Pesquisa revela que maioria dos agressores de crianças são os pais

Levantamento feito com dados do Sistema de Informações para a Infância e Juventude, do governo federal, divulgado recentemente, revelou que pais e mães são responsáveis por metade dos casos de violações aos direitos de crianças e adolescentes, como maus-tratos, agressões, abandono e negligência.

Os números apontam que em 119.002 dos 229.508 casos registrados desde 2009, os autores foram os próprios pais (45.610) e mães (73.392). O levantamento, baseado em informações de 83% dos conselhos tutelares brasileiros, mostra também que os responsáveis legais foram autores de 4.403 casos. Padrastos tiveram autoria em 5.224 casos e madrastas foram responsáveis em 991.

A Procuradora de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do Rio de Janeiro, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, presidente da Comissão da Infância e da Juventude do IBDFAM, observa que essa violência tem origem na disfunção da família, seja por uso de drogas, alcoolismo, doenças mentais, miséria extrema, dentre outros problemas sociais, além da ausência de afeto e de responsabilidade parental. Ela explica que essa violência pode acarretar, além das marcas físicas, marcas emocionais e psicológicas muito graves e, “com frequência, implica em um desenvolvimento deturpado da personalidade da criança, que pode vir a reproduzir estes comportamentos de risco no futuro, com o abuso de drogas e álcool e comprometimento com atos violentos”, reflete.

A procuradora relata que, segundo sua experiência, a proximidade entre agressor e vítima dificulta a descoberta da situação de violência, elevando o risco de reincidência.  “O núcleo familiar, muitas vezes, é conivente com o agressor que é o provedor da casa. Para que a violência seja descoberta, preventivamente, todas as pessoas que lidam no dia a dia com crianças e jovens deveriam estar capacitadas para detectar precocemente suspeitas ou confirmação de violência doméstica e sexual contra as crianças e notificar os órgãos competentes. A notificação é um fator decisivo para interrupção do processo ou ciclo de violência, como o disque denúncia ou as ouvidorias do Ministério Público. Aliás, os médicos, professores e responsáveis por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino têm o dever de comunicar à autoridade competente os casos de que tenham conhecimento envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente, sob pena de responderem por infração administrativa prevista no art. 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente”.  
 
A procuradora destaca que a melhor forma de coibir a violência contra as crianças é atuar preventivamente apoiando e orientando os pais sobre as responsabilidades parentais, desde a concepção do filho. “Lembro que esta responsabilidade é de todos nós, conforme rezam o art. 227 da CF/88 e o art. 70 do ECA. A prevenção deve ocorrer, a meu ver, desde a concepção da criança, através de apoio e orientação aos futuros pais acerca das responsabilidades parentais e do planejamento familiar”, ressalta.
 
Falta de estrutura do sistema prejudica combate – Kátia Maciel explica que há inúmeros meios de punição aos pais/familiares agressores, tais como a perda da guarda, a suspensão e a destituição do poder familiar; o afastamento do agressor do lar; a busca e apreensão do infante vítima, responsabilização cível e administrativa (art. 249 do ECA) na seara legislativa cível e a tipificação de crimes sexuais contra vulnerável; exploração sexual; desassistência familiar e maus tratos em face dos filhos na legislação penal. Todavia, a solução para diminuir a violência em face dos filhos passa não somente pela punição, mas pela existência de equipamentos, programas, ações e serviços de acompanhamento disponibilizados em número e qualidade suficientes para atender aos pais, voltados para o fortalecimento de vínculos familiares e à prevenção da violência intrafamiliar e demais formas de violação de direitos.
 
“O acompanhamento das famílias com histórico de violências aos filhos deveria ser obrigatoriamente determinado pela autoridade judiciária competente, mesmo depois de aplicada a sanção, a fim de evitar a reincidência”, afirma. Para ela, o sistema de garantia dos direitos infanto-juvenis, que abrange os Conselhos Tutelares, o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Executivo, Organizações não governamentais, Poder Legislativo, Conselhos de Direitos e sociedade em geral, padece de falhas de articulação e estrutura, o que prejudica o enfrentamento da violência intrafamiliar.
 
“Para que a violência praticada pelos pais contra os próprios filhos seja banida, a prioridade absoluta dos direitos infanto-juvenis, consagrada no art. 227 da Constituição Federal, deve ser levada a sério pelos governantes e pela sociedade. Em outras palavras, dar à criança primazia de receber proteção e socorro; precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos nas áreas de proteção à infância (art. 4º do ECA) significa salvar vidas”, assegura.
 
