do estabelecimento cartorial.

Lembre-se que a delegação é sempre limitada no tempo, seja em razão do falecimento do delegatário, seja por ascender a um novo Cartório, seja pelo afastamento por parte da Corregedoria.

Em todos esses casos, os milhares de funcionários de Cartórios extrajudiciais espalhados pelo país merecem a proteção do Judiciário, não podem ficar à mercê do interesse meramente patrimonial do momentâneo titular da serventia, há o interesse público, de toda a sociedade brasileira, de preservar esse capital humano de conhecimento amealhado por séculos em nosso país.

Nos autos, percebe-se a intenção da ré em receber a delegação sem qualquer passivo trabalhista. Igual a um passe de mágica, pretende obter o acervo público, prestar os serviços delegados e auferir a atraente remuneração, mas quer se livrar do "incômodo" passivo trabalhista, como se nada tivesse a ver com isso. Esquece-se, convenientemente, que foi esse "patrimônio humano", os funcionários da serventia, que, por anos e anos – no caso da reclamante por quase dezoito anos prestando serviços àquela serventia – que guardaram o acervo público, fizeram os registros públicos, e prestaram os serviços à comunidade.

Esclareça-se, por óbvio, que a ré é livre para dispensar os trabalhadores que não lhe for conveniente, isso está dentro do seu poder jus variandi, contudo, deverá fazê-lo dentro das regras previstas pela legislação trabalhista, inclusive pagando as verbas dos cartorários dispensados, seja por justa causa ou sem.

O comportamento da ré configura fraude e abuso de direito, vai de encontro aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, inciso IV), da valorização do trabalho humano (art. 170, caput) e, da função social da propriedade (art. 170, inciso II), que deve assegurar a todos uma existência digna, dentro dos ditames da justiça social. Portanto, o constituinte deixou claro que esses valores configuram a base do Estado Democrático de Direito e devem servir de referência para qualquer interpretação do texto constitucional.

Ressalte-se, ainda que se trate de delegação de serviço público, a função social também está presente e deve, a fortiori, ser observada, pois, nessa atividade não há concorrência, os usuários não podem procurar outro Cartório, o ato tem que ser realizado nessa serventia.

Assevere-se que desde o término da primeira grande guerra mundial, quando do Tratado de Versalhes e da criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, em 1919, constou de sua carta de sua fundação que "o trabalho não há que ser considerado como mercadoria ou artigo de comércio''. Contudo, passados quase um século, ainda assim, algumas pessoas parecem esquecer a história da humanidade.

Nunca é demais relembrar que os direitos dos trabalhadores, amplamente resguardados pelo artigo 7º da Constituição Federal, foram alçados ao patamar de direitos fundamentais, normalmente, indisponíveis, conforme previsto nos artigos. 9º, 444 e 468 da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.

A ré impediu que a reclamante continuasse trabalhando para a serventia justamente com a intenção de não ser responsabilizada pelo passivo trabalhista. Isso é fraude. E esse expediente vai de encontro ao disposto no artigo 9º, CLT, que dispõe: "Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. " E esta disposição deve ser aplicada na hipótese vertente.

A gravidade da conduta da ré ganha relevo ao constatarmos que é uma delegatária de serviço público, seus nefastos efeitos jurídicos e sociais podem ser constatados na informação constante do ID 302942, segundo a qual, dentre os funcionários que foram impedidos de continuar trabalhando, existiam dois em vias de aposentadoria, menos de doze meses. Ainda mais grave é a conduta caso, eventualmente, haja cláusula coletiva garantindo o emprego até a aposentadoria, Assim, luzidio os efeitos jurídicos e antissociais da conduta da ré.

É claro que a ré só quer o bônus, no dito popular, só quer o "filé mignon", não quer o ônus, o "osso", a função social da delegação é relegada ao segundo plano.

O direito, e especialmente a Justiça do Trabalho, não pode chancelar procedimentos antiéticos, de quem só está preocupada com a receita da atividade delegada, e não com a questão social. Afinal, o capital humano não pode ser descartado ao bel-prazer da delegatária.

É fato que alguns usuários desses serviços têm mais segurança no serviço prestado pelo escrevente de sua confiança do que no do titular da serventia. Existem cartórios com dezenas de funcionários, chancelar a pretensão da delegatária, é dar carta branca para que os futuros detentores das delegações assumam apenas o acervo público, descartando o patrimônio humano, fato inadmissível, pois em flagrante prejuízo ao interesse público, vez que são trabalhadores altamente qualificados.

Na hipótese vertente, é luzidia a sucessão trabalhista e a intenção da ré de burlar a lei, o de agir in fraudem legis, pois, procurou furtar-se do princípio da continuidade da relação de emprego, para se livrar de eventual passivo trabalhista.

Os artigos 10 e 448, CLT, têm o objetivo de proteger o trabalhador de quaisquer alterações na estrutura jurídica da empresa ou mudança de titularidade.

Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa ou mudança de titularidade não causa alteração no contrato de trabalho, pois o contrato de trabalho é intuitu personae em relação ao empregado, mas não o é em relação ao empregador.

Em razão do princípio da continuidade da relação de emprego, do protetor e da alteridade, o risco do negócio é sempre do empregador.

Como se sabe, a sucessão está relacionada à transferência do estabelecimento, o que, de fato, aconteceu, não importando, para o direito do trabalho, a que título ocorreu, se por meio de alienação, arrendamento ou sob qualquer outra modalidade como a destes autos – delegação por concurso público.

O saudoso Délio Maranhão asseverava que: "A verdade é que a sucessão de empregadores se prende, no direito do trabalho, à transferência de estabelecimento. Assim, para que ocorra sucessão, não é preciso que uma 'empresa' desapareça e outra ocupe o seu lugar. (…) É irrelevante o título em virtude do qual o titular do estabelecimento utiliza as coisas empregadas no exercício da atividade econômica. O direito do trabalho, por seu turno, leva em conta o fato objetivo da continuidade da prestação de serviço. Pelo mesmo motivo, o novo concessionário de um serviço público sucede ao anterior". (Instituições de direito do Trabalho – Arnaldo Süssekind… et al. – 16ª ed. atual. – São Paulo: LTr, 1996, p. 303). (Grifei)

Assim, o novo prestador de um serviço público sucede o anterior, conforme já ensinava o ilustre Délio Maranhão.

E assim o é porque no Direito do Trabalho prevalece o princípio da despersonalização do empregador, qualquer alteração na titularidade da empresa não afetará os contratos de trabalho dos empregados, pois, havendo continuidade das atividades, os pactos não devem ser extintos, mas prosseguir com o sucessor.

Nesse particular, elucidativos são os ensinamentos do Prof. Sérgio Pinto Martins:

"A mudança na propriedade indica que os sócios eram A e B e passaram a ser C e D. Essas modificações não irão alterar o contrato de trabalho dos empregados, pois o empregador, no caso, continuará a ser a empresa. Isso evidencia a despersonalização do empregador. O Direito do Trabalho não se preocupa com a empresa, no sentido de conjunto de bens, mas com os direitos do empregado. Se a empresa prossegue na sua atividade, os contratos de trabalho não são extintos, mas continuam a vigorar. Nenhum valor terá perante os empregados o contrato social que rezar que os sócios retirantes assumem as pendências trabalhistas, pois será exigida a dívida da empresa."

Não é dissonante os ensinamentos do mestre Délio Maranhão, que dizia:

"Sucessão de empregadores. O conceito de sucessão, em sua acepção mais ampla, abrange todos os casos em que se verifica uma modificação do direito quanto ao respectivo sujeito. Nas palavras de Coviello, sucessão, em sentido jurídico consiste: "na substituição de uma pessoa por outra na mesma relação jurídica"; a identidade da relação e a diversidade dos sujeitos caracterizam a verdadeira sucessão. No direito do trabalho tal substituição assume especial importância no que tange a um dos sujeitos do contrato de trabalho: o empregador. É o caso da impropriamente denominada "sucessão de empresas", que se prende aos efeitos da transferência do estabelecimento em relação aos contratos dos empregados que nele trabalham. Como escreve Ferrara Jr., sendo a empresa o exercício de uma atividade econômica organizada, não pode dar-se sucessão na empresa: "a atividade pode cessar para um e ser continuada para outro, mas não é possível, logicamente, que alguém suceda na atividade de outrem. "

Prossegue o doutrinador:

"Para que exista a sucessão de empregadores, dois são os requisitos indispensáveis:

a) que um estabelecimento, como unidade econômico-jurídica, passe de um para outro titular;

b) que a prestação de serviço pelos empregados não sofra solução de continuidade."

Nos autos do processo n. TST-RR-74800-88.2008.5.03.0105, recurso de revista, 3ª turma, em que é Recorrente FERNANDO PEREIRA DO NASCIMENTO, e Recorridos SANDRA REGINA COSTA e CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO 1º OFÍCIO DE BELO HORIZONTE/MG. O Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, acórdão datado de 29.10.2012, assim ementou:

