Registro de Imóveis – Pedido de providências – Cancelamento do registro de direito real de habitação constante de escritura pública de inventário e partilha – Art. 1.831 do CC – Direito real oriundo do direito sucessório – Art. 167, I, item 7, da Lei de Registros Públicos – Regularidade da cobrança dos emolumentos – Item 1.5. da tabela II da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Desprovimento do recurso.

Número do processo: 0011489-19.2019.8.26.0309

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 444

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0011489-19.2019.8.26.0309

(444/2020-E)

Registro de Imóveis – Pedido de providências – Cancelamento do registro de direito real de habitação constante de escritura pública de inventário e partilha – Art. 1.831 do CC – Direito real oriundo do direito sucessório – Art. 167, I, item 7, da Lei de Registros Públicos – Regularidade da cobrança dos emolumentos – Item 1.5. da tabela II da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Desprovimento do recurso.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

MARIA CÉLIA ZANOTI e outros interpõem recurso contra a r. sentença de fl. 53/54, que julgou improcedente o pedido de providências, que buscava o cancelamento do registro do direito real de habitação, bem como a restituição do décuplo da quantia irregularmente cobrada.

Em síntese, sustentam os recorrentes a impossibilidade de registro do direito real de habitação em favor da viúva meeira por ausência de previsão legal ou jurisprudencial, e por se tratar de direito de família, em consonância com o art. 167, inciso I, item 7, da Lei nº 6.015/73; a inaplicabilidade da cobrança de emolumentos relativos ao usufruto, por analogia, ante a inexistência de previsão da tabela de emolumentos e na ausência de autorização da Corregedoria Geral da Justiça.

A D. Procuradoria da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 131/134).

Por meio da decisão monocrática de fl. 136/137 reconheceu-se a incompetência do C. Conselho Superior da Magistratura, encaminhando-se os autos à Corregedoria Geral da Justiça.

Instada, a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP manifestou-se a fl. 157/158.

Opino.

Foi submetida à qualificação e registro a escritura pública de inventário e partilha de fl. 19/27 em que restou atribuído à viúva meeira, Maria Célia Zanoti, o direito real de habitação.

A escritura foi registrada em 3 de maio de 2019 com a prática dos seguintes atos: Av. 07 averbação do óbito de Osvaldo Zanoti; R. 08 registro da partilha do imóvel; R. 09 registro do direito real de habitação em favor da viúva meeira Maria Célia Zanoti.

Consoante esclarecido pelo Oficial, o registro foi efetivado consoante título apresentado, escritura pública de inventário e partilha, cujo item 15 atribuiu o direito real de habitação à viúva meeira.

Conforme dispõe o Art. 1.831 do Código Civil:

“Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

Trata-se, pois, de direito real ex vi legis, isto é, nasce automaticamente com a abertura da sucessão e é conferido a favor do cônjuge sobrevivente, independentemente, para sua instituição, de ato lavrado e previsto em partilha de bens.

Contudo, conquanto despiciendo seu apontamento na escritura pública, certo é que, uma vez constante do título, o direito real de habitação com natureza sucessória, deveria, de fato, ter sido registrado.

A situação amolda-se ao disposto no Art. 167, I, item 7, da Lei de Registros Públicos:

“Art. 167. No Registro de imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I – o registro:

(…)

7) do usufruto e do uso sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do direito de família”.

Da leitura do citado artigo verifica-se que não se submete ao registro o direito real de habitação quando proveniente do direito de família.

No entanto, o direito real de habitação telado não é oriundo do direito de família, mas sim do direito sucessório, de modo que correto o registro efetivado à vista do título apresentado.

Tampouco há se falar em cindibilidade do título.

Com efeito, vigora no Registro de Imóveis o princípio da rogação, ou da instância, com necessidade de solicitação do registro pelo apresentante do título ou pela autoridade competente.

E a existência de dois ou mais atos distintos no mesmo título impõe o registro de todos quando forem ligados entre si.

É, neste sentido, a lição de Afrânio de Carvalho (“Registro de Imóveis”, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 272):

“(…) Em suma, a atividade de ofício caberá:

(…)

C) quando, no mesmo título, se reunirem dois ou mais atos distintos, mas ligados entre si, caso em que se fará o registro de todos”.

Trata-se de norma protetiva dos titulares dos diferentes direitos reais que decorrerão do registro dos dois ou mais atos contidos no mesmo título e que não poderia ser afastada pela simples manifestação dos recorrentes no sentido de que não pretendiam a constituição do direito real de habitação.

Também não se vislumbra irregularidade quanto à cobrança dos emolumentos referentes ao registro do direito real de habitação.

Conquanto não conste expressamente das notas explicativas da Tabela II da Lei Estadual nº 11.331/2002, certo é que o registro do direito real de habitação assemelha-se ao registro do usufruto, sendo ambos direitos reais de fruição sobre coisa alheia, a autorizar a aplicação, por analogia, do item 1.4., atual 1.5. da mencionada tabela.

“No caso de usufruto, a base de cálculo será a terça parte do valor do imóvel, observando o disposto no item 1”.

É, nestes moldes, o Art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto.

Sub censura.

São Paulo, 14 de outubro de 2020.

LETICIA FRAGA BENITEZ

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso interposto. São Paulo, 15 de outubro de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: GUSTAVO CASTIGLIONI TOLDO, OAB/SP 398.781.