Fonte: IBDFAM | 30/04/2014.
 

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TJ/PE: Artigo – Recusa ao poder familiar – Por: JONES FIGUEIRÊDO ALVES

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES

Um adolescente de 14 anos, Patrick Holland ingressou na justiça americana, perante a "Norfolk County Probate and Family Court" (2004), para retirar o poder familiar do seu pai, Daniel Holland. Ele matara a genitora do menor, da qual estava separado. Foi uma ação inusitada, até então, para dissolver o vínculo de autoridade parental.

Dez anos depois, registra-se que um pré-adolescente (menor impúbere), vivenciando interesse assemelhado, "chegou a procurar o Ministério Público por conta própria pedindo para não morar mais com o pai e a madrasta. E indicou duas famílias com as quais gostaria de ficar" (01/2014). "Relatou detalhes de sua rotina, marcada pela indiferença e pelo desamor na casa em que vivia."

No caso recente, do estudante Bernardo Uglione Boldrini, de Três Passos (RS), cidade do noroeste gaúcho, cuja morte repercutiu nacionalmente, a postulação teria como questão subjacente, a sua necessidade de ter um pai mais presente, apto a dar-lhe mais afeto. A imprensa também noticia que, em audiência judicial, o genitor assumira perante a Justiça o compromisso de uma assistência mais presencial e afetiva.

De fato, há uma diferença substancial entre o criar e o cuidar. "O criar está no campo material, o cuidar está no campo afetivo", sustenta Maria Aparecida Daud, especialista em responsabilidade civil no direito de família. Há uma tendência atual, no país, de "a Justiça condenar os pais a indenizar os seus filhos (crianças ou já adultos) quando comprovado psicoterapeuticamente que eles têm seqüelas psíquicas ou comportamentais por causa do chamado abandono moral". ("Papai, eu quero afeto", "Isto É", ed. nº 1.849, 19.01.2005, p.20).

O diferencial sugere profundas reflexões sob a égide da lei. Essa forma de abandono configura hipótese de perda do poder familiar, prevista no art. 1.638, II, do atual Código Civil. O dano psicológico causado pelo pai ausente aos cuidados do filho, "cuja ausência pode gerar timidez e medo" à falta da representação psicológica de segurança na figura paterna, tem sido reconhecido, em diversas decisões judiciais. Assim, o direito de cuidar do filho, dirigindo-lhe a educação, com autoridade protetora e zelosa, dando-lhe assistência imaterial, traduzida na afetividade, é também um dever paternal.

Vale conferir, historicamente, a lição doutrinária de Clóvis Beviláqua, quando, com permanente atualidade, comentando o art. 384 do Código Civil de 1916, anotou: "(…) Se o pai não se desempenha dessa missão sagrada, não somente infringe preceito da moral, como, ainda, ofende direitos do filho. Por isso, embora não deva intervir, senão em casos graves e manifestos, porque é da maior conveniência cultivar-se o afeto da família, o direito se mantém vigilante pela sorte dos filhos. (…).".

Quase cem anos depois, a vigília do direito a atender a proteção integral dos filhos produz resultados mais eficientes, quando, distinguindo o criar e o cuidar, decisões judiciais estabelecem, concretamente, a responsabilidade civil e penal dos pais pelo abandono afetivo dos seus filhos.

A justiça busca também contribuir para uma geração melhor capacitada em sentimentos, alinhada ao que pensou Beviláqua: "É também ao lado dos pais, na atmosfera da família, que devem estar os menores, porque é nesse meio que melhor se pode desenvolver o seu espírito, no sentido do bem, do justo e, ainda, do útil social e individual." Nessa linha, a justiça quer operar uma sociedade mais justa e harmônica.

A doutrina mais moderna orienta no mesmo sentido. Vejamos: (i) Álvaro Villaça Azevedo considera que "o descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença" ("Jornal do Advogado" – OAB/SP nº 289, dez/2004, pág. 14).(ii) Tânia da Silva Pereira reflete a necessidade de o "cuidado" ser identificado dentro do ordenamento jurídico, proclamando que "a partir da percepção e convencimento de que as relações sócio-afetivas passaram a ser reconhecidas de forma significativa no Direito de Família, não podemos afastar a possibilidade de incluir neste contexto o ‘cuidado' como um valor jurídico".

Segue-se, então, reconhecer que o "Caso Bernardo Boldrini" não é um fato isolado no contexto de pai ausente ou deficitário no exercício do poder familiar. Grande contingente de crianças e adolescentes padecem do mesmo fenômeno.

