Recurso Administrativo – Pedido de Providências – Pretensão de inscrição de penhora em desfavor de devedor que não figura como titular dominial do imóvel – Impossibilidade da averbação sem prévio registro do compromisso de compra e venda em que o executado figura como comprador do bem – Compromisso, ademais, que deverá ser apresentado em via original, com reconhecimento de firma das partes e com atenção aos princípios da especialidade objetiva e subjetiva – Pedido de Providências improcedente – Recurso não provido

Número do processo: 1020761-59.2015.8.26.0309

Ano do processo: 2015

Número do parecer: 261

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1020761-59.2015.8.26.0309

(261/2017-E)

Recurso Administrativo – Pedido de Providências – Pretensão de inscrição de penhora em desfavor de devedor que não figura como titular dominial do imóvel – Impossibilidade da averbação sem prévio registro do compromisso de compra e venda em que o executado figura como comprador do bem – Compromisso, ademais, que deverá ser apresentado em via original, com reconhecimento de firma das partes e com atenção aos princípios da especialidade objetiva e subjetiva – Pedido de Providências improcedente – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso administrativo tirado de r. sentença que manteve a rejeição do pleito de Nivoloni & Cia Ltda., no sentido de se averbar penhora do imóvel matriculado sob número 118.114, no 1º Registro de Imóveis de Jundiaí, a teor de que o executado Messias Firmino da Silva não figura como titular dominial.

Alega, em síntese, que o Juízo não observou o disposto na Lei n.° 13.097/2015, instituidora do princípio da concentração. Ademais, apresentou cópia autenticada do instrumento particular de venda e compra, sobrevindo exigências (exibição do original do contrato; inclusão do regime de bens do comprador; alteração da descrição do imóvel) que considera inviáveis e absurdas, mesmo porque dependeriam da atuação do executado. Por fim, considera que não foi suficientemente fundamentada a sentença acerca dos princípios registrais nela referidos.

É o relatório. Opino.

Inicialmente, cumpre asseverar que, a despeito do presente feito ter sido processado como dúvida inversa, cuida-se, em verdade, de pedido de providências, uma vez que o ato pretendido é a averbação de penhora.

O recorrente se volta contra a nota de devolução de fls. 19, que devolveu o título (mandado judicial de averbação de penhora de imóvel), acompanhado de cópia autenticada do instrumento particular de promessa de venda e compra de imóvel, pelos seguintes motivos: 1) o imóvel penhorado não figura sob titularidade do executado, o que feriria o princípio da continuidade; 2) para viabilização da penhora, seria necessário, primeiramente, o registro do instrumento particular de compra e venda do imóvel; 3) para registro do instrumento particular de compra e venda, seria necessário que fosse apresentado em via original, com firmas reconhecidas das partes, com informação referente ao regime de bens dos adquirentes e com retificação da descrição do imóvel.

Todas as exigências do Registrador são absolutamente pertinentes.

Cediço que a Lei n.° 13.097/2015, proporcionando relevante avanço do sistema registral, instituiu o princípio da concentração, por meio do qual todas as circunstâncias referentes ao imóvel, dentre as quais, constrições judiciais, devam constar da matrícula respectiva.

Ocorre que a referida Lei não mitigou em qualquer medida os princípios registrais da continuidade e da especialidade.

Com efeito, para que seja viabilizada a averbação de penhora sobre determinado bem, necessário que o devedor figure como titular dominial. Isso porque, como ensina Luiz Guilherme Loureiro (in Registros Públicos. Teoria e Prática, Editora Jus Podivm, 8ª edição, p. 573), “Segundo o princípio da continuidade, os registros devem ser perfeitamente encadeados, de forma que não haja vazios ou interrupções na corrente registrária. Em relação a cada imóvel deve existir uma cadeira de titularidade à vista do qual só se fará o registro ou averbação de um direito se o outorgante dele figurar no registro como seu titular”.

Tal princípio registral encontra-se previsto no artigo 195 da Lei n.° 6.015/73, que dispõe que:

“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Nem se alegue que o ato constritivo resultaria, a partir da arrematação, em aquisição originária da propriedade, dispensando a observância do princípio da continuidade. Consoante ensina o eminente magistrado Josué Modesto Passos:

“Diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111-112).

E, em seguida, reforça:

“A arrematação nao pode ser considerada um fundamento autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante) e não entre o mais lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija como de fato se exige , no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então quod erat demonstrandum a aquisição é derivada (e não originária)” (op. cit., p. 118 grifei).