"(…) 2. UNICIDADE CONTRATUAL. SUCESSÃO TRABALHISTA. MUDANÇA DE TITULARIDADE DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. A sucessão de empregadores, figura regulada pelos arts. 10 e 448 da CLT, consiste no instituto em que há transferência interempresarial de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente, sendo indiferente à ordem jus trabalhista a modalidade de título jurídico utilizada para o trespasse efetuado. No caso de cartório extrajudicial, não possuindo esta personalidade jurídica própria, seu titular equipara-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda proveniente da exploração das atividades do cartório. O fato de a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro estar submetida à habilitação em concurso público não desnatura essa condição, uma vez que se trata apenas de imposição legal para o provimento do cargo. Sob esse enfoque, nada obsta a que o novo titular do cartório extrajudicial, ingressado via concurso público, ao assumir o acervo do anterior ou mantendo parte das relações jurídicas por ele contratadas, submeta-se às regras atinentes à sucessão trabalhista prescritas nos artigos 10 e 448 da CLT, respondendo o novo empregador por todos os efeitos jurídicos dos contratos mantidos ou extintos após a sucessão, sem prejuízo, evidentemente, da responsabilidade do antigo empregador pelos valores pertinentes até a data da sucessão trabalhista havida. No caso concreto, em razão dos argumentos mencionados e tendo em conta a continuidade na prestação dos serviços após a assunção da titularidade da serventia pelo Reclamado, este deve responder pelas obrigações trabalhistas inadimplidas. Assim, a solução de lide sob perspectiva diversa neste tema, demandaria o revolvimento de provas, pois as razões do acórdão recorrido em nada tangenciam com as alegações fáticas presentes no recurso de revista. Incidência da Súmula 126/TST. Precedentes". (…)

Do corpo do v. acórdão constou:

"No tocante ao tema "unicidade contratual – sucessão trabalhista em caso de mudança de titularidade de cartório extrajudicial", saliento que o art. 236 da CF estabelece que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. A mesma regra se dá quanto à concessão ou permissão de serviços públicos, nos termos do art. 175 da Constituição Federal. Os concessionários e permissionários não ficam excluídos do cumprimento de suas obrigações trabalhistas, inclusive no que tange à aplicabilidade da sucessão. Portanto, seja delegatário, concessionário ou permissionário, não há como se negar a aplicação da CLT aos empregados contratados para laborar nas atividades daí decorrentes". (…)

Assim, nada obsta a que o novo titular – ainda que admitido por concurso público -, ao assumir o acervo do anterior ou mantendo parte das relações jurídicas por ele contratadas, submeta-se às regras atinentes à sucessão trabalhista prescritas nos art. 10 e 448 da CLT.

Nos cartórios extrajudiciais, por não possuírem personalidade jurídica própria, seu titular equipara-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda proveniente da exploração das atividades do cartório. O fato de a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro estar submetida à habilitação em concurso público não desnatura essa condição, uma vez que se trata apenas de imposição legal para o provimento do cargo.

Ainda no mesmo sentido podem ser citadas as seguintes ementas:

"RECURSO DE REVISTA. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. MUDANÇA DE TITULARIDADE. CONTINUIDADE NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. SUCESSÃO TRABALHISTA. Considerada a despersonalização do empregador e a vinculação do contrato de trabalho ao empreendimento empresarial, mesmo no caso dos titulares de serventias extrajudiciais, a transferência da unidade econômico-jurídica – entendida a transferência em sentido amplo, a abarcar, portanto, a mudança do delegatário dos serviços notariais e de registro -, aliada à continuidade na prestação dos serviços, caracteriza a sucessão trabalhista. Precedentes" (RR – 33900-12.2008.5.04.0016, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, DEJT de 10/02/2012)