Diário da Justiça Eletrônico de 21.10.2020

Decisão reproduzida na página 125 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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Recurso Especial – Civil – Venda de quinhão de coisa comum indivisa – Direito de preferência – Negativa de prestação jurisdicional – Não ocorrência – Inobservância ao direito de preempção dos demais condôminos – Ausência de notificação prévia – Ciência inequívoca que se deu apenas com o registro da escritura pública de compra e venda – Dissonância entre o preço do negócio e aquele estampado no título translativo registrado em cartório – Prática de preço simulado – Abuso do direito – Ofensa à boa-fé objetiva – Prevalência do documento lavrado pelo tabelião e levado a registro – Recurso especial conhecido e desprovido – 1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional: i) a forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim – 2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional – 3. Nos termos do art. 504 do CC/2002, é garantido ao condômino o direito de preferência na aquisição de fração ideal de coisa comum indivisa, em iguais condições ofertadas ao terceiro estranho à relação condominial, desde que o exerça no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da ciência. Tal conhecimento deve ser possibilitado pelo coproprietário alienante, em decorrência de imposição legal, através de prévia notificação, judicial, extrajudicial ou outro meio que confira aos demais comunheiros ciência inequívoca da venda e dos termos do negócio, consoante o previsto nos arts. 107 do CC/2002 e 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991, este último aplicado por analogia – 4. Aperfeiçoada a venda (no caso imobiliária) ao terceiro, com a lavratura de escritura pública e o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis, sem a devida observância ao direito de preempção, surge para os coproprietários preteridos o direito de ajuizamento de ação anulatória ou de direito de preferência c/c adjudicação compulsória, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, contados do registro da escritura, cuja publicidade implica a presunção de ciência acerca da venda e das condições do negócio estampadas no título – 5. Praticado preço simulado pelas partes, fazendo constar da escritura pública preço a menor, que não reflita o valor real do negócio, deve prevalecer aquele exarado na escritura devidamente registrada para fins do direito de preferência, sendo que o registro do título (que tem como atributo dar publicidade da alienação imobiliária a toda a sociedade, conferindo efeito erga omnes) é o ato substitutivo da notificação, que deveria ter sido anteriormente remetida ao coproprietário, mas não foi, não podendo o condômino alienante valer-se da própria torpeza, a qual denota o abuso do direito infringente da boa-fé objetiva – 6. Recurso especial conhecido e desprovido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.628.478 – MG (2016/0252768-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : SERSA – PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUARIOS S.A

RECORRENTE : MARCIO ANTUNES FILGUEIRA

RECORRENTE : MARIA DE FATIMA FILGUEIRA PEREIRA

RECORRENTE : CILSON NOGUEIRA DE LIMA

RECORRENTE : CLENIO ANTONIO GONCALVES

RECORRENTE : REJANE MARQUES OLIVEIRA GONCALVES

ADVOGADOS : BERNARDO RIBEIRO CAMARA – MG076740

JOAO ALMEIDA CUNHA RIBEIRO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) – MG094771

RECORRIDO : JOSE ROBERTO BARBOSA

RECORRIDO : ARILMA APARECIDA GONCALVES BARBOSA

ADVOGADOS : CRISTINA BONTEMPO ALVARES E OUTRO(S) – MG145391

ELEUSA APARECIDA RAMOS – MG147942

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. VENDA DE QUINHÃO DE COISA COMUM INDIVISA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INOBSERVÂNCIA AO DIREITO DE PREEMPÇÃO DOS DEMAIS CONDÔMINOS. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA QUE SE DEU APENAS COM O REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. DISSONÂNCIA ENTRE O PREÇO DO NEGÓCIO E AQUELE ESTAMPADO NO TÍTULO TRANSLATIVO REGISTRADO EM CARTÓRIO. PRÁTICA DE PREÇO SIMULADO. ABUSO DO DIREITO. OFENSA À BOA-FÉ OBJETIVA. PREVALÊNCIA DO DOCUMENTO LAVRADO PELO TABELIÃO E LEVADO A REGISTRO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional: i) a forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim.

2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.

3. Nos termos do art. 504 do CC/2002, é garantido ao condômino o direito de preferência na aquisição de fração ideal de coisa comum indivisa, em iguais condições ofertadas ao terceiro estranho à relação condominial, desde que o exerça no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da ciência. Tal conhecimento deve ser possibilitado pelo coproprietário alienante, em decorrência de imposição legal, através de prévia notificação, judicial, extrajudicial ou outro meio que confira aos demais comunheiros ciência inequívoca da venda e dos termos do negócio, consoante o previsto nos arts. 107 do CC/2002 e 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991, este último aplicado por analogia.

4. Aperfeiçoada a venda (no caso imobiliária) ao terceiro, com a lavratura de escritura pública e o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis, sem a devida observância ao direito de preempção, surge para os coproprietários preteridos o direito de ajuizamento de ação anulatória ou de direito de preferência c/c adjudicação compulsória, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, contados do registro da escritura, cuja publicidade implica a presunção de ciência acerca da venda e das condições do negócio estampadas no título.

5. Praticado preço simulado pelas partes, fazendo constar da escritura pública preço a menor, que não reflita o valor real do negócio, deve prevalecer aquele exarado na escritura devidamente registrada para fins do direito de preferência, sendo que o registro do título (que tem como atributo dar publicidade da alienação imobiliária a toda a sociedade, conferindo efeito erga omnes) é o ato substitutivo da notificação, que deveria ter sido anteriormente remetida ao coproprietário, mas não foi, não podendo o condômino alienante valer-se da própria torpeza, a qual denota o abuso do direito infringente da boa-fé objetiva.

6. Recurso especial conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial, mas lhe negar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 03 de novembro de 2020 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Trata-se de recurso especial interposto por SERSA – PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A. e OUTROS contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Compulsando os autos, verifica-se que JOSÉ ROBERTO BARBOSA e ARILMA APARECIDA GONÇALVES BARBOSA ajuizaram ação anulatória de negócio jurídico cumulada com declaratória de direito de preferência em desfavor de SERSA – PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A., MÁRCIO ANTUNES FILGUEIRA, MARIA DE FÁTIMA FILGUEIRA PEREIRA, CILSON NOGUEIRA DE LIMA, CLÊNIO ANTÔNIO GONÇALVES e REJANE MARQUES OLIVEIRA GONÇALVES, visando a desconstituição da venda, realizada pela primeira corré para os dois últimos corréus, de fração de imóvel indiviso de que são coproprietários os autores, exercendo, ademais, o seu direito de preferência.

O Juízo de primeiro grau proferiu sentença de improcedência dos pedidos, sobrevindo reforma pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, mediante recurso de apelação, para julgar procedente o pedido de anulação da alienação, determinando, com isso, a expedição de mandado de registro de aquisição da cota-parte indivisa em prol dos autores.