Para o mesmo Norte, aponta a pacificada jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida. Registro de carta de adjudicação. Modo derivado de aquisição da propriedade. Modificação do posicionamento anterior do Conselho Superior da Magistratura. Análise da natureza jurídica do ato de adjudicação. Fundamentos que não afastam a natureza derivada da transmissão coativa. Óbices ao registro mantidos. Recurso não provido.” (APELAÇÃO CÍVEL: 9000001-34.2013.8.26.0531, Rel. Des. Elliot Akel, j. 7/10/14)

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental” (Ap. Cível nº 31881-0/1)

Se o registro da arrematação de bem penhorado é forma derivada de aquisição da propriedade, a averbação da constrição judicial que a precede demanda a estrita observância do princípio da continuidade.

Portanto, considerando que o imóvel em questão mantem-se sob titularidade de Nivoloni & Cia Ltda., não é possível averbar-se penhora em desfavor de terceira pessoa que não figura da matrícula do bem (Messias Firmino da Silva).

Ademais, bem andou o Oficial, diante da apresentação de cópia do compromisso de venda e compra, em se adiantar esclarecendo quais as providências necessárias para eventual pedido de registro desse contrato, o que se amolda à conduta determinada no item 40 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ (“É dever do Registrador proceder ao exame exaustivo do título apresentado. Havendo exigências de qualquer ordem, deverão ser formuladas de uma só vez …”)

O registro ou averbação de qualquer título somente pode ser feito mediante exibição do original, não podendo ser suprida por cópia simples ou autenticada, como se depreende do item 41.1.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ.

Para ingresso de escritos particulares, imprescindível o reconhecimento de firmas dos contratantes, como impõe o art. 221, II, da Lei de Registros Públicos.

Ademais, em respeito ao princípio da especialidade subjetiva, correta a exigência de comprovação do regime de bens dos adquirentes. A uma, porque a Lei de Registros Públicos, no art. 176, parágrafo 1º, III, 2, a, dispõe sobre a necessidade de que conste dos atos registrais o estado civil das partes contratantes. A duas, porque dispõe o art. 244 da Lei de Registros Públicos, sobre a necessidade de se averbar as escrituras de pacto antenupcial, “…no lugar da situação dos imóveis de propriedade do casal, ou dos que forem sendo adquiridos e sujeitos a regime de bens diverso do comum, com a declaração das respectivas cláusulas, para ciência de Terceiros.”

Ademais, a necessidade de se conhecer o regime de bens do adquirente e a qualificação do cônjuge está em consonância com os princípios da publicidade (arts. 16 a 21, da Lei de Registros Públicos e art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal), da continuidade (arts. 195, 222 e 237, da Lei de Registros Públicos) registrárias e, ainda, da especialidade subjetiva, refletindo diretamente na titularidade dominial.

O item 63 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ vai ao encontro das disposições legais acima mencionadas:

’63. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de instrução no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977” (grifei).

Por fim, segundo informado pelo Oficial, a descrição que consta do instrumento particular não corresponde à descrição da matrícula, o que seria bastante, caso formulado pedido de registro desse contrato, para que o Oficial desqualificasse o título, recusando seu ingresso no cadastro imobiliário, em respeito ao princípio da especialidade objetiva. Tal princípio impõe que cada imóvel tenha descrição precisa que viabilize sua completa identificação e localização, distinguindo-se de todos os demais (LRP, art. 176).

De qualquer modo, embora relevantes as orientações quanto aos requisitos para registro do instrumento particular de venda e compra, uma vez que tem o escopo de evitar futura qualificação negativa de título, não se pode perder de vista que o presente feito trata de pedido de averbação da penhora e não de pedido de registro do instrumento particular.

Não houve, ademais, ordem judicial impondo ao Registrador a averbação almejada. Pelo contrário, deparando-se o juízo com a nota de devolução, remeteu o interessado à Corregedoria Permanente para solucionar a questão. Cediço que a origem judicial do título não obsta a qualificação de seus requisitos formais pelo registrador, o que não implica descumprimento de decisão judicial.

Em suma, o parecer que, respeitosamente, submeto a Vossa Excelência, é no sentido de se negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 7 de julho de 2017.

Tatiana Magosso

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo, pelas razões expostas, o parecer da Juíza Assessora desta Corregedoria Geral de Justiça, para o fim de negar provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 10 de julho de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça. Advogados: MARCELO BARALDI DOS SANTOS, OAB/SP 185.303, FERNANDO CAMOSSI, OAB/SP 208.644, THIAGO FERNANDO FERREIRA, OAB/SP 361.362 e CAROLINA BARALDI DOS SANTOS, OAB/ SP 310.215.