"RECURSO DE REVISTA. (…) SUCESSÃO TRABALHISTA. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. A alteração da titularidade do serviço notarial, com a correspondente transferência da unidade econômico-jurídica que integra o estabelecimento, além da continuidade na prestação dos serviços, caracteriza a sucessão de empregadores. Precedentes. Recurso de revista conhecido e desprovido." (RR-131100-42.2009.5.15.0092, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 1º.7.2011)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CARTÓRIO. SUCESSÃO POR CONCURSO PÚBLICO. VIABILIDADE JURÍDICA, DESDE QUE PRESENTES OS REQUISITOS DA FIGURA SUCESSÓRIA. A sucessão de empregadores, figura regulada pelos arts. 10 e 448 da CLT, consiste no instituto em que há transferência interempresarial de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos, sendo indiferente à ordem jus trabalhista a modalidade de título jurídico utilizada para o trespasse efetuado. No caso de cartório extrajudicial, não possuindo esta personalidade jurídica própria, seu titular equipara-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda proveniente da exploração das atividades do cartório. O fato de a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro estar submetida à habilitação em concurso público não desnatura essa condição, uma vez que se trata apenas de imposição legal para o provimento do cargo. Sob esse enfoque, nada obsta a que o novo titular do Cartório extrajudicial, ingressado via concurso público, ao assumir o acervo do anterior ou mantendo parte das relações jurídicas por ele contratadas, submeta-se às regras atinentes à sucessão trabalhista prescritas nos artigos 10 e 448 da CLT. Desse modo, responde o novo empregador por todos os efeitos jurídicos dos contratos mantidos ou extintos após a sucessão, sem prejuízo, evidentemente, da responsabilidade do antigo empregador pelos valores pertinentes até a data da sucessão trabalhista havida. Entretanto, dois são os requisitos para a ocorrência da sucessão: a) transferência de unidade econômico-jurídica; b) continuidade na prestação laborativa. Se não houve continuidade na prestação laborativa, não ocorreu, efetivamente, a sucessão. Recurso de revista desprovido." (RR – 47440-12.2003.5.03.0023, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 19/05/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: 28/05/2010)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM". DENUNCIAÇÃO DA LIDE. MUDANÇA DE TITULARIDADE DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. SUCESSÃO TRABALHISTA (SÚMULAS 221, II E 337, I/TST). ANOTAÇÃO DA CTPS. FGTS/MULTA. FÉRIAS PROPORCIONAIS. PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL – PIS (SÚMULAS 126 E 221, II/TST). DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. (SÚMULA 221, II/TST). A sucessão de empregadores, figura regulada pelos arts. 10 e 448 da CLT, consiste no instituto em que há transferência interempresarial de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente, sendo indiferente à ordem jus trabalhista a modalidade de título jurídico utilizada para o trespasse efetuado. No caso de cartório extrajudicial, não possuindo esta personalidade jurídica própria, seu titular equipara-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda proveniente da exploração das atividades do cartório. O fato de a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro estar submetida à habilitação em concurso público não desnatura essa condição, uma vez que se trata apenas de imposição legal para o provimento do cargo. Sob esse enfoque, nada obsta a que o novo titular do cartório extrajudicial, ingressado via concurso público, ao assumir o acervo do anterior ou mantendo parte das relações jurídicas por ele contratadas, submeta-se às regras atinentes à sucessão trabalhista prescritas nos artigos 10 e 448 da CLT, respondendo o novo empregador por todos os efeitos jurídicos dos contratos mantidos ou extintos após a sucessão, sem prejuízo, evidentemente, da responsabilidade do antigo empregador pelos valores pertinentes até a data da sucessão trabalhista havida. Certo é que a jurisprudência tem matizado os efeitos da sucessão trabalhista, em face das peculiaridades das situações concretas postas a seu exame. Nos casos envolvendo a Rede Ferroviária Federal S.A., por exemplo, tem mantido a RFFSA (hoje, União) como responsável pelas verbas precedentes à sucessão, ao passo que o novo titular do empreendimento responde pelas verbas do período subseqüente. Este critério especial também pode se aplicar aos titulares de cartórios, respondendo o antigo titular pelos valores oriundos do vínculo sob sua gestão, desde que ele esteja integrado à lide. É precisamente esta a hipótese dos autos, porquanto a controvérsia instaurada só diz respeito ao vínculo mantido com o antigo titular do cartório extrajudicial. Nesta medida, mantém-se a decisão recorrida. Agravo de instrumento desprovido". AIRR – 88740- 77.2007.5.03.0066, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, DEJT de 19/04/2011)

"RECURSO DE REVISTA – SUCESSÃO TRABALHISTA – MUDANÇA DE TITULARIDADE DE CARTÓRIO DE REGISTROS. A alteração da titularidade do serviço notarial, com a correspondente transferência da unidade econômico jurídica que integra o estabelecimento, além da continuidade na prestação dos serviços, caracteriza a sucessão de empregadores. Dessarte, a teor dos arts. 10 e 448 da CLT, o tabelião sucessor é responsável pelos créditos trabalhistas relativos tanto aos contratos laborais vigentes quanto aos já extintos. Precedentes. Recurso de revista não conhecido." (TST-RR-267500- 64.2003.5.02.0018, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, DEJT 28.10.2011)

"RECURSO DE REVISTA – CARTÓRIO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – SUCESSÃO DE EMPREGADORES – POSSIBILIDADE (violação aos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho e 39 da Lei nº 8.935/94 e divergência jurisprudencial). A sucessão trabalhista ocorre quando há alteração na estrutura empresarial e modificação dos empregadores, porém com a continuidade da prestação dos serviços, passando o sucessor a responder integralmente pelos débitos trabalhistas havidos antes ou após a sucessão, evitando-se desta forma prejuízos aos contratos de trabalho existentes. No caso dos cartórios extrajudiciais, o mesmo entendimento deve ser aplicado na hipótese em que o contrato não tenha sofrido solução de continuidade com a sucessão na titularidade da serventia, como ocorreu no presente caso. Ademais, os titulares de cartórios extrajudiciais são equiparados aos empregadores comuns, tendo em vista a ausência de personalidade jurídica própria dos estabelecimentos, e em face daquele ser responsável pela direção da prestação dos serviços. Assim, alterado o titular da serventia, e não havendo solução de continuidade no contrato de trabalho, ocorre a sucessão trabalhista nos mesmos moldes em que operados em qualquer relação de emprego. Recurso de revista conhecido e provido." (TST-RR-35300- 88.2004.5.06.0002, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, DEJT 07.10.2011)