O acórdão está assim ementado (e-STJ, fl. 506):

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA – ATO JURÍDICO – COMPRA E VENDA – DIREITO DE PREFERÊNCIA – CONDÔMINO – ALIENAÇÃO DE PARTE DO IMÓVEL PARA TERCEIRO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO – EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA – DEPÓSITO DO VALOR DA COMPRA E VENDA – ANULAÇÃO DO NEGÓCIO – TRANSMISSÃO COMPULSÓRIA – SENTENÇA REFORMADA.

– Evidenciado ser o imóvel em condomínio indivisível, o condômino que desejar alienar sua fração ideal deve obrigatoriamente notificar os demais condôminos para que possam exercer o direito de preferência na aquisição, nos termos do art. 504 do Código Civil.

– O condômino que não teve a oportunidade de exercer o direito de preferência poderá fazê-lo após a alienação do imóvel, depositando o preço e havendo para si a parte vendida sem seu prévio conhecimento.

– Havendo dúvidas sobre o valor do imóvel deverá ser tomado como aquele utilizado da Escritura Pública de Compra e Venda, tendo em vista ser o que dá ciência aos terceiros em relação ao montante da negociação.

Os embargos de declaração opostos pelos réus foram rejeitados.

Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 551-566), interposto com fundamento na alínea do permissivo constitucional, os recorrentes apontam a existência de afronta aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, do Código de Processo Civil de 2015; e 504, 884 e 1.322 do Código Civil.

Sustentam, em caráter preliminar, haver negativa de prestação jurisdicional e, no mérito, ter sido devidamente realizada a notificação aos demais condôminos (recorridos) necessária ao exercício do direito de preferência da cota-parte da coisa indivisa, sendo prescindível a sua efetivação através de notificação formal, visto que a lei não exige forma específica para a consecução do ato. Aduzem, além disso, que o preço a ser pago pelo coproprietário deve corresponder ao valor de avaliação do imóvel ou o montante pelo qual foi realizada a venda.

Contrarrazões às fls. 572-594 (e-STJ), nas quais os recorridos, além de refutarem as mencionadas teses recursais, asserem que o contrato particular de compra e venda juntado aos autos na contestação é simulado.

Admitido o recurso especial na origem, os autos ascenderam a esta Corte Superior.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional: i) a forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim.

Relativamente à suscitada preliminar, fundada em nulidade do aresto hostilizado por deficiência na prestação jurisdicional, verifica-se que o Tribunal estadual manifestou-se clara e devidamente acerca de todas as questões precípuas alegadas pelas partes, inexistindo, com isso, negativa de prestação jurisdicional.

Adentrando a análise do mérito, registra-se que a controvérsia precípua recai sobre o direito de preferência do coproprietário na aquisição do quinhão de coisa comum indivisível previsto no art. 504 do CC/2002, que assim dispõe:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.

Na mesma diretriz, estabelece o art. 1.322 do CC/2002, in verbis:

Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais, realizar-se– á licitação entre estranhos e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se– á à licitação entre os condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho.

Da leitura do dispositivo legal primevo (art. 504), denota-se que o comunheiro que pretende alienar o seu quinhão a terceiro estranho ao condomínio deve, antes de efetivada a venda, dar ciência aos demais condôminos, os quais terão preferência na aquisição da quota, desde que assim requeiram, no prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, depositando o preço equivalente àquele ofertado ao terceiro.

Nessa óptica, leciona Carlos Roberto Gonçalves (Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais, volume 3, 17ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2020, livro digital):

A venda de parte indivisa a estranho somente se viabiliza, portanto, quando: a) for comunicada previamente aos demais condôminos; b) for dada preferência aos demais condôminos para aquisição da parte ideal, pelo mesmo valor que o estranho ofereceu; c) os demais condôminos não exercerem o direito de preferência dentro do prazo legal. O direito de preferência é de natureza real, pois não se resolve em perdas e danos. O condômino que depositar o preço haverá para si a parte vendida. Tal não ocorrerá se este fizer contraproposta diferente da que ofereceu o estranho.

Como se vê, é vedado ao coproprietário em coisa comum indivisa vender o seu quinhão a estranhos, caso outro condômino tenha interesse, tanto por tanto. O alienante somente se desonera dessa obrigação legal, se notificar, devida e previamente, os demais consortes e não houver manifestação no prazo legal ou houver desinteresse na aquisição.

No caso dos autos, ressai incontroversa a condição de indivisão do imóvel, bem como o ajuizamento da ação anulatória consubstanciada no aludido direito de preferência dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias.

Em relação à notificação, saliente-se que esta deve ser, em regra, judicial ou extrajudicial, de modo expresso e com comprovante de recebimento, a fim de demonstrar a inequívoca ciência, por parte dos outros condôminos, da intenção de venda. Nesse sentido, assenta-se a doutrina:

Para que um condômino venda sua parte ideal a estranhos sobre coisa indivisível, deve oferecê-la aos demais condôminos para que possam livremente exercer seu direito de preferência a essa compra.

Por tal razão, deve ser dado conhecimento dessa venda por instrumento que liberará o condômino vendedor de responsabilidade.

Esse instrumento pode ser uma interpelação judicial ou extrajudicial, por Cartório de Títulos e Documentos ou por carta protocolada, ou com ciência de recebimento em sua cópia, sempre provando que esse conhecimento foi dado.

(AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: contratos típicos e atípicos, volume 4, São Paulo: Saraiva Educação, 2019, livro digital)

Nada impede, contudo, que, nos termos do art. 107 do CC/2002, o conhecimento aos outros consortes se dê por meios informais, uma vez que a lei não prevê forma específica para tal ato, muito embora se entreveja certa dificuldade de se comprovar a ciência inequívoca mediante outra prova que não seja a documental.

Aliás, tal cognição já se encontra positivada no art. 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991, que regulamenta o direito de preferência na relação locatícia, aplicando-se à hipótese dos autos (art. 504 do CC/2002) por analogia.

Confira-se, a propósito, a redação do dispositivo legal:

Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca. (Sem grifo no original)

Importa ponderar, outrossim, que a validade da notificação pressupõe a informação expressa não só da intenção de venda da fração ideal de titularidade do coproprietário alienante, mas também das condições do negócio ofertadas ao terceiro, a exemplo do preço, do tempo e do modo de pagamento.