Diário da Justiça Eletrônico de 20.07.2017

Decisão reproduzida na página 192 do Classificador II – 2017

Fonte: INR Publicações

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Ação de cancelamento e retificação de registros civis – Ascendente nascido em Portugal – Procedência parcial do pedido – Afastamento da naturalidade brasileira e assunção da naturalidade portuguesa – Determinação para retificar a naturalidade de Albertina Dias Rosa no seu assento civil de nascimento, casamento e óbito, assim como, nos assentos civis de seus descendentes – Cancelamento do registro civil brasileiro tendo por base registro português de batismo/nascimento efetuado em 1901 – Impossibilidade – Inaplicabilidade da lei portuguesa de separação da igreja do estado – Norma que não confere oficialidade ao registro religioso – Certidão de batismo/nascimento portuguesa que permite a correção da naturalidade e não altera a nacionalidade brasileira da ascendente – Inteligência do art. 112, da Lei de Registros Públicos – Inexistência de prova da manutenção da nacionalidade portuguesa – Aplicação do Decreto nº 70.391/72 – Impossibilidade – Norma revogada pelo “Tratado de Amizade e Cooperação e Consulta” firmado em 22/04/2000 por Portugal e Brasil – Sentença mantida – Apelo desprovido

Ação de cancelamento e retificação de registros civis – Ascendente nascido em Portugal – Procedência parcial do pedido – Afastamento da naturalidade brasileira e assunção da naturalidade portuguesa – Determinação para retificar a naturalidade de Albertina Dias Rosa no seu assento civil de nascimento, casamento e óbito, assim como, nos assentos civis de seus descendentes – Cancelamento do registro civil brasileiro tendo por base registro português de batismo/nascimento efetuado em 1901 – Impossibilidade – Inaplicabilidade da lei portuguesa de separação da igreja do estado – Norma que não confere oficialidade ao registro religioso – Certidão de batismo/nascimento portuguesa que permite a correção da naturalidade e não altera a nacionalidade brasileira da ascendente – Inteligência do art. 112, da Lei de Registros Públicos – Inexistência de prova da manutenção da nacionalidade portuguesa – Aplicação do Decreto nº 70.391/72 – Impossibilidade – Norma revogada pelo “Tratado de Amizade e Cooperação e Consulta” firmado em 22/04/2000 por Portugal e Brasil – Sentença mantida – Apelo desprovido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1055748-56.2017.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante LUIS GUSTAVO ARRUDA DE FIGUEIREDO TORRES, é apelado JUÍZO DA COMARCA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARCIA DALLA DÉA BARONE (Presidente sem voto), JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES E JOSÉ JOAQUIM DOS SANTOS.

São Paulo, 15 de abril de 2019.

HERTHA HELENA DE OLIVEIRA

Relatora

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível 1055748-56.2017.8.26.0114

Apelante: Luis Gustavo Arruda de Figueiredo Torres

Apelado: Juízo da Comarca

Interessado: Albertina Dias Rosa

Comarca: Campinas

Ação de Retificação e Cancelamento de Registros Civis

Juiz prolator da sentença:

Voto nº 1.777

AÇÃO DE CANCELAMENTO E RETIFICAÇÃO DE REGISTROS CIVIS – ASCENDENTE NASCIDO EM PORTUGAL – PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO – AFASTAMENTO DA NATURALIDADE BRASILEIRA E ASSUNÇÃO DA NATURALIDADE PORTUGUESA – DETERMINAÇÃO PARA RETIFICAR A NATURALIDADE DE ALBERTINA DIAS ROSA NO SEU ASSENTO CIVIL DE NASCIMENTO, CASAMENTO E ÓBITO, ASSIM COMO, NOS ASSENTOS CIVIS DE SEUS DESCENDENTES – CANCELAMENTO DO REGISTRO CIVIL BRASILEIRO TENDO POR BASE REGISTRO PORTUGUÊS DE BATISMO/NASCIMENTO EFETUADO EM 1901 – IMPOSSIBILIDADE – INAPLICABILIDADE DA LEI PORTUGUESA DE SEPARAÇÃO DA IGREJA DO ESTADO – NORMA QUE NÃO CONFERE OFICIALIDADE AO REGISTRO RELIGIOSO – CERTIDÃO DE BATISMO/NASCIMENTO PORTUGUESA QUE PERMITE A CORREÇÃO DA NATURALIDADE E NÃO ALTERA A NACIONALIDADE BRASILEIRA DA ASCENDENTE – INTELIGÊNCIA DO ART. 112, DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS – INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MANUTENÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA – APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 70.391/72 – IMPOSSIBILIDADE – NORMA REVOGADA PELO “TRATADO DE AMIZADE E COOPERAÇÃO E CONSULTA” FIRMADO EM 22/04/2000 POR PORTUGAL E BRASIL – SENTENÇA MANTIDA – APELO DESPROVIDO.

