ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1116140-96.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados ANDERSON LUIZ AKAMINE e LUCIANA NAOMI HIGA AKAMINE.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Preliminar rejeitada. Recurso desprovido. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ERICKSON GAVAZZA MARQUES (Presidente sem voto), JAMES SIANO E MOREIRA VIEGAS.
São Paulo, 12 de abril de 2022.
J.L. MÔNACO DA SILVA
RELATOR
Assinatura Eletrônica
Voto : 36604
Apelação : 1116140-96.2020.8.26.0100
Apelante : Ministério Público do Estado de São Paulo
Apelado : Anderson Luiz Akamine e outra
Comarca : São Paulo
Juiz : Dra. Juliana Dias Almeida de Filippo
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE REGISTROS PÚBLICOS – Desacolhimento – Pedido que objetiva tão somente a inclusão do regime de bens na certidão de casamento e não a alteração de algum dado constante do documento – Competência da Vara de Família e Sucessões afastada – Preliminar rejeitada.
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – Procedência do pedido – Inconformismo – Desacolhimento – Autores que se casaram no Japão – Pretensão de inclusão do regime de bens na certidão de casamento – Possibilidade – Ausência de previsão de regime de bens na transcrição – Incidência da lei do país em que tiverem os nubentes domicílio – Observância do art. 7º, § 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Consulado do Brasil em Nagoia, Japão, que aplica a lei do país de origem e diz que se os nubentes forem brasileiros e quiserem estipular regime de bens diferente de comunhão parcial deverão realizar pacto antenupcial – Inexistência do referido pacto no caso dos autos – Ausência de violação da verdade registral – Dados faltantes do traslado que poderão ser inseridos posteriormente por averbação – Aplicação do art. 13, § 9º, da Resolução n. 155/2012 do Conselho Nacional de Justiça – Autores que são brasileiros e pleitearam de comum acordo a incidência do regime de comunhão parcial de bens que é o adotado pela lei brasileira na ausência de convenção – Sentença mantida – Recurso desprovido.
Trata-se de ação de retificação de registro civil ajuizada por Anderson Luiz Akamine e outra, tendo a r. sentença de fls. 62/65, de relatório adotado, julgado procedente o pedido.
Inconformado, apela o Ministério Público alegando, preliminarmente, a incompetência do Juízo. Aduz que as Varas de Registros Públicos são competentes para julgamento referente aos atos de registro civil de pessoas naturais, de registro civil de pessoas jurídicas, de registro de títulos e documentos e de registro de imóveis, nos termos do art. 38, inc. I, do Decreto-Lei Complementar n. 3/1969 e do art. 1º, § 1º, da Lei n. 6.015/1973. Afirma que a douta magistrada é competente para apreciar e decidir sobre eventual erro na transcrição da certidão de casamento, o que não é o caso dos autos. Relata que o pedido deve ser apreciado pela Vara de Família e Sucessões. No mérito, sustenta, em suma, que os autores não juntaram documento do Consulado-Geral do Brasil no Japão (v. fls. 56/57). Entende que ao deferir a retificação houve desrespeito à verdade registral. Pede a redistribuição do feito para a Vara de Família e Sucessões, ou, subsidiariamente, a improcedência do pedido em razão da não juntada dos documentos mencionados no item 159.3, Capítulo XVII, das NSCGJ. Requer, pois, o provimento do recurso (v. fls. 96/101).
Recurso respondido (v. fls. 80/84).
É o relatório.
O recurso não merece provimento.
De início, a preliminar de incompetência do Juízo de Registros Públicos não merece acolhimento, pois o pedido objetiva tão somente a inclusão do regime de bens no assento de transcrição da certidão de casamento e não a alteração de algum dado constante do documento, o que afasta a competência da Vara de Família e Sucessões.
No mérito, é caso de aplicar o disposto no art. 252 do RITJSP e ratificar os fundamentos da r. sentença apelada, proferida nos seguintes termos:
“Vistos.
ANDERSON LUIZ AKAMINE e LUCIANA NAOMI HIGA AKAMINE qualificados aos autos, propõem a presente ação com pedido de retificação de seu assento de casamento. Afirmam que contraíram matrimônio no ano de 1994, no Japão, e que ali não foi realizada qualquer anotação acerca do regime de bens, ante ao silêncio da lei local. Assim, postulam pela retificação do traslado lavrado perante o 1° Cartório de Registro Civil da Sé, para que conste o regime da comunhão parcial de bens como o escolhido pelo casal. Com a inicial, foram juntados os documentos das fls. 06/15.
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo incompetência deste Juízo (fls. 33/37).
É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
O pedido comporta acolhimento.
Pretendem as partes suprir omissão existente quanto ao regime de bens aplicável ao matrimônio, este ocorrido no ano de 1994, na cidade de Nanao, província de Ishiwaka, Japão.
Dispõe o artigo 7° da da LINDB, dispõe: “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e dos direitos de familia”.
De igual forma, prevê o item 4.3.9 do Manual de Serviço Consular Jurídico, do Ministério das Relações Exteriores, que: ” O regime jurídico patrimonial dos bens dos cônjuges, legal ou convencional, ainda que de dois brasileiros, em casamentos celebrados no exterior, por autoridades estrangeiras, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, ao do primeiro domicílio do casal”.