Nessa linha de intelecção, assenta-se a seguinte lição doutrinária:

A comunicação aos demais consortes, pelo interessado em vender sua parte ideal, pode ser feita por meios judiciais e extrajudiciais, como carta, telegrama, notificação pelo oficial de títulos e documentos etc., de modo expresso e com comprovante de recebimento, devendo mencionar as condições de preço e pagamento para a venda, negociadas com o estranho.

(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais – volume 3, 17ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2020, livro digital)

No presente caso, bem concluiu o TJMG, ao asseverar que a notificação deve ser expressa e incontestável, via de regra através de documento, e, mesmo que admitida a sua realização de forma verbal, como defendem os recorrentes, não é possível extrair dos depoimentos constantes do feito que foi dada ciência aos autores da real intenção de venda, bem como do respectivo preço.

Corrobora essa ilação o seguinte excerto do aresto hostilizado (e-STJ, fl. 510, sem grifo no original):

Após análise detida dos elementos probatórios, tem-se que os réus não cuidaram de demonstrar a ciência dada aos autores da sua intenção de venda de seu quinhão no imóvel, pois, repita-se, tal ciência há de ser expressa e incontestável, via de regra por meio de notificação, portanto, documento que lhes competia juntar aos autos.

Neste sentido, é de se reconhecer que por mais que tenham demonstrado por meio de testemunhas a ciência dos autores quanto a intenção, não restou apurado que tenham sido formalmente cientificados, com preço do imóvel e real intenção de venda, de forma que pudessem analisar o interesse da aquisição.

Ainda que se admitisse a forma verbal de comunicação, a verdade é que os depoimentos indicados pelo magistrado primevo para formação do seu conhecimento são frágeis, tendo em vista dos depoimentos não é possível verificar que foi cientificado a parte autora do valor da intenção de venda, que pelo que se observa dos autos e será analisado em momento oportuno, discrepa entre o valor apresentado como devido e aquele declarado ao fisco.

Por outro lado, a inexistência (ou ausência de comprovação) da prévia comunicação não acarreta a nulidade da venda que se efetivou sem a observância ao direito de preferência, sujeitando-se a eficácia da alienação à condição resolutiva, caso os demais condôminos exerçam a opção de compra do quinhão alheado, dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias.

Conflui com esse raciocínio a doutrina subsecutiva:

A falta de comunicação não importa em nulidade da venda. O direito do estranho adquirente, no entanto, fica sob o regime de uma condição resolutiva. Enquanto não ocorrer a manifestação da preferência, o terceiro é tido como adquirente do bem e poderá exercer plenamente o domínio.

O prazo de seis meses com a finalidade de ser ajuizada a ação anulatória da venda considera-se decadencial, como está expresso no atual regime, iniciando a fluir a partir do momento da publicidade decorrente do registro imobiliário, o que já vinha apregoado pela antiga doutrina. “O prazo de seis meses é prazo preclusivo”, diz Pontes de Miranda. “Dentro dele há de ser exercido o direito de preferência, depositando o preço (não basta a oferta de depósito).

(RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 18ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 342-343)

A propósito, já decidiu esta Terceira Turma que, “uma vez ultimado o negócio sem observância da notificação prévia do condômino, a solução da questão somente pode se dar na via judicial, pela ação de preferência c.c. adjudicação compulsória” (REsp 1.324.482/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 5/4/2016, DJe 8/4/2016).

Por derradeiro, cumpre perquirir acerca do preço a ser considerado para os condôminos (autores) exercerem seu direito à aquisição do quinhão cuja titularidade pertencia a outra comunheira e ora recorrente SERSA SERSA – PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A.

Oportuno relembrar que o art. 504 do CC/2002 expressamente prevê que a preferência na aquisição se dê “tanto por tanto”, ou seja, nos mesmos moldes em que realizada a oferta ou a venda ao estranho, através de interpretação sistemática desse artigo legal com os arts. 1.322 do CC/2002 e 27 da Lei de Locações (Lei n. 8.245/1991), ambos já citados alhures, referindo-se, clara e respectivamente, a “condições iguais de oferta” e “igualdade de condições com terceiros”.

Da mesma forma, preconiza Arnaldo Rizzardo que, “para o condômino fazer valer o princípio da preferência, cumpre que o mesmo se iguale ao estranho no oferecimento não só do preço, mas também das condições, o que importa se leve em conta o prazo e se considerem os juros e outras vantagens” (Contratos, 18ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 345).

A interpretação que os recorrentes pretendem dar à expressão legal “tanto por tanto”, ademais, de que o seu significado caracteriza o valor real do bem (citando, inclusive, lição doutrinária nesse sentido), não se mostra a mais acertada, a meu juízo, pois nada obsta que as partes pactuem o preço do negócio jurídico diverso daquele obtido mediante avaliação, da forma que melhor lhes aprouver, em decorrência do princípio da autonomia da vontade que rege as relações privadas. Se assim deliberaram coproprietário e terceiro, a mesma tratativa deve ser estendida aos demais condôminos.

Na hipótese, a discussão vai além. Alegam os autores (ora recorridos) que o preço válido é aquele constante da escritura pública de compra e venda levada a registro (R$ 15.000,00 – quinze mil reais), sendo esse o instrumento pelo qual tomaram conhecimento da venda, ao passo que os réus (ora recorrentes) defendem seja considerado o valor de avaliação do imóvel por perícia (R$ 450.698,40 – quatrocentos e cinquenta mil, seiscentos e noventa e oito reais e quarenta centavos) ou o efetivo montante pactuado da venda (R$ 360.000,00 – trezentos e sessenta mil reais), conquanto confessem os requeridos a existência de divergência substancial desta quantia com aquela prevista na escritura pública.

Amparado em tais premissas, concluir-se-ia que, em princípio, a importância a ser utilizada como parâmetro para o exercício do direito de preferência deveria ser aquela efetivamente convencionada entre as partes (R$ 360.000,00 – trezentos e sessenta mil reais).

Não obstante, a celeuma que se instaurou, no caso em voga, merece um olhar diferente, em consonância com a vontade exteriorizada e as condutas perpetradas pelas partes alienante e adquirentes, sobretudo sob a óptica da boa-fé objetiva.

