2VRP/SP: Tabelionato de Notas. Recusa na lavratura de escritura pública. Ausência de outorga uxória. Regime da separação obrigatória de bens. Súmula 377 do STF.


  
 

Processo 1121141-62.2020.8.26.0100

Pedido de Providências – Tabelionato de Notas – F.O.B. – Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio VISTOS, Cuida-se de representação formulada pelo Senhor F. O. B., que se insurge quanto à exigência de outorga uxória para que possa lavrar Escritura de Doação com reserva de Usufruto em favor de seus filhos, aposta pelo 25º Tabelionato de Notas da Capital, sustentando que seu casamento é regido pela separação de bens, entendendo, assim, dispensada a anuência marital. Bem por isso, requer o d. Representante que esta Corregedoria Permanente determine a lavratura do instrumento público, dispensando-se a concordância da cônjuge varoa. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 06/43. A Senhora Interina, responsável pela delegação vaga afeta ao 25º Tabelionato de Notas da Capital, prestou esclarecimentos (fls. 64/65). O Senhor Representante retornou aos autos para reiterar os termos de seu protesto inicial (fls. 67/69). O Ministério Público ofertou parecer pugnando pela improcedência do pedido e arquivamento do expediente, ante a correção da negativa e inexistência de falha na prestação do serviço pela serventia extrajudicial (fls. 72/73). É o breve relatório. Decido. Trata-se de pedido de providências instaurado a partir de representação formulada pelo Senhor F. O. B. em face do Cartório do 25º Tabelionato de Notas da Capital. Insurge-se o Senhor Representante quanto à exigência de outorga uxória, imposta pelo Tabelionato, para que possa lavrar Escritura de Doação com reserva de Usufruto em favor de seus filhos. Aduz que é casado, desde 2011, pelo regime da separação de bens, por força do artigo 1.641 do CC, e, assim, entende dispensada a anuência marital. Sustenta, em suma, que não há que se falar na aplicação da Súmula 377 do STF, supondo-se a esposa como proprietária da metade ideal do bem, uma vez que, conforme seu entendimento, a indicada norma interpretativa não mais vigora. Ainda, refere que o imóvel que pretende doar foi adquirido em sub-rogação a bem pretérito, que foi amealhado pelo reclamante ainda no estado civil de divorciado (anteriormente ao casamento atual), não existindo esforço comum para a aquisição da propriedade. Pelas razões que expõe, afirma que a exigência é infundada e requer que esta Corregedoria Permanente determine a confecção do instrumento público, dispensando-se o comparecimento da cônjuge varoa ao documento. A seu turno, a Senhora Interina veio aos autos para esclarecer que se filia ao entendimento de que a súmula 377 do STF é aplicável ao casamento em questão em sua totalidade, referindo que sequer a comprovação de esforço comum é necessária. Ademais, referiu que a alegada sub-rogação não consta do título aquisitivo ou do registro do imóvel em questão. Portanto, assevera que há a obrigatoriedade de outorga uxória para a lavratura do ato requerido. O ilustre Promotor de Justiça apelou pelo indeferimento do pedido, no sentido de que a debatida súmula veda eventual enriquecimento ilícito na constância do casamento e seu afastamento deve se dar na esfera judicial competente. Pois bem. De início, no que refere o d. Representante, em relação à sub-rogação do bem, noticiou a Senhora Interina que não há comprovação registral, não sendo esta a seara devida para a apuração de tal fato. Noutro turno, a lide reside, especialmente, na interpretação da aplicabilidade do referido entendimento sumulado, sendo certo que não há consonância de opiniões na jurisprudência e na doutrina, de modo que o Senhor Representante filia-se a um entendimento e a Senhora Designada, a outro. Assim, pese embora a elevada argumentação deduzida pela parte autora, é certo que a atuação da Senhora Tabeliã Interina não refoge de seu âmbito de atuação. Com efeito, é função precípua do serviço notarial a conferência de fé-pública aos atos praticados e a garantia da segurança jurídica aos usuários. Nesse sentido expõem os itens 1º e 1.1, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, in verbis: 1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios. 1.1 Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento. Portanto, a qualificação notarial negativa aplicada pela Senhora Notária Designada se encontra regularmente inserida dentro de seu mister de atribuições, objetivando, exatamente, como descrito nas NSCGJ, “garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios”, em atuação que visa proteger o próprio interessado e a coletividade. A interpretação efetuada pela Senhora Interina não só é possível, como também o é bastante razoável, haja vista as inúmeras decisões, em âmbito administrativo, que apontam pela validade e aplicabilidade da norma interpretativa ao caso concreto. Quanto a isso, refiro que o Conselho Superior da Magistratura, órgão administrativo máximo no âmbito de atuação deste Tribunal de Justiça, já se pronunciou, pelo vigor da Súmula, nos seguintes precedentes: Ap. Cível nº 990.10.017.203-4 (Relator Des. Marco César Müller Valente); Ap. Cível nº 094159-0/8 (Des. Luiz Tâmbara); Ap. Cível nº 077870-0/8 (Relator Des. Luís de Macedo); Ap. Cív. nº 62.111-0/0 e 63.914-0/2 (Relator Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição); Ap. Cível n° 0023763-70.2013.8.26.0100 (Relator Des. Hamilton Elliot Akel) e Ap. Cível n° 1005469-40.2018.8.26.0079 (Relator Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco). Desse modo, dentro de sua independência funcional, uma vez fundamentada a recusa, como o foi, não há que se falar em falha na prestação extrajudicial. Também não pode este Juízo Administrativo se sobrepor à qualificação efetuada pela Notária, dentro de uma linha razoável de entendimento, e determinar que lavre o instrumento, ao revés de sua certeza jurídica, razão pela qual, ante ao todo exposto, indefiro o requerimento efetuado pelo Senhor Representante. Igualmente, no caso concreto, não constato indícios de ilícito funcional ou falha na prestação do serviço extrajudicial, pela mesmas razões expostas. Destaque-se que, acaso a insurgência persista, as vias pertinentes devem ser perseguidas, haja vista que, conforme deduzido, este Juízo Administrativo não pode decidir pelo afastamento requerido, em situação que demanda instrução judicial. Por conseguinte, não havendo outras medidas de cunho administrativo a serem adotadas, determino o arquivamento dos autos. Ciência à Senhora Designada e ao Ministério Público. Encaminhe-se cópia desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. P.I.C. – ADV: FLAVIO OSCAR BELLIO (OAB 11430/SP)  (DJe de 22.02.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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