Acerca da hipótese tratada nestes autos, prevê o item 4.3.10, em seu item III: ” Quando o regime de bens adotado não constar na certidão estrangeira de casamento, a Autoridade Consular deverá solicitar que o interessado assine declaração, sob as penas da lei, que ficará arquivado no Posto, sobre a eventual existência de pacto antenupcial (ver ANEXOS):
a) o pacto antenupcial eventualmente existente (regime convencional) deverá ser apresentado pelo declarante;
b) a Autoridade Consular deverá verificar se a definição do regime pactuado corresponde àquela de um dos regimes previstos no Código Civil brasileiro: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens ou participação final nos aquestos (ver NSCJ 4.3.46). Em caso negativo, ver a NSCJ 4.3.13. Em caso positivo, deverá, ao lançar os dados do casamento no SCI, marcar o regime brasileiro de bens correspondente e incluir a seguinte anotação no campo “Observação adicional”:
“(Regime de bens brasileiro), conforme o estabelecido no pacto antenupcial, registrado/reconhecido em (data), no/na (cartório/órgão de registro/reconhecimento do pacto), nos termos da legislação do/da/dos/das (país ou, se for o caso, do estado, cantão, província, departamento, entre outros). Aplica-se o previsto no § 5º do Art. 13 da Resolução CNJ nº 155/2012.X
Sendo as partes brasileiras e residindo em território nacional, flagrante o prejuízo da omissão constatada, que deve aqui ser suprida.
Acaso a união tivesse sido celebrada no Brasil, a situação poderia ser corrigida por mera averbação nos termos do item 159.3, do Capítulo XVII das NSCGJ, que assim dispõe: “Faculta-se a averbação do regime de bens posteriormente, sem a necessidade de autorização judicial, mediante apresentação de documentação comprobatória”.
Ainda que não se vislumbre formalmente erro no ato que deu ensejo ao traslado de fls. 12,/13 a omissão deve ser sanada por este Juízo, mormente porque inexiste qualquer prejuízo a terceiros, e o regime pretendido, qual seja, o da comunhão parcial, já é o adotado por nosso legislador, conforme previsto pelo 1640 do CC.
Permanecendo a omissão, as partes sofreriam toda a sorte de dissabores, sobretudo ante as relações negociais, o que foi demonstrado pela nota devolutiva de fls 14/15.
De outro lado, há compatibilidade do regime pretendido com a legislação brasileira, nos termos exigidos pelo Manual do Serviço Consular e Jurídico do Ministério das Relações Exteriores (NSCJ, 4.3.4.6).
Assim, embora não haja correção a ser sanada, a omissão merece acolhida, de forma que seja averbado no traslado existente a informação de que o regime de bens adotado pelas partes é o da comunhão parcial.
(…)
Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido nos termos da inicial, para o fim de que seja averbado no assento de transcrição da certidão de casamento de fls. 12/13 que o regime adotado pelas partes foi o da “comunhão parcial”, cabendo à própria parte autora providenciar, junto ao cartório competente, no prazo de 30 dias (a contar do trânsito em julgado), sob pena de multa processual a ser imposta por este Juízo, por ato atentatório à dignidade da Justiça, as averbações/anotações das retificações aqui deferidas nos respectivos assentos”.
E mais, os autores casaram-se no Japão e o cartório de registro de imóveis recusou-se a realizar a averbação de contrato de compra e venda de imóvel por
não constar o regime de bens na certidão de casamento (v. fls. 14/15). Nota-se que na certidão de transcrição de fls. 12/13 possui a informação “não consta” quanto ao regime de bens.
Pois bem, na página do Consulado-Geral do Brasil em Nagoia há orientação específica a respeito do regime de bens:
“REGIME DE BENS: o regime de bens tem por finalidade regular o patrimônio anterior e posterior ao casamento. Quando ambos os nubentes forem brasileiros (não portadores de dupla nacionalidade brasileira/japonesa) e queiram estipular um regime de bens diferente de COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, deverão comparecer ao Consulado antes do casamento na prefeitura japonesa e solicitar a lavratura de Escritura Pública de Pacto Antenupcial” (http://nagoia.itamaraty.gov.br/ptbr/casamento.xml#Regras%20gerais, item 4).
Ora, inexiste qualquer informação quanto à realização de pacto antenupcial no caso dos autos.
Ressalte-se, ainda, o disposto no art. 13, § 9º, da Resolução n. 155/2012 do Conselho Nacional de Justiça:
“O traslado do assento de casamento de brasileiro ocorrido em país estrangeiro deverá ser efetuado mediante a apresentação dos seguintes documentos:
(…)
§ 9º Os dados faltantes poderão ser inseridos posteriormente por averbação, mediante a apresentação de documentação comprobatória, sem a necessidade de autorização judicial”.
Dessa forma, não há falar em violação da verdade registral, considerando a expressa previsão para inserção de dados faltantes e a comprovação pelos autores da omissão quanto ao regime de bens pelo país de origem.
Ademais, os autores são brasileiros (v. fls. 12) e pleitearam de comum acordo a incidência do regime de comunhão parcial de bens, que é o adotado pela lei brasileira na ausência de convenção.
Não foi por outra razão que a douta Procuradora de Justiça oficiante, Dra. Elaine Maria Barreira Garcia, no excelente parecer de fls. 93/98 opinou pelo desprovimento do recurso.
Sendo assim, a procedência do pedido era mesmo de rigor.
Em suma, a r. decisão apelada não merece nenhum reparo, devendo ser mantida por seus jurídicos fundamentos.
Ante o exposto, pelo meu voto, rejeito a preliminar e nego provimento ao recurso.
J.L. MÔNACO DA SILVA
Relator – – /
Dados do processo:
TJSP – Apelação Cível nº 1116140-96.2020.8.26.0100 – São Paulo – 5ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. J. L. Mônaco da Silva – DJ 18.04.2022
Fonte: INR Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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