"MUDANÇA DA TITULARIDADE DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – SUCESSÃO TRABALHISTA. 1. Consoante a jurisprudência desta Corte, a alteração da titularidade do serviço notarial, com a correspondente transferência da unidade econômico-jurídica que integra o estabelecimento, além da continuidade na prestação dos serviços, caracteriza a sucessão de empregadores. 2. Portanto, não merece reforma o acórdão regional, que, a teor dos arts. 10 e 448 da CLT, considerou o titular sucessor como responsável pelos créditos trabalhistas relativos aos contratos laborais vigentes à época do repasse. Recurso de revista não conhecido." (TST-RR-22000- 04.2005.5.04.0027, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, 7ª Turma, DEJT 19.8.2011) "

"AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO – SUCESSÃO TRABALHISTA – TITULAR DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL POSSIBILIDADE RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR. 1 – A sucessão trabalhista opera-se sempre que a pessoa do empregador é substituída na exploração do negócio, com transferência de bens e sem ruptura na continuidade da atividade empresarial. 2 – O cartório extrajudicial não possui personalidade jurídica própria. Desse modo, seu titular é o responsável pela contratação, remuneração e direção da prestação dos serviços, equiparando-se, pois, ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda proveniente da exploração das atividades do cartório. 3 Assim, a alteração da titularidade do serviço notarial, com a correspondente transferência da unidade econômico-jurídica que integra o estabelecimento, além da continuidade na prestação dos serviços, caracteriza a sucessão de em pregadores. 4 – Destarte, a teor dos artigos 10 e 448 da CLT, o Tabelião sucessor é responsável pelos direitos trabalhistas oriundos das relações laborais vigentes à época do repasse, bem como pelos débitos de igual natureza decorrentes de contratos já rescindidos. PROC. Nº. TRT. RO – 01141 – 2004 – 005 – 06 – 00 – 0. Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA. Juiz Relator: BARTOLOMEU ALVES BEZERRA. Recorrente: QUARTO SERVIÇO NOTARIAL DA COMARCA DO RECIFE. Recorrido: MARCOS ANTÔNIO FREIRE E ÁLVARO GONÇALVES DA COSTA LIMA FILHO (ESPÓLIO DE). Procedência: 5ª VARA DO TRABALHO DE RECIFE – PE . "

Percebe-se, portanto, que há corrente jurisprudencial no C. TST dando razão à tese defendida pela trabalhadora recorrente.

No caso destes autos houve a sucessão, pois ocorreu a mudança da titularidade da serventia. Não se pode deixar de reconhecer a continuidade da relação de emprego, vez que os trabalhadores foram impedidos de adentrar no "novo cartório", em razão de conduta adrede preparada pela nova delegatária. Porém, como há a necessidade do pré-aviso para a efetivação da dispensa, os contratos, por força da legislação trabalhista, prosseguiram com a mesma.

Mencione-se que os direitos fundamentais representam, na história da humanidade, um caminhar à frente, ou seja, uma construção social em permanente evolução e progressiva ampliação, vedando-se o retrocesso social.

O princípio da proibição do retrocesso social – ou aplicação progressiva dos direitos sociais – consiste na proibição da redução desses direitos, garantindo-se ao cidadão o acúmulo do patrimônio jurídico. Está alicerçado constitucionalmente nos princípios da dignidade da pessoa humana – artigo 1º, da segurança jurídica – artigo 5º, inciso XXXVI, e da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais – artigo 5º, § 1º.

Dessa forma, os direitos sociais, assegurados constitucionalmente, configuram uma garantia institucional e um direito subjetivo, devendo ser refutadas quaisquer medidas, inclusive legislativas, que impliquem anulação, revogação ou aniquilação dessas garantias.

Saliente-se que a proibição do retrocesso social possui conteúdo positivo, haja vista que o Poder Legislativo tem o dever de manutenção e ampliação progressiva dos direitos fundamentais, o que assegura o avanço social. Por outro lado, o conteúdo negativo é identificado ante a proibição de elaboração de normas que não respeitam os direitos já conquistados, sendo vedado o retrocesso social.

Importante ainda mencionar que, no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, especificamente nos seus considerados e artigos 1º, 17 e 19, está previsto o princípio da aplicação progressiva dos direitos sociais; a contrário sensu, chega-se à conclusão de que foi adotado o princípio da proibição do retrocesso social. Nesse aspecto, o Estado-membro e signatário de tratado ou convenção internacional em matéria de direitos humanos não pode invocar o seu direito interno para deixar de cumprir a norma internacional, tampouco, atuar por meio de quaisquer de seus Poderes Públicos de forma a obstar a efetividade das normas de proteção aos direitos humanos.

Na seara trabalhista, o referido princípio está consagrado na Lei Maior, no esteio do artigo 7º, caput, ao preconizar acerca dos direitos sociais: "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social."