Trata-se de recurso de apelação, interposto contra a sentença de fls. 88/98, que no bojo de ação de cancelamento e retificação de registro civil, julgara parcialmente procedente o pedido para determinar a retificação de 31 assentos civis, os quais deverão conter as seguintes correções:

“Os nomes deverão ser assim grafados: Joaquim Olynto de Figueiredo Torres e Elisa da Costa Figueiredo (genitores de Benevenuto de Figueiredo Torres) e Alberto Joaquim Rosa e Ermelinda Ferrer Dias Rosa (genitores de Albertina Dias Rosa), bem como deverá ser retificada a qualificação e naturalidade da nubente e falecida Albertina. Quanto ao assento de óbito de Benevenuto, também merece correção a grafia do nome de seu filho Luís, que se escreve com “s” e não “z”, como constou.”

Insurge-se o autor, argumentando que sua avó é legítima cidadã portuguesa, assim como é válido seu registro de nascimento efetuado em Portugal, no ano de 1901 (fl. 33); embora seja um registro religioso, tem força civil, notadamente em razão da “Lei da Separação da Igreja do Estado”, promulgada em 20/04/1911, a qual determinou que todos os registros paroquiais (batismo, casamento e óbitos) anteriores a 1911, teriam eficácia civil; o registro de nascimento brasileiro é tardio e inverídico (fl. 36); não obstante a retificação determinada quanto à naturalidade portuguesa da ascendente nos assentos civis familiares, faz-se necessário retificar também sua nacionalidade; não perderá a nacionalidade de origem aquela que se beneficiar do Estatuto da Igualdade (art. 16, do decreto nº 70.391/72).

Requer o cancelamento do registro brasileiro de nascimento da sua avó ALBERTINA DIAS ROSA, validando-se aquele realizado em Portugal, considerando-se, nesse sentido, a força probante do registro religioso, nos termos do art. 112, da lei nº 6.015/73, viabilizando-se, assim, a obtenção de cidadania portuguesa.

Recurso bem processado, e sem oposição ao seu julgamento virtual.

O Ministério Público, tanto em primeiro grau, bem como, nessa instância, opinou pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

Da análise dos autos, observa-se que o juízo determinou a retificação da naturalidade de Albertina Dias Rosa no seu assento civil de nascimento, casamento e óbito, assim como, nos demais assentos civis de seus descendentes (nascimento, casamento e óbito), uma vez que ela nascera em Portugal (“freguesia de Rio de Vide, concelho de Miranda do Corvo”), como faz prova seu “assento de baptismo/nascimento”, anexado a fls. 32/33.

No entanto, o Magistrado afastara o pedido de cancelamento do registro civil brasileiro, argumentando que “a priori, como bem obtemperou o i. membro do Ministério Público, inviável o acolhimento do pedido de cancelamento do registro do assento de nascimento de Albertina Dias Rosa, já que o registro de seu nascimento se deu no registro de batismos da Igreja Paroquial de São Thiago de Rio Vide (fls. 32/35) e, pois, somente no âmbito religioso, e não no civil.”

Inconformado, o requerente insiste no pedido de cancelamento do assento civil de nascimento da avó, efetuado no Brasil (fl. 36), validando-se o registro de nascimento português, pois assim anulado, sua ascendente seria considerada cidadã portuguesa, viabilizando-se, então, a obtenção da cidadania lusa pelo neto. Em outras palavras, o apelante pleiteia a anulação do registro brasileiro de nascimento, conferindo-se eficácia à lei portuguesa que validara registros paroquiais de nascimento, como se civis o fossem (fls. 106/119).

Assim delimitado o conflito, o apelo não merece provimento.