Luigi Zoja, famoso psicólogo italiano, em sua obra "O Pai – História e Psicologia de uma espécie em extinção" (Editora Axis Mundi), visualizando o tema, ao indicar diversos modelos recorrentes atuais (pai ausente, pai tirano, etc.) que apontam para a "decadência do patriarcado", destaca que apesar da crise da figura do pai, no processo de modernização social, a sociedade reclama, sempre, a necessidade de se ter um pai.

Lado outro, quando a função parental paterna tem sofrido a influência de circunstâncias diversas, entre as quais se situam os casos mais comuns das novas famílias, as "famílias-mosaico", formadas por novos pares, com os filhos de uniões anteriores, apresenta-se a parentalidade  como um novo desafio, a exortar, particularmente, o cuidado jurídico.

Ora bem. Quando a falta do devido cuidado venha servir de reclamo pelo próprio filho, a sugerir uma manifesta recusa ao poder familiar, sob as mais diversas razões, não se pense, de pronto, tratar-se de uma tirania filial, "ante fatores sócio-emocionais que permeiam exacerbado individualismo dos jovens" (Dante Donatelli, "A Vida em Família: As Novas Formas de Tirania").

Cumpre-se decisiva a advertência de Tânia da Silva Pereira, colocada a questão a estilete: "O cuidado deve informar as relações privadas e institucionais. Efetivas violações vinculadas à falta de responsabilidade e compromisso devem justificar a mobilização das forças cogentes do Estado".  De fato.   "As leis não bastam, os lírios não nascem das leis". Uma eventual recusa à guarda ou ao poder familiar, por parte do filho, reclama novos procedimentos jurídico-processuais (multidisciplinares) e metajurídicos.

No ponto, cumpre, portanto, ao Estado, em situações que tais, quando as relações afetivas se acharem comprometidas pela ausência parental, maus-tratos, indiferenças e conflitos intrafamiliares, adotar medidas imediatas e urgentes: (i) ampliar a esfera privada familiar dos cuidados, elegendo um novo regime de guarda, o da "guarda expandida"; com ênfase e efetividade no que orienta o parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990, de 13.07.1990), incluído pela Lei nº 12.010/2009, ou seja, a partir da denominada "família extensa", constituída para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, por parentes próximos "com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade". Nesse modelo, uma guarda excepcional e ampliada. (ii) monitorar com eficiência e rigor absoluto a realidade subjacente das famílias de risco, sempre havidas aquelas onde crianças e adolescentes estejam expostos como vítimas potenciais do desamor ou da indiferença (quando menos) e peçam o socorro extremo de sobrevivência.

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* O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família.  Assessorou a Comissão Especial de Reforma do Código Civil na Câmara Federal. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE | 02/05/2014.

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TJSC: Filha só descoberta após 30 anos não pode reclamar de abandono afetivo

A 1ª Câmara de Direito Civil do TJ confirmou decisão que negou indenização por danos morais pleiteada por uma mulher de 30 anos, sob a alegação de abandono afetivo paterno. Em seu recurso, a filha buscava também a condenação do pai por litigância de má fé, ao acusá-lo de protelar o trâmite processual e insistir na negativa de paternidade. Seus argumentos não convenceram os integrantes da câmara.

O relator do recurso, desembargador Raulino Jacó Brüning, lembrou que não ficou provado que o apelado soubesse ser pai da recorrente antes da sentença. Acrescentou que a paternidade só foi reconhecida, através da respectiva investigação, quando a moça já contava 30 anos de idade.

Embora o abandono afetivo dos pais em relação aos filhos ocorra quando os genitores se omitem no tocante a deveres de educação, afeto, atenção, cuidado e desvelo, essenciais ao sadio desenvolvimento da criança e do adolescente, o caso analisado apresentou outros contornos.

"No caso em apreço, é possível observar a existência da omissão do genitor, do nexo causal e do dano, porém, não se vislumbra culpa na sua conduta", anotou Raulino. Os desembargadores entenderam que se trata de pai que desconhecia o fato de ter um filho. "Neste contexto, não há o que se falar em indenização, até mesmo porque não houve ruptura do vínculo afetivo, o qual nunca se concretizou", arrematou o relator.

A acusação de má fé também foi rejeitada e interpretada como o legítimo direito da parte exercer sua defesa em contraponto aos posicionamentos jurídicos apresentados pela autora. Conforme os autos, quando o réu contestou o pedido de indenização da autora, o direito dela  não estava reconhecido, porquanto a ação de investigação de paternidade ainda não havia sido julgada. A  decisão foi unânime.

Fonte: TJSC | 24/07/2013.

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