Como ressaltado, o direito de preferência ora em comento só foi oportunamente exercido pelos recorridos após o aperfeiçoamento da venda da fração ideal do imóvel comum indiviso por SERSA – PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A. para CLÊNIO ANTÔNIO GONÇALVES e REJANE MARQUES OLIVEIRA GONÇALVES, com a celebração da escritura pública de compra e venda e o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Entretanto, os recorrentes confessadamente afirmam terem lançado o preço do negócio jurídico a menor na escritura pública, não refletindo o real valor da compra e venda realizada.

Tal afirmativa se infere dos excertos subsecutivos retirados das razões do apelo especial (e-STJ, fls. 563-564):

O TJMG desconsiderou o texto expresso do referido dispositivo que expressamente condiciona o exercício do direito de preferência ao pagamento “condições iguais de oferta” sem qualquer vinculação a eventual valor lançado menor na escritura pública.

[…]

A contrariedade do acórdão recorrido ao art. 884 do Código Civil é ainda mais evidente.

O acórdão recorrido expressamente informa que “não há que se falar em outro valor como o de opção de compra pelos autores, na forma como procederam o depósito” – fls. 403.

A referida passagem, além de confirmar a contrariedade ao art. 504 do CC, como já explicitado no tópico anterior, demonstra a própria ofensa ao referido art. 884 do CC uma vez que autoriza que o autor se enriqueça de maneira surreal. Em um depósito de R$ 15.000,00, o autor adquire um imóvel avaliado pela perícia em R$ 450.698,40.

Com isso, evidencia-se a contrariedade à exegese do art. 884 do CC dada pelo acórdão recorrido uma vez que tal artigo expressamente proíbe que alguém obtenha tamanho proveito econômico sem lhe fazer jus.

[…]

Se existiu ou não fraude fiscal, essa é uma questão que foge ao objeto dessa ação. Mas, não pode o Poder Judiciário validar o enriquecimento sem causa dos recorridos o que acontecerá se confirmado o acórdão recorrido em verdadeira ofensa ao art. 884 do Código Civil.

A escritura pública, aliás, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena das informações que nela contiverem, nos termos do art. 215, caput, do CC/2002, sobretudo com a manifestação clara de vontade das partes e dos intervenientes (art. 215, § 1º, IV, do CC/2002). Essa formalidade, enfatiza-se, deve ser observada na compra e venda de imóveis, em regra, segundo estabelece o art. 108 do diploma substantivo.

Além disso, pontua-se que a perfectibilização do negócio, com a transferência da propriedade imobiliária, pressupõe o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC/2002, c/c o art. 172 da Lei n. 6.015/1973), ocasião em que produzirá efeitos erga omnes, alcançando terceiros, notadamente em virtude do atributo da publicidade.

Desta feita, surgem dois desdobramentos: enquanto não registrado o título, a avença produz efeitos apenas em relação àqueles que dela participaram; ao passo que, realizado o registro, tais efeitos atingem toda a sociedade.

Compartilham desse entendimento Nelson Rosenvald e outros:

Sendo os direitos reais oponíveis em caráter erga omnes, há a necessidade de cientificar a sociedade sobre a situação jurídica dos bens imóveis, tornando conhecidas por quem tenha interesse toda e qualquer mutação no cadastro imobiliário. A gênese da publicidade se dá pelo ato de registro ou averbação, em que surge em potência a função qualificadora dos títulos apresentados ao oficial. A ausência de registro produz duas ordens de consequências: (a) entre as partes o título se resume a gerar eficácia obrigacional; (b) perante terceiros: não se pode exigir o conhecimento daquilo que não se publica.

(FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil – volume único, Salvador: JusPodivm, 2017)

Diante disso, outra não pode ser a conclusão, a meu sentir, senão aquela em que a ausência de comunicação prévia aos demais coproprietários, pelo condômino alienante, acerca da venda do seu quinhão do imóvel comum indiviso ao terceiro estranho à relação condominial, é suprida pelo registro da escritura pública de compra e venda, iniciando-se, a partir daí, o transcurso do prazo decadencial do direito de preferência, porquanto presumida a ciência do negócio, nos limites das informações constantes do título levado a registro.

Ainda que se cogite de eventual enriquecimento dos autores – em virtude da substancial diferença entre o valor real do bem, ou efetivo do negócio, e aquele constante da escritura pública –, não se evidencia ilicitude ou ausência de causa subjacente, porquanto proveniente de conduta das próprias partes (alienante e adquirentes), que adotaram preço simulado, substancialmente destoante da realidade, não podendo agora tirar proveito da própria torpeza, se atuaram à margem da lei, com abuso do direito, notadamente porque desprovidos de boa-fé objetiva (art. 187 do CC/2002).

Em situação semelhante, que diz respeito ao direito de preferência do arrendatário de imóvel rural, assim decidiu a Quarta Turma desta Casa (sem grifo no original):

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. VENDA E COMPRA DO IMÓVEL POR TERCEIROS. FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. LEI N. 4.504/1964, ART. 92, § 4º. DIVERGÊNCIA ENTRE O VALOR CONSTANTE EM CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA E NA ESCRITURA PÚBLICA REGISTRADA EM CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DESTA. PRESERVAÇÃO DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA. BOA-FÉ OBJETIVA.

1. Apesar de sua natureza privada, o contrato de arrendamento rural sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Estado, do protecionismo que se quer dar ao homem do campo e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito de preferência um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico.

2. O Estatuto da Terra prevê que: “O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis” (art. 92, § 4° da Lei 4.504/1964).

3. A interpretação sistemática e teleológica do comando legal permite concluir que o melhor norte para definição do preço a ser depositado pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda registrada no cartório de registro de imóveis.

4. Não se pode olvidar que a escritura pública é ato realizado perante o notário e que revela a vontade das partes na realização de negócio jurídico, revestida de todas as solenidades prescritas em lei, isto é, demonstra de forma pública e solene a substância do ato, gozando seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e garantia para a regularidade da compra.

5. Outrossim, não podem os réus, ora recorridos, se valerem da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simularam determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante declaração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando menos tributo, conforme salientado pelo acórdão recorrido.