Os direitos dos trabalhadores inserem-se no âmbito dos direitos humanos do trabalho, gozando assim dos atributos de irrenunciabilidade, indisponibilidade e inderrogabilidade, estando infensos à autonomia funcional dos Poderes Públicos, à autonomia privada dos particulares ou à autonomia privada coletiva das entidades sindicais.

Destarte, a efetivação dos direitos humanos deixou de ser uma obrigação moral e passou a ser uma obrigação jurídica, fundamentada na Norma Maior pátria e nos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, especialmente o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Deve-se realizar a máxima kantiana de consideração do ser humano como fim, nunca como meio para o atingimento de objetivos. Por esse motivo é que se fala em dignidade como possibilidade de autodeterminação. O trabalhador não pode ser "coisificado", reduzido a simples instrumento de obtenção de lucro. A lógica do lucro, selvagem em nosso país, conclui pela desnecessidade de observância do patamar mínimo civilizatório. Contudo, essas condutas não podem ser respaldadas pelo Judiciário exatamente porque o trabalhador não pode ser "coisificado" e também em razão do princípio da vedação do retrocesso social.

Nem se alegue que esse expediente seria justificado porque os antigos funcionários estariam mancomunados com o antigo titular da serventia.

Essa alegação não se sustenta porque a boa-fé das pessoas, a retidão do caráter, se presume, o contrário deve ser demonstrado.

Lamentavelmente fato é que ocorrem procedimentos escusos praticados por alguns responsáveis provisórios pelas serventias, que incham seus quadros e concedem aumentos salariais generosos, de forma a inviabilizar a administração do novo delegatário (concursado).

Esses atos são fraudulentos e terão a resposta adequada do Judiciário Trabalhista, caso instado a se manifestar sobre esses comportamentos.

Não bastasse, o artigo 482, CLT, traz um extenso rol das hipóteses justificadoras de dispensa por justa causa, entre eles: I) ato de improbidade; II) incontinência de conduta ou mau procedimento; III) desídia no desempenho das respectivas funções; IV) violação de segredo da empresa; V) ato de indisciplina ou de insubordinação; VI) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; VII) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.

Percebe-se, portanto, que no curso da relação de emprego, a titular da serventia teria meios suficientes para afastar os empregados que não cumprissem com suas obrigações, mas, como se sabe, isso é uma exceção, não é a regra.

De mais a mais, o princípio da alteridade, diretamente incidente na relação de emprego, faz com que a reclamada assuma os riscos de sua atividade, o que, certamente, não engloba somente as intempéries econômicas e financeiras. Mas, também, o capital humano existente na serventia. Trata-se, ademais, de ônus demasiadamente ínfimo, se confrontados os riscos da atividade desenvolvida, com a renda efetivamente auferida pela serventia.

Abuso de direito.

Como se sabe, o contrato de trabalho, assim como os contratos em geral, está alicerçado no princípio da boa-fé, que vincula todos os contratantes. Dessa forma, as partes devem agir de acordo com os padrões socialmente reconhecidos como corretos, ou seja, com lealdade e honestidade. Ao utilizar-se da norma para alcançar um objetivo que se desvia de sua finalidade, de modo fraudulento e prejudicial à outra parte, a ré faltou com o seu dever de boa-fé, incorrendo em abuso de direito. Sobre a questão, Arion Sayão Romita afirma que:

"(…) A execução de boa-fé constitui um dos princípios que regem o contrato de trabalho. Esse princípio se caracteriza por seu alto sentido moral e alcança ambos os sujeitos da relação – o empregado e o empregador. Exerce seu império sobre todas as fases do contrato, dominando a formação, a execução e também o término. (…)" (Os Direitos Sociais na Constituição e Outros Estudos. São Paulo: LTr, 1991. p. 137)

Por seu turno, Aldacy Rachid Coutinho assevera:

"(…) O titular do direito assegurado pela ordem jurídica vigente deverá exercê-lo dentro das finalidades para as quais foi reconhecido. (…) Se a finalidade for diversa, por exemplo, para causar um prejuízo ao empregado, não será reconhecida a eficácia da medida empreendida. (…) Todo e qualquer direito subjetivo, no seu exercício, sofre uma limitação, à medida que esbarra na esfera jurídica alheia; também o poder deverá ser limitado no seu exercício em relação à finalidade do seu reconhecimento e, assim, fala-se em excesso ou abuso de poder. O abuso de poder residiria tanto na aplicação da sanção por quem não é titular do poder disciplinar no âmbito da empresa como nas situações em que a pena aplicada é contrária à instituição legal, a sanção é desproporcional ou inadequada à finalidade e, ainda, quando há rigor excessivo. (…)" (Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999).

O PROTOCOLO ADICIONAL A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA DE DIREITOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS "PROTOCOLO DE SAN SALVADOR" – 17.11.1988. OEA, preceitua:

"Artigo 6º – Direito ao trabalho

1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que incluí a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou aceita.