Em primeiro lugar, a lei portuguesa que alijara a Igreja do Estado, conferindo laicidade à jovem república portuguesa (05/10/1910), não tratou dessa questão. Verifica-se, da análise de seu texto, que nada dispôs a respeito do quanto suscitado pelo apelante. Regulamentara, tão somente, a liberdade de consciência e de culto (artigos 1º/15); os limites de atuação das corporações e entidades encarregadas do culto (artigos 16/42); o patrimônio, donativos e edifícios dessas corporações e a fiscalização do culto público (artigos 43/61); a propriedade e encargos dos edifícios religiosos e os bens da igreja (artigos 62/88); e o destino das catedrais, igrejas e capelas, assim como dos bens que a guarnecem (artigos 89/100).

Neste ponto, vale lembrar que cabia aos autores fazer a prova do direito estrangeiro invocado, assim como de sua vigência ( art. 276 do CPC).

E mesmo que a legislação houvesse validado os assentos de batismo realizados pela igreja, não substituiria a regularização destes registros perante órgão público competente. Assim, conclui-se que, chancelados os registros religiosos, como aquele juntado a fl. 33, o tabelionato (ou órgão homônimo) estaria apto a emitir registro civil de nascimento correspondente ao registro religioso o que não ocorrera no caso em exame.

Ora, ainda que o art. 17, da LINDB, permita a eficácia de legislação alienígena em solo brasileiro, desde que não ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, a certidão de batismo da D. Albertina não possui a indispensável e inquestionável oficialidade de registro civil capaz de ensejar o almejado cancelamento.

Logo, é inviável, nesses autos, a validação do registro religioso de nascimento.

Em segundo lugar, mesmo que considerássemos que a lei portuguesa conferiu oficialidade aos registros religiosos de nascimento, como defende o apelante, ela não teria aplicação no Brasil, porque D. Albertina possuía certidão de nascimento brasileira.

E, se tinha certidão de nascimento brasileira, cuja única cópia que está nos autos é datada de 2011 e nem mesmo indica o local do nascimento, outra conclusão não há, senão reconhecer que D. Albertina era cidadã brasileira, ou porque se naturalizou, ou porque fora registrada como tal. Nesse sentido, confira-se, ainda, sua certidão de casamento, datada de 09/06/1923, indicando que ela era brasileira (fl. 38).

Assim, à míngua de esclarecimentos a respeito desse impasse, não se pode cancelar o registro de nascimento brasileiro da avó do requerente e afastar sua nacionalidade brasileira, mas tão somente, considerando a força probante do “assento de baptismo/nascimento de Albertina, exarado a folhas 7 do livro de registros de baptismos da freguesia de Rio Vide, Concelho de Miranda do Corvo”, determinar, nos termos do art. 112, da lei nº 6.015/73, a retificação do assento civil, anotando-se sua naturalidade portuguesa, como fizera o juízo.

Por fim, observo que a “Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses”, celebrada em Brasília em 07/09/71, dando vida ao Decreto nº 70.391/71, fora revogada pelo “Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil”, assinado em Porto Seguro em 22/04/2000.

Logo, a aplicação do Decreto nº 70.391/71, defendida pelo autor, é inviável, pois não mais existe no mundo jurídico.

E mesmo se lançássemos mão do vigente Tratado de Amizade, melhor sorte não o assistiria, pois tal documento estabelece a reciprocidade de direitos portugueses aos brasileiros que residem em Portugal, bem como, dos direitos brasileiros aos portugueses que aqui residem, mas não tem a função de conferir nacionalidade portuguesa aos nacionais brasileiros caso de D. Albertina.

Assim, a certidão de batismo portuguesa não tem o condão de conferir nacionalidade portuguesa à avó do apelante, mas tão somente retificar sua naturalidade, o que não impede, agora que retificada, seja pleiteada a nacionalidade lusa junto dos órgãos da diplomacia portuguesa.

Ante o exposto, por meu voto NEGO PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação.

HERTHA HELENA DE OLIVEIRA

Relatora

Assinatura Eletrônica – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1055748-56.2017.8.26.0114 – Campinas – 2ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Hertha Helena de Oliveira

Fonte: DJ/SP de 22.04.2019

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1ªVRP/SP: Tabelionato de Protesto. O contrato de honorários advocatícios prescinde da assinatura de duas testemunhas

Processo 1027493-62.2019.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1027493-62.2019.8.26.0100