6. Na hipótese, os valores constantes na escritura pública foram inseridos livremente pelas partes e registrados em cartório imobiliário, dando-se publicidade ao ato, operando efeitos erga omnes, devendo-se preservar a legítima expectativa e confiança geradas, bem como o dever de lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1175438/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 05/05/2014)

Constata-se, desse modo, que o alegado enriquecimento dos autores provém de conduta única e exclusiva dos próprios recorrentes, sobretudo da então titular da parte ideal do imóvel indiviso, SERSA – PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS S.A., que deixou de notificar os autores e adotou preço simulado na escritura pública de compra e venda, revelando-se, portanto, impositiva a manutenção do acórdão recorrido, que, reconhecendo a prática de ilícito autorizante ao exercício de um direito, julgou procedente o pedido de adjudicação compulsória, visto que presentes os pressupostos legais do direito de preferência disposto no art. 504 do CC/2002.

Em arremate, considerando-se ineficaz a compra e venda realizada, reputo desnecessário dar ciência às respectivas instituições competentes para a apuração de eventual crime de sonegação fiscal, segundo levantado nas contrarrazões.

Por todo o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.628.478 – Minas Gerais – 3ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJ 17.11.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF – Ganho de capital – Alienação a prazo de bens e direitos – Sucessão hereditária – Parcela paga após partilha ou adjudicação – Sucessor – Obrigação tributária principal – Representante – Obrigação acessória – Recolhimento em nome do de cujus – Cabe ao sucessor, na qualidade de sujeito passivo responsável tributário, o pagamento do imposto sobre a renda da pessoa física incidente sobre o ganho de capital referente à parcela recebida, após a realização da partilha, em alienação a prazo efetuada pelo de cujus, em nome do qual deverá ser pago – O imposto devido relativo a cada parcela recebida deve ser pago até o último dia útil do mês subsequente ao do recebimento –Processo administrativo fiscal – Consulta tributária – Ineficácia parcial – É ineficaz a consulta apresentada sem a identificação da questão interpretativa que tenha obstado a aplicação, pelo consulente, de normas da legislação tributária; ou sem a identificação do específico dispositivo da legislação tributária sobre cuja aplicação haja dúvida.

Solução de Consulta nº 135 – Cosit

Data 1 de dezembro de 2020

Processo

Interessado

CNPJ/CPF

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF

GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO A PRAZO DE BENS E DIREITOS. SUCESSÃO HEREDITÁRIA. PARCELA PAGA APÓS PARTILHA OU ADJUDICAÇÃO. SUCESSOR. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRINCIPAL. REPRESENTANTE. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. RECOLHIMENTO EM NOME DO DE CUJUS.

Cabe ao sucessor, na qualidade de sujeito passivo responsável tributário, o pagamento do imposto sobre a renda da pessoa física incidente sobre o ganho de capital referente à parcela recebida, após a realização da partilha, em alienação a prazo efetuada pelo de cujus, em nome do qual deverá ser pago.

O imposto devido relativo a cada parcela recebida deve ser pago até o último dia útil do mês subsequente ao do recebimento.

Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, arts. 43, 113, 114, 121, 128, 129 e 131; Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/2018), arts. 1º, 2º, 21, 128 e 151, aprovado pelo Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018.

ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

CONSULTA TRIBUTÁRIA. INEFICÁCIA PARCIAL.

É ineficaz a consulta apresentada sem a identificação da questão interpretativa que tenha obstado a aplicação, pelo consulente, de normas da legislação tributária; ou sem a identificação do específico dispositivo da legislação tributária sobre cuja aplicação haja dúvida.

Dispositivos Legais: Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011, arts. 88 e 94; Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, arts. 1º, 3º e 18, incisos I, II, XI e XIV; Parecer Normativo CST nº 342, de 7 de outubro de 1970.

Relatório

O consulente, acima identificado, formula consulta, em 31 de maio de 2019, com fulcro na Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, conforme petição anexa às fls. 02 a 05, versando sobre a interpretação da legislação tributária e aduaneira relativa a tributo administrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).

2. Informa que alienou a prazo, participação societária, em 4 (quatro) parcelas a receber nos meses de fevereiro/2018, abril/2018, maio/2019 e abril/2020, diferindo o pagamento do imposto sobre a renda sobre ganho de capital para o momento do recebimento de cada parcela, conforme dispõe o art. 151 do Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/2018), aprovado pelo Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018.

3. Assevera que seu pai também alienou participação societária nas mesmas condições de prazo de pagamento. Em setembro de 2018, seu pai faleceu e a Escritura de Inventário e Partilha de seu Espólio foi registrada em 30 de outubro de 2018.

4. Aduz que o imposto sobre a renda devido pelas parcelas recebidas por seu pai, em 2018, foi recolhido e informado na Declaração Final de Espólio, na qual consta, também, valores de imposto diferido dos ganhos de capital, referentes às parcelas vincendas.

5. Declara que herdou do citado inventário o montante de R$ 1.278.000,00, relacionado à venda a prazo da referida participação societária, e que no momento em que esses valores forem recebidos deverá ser pago imposto sobre a renda (IR) proporcional sobre eles, no montante de R$ 150.638,86, fazendo constar essas informações em sua Declaração de Ajuste Anual (DAA), de 2019.

6. Explica que, com fundamento no inciso II do art. 21 do RIR/2018, que dispõe sobre a responsabilidade tributária em caso de sucessão, o IR será pago quando do recebimento das parcelas pelo contribuinte como quinhão hereditário (crédito herdado), e deverá ser apurado e recolhido em nome do falecido. Expõe entender que não deverá apurar esse Imposto devido em seu próprio nome, pois não haverá uma operação em que ele aufira efetivamente um Ganho de Capital, apenas o recebimento de um crédito herdado.

7. Questiona nos exatos termos:

1) Está correta a interpretação do contribuinte (…) em efetuar, em nome de seu falecido pai (…), a apuração do citado Imposto de Renda sobre Ganhos de Capital (diferido) – através do Programa Ganhos de Capital (2019 e 2020) – quando do recebimento efetivo de seus Créditos auferidos através de Quinhões Hereditários?

2) Qual o procedimento a ser efetuado após a apuração (e recolhimento) desses Impostos diferidos no Programa Ganhos de Capital em relação ao Programa de Declaração de Imposto de Renda?

