2VRP/SP: Tabelionato de Notas. Ata notarial. Escritura Pública.


  
 

Processo 1079669-81.2020.8.26.0100

Pedido de Providências – Citação – L.G.B. – T.N.S.P. – Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio VISTOS, Trata-se de representação interposta pelo Senhor L. G. B., que se insurge contra suposta irregularidade na lavratura de Ata Notarial, realizada perante a serventia do Senhor 19º Tabelião de Notas da Capital, aos 30 de julho de 2020. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 11/25. Em especial, cópia do reclamado instrumento encontra-se acostada às fls. 11/14. Sobreveio aditamento à exordial (fls. 37/44). O Senhor Tabelião prestou esclarecimentos às fls. 46/51, 69/70 e 88/93. Réplicas, pelo Senhor Representante, às fls. 54/58, 73/74 e 78/84, em suma reiterando os termos de sua inicial. Realizou-se audiência, para oitiva da colaboradora da unidade responsável pela lavratura do ato debatido, aos 26 de novembro de 2020 (fls. 76/77). O Ministério Público acompanhou o feito e, ao final, pugnou pelo arquivamento do expediente, no entendimento de que não houve falha na prestação do serviço ou ilícito funcional por parte do Senhor Delegatário, a ensejar a abertura de processo administrativo (fls. 97/100). É o breve relatório. Decido. Cuidam os autos de representação formulada por L. G. B., que se insurge diante de supostas irregularidades na realização de Ata Notarial, lavrada perante a unidade afeta ao Senhor 19º Tabelião de Notas da Capital. De início, cabe destacar, em conformidade com a decisão de fls. 34/35, que a insurgência interposta pelo Senhor Reclamante é, aqui, objeto de análise no limitado campo de atribuição deste Juízo Censor, de âmbito administrativo, o qual atua na verificação do cumprimento dos deveres e obrigações dos titulares dos Titulares e Interinos dos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionatos de Notas, desta Capital, os quais afetos à Corregedoria Permanente desta 2ª Vara de Registros Públicos. Dessa forma, à luz do já indicado ao Senhor Representante, eventual nulidade do ato notarial debatido deve ser questionada e apreciada na esfera judicial competente. Feitos tais esclarecimentos, passo à análise da matéria, dentro do âmbito de atuação desta Corregedoria Permanente. Em suma, narra o Senhor Representante que a Ata Notarial ora combatida foi transcrita a partir de declaração de M. C. C., gravada pela preposta autorizada do Senhor Tabelião. Indica que houve a participação de terceiros durante a oitiva da Senhora Declarante. Protesta, no mais, quanto a supostos vícios na referida transcrição, a qual, segundo aponta, possui trechos recortados, indicados por reticências, e fora de contexto. Diante dos fatos, requer a penalização do Senhor Tabelião, bem como o bloqueio do ato notarial. A seu turno, o Senhor Delegatário veio aos autos para esclarecer que a preposta que realizou o combatido instrumento público transcreveu integralmente a declaração da parte, não havendo nenhum trecho omitido. Explanou que as reticências insertas na redação do ato se referem a pausas prolongadas, não significando, contudo, qualquer recorte ou omissão de dados. Com efeito, declarou o Senhor Notário que a ata atende a todos os requisitos impostos pelo item 139, do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, bem como que os escreventes que as realizam encontram-se plenamente orientados quanto aos corretos procedimentos e regramentos a serem seguidos. Não menos, durante sua oitiva, a colaboradora reiterou os termos da manifestação do i. Notário, referindo que a transcrição foi feita em sua integralidade. Entretanto, declarou não mais possuir a gravação, posto que apagou os arquivos após a redação do instrumento. Pois bem. Inicialmente, no que tange ao protesto do d. Representante quanto aos supostos recortes e omissões na transcrição da gravação, bem como alegação da existência de frases e trechos desconexos, reputo que a explicação do Senhor Tabelião, que afirma que as reticências inseridas na redação indicam pausa acentuada comum recurso textual, são deveras convincentes, sem margens para se ver indícios de irregularidades, nesse quesito. Ademais, da leitura da ata, não verifico trechos desconexos, para além do que se espera de uma narração, como a que se tem no caso concreto. Noutro turno, na função correicional desempenhada por este Juízo, cabe a análise mais aprofundada do ato notarial realizado e sua conformidade com o regramento que sobre ele incide. Como é sabido, a ata notarial é instrumento jurídico distinto da escritura pública, cada qual com sua estrutura e função. Segundo Felipe Leonardo Rodrigues e Paulo Roberto Gaiger Ferreira (Tabelionato de notas São Paulo: Saraiva, 2013. (Coleção cartórios / Coordenador Christiano Cassettari)), “a ata descreve o fato no instrumento; a escritura declara os atos e negócios jurídicos, constituindo-os”. No mesmo sentido, assevera Luiz Guilherme Loureiro (Registros Públicos: Teoria e Prática. 