2. Os Estados Partes comprometem-se a adotar medidas que garantam plena efetividade do direito ao trabalho, especialmente as referentes à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao desenvolvimento de projetos de treinamento técnico-profissional, particularmente os destinados aos deficientes. Os Estados Partes comprometem-se também a executar e a fortalecer programas que coadjuvem um adequado atendimento da família, a fim de que a mulher tenha real possibilidade de exercer o direito ao trabalho.

Artigo 7º – Condições justas, eqüitativas e satisfatórias de trabalho Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se refere o artigo anterior, supõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas, eqüitativas e satisfatórias, para o que esses Estados garantirão em suas legislações, de maneira particular: "

Em consonância com a normativa internacional, prevê a Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso XLI: "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".

Na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro encontra-se:

"Artigo 4º – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. "

"Artigo 5º – Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. "

Já o Código Civil de 2002 preceitua:

"Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. "

"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. "

"Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. "

"Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. "

Assim, segundo o princípio da boa-fé, as partes devem agir com honestidade e lealdade – tanto na fase da celebração, quanto na execução e mesmo após o término do contrato. A lealdade e a transparência devem ser o alicerce do contrato.

O trabalho é essencial à dignidade humana, instrumento de realização dos direitos fundamentais e elemento que caracteriza o Estado como Democrático de Direito.

Por isso, não pode a ré, em nome de sua liberdade de contratar, pretender se livrar do acervo humano da serventia que lhe foi delegada. Isso é abuso de direito.

Caio Mário, citando Josserand e Ripert, diz:

"os modernos, encontrando várias hipóteses em que se configura o desvirtuamento do conceito de justo, na atitude do indivíduo que leva a fruição do seu direito a um grau de causar malefício a outro indivíduo, criam a figura teórica do abuso do direito, que ora encontra fundamento na regra da relatividade dos direitos; ora assenta na dosagem do conteúdo do exercício, admitindo que se o titular excede o limite do exercício regular de seu direito, age sem direito; ora baseia-se na configuração do animus nocendi, e estabelece que é de se reprimir o exercício do direito, quando se inspira na intenção de causar mal a outrem."

Prossegue afirmando:

"Abusa, pois, de seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a outrem, inspirado na intenção de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em que a lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente para causar dano a outrem. "

Serpa Lopes assim se manifestava:

"O direito deve ser exercido em conformidade com o seu destino social e na proporção do interesse do seu titular. ", arrematando mais adiante: "e a principal obrigação que pode exsurgir de um direito é a que concerne ao seu exercício, de modo a ser ele conduzido sem causar um prejuízo à coletividade. Tal é o destino de um direito subjetivo relativo. Baseia-se precipuamente na concepção filosófica consoante a qual o direito individual é limitado pela sociedade na proporção do interesse geral, e o conceito de abuso de direito não faz mais do que realizar esta doutrina. "

San Tiago Dantas preceituava:

"tem-se, portanto, freqüentemente, a vida social, casos em que uma pessoa traz prejuízo à outra no exercício de um direito, mas o exercício deste direito, em vez de se fazer para aqueles fins, em vista dos quais, o direito foi tutelado pela norma, é feito, ou com o escopo de prejudicar a outrem, ou com uma finalidade manifestamente anti-social".

Dom Paulo Evaristo Arns, no artigo "Para que todos tenham vida", publicado no livro intitulado "Discriminação", coordenado por Márcio Tulio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault, fala em exclusão moral e cita um documento da CNBB, segundo o qual:

"Exclusão moral é o que fazemos quando colocamos pessoas ou grupos de pessoas fora das exigências básicas da justiça, sem que isso incomode muito. É como se achássemos que essas pessoas não merecem viver. Não são consideradas vítimas, são vistas como culpadas, subumanas, desumanas – e com isso nos sentimos desobrigados de nos importar com o que acontece com elas. Simplesmente 'desligamos' a nossa sensibilidade moral em tais casos. "

É fundamental, portanto, que os trabalhadores que estejam desamparados socialmente, e impotentes quanto ao desrespeito de seus direitos fundamentais encontrem proteção judicial.

Quanto à liberdade de contratação e abuso de direito, bem a calhar são os ensinamentos de Márcio Tulio Viana, no artigo "A Proteção Trabalhista contra os Atos Discriminatórios (Análise da Lei n. 9.029/95) ":

"Somos livres para decidir se, quando, como e quem contratar. Mas é uma liberdade, digamos assim, vigiada, e em boa parte flexionada pelo legislador. Valendo-nos de uma imagem que Couture usou com outros propósitos, poderíamos talvez comparar o empregador a um prisioneiro no cárcere: pode dar alguns passos, e nisso é livre, mas as grades lhe impõem limites ao seu ir e vir. (…) Talvez se possa dizer que, na raiz de tudo, está a função social do direito. Como ensina Savigny, nenhum direito tem um fim em si mesmo. Ele não termina ali, nas palavras da lei; de certo modo, escapa delas, em busca de seu destino. O direito sempre quer alguma coisa a mais do que o seu verbo diz. Tem uma alma, um espírito, um sentido que vai além dos desejos de seu titular.