3) Essas informações deverão ser exportadas nos próximos exercícios para eventual complemento da Declaração Final de Espólio do Sr. (…)?

8. Ao final presta as declarações constantes do artigo 3º, § 2º, inciso II, alíneas “a”, “b” e “c”, da IN RFB nº 1.396, de 2013.

Fundamentos

9. O objetivo da consulta é dar segurança jurídica ao sujeito passivo que apresenta à Administração Pública dúvida sobre dispositivo da legislação tributária aplicável a fato determinado de sua atividade, propiciando-lhe correto cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, de forma a evitar eventuais sanções.

10. A consulta, corretamente formulada, constitui instrumento à disposição do sujeito passivo, configurando orientação oficial e produzindo efeitos legais, como a proibição de se instaurar procedimentos fiscais contra o interessado e a não aplicação de multa ou juros de mora, relativamente à matéria consultada, desde a data de apresentação da consulta até o trigésimo dia subsequente à ciência da solução da consulta.

11. A Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo consulente, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações, interpretações, ações ou classificações fiscais procedidas pelo consulente e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, aplica-se a Solução de Consulta.

12. Feitas essas considerações, passa-se à análise das indagações apresentadas pelo consulente.

13. A consulta ora formulada preenche os requisitos de admissibilidade previstos na legislação de regência em relação à pergunta nº 1, na qual o consulente indaga, em síntese, em nome de quem deve ser recolhido o Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) incidente sobre o ganho de capital diferido, quando do recebimento de seu quinhão hereditário.

14. A legislação tributária estabelece regras específicas para a apuração do ganho de capital e incidência do IRPF nas alienações de bens ou direitos, com recebimento parcelado, destaque-se o RIR/2018.

Art. 128. Fica sujeita ao pagamento do imposto sobre a renda de que trata este Título a pessoa física que auferir ganhos de capital na alienação de bens ou direitos de qualquer natureza (Lei nº 7.713, de 1988, art. 2º e art. 3º, § 2º; e Lei nº 8.981, de 1995, art. 21).

[…]

§ 2º Os ganhos serão apurados no mês em que forem auferidos e tributados em separado, não integrarão a base de cálculo do imposto sobre a renda na declaração de ajuste anual e o valor do imposto sobre a renda pago não poderá ser deduzido do imposto sobre a renda devido na declaração (Lei nº 8.981, de 1995, art. 21, § 2º).

[…]

§ 4º Na apuração do ganho de capital, serão consideradas as operações que importem a alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou a cessão ou a promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como (Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 3º):

[…]

Art. 151. Nas alienações a prazo, o ganho de capital deverá ser apurado como venda à vista e tributado na proporção das parcelas recebidas em cada mês, considerada a atualização monetária, se houver (Lei nº 7.713, de 1988, art. 21).

§ 1º Para fins do disposto no caput, deverá ser calculada a relação percentual do ganho de capital sobre o valor de alienação, que será aplicada sobre cada parcela recebida. (grifos não constam no original)

15. Nota-se que nas alienações parceladas a apuração do ganho de capital ocorre no momento da realização do negócio, como venda à vista. Contudo, para a tributação do IRPF será considerada a data de pagamento, de acordo com o percentual de ganho relativo a cada parcela. Apura-se o ganho de capital e o percentual referente a cada parcela na data da alienação, no entanto, a tributação do IRPF devido pelo sujeito passivo ocorre nas datas de recebimento de tais parcelas. RIR/2018

Art. 1º As pessoas físicas que perceberem renda ou proventos de qualquer natureza, inclusive rendimentos e ganhos de capital, são contribuintes do imposto sobre a renda, sem distinção de nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão (Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, art. 1º; Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, art. 43 e art. 45; Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, art. 2º; Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, art. 4º; e Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, art. 3º, parágrafo único)

[…]

Art. 2º O imposto sobre a renda será devido à medida que os rendimentos e os ganhos de capital forem percebidos, observado o disposto no art. 78 (Lei nº 8.134, de 27 de dezembro de 1990, art. 2º). (grifos não constam no original)

16. O legislador, ao adotar o regime de caixa, elegeu no caso do IRPF como aspecto temporal do fato gerador o momento do efetivo recebimento da parcela. A ocorrência do fato imponível faz nascer a obrigação tributária. A alienação de bens, por si só, não faz nascer a obrigação de pagar tributo. A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN), assim dispõe.

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

[…]

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extinguese juntamente com o crédito dela decorrente.

[…]

Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

[…]

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. (grifos não constam no original)

17. Assim, embora a legislação tenha definido como data de fixação do valor do ganho de capital o momento em que se realiza a operação de alienação do bem, o fato econômico objeto da incidência do tributo sobre o ganho de capital (regime de caixa) ocorre quando do efetivo pagamento do valor referente à venda, visto que, conforme se depreende do art. 151 do RIR/2018, a tributação incide na proporção das parcelas recebidas.

18. Com referência à responsabilidade dos sucessores, transcrevemos trechos da legislação.

CTN

Responsabilidade Tributária

SEÇÃO I

Disposição Geral

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

SEÇÃO II

Responsabilidade dos Sucessores

Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.

[…]

Art. 131. São pessoalmente responsáveis:

I – o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos; (Redação dada pelo Decreto Lei nº 28, de 1966)

II – o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação;

III – o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão.

RIR/2018:

Art. 21. São pessoalmente responsáveis (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 50; e Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional, art. 131, caput, incisos II e III):

I – o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelo imposto sobre a renda devido pelo espólio até a data da partilha ou da adjudicação, limitada essa responsabilidade ao montante do quinhão, do legado, da herança ou da meação; e

II – o espólio, pelo imposto sobre a renda devido pelo de cujus até a data da abertura da sucessão.

§ 1º Quando for apurado, pela abertura da sucessão, que o de cujus não apresentou declaração de exercícios anteriores, ou o fez com omissão de rendimentos, será cobrado do espólio o imposto sobre a renda correspondente, acrescido de juros moratórios e da multa de mora prevista na alínea “b” do inciso I do caput do art. 1.003 (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 49; e Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional, art. 161).

§ 2º Apurada a falta de pagamento de imposto sobre a renda devido pelo de cujus até a data da abertura da sucessão, este será exigido do espólio acrescido de juros moratórios e da multa prevista no art. 994.