8ª ed. rev., atual e ampl. Salvador: Editora Juspodium, 2017. P. 1204): O documento em estudo [ata notarial] também não se confunde com a escritura pública: ambos são documentos notariais protocolizados, mas a ata notarial se limita à narração dos fatos que o notário percebe por alguns de seus sentidos e que não possam ser qualificados como atos ou negócios jurídicos. Assim, o Notário, na lavratura da Ata Notarial, é observador passivo dos fatos, os quais somente materializa por meio de narração objetiva do que foi presenciado, não exercendo qualquer julgamento de valor ou juridicidade do que absorveu por meio de seus sentidos. Não é outro senão o entendimento exarado pela E. Corregedoria Geral da Justiça: Em suma, a ata notarial pode ser conceituada como documento público, dotado de fé pública e com força de prova pré-constituída, por intermédio do qual o Tabelião, seu substituto ou preposto autorizado, provido do poder geral de autenticação, e para atender a solicitação da parte interessada (princípio rogatório), constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações, no intuito de atestar sua existência ou seu estado. Ao confeccionar a ata notarial, o Notário assume a posição de observador que, como detentor da fé pública, tem a missão de certificação, dando o seu testemunho de fé, a partir da captação de seus sentidos – visão, audição, tato, olfato e paladar- acerca de algum ato ou fato. O objeto da ata notarial, por exclusão, é todo aquele não privativo unicamente para a escritura pública. [Processo nº 0037792-18.2019.8.26.0100 – São Paulo – (674/2019-e) – DJE de 6.12.2019 Parecer da MM. Juíza Assessora da CGJ Dra. Stefânia Costa Amorim Requena] Por certo, a Ata Notarial tem caráter autenticatório, isto é, a fé pública do Notário sela a veracidade dos fatos observados, captados e narrados por meio dos sentidos do Tabelião ou seu preposto autorizado, figurando como meio de prova pré-constituída, com o fim de proteger direitos (cf. Art. 405 do CPC/15). Desse modo, lavram-se Atas Notariais de assembleias; reuniões; inspeções de bens móveis e imóveis; entrega de coisa; sorteio; usucapião; existência de sítio eletrônico e seu conteúdo; mensagens trocadas por meio digital, etc. Por outro lado, quanto às especificidades da Escritura Pública, afirma Leonardo Brandelli (em Teoria geral do direito notarial 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011 Cap. VI, “3” (livro digital)): Qualquer ato jurídico (seja um ato jurídico stricto sensu, seja um negócio jurídico) pode ser instrumentalizado por escritura pública, se assim desejarem as partes. Alguns atos devem obrigatoriamente adotar a forma público-notarial da escritura pública, sob pena de invalidade por nulidade; porém, a qualquer ato jurídico está disponível a escritura pública. Ressalte-se que “nos atos jurídicos stricto sensu há sempre manifestação de vontade (ou comunicação de vontade), ou manifestação de conhecimento (ou de comunicação de conhecimento), ou manifestação de sentimento (ou comunicação de sentimento)”, em conformidade com os ensinamentos de Pontes de Miranda (em Tratado de Direito Civil, Tomo II, §222, 2). Bem assim, a Escritura Pública, para além da manifestação da vontade das partes e formalização e constituição de negócios jurídicos, também deduz manifestação de conhecimento ou, ainda, manifestação de sentimento. Por conseguinte, à luz de todo da argumentação deduzida, a instrumentalização da manifestação efetivada pela Senhora Interessada que declara a existência ou conhecimento de fatos se insere, na esteira da melhor prática, como objeto de Escritura Pública como ocorre, também, nos casos de Declaração de União Estável, Reconhecimento de Filho, Confissão de Dívida, Compromisso de Manutenção, Emancipação, etc; podendo-se considerar um desvirtuamento da Ata Notarial a tentativa de inserção de tal função em sua forma. Ademais, os pretendidos efeitos de pré-constituição de prova (cf. Arts. 384 e 405 do CPC), imbuídos na ata notarial, não parecem serem devidamente obtidos do instrumento tal qual lavrado pela unidade. Não basta transladar uma declaração em ata para que os fatos se tornem verdadeiros. No caso em exame, a Sra. Preposta recebeu a interessada nas instalações da serventia extrajudicial, a qual prestou-lhe declarações por cerca de doze minutos e meio que foram gravadas em aparelho eletrônico da serventuária, seguindo-se a realização da ata notarial com base na mencionada gravação. Como é cediço, o Notário pode se valer de equipamentos eletrônicos para auxiliá-lo na realização da ata notarial, contudo, no caso vertente a gravação realizada pela Sra. Escrevente tornou-se elemento fundamental do fato constatado, pois, a participação daquela encerra a origem do fato constatado. O conteúdo da ata notarial limitou-se à declaração simplesmente, nada foi mencionado acerca da condição da declarante ou outras circunstâncias fáticas próprias de uma ata notarial. Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari referem a respeito (Tratado de Direito Notarial e Registral. Tabelionato de Notas. São Paulo: VFK, 2017, p. 562): Dessa forma, o objeto da ata notarial é um fato jurídico, que designa, em tese, aqueles desprovidos de manifestação humana de vontade dirigida ao tabelião. Se houver declaração de vontade destinada ao tabelião com objeto de celebrar, pelo instrumento público notarial, um ato jurídico, tratar-se-á de escritura pública, e não a ata notarial. Isso não significa que o tabelião não possa lavrar ata onde constam vontades humanas manifestadas. Se ele for mero observador daquelas vontades, não as recepcionando, tal como ocorre em uma assembleia ou reunião, a ata notarial pode ser lavrada. Veja que a declaração efetuada pela interessada, no caso concreto, não adquiriu ares de verdade fática em razão ter sido materializada por meio de uma ata, posto que a preposta autorizada nada presenciou, nada constatou, nada observou, dos fatos narrados, à exceção da mera declaração da parte, que enunciou fatos e atos dos quais ouviu falar. A jurisprudência majoritária dos Tribunais entende, em consonância com a argumentação ora deduzida, que eventual existência de ata notarial não se substitui ao depoimento pessoal da testemunha, bem como que, a mera transcrição em ata, não comprova a veracidade dos fatos. EMENTA: Usucapião Extraordinário Testemunho registrado por ata notarial em cartório Imprestabilidade Atitude nem ao menos justificada Contraditório com ser respeitado (…). (TJSP AC: 10016499320168260269, Relator: Giffoni Ferreira, Data de Julgamento: 10/08/2018, 2ª Câmara de Direito Privado, Data da Publicação: 10/08/2018). EMENTA: AGRAGO DE INSTRUMENTO. ATA NOTARIAL. PROVA TESTEMUNHAL. SUBSTITUIÇÃO. (…) A ata notarial não deve ser substituto ao depoimento de testemunha em audiência, porque a ata deve versar sobre fatos presenciados pelo tabelião; bem como porque esse devo ocorrer sob o crivo do contraditório e condução do magistrado. (TJMG AI: 10338110111683001 MG, Relator: Cláudia Maia, Data de Publicação: 28/05/2020) Ainda, há que se destacar que a Ata Notarial, realizada em descompasso com sua função, além de eventualmente não se prestar à efetiva pré-constituição probatória, enseja, desnecessariamente, gastos mais elevados para a parte requerente, uma vez que, de acordo com a Tabela de Custas, aquela é cobrada por folha resultando no montante, no caso concreto, de R$922,65; ao compasso que uma Escritura sem valor declarado, conforme tabela de 2020, resultaria na cobrança de R$442,17. Com devido respeito à compreensão do Sr. Titular, não seria possível a lavratura de ata notarial na hipótese concreta por não ser opção da parte, competindo qualificação notarial. Anoto ainda que a situação não envolveu uma inquirição (donde haveria a figura de um terceiro) e sim simples declaração prestada à Sra. Escrevente transmudada para ata notarial não houve qualquer fato constatado e sim transcrição de uma declaração desde a gravação realizada especificamente pela e para a Sra. Preposta. Por conseguinte, à luz de todo o narrado, pese embora não estar configurada a existência de indícios de ilícito funcional pelo Senhor Tabelião que logrou êxito em demonstrar que orienta e fiscaliza seus colaboradores, bem como atua com absoluta boafé a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar, a presente Ata Notarial, efetivada com contornos de Escritura Pública Declaratória, desprende-se do regramento que sobre ela incide e vai de encontro à estrutura e função do instituto. Desse modo, cabe à observação ao Senhor Notário para que se mantenha atento e zeloso na fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade pessoal, promovendo as correções necessárias na rotina de trabalho, bem como providenciando esclarecimentos e orientações específicas quanto à matéria, de modo a evitar a repetição de situação assemelhada. Por fim, no que tange ao pedido da parte autora, para bloqueio do ato notarial, indefiro o requerimento, uma vez que a ata, tal como lavrada, não configura vício tão gravoso a ponto de obstar a circulação do documento público, o qual, receberá a qualificação jurídica pela Autoridade Jurisdicional. Outrossim, à míngua de providências de cunho disciplinar e não havendo outras medidas de ordem administrativa a serem adotadas, determino o arquivamento dos autos, com as cautelas de praxe. Ciência ao Senhor Tabelião e ao Ministério Público. Encaminhe-se cópia desta decisão, bem como das principais peças dos autos (conforme relatório), à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. P.I.C. – ADV: FERNANDO ZORATTI DE ABREU (OAB 183381/SP), SERGIO RICARDO FERRARI (OAB 76181/SP), DIEGO MARABESI FERRARI (OAB 339254/ SP) (DJe de 02.02.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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