Por isso, se alguém usa as palavras em desacordo com o seu destino, não está, na verdade, obedecendo a lei; está seguindo apenas uma parte dela, a sua parte visível que é também a menos importante, pois a rigor serve apenas de veículo para transportar a ideia. O uso se torna abuso, e o abuso fere tanto o direito quanto a sua violação literal.

E se assim for, pior ainda será quando o agente se valer da norma para fins não apenas estranhos a ela, mas proibidos por outra. Nesse caso, o abuso se torna até mais grave do que a violação literal, pois é como se alguém se utilizasse do próprio ordenamento jurídico para feri-lo.

É o que se dá com a discriminação. Se a lei dá ao empregador a faculdade de escolher entre João e Pedro, é em atenção ao princípio da propriedade privada, mas também em razão de seu fim social, tantas vezes declarado e tão poucas vezes cumprido.

Se o empregador se vale daquela faculdade para dar vazão aos seus preconceitos, está não apenas traindo o destino daquela norma, mas ferindo a literalidade de outra norma, exatamente a que impede, em todos os níveis, a discriminação.

Daí a necessidade (ou até, sob certo aspecto, a desnecessidade) do artigo em questão, que surge como uma terceira norma, fazendo uma espécie de silogismo: se todos são iguais perante a lei e se a liberdade de contratação tem o fim de atender às necessidades da empresa, quem escolheu A ou B com propósitos discriminatórios age ilicitamente". Na hipótese vertente, qual a justificativa válida para que a ré não utilizar a mão-de-obra já existente na serventia? Para dispensar trabalhadores em vias de aposentadoria? Especialmente quando há informações de que alguns funcionários continuaram trabalhando no Cartório, enquanto que outros, como a reclamante, tiveram a entrada cerceada? Nenhuma.

Este Relator não ignora que os titulares dos Cartórios extrajudiciais têm grande poder de organização e cobrança de seus direitos, desde antes da constituinte, durante e após, permanecendo até os dias atuais, influenciando em projetos de leis e até mesmo em provimentos dos Tribunais.

Porém, esse poder de organização e reivindicação não pode se sobrepor aos direitos fundamentais dos trabalhadores, aos interesses sociais e à Justiça Social.

Por essas razões, merece provimento ao recurso da trabalhadora, reconhecendo-se a sucessão de empregadores, determinando-se o retorno dos autos à origem, para que os demais pedidos sejam apreciados, evitando-se a supressão de instância, em obediência ao princípio do duplo grau de jurisdição.

EDER SIVERS – Desembargador Relator.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6425 | 27/05/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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STJ: Ausência de bens e dissolução irregular da empresa não autorizam desconsideração da personalidade jurídica

Sem a existência de indícios de esvaziamento intencional do patrimônio societário em detrimento da satisfação dos credores ou outros abusos, a simples dissolução irregular da sociedade empresarial não enseja a desconsideração da personalidade jurídica. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

A ministra Nancy Andrighi explicou que a personalidade jurídica de uma sociedade empresarial, distinta da de seus sócios, serve de limite ao risco da atividade econômica, permitindo que sejam produzidas riquezas, arrecadados mais tributos, gerados mais empregos e renda. Essa distinção serve, portanto, como incentivo ao empreendedorismo. 

Ela ressalvou que, nas hipóteses de abuso de direito e exercício ilegítimo da atividade empresarial, essa blindagem patrimonial das sociedades de responsabilidade limitada é afastada por meio da desconsideração da personalidade jurídica. 

A medida, excepcional e episódica, privilegia a boa-fé e impede que a proteção ao patrimônio individual dos sócios seja desvirtuada. 

Dissolução irregular

A ministra destacou que, apesar de a dissolução irregular ser um indício importante de abuso a ser considerado para a desconsideração da personalidade jurídica no caso concreto, ela não basta, sozinha, para autorizar essa decisão. 

Conforme a ministra, a dissolução irregular precisa ser aliada à confusão patrimonial entre sociedade e sócios ou ao esvaziamento patrimonial “ardilosamente provocado” para impedir a satisfação de credores, para indicar o abuso de direito e uso ilegítimo da personalidade jurídica da empresa. 

No caso julgado pelo STJ, a sociedade não possuía bens para satisfazer o credor. Conforme os ministros, apenas esse fato, somado à dissolução irregular, não autoriza o avanço da cobrança sobre o patrimônio particular dos sócios, porque, segundo o tribunal de origem, não havia quaisquer evidências de abuso da personalidade jurídica. 

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1395288.

Fonte: STJ | 28/02/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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