Processo 1027493-62.2019.8.26.0100 – Pedido de Providências – Tabelionato de Protestos de Títulos – Samuel Paulino – Vistos. Trata-se de pedido de providencias formulado por Samuel Paulino em face do 4º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Capital, pretendendo o protesto do contrato de honorários advocatícios, com vencimento em 25.08.2018, no importe de R$ 3.746,48 (três mil, setecentos e quarenta e seis reais e quarenta e oito centavos). A qualificação negativa derivou da ausência das assinaturas de duas testemunhas, nos termos do artigo 784, III do CPC, com a finalidade de conferir executividade aos instrumentos particulares assinados por devedores. Esclarece que o Comunicado CGJ 2.383/2017, referente ao protesto dos contratos de honorários, é silente quanto à dispensa da assinatura de testemunhas, razão pela qual entende ser aplicável a regra do Código de Processo Civil. Insurge-se o requerente do óbice imposto, sob a alegação de que os contratos de honorários advocatícios possuem força executiva, sendo submetidos a legislação especial, logo, não precisam ser assinados por testemunhas. Juntou documentos às fls.07/16. O Ministério Público opinou pela procedência do pedido (fls.26/27). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Em que pese o zelo e cautela do Tabelião, verifico que a pretensão deve ser deferida. De acordo com o recente Comunicado da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça CG nº 2.383/2017: “A Corregedoria Geral da Justiça comunica aos senhores Tabeliães de Protesto de Letras e Títulos que nos termos do parecer supra, fica autorizada a recepção a protesto de contrato de honorários advocatícios, desde que acompanhado de declaração firmada pelo advogado do apresentante sob sua exclusiva responsabilidade, de que tentou, sem sucesso, receber amigavelmente a quantia que alega inadimplida”. (DJe de 26.10.2017 – SP). Daí que basta que o contrato venha acompanhado da declaração firmada pelo advogado acerca da tentativa de recebimento amigável da dívida, vez que o contrato de honorários por si só já possui força executiva, nos termos do artigo 24 da Lei 8.906/94. Tal questão foi objeto de análise pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, no processo nº 1016833-88.2016.8.26.0625, de relatoria do Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco Neto: “Protesto – Contrato de Honorários Advocatícios – Nova redação do art.52 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Art. 24 da Lei 8.906/94 – Admissibilidade do protesto, desde que o contrato esteja acompanhado de declaração firmada pelo advogado, sob sua responsabilidade, de que tentou receber amigavelmente a quantia de que se diz credor”. Confira-se do corpo do Acórdão: “À luz do art.52 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil: Art.52: O crédito por honorários advocatícios, seja do advogado autônomo, seja de sociedade de advogados, não autoriza o saque de duplicatas ou qualquer outro título de crédito de natureza mercantil, podendo, apenas, ser emitida fatura, quando o cliente assim pretender, com fundamento no contrato de prestação de serviços, a qual, porém, não poderá ser levada a protesto. Parágrafo único: Pode, todavia, ser levado a protesto o cheque ou a nota promissória emitido pelo cliente em favor do advogado, depois de frustrada a tentativa de recebimento amigável. A norma em comento, que passou a vigorar em 01/09/16, prevê, às expressas, a possibilidade de protesto de cheque ou nota promissória emitidos pelo cliente do advogado. Inovou, pois, em relação ao artigo 42 do Código de Ética que vigia até então, cujos termos eram os seguintes: Art.42: O crédito por honorários advocatícios, seja do advogado autônomo, seja de sociedade de advogados, não autoriza o saque de duplicatas ou qualquer outro título de crédito de natureza mercantil, exceto a emissão de fatura, desde que constitua exigência do constituinte ou assistido, decorrente de contrato escrito, vedada a tiragem de protesto. … Note-se, neste passo, e a reforçar a viabilidade do protesto, que o contrato de honorários advocatícios é per si, título executivo extrajudicial, nos moldes do art.24 da Lei 8.906/94. … A jurisprudência pátria aliás, firmou-se no sentido de que a executividade do contrato de honorários advocatícios prescinde da assinatura de duas testemunhas, requisito não versado no art.24 retromencionado”. (g.n). Logo, ao contrário do que sustenta o Tabelião, a única ressalva imposta pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça é a apresentação da declaração firmada pelo advogado de que não obteve êxito no recebimento amigável da quantia que entender cabível. Por fim, a execução dos contratos de honorários advocatícios é regulada pelo Estatuto da Advocacia, Lei nº 8.906/94, e nesta lei especial não há qualquer disposição da necessidade da assinatura, prevalecendo sobre a norma geral. Diante do exposto, julgo procedente o pedido de providências formulado por Samuel Paulino em face do 4º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Capital, e consequentemente determino o protesto do título apresentado. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: SAMUEL PAULINO (OAB 140476/SP)

Fonte: DJe/SP de 24.04.2019

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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