§ 3º Os créditos tributários notificados ao de cujus antes da abertura da sucessão, ainda que neles incluídos encargos e penalidades, serão exigidos do espólio ou dos sucessores, observado o disposto no inciso I do caput.

19. Infere-se que a legislação tributária imputa aos sucessores do de cujus a responsabilidade pelos créditos tributários, limitada ao montante do quinhão, do legado, ou da herança, cujos fatos geradores ocorreram até a data da abertura da sucessão.

20. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, ao tratar do pagamento das dívidas do falecido, dispõe no caput do art. 1.997 que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.

21. Em se tratando de alienação a prazo de participação societária efetuada pelo de cujus, o sujeito passivo do IRPF incidente sobre o ganho de capital é o sucessor, detentor da disponibilidade econômica sobre a qual incide o imposto (art. 43 do CTN), na qualidade de responsável tributário pelo pagamento do imposto já calculado e diferido pelo de cujus.

22. Com relação às perguntas nos 2 e 3, no que concerne ao procedimento a ser efetuado após a apuração e recolhimento dos impostos, devem ser declaradas ineficazes por não se referirem a interpretação da legislação tributária. Tal entendimento se fundamenta na IN RFB nº 1.396, de 2013, e nos arts. 88 e 94 do Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011, que estabelecem os requisitos, diante dos quais pode-se determinar se a consulta formulada produzirá os efeitos pretendidos. IN RFB nº 1.396, de 2013

Art. 1º Esta Instrução Normativa trata dos processos administrativos de consulta sobre interpretação da legislação tributária e aduaneira relativa aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e sobre classificação de serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio.

[…]

Art. 3º …………………………………………………………………………………………..

§ 2º A consulta deverá atender aos seguintes requisitos:

[…]

III – circunscrever-se a fato determinado, conter descrição detalhada de seu objeto e indicação das informações necessárias à elucidação da matéria; e

IV – indicação dos dispositivos da legislação tributária e aduaneira que ensejaram a apresentação da consulta, bem como dos fatos a que será aplicada a interpretação solicitada.

[…]

Art. 18. Não produz efeitos a consulta formulada:

I – com inobservância do disposto nos arts. 2º a 6º;

II – em tese, com referência a fato genérico, ou, ainda, que não identifique o dispositivo da legislação tributária e aduaneira sobre cuja aplicação haja dúvida;

[…]

XI – quando não descrever, completa e exatamente, a hipótese a que se referir, ou não contiver os elementos necessários à sua solução, salvo se a inexatidão ou omissão for escusável, a critério da autoridade competente;

[…]

XIV – quando tiver por objetivo a prestação de assessoria jurídica ou contábil-fiscal pela RFB.

[…]

Decreto nº 7.574, de 2011

Art. 88. O sujeito passivo poderá formular consulta sobre a interpretação da legislação tributária e aduaneira aplicável a fato determinado e sobre a classificação fiscal de mercadorias e a classificação de serviços, intangíveis e de outras operações que produzam variações no patrimônio, com base na Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio. (Decreto nº 70.235, de 1972, art.

46; Lei nº 9.430, de 1996, art. 50) (Redação dada pelo Decreto nº 8.853, de 2016)

[…]

Art. 94. Não produzirá qualquer efeito a consulta formulada (Decreto no 70.235, de 1972, art. 52):

I – em desacordo com o disposto nos arts. 88 e 91;

[…]

VIII – quando não descrever, completa ou exatamente, a hipótese a que se referir, ou não contiver os elementos necessários à sua solução, salvo se a inexatidão ou omissão for escusável, a critério da autoridade julgadora. (grifos não constam do original)

23. Entretanto, orientamos ao consulente que, na medida do recebimento das parcelas, já na condição de herdeiro, efetue o cálculo do imposto a pagar e gere o Darf para seu recolhimento com o auxílio do programa Ganhos de Capital, em nome do seu falecido pai. O imposto devido relativo a cada parcela recebida deve ser pago até o último dia útil do mês subsequente ao do recebimento.

24. Não cabendo, todavia, a exportação das informações geradas pelo programa Ganhos de Capital para a Declaração Final de Espólio.

25. O consulente deve informar na ficha Rendimentos Isentos e não Tributáveis das Declarações de Ajuste Anual correspondentes aos recebimentos das parcelas, na linha Transferências patrimoniais – doações e heranças, o valor recebido subtraído do imposto pago em nome de seu falecido pai.

Conclusão

26. Pelos fundamentos expostos, soluciono a presente consulta, informando ao consulente que a responsabilidade pelo pagamento do imposto sobre a renda da pessoa física incidente sobre o ganho de capital, referente à alienação a prazo da participação societária do de cujus é do sucessor, na qualidade de sujeito passivo responsável tributário pelo pagamento do imposto já calculado e diferido pelo de cujus, em nome do qual deverá ser pago o imposto até o último dia útil do mês subsequente ao do recebimento de cada parcela.

(assinado digitalmente)

ELEONORA MARIA MANDARINO BARCELLOS

Auditora Fiscal da RFB – Matrícula 18.474

De acordo. À consideração superior.

(assinado digitalmente) ELIANA DA COSTA FAGUNDES

Auditora Fiscal da RFB – Matrícula 17.847

De acordo. Encaminhe-se ao Coordenador da Cotir.

(assinado digitalmente) JOSÉ CARLOS SABINO ALVES

Auditor Fiscal da RFB – Matrícula 20.241

Chefe da Divisão de Tributação – SRRF07

De acordo. Ao Coordenador-Geral da Cosit para aprovação.

(assinado digitalmente) FÁBIO CEMBRANEL

Auditor Fiscal da RFB– Coordenador da Cotir

Ordem de Intimação

Aprovo a Solução de Consulta. Publique-se e divulgue-se nos termos do artigo 27 da IN RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013. Dê-se ciência à interessada.

(assinado digitalmente)

FERNANDO MOMBELLI

Coordenador-Geral da Cosit – – /

Dados do processo:

Subsecretaria de Tributação e Contencioso – Coordenação-Geral de Tributação – Solução de Consulta nº 135/2020 – Coordenador-Geral da COSIT Fernando Mombelli – D.O.U.: 22.12.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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