Recurso Administrativo – Alteração de convenção de condomínio aprovada por 2/3 dos condôminos – Inclusão da proibição de locação ou ocupação das unidades por três ou mais estudantes com divisão de despesas, fixando prazo para a extinção de locações nessas condições vigentes – Exigência de aprovação unânime, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil, mantida pelo Juiz Corregedor – Recurso busca a averbação da alteração aprovada por 2/3 dos condôminos ou com a exclusão da alínea questionada, com pedido instauração de incidente de inconstitucionalidade – Arguição de incidente de inconstitucionalidade não conhecida – Competência do Órgão Especial limitada a declarações de inconstitucionalidade em processo judicial, não se aplicando a procedimentos administrativos voltado contra a negativa de registro, nos termos do art. 13, I do RITJSP – Incidente de inconstitucionalidade dirigido a atos normativos emitidos pelo Poder Público, não se aplicando a deliberações privadas, conforme art. 97 da Constituição Federal – Mérito – Mudança da convenção de condomínio que atinge o direito particular de fruição da unidade, restringindo as prerrogativas do art. 1.228 do Código Civil, caracterizando limitação particular ao livre uso da unidade – Eventual abuso no uso das unidades por locatários que pode ser sancionada de forma específica, nos termos dos arts. 1.336, IV e § 2º e 1.337 do Código Civil e do art. 19 da Lei n. 4.591/1964, não justificando no caso concreto a supressão de direitos inerentes à propriedade sem aprovação unânime dos condôminos – Exigência de aprovação da alteração estatutária de forma unânime mantida – Pedido recursal subsidiário de averbação da alteração com supressão da alínea questionada inviável – Alteração do título que exige aprovação pela assembleia condominial – Parecer pelo não provimento do recurso, mantendo a exigência.


  
 

Número do processo: 1019834-60.2018.8.26.0577

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 231

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1019834-60.2018.8.26.0577

(231/2020-E)

Recurso Administrativo – Alteração de convenção de condomínio aprovada por 2/3 dos condôminos – Inclusão da proibição de locação ou ocupação das unidades por três ou mais estudantes com divisão de despesas, fixando prazo para a extinção de locações nessas condições vigentes – Exigência de aprovação unânime, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil, mantida pelo Juiz Corregedor – Recurso busca a averbação da alteração aprovada por 2/3 dos condôminos ou com a exclusão da alínea questionada, com pedido instauração de incidente de inconstitucionalidade – Arguição de incidente de inconstitucionalidade não conhecida – Competência do Órgão Especial limitada a declarações de inconstitucionalidade em processo judicial, não se aplicando a procedimentos administrativos voltado contra a negativa de registro, nos termos do art. 13, I do RITJSP – Incidente de inconstitucionalidade dirigido a atos normativos emitidos pelo Poder Público, não se aplicando a deliberações privadas, conforme art. 97 da Constituição Federal – Mérito – Mudança da convenção de condomínio que atinge o direito particular de fruição da unidade, restringindo as prerrogativas do art. 1.228 do Código Civil, caracterizando limitação particular ao livre uso da unidade – Eventual abuso no uso das unidades por locatários que pode ser sancionada de forma específica, nos termos dos arts. 1.336, IV e § 2º e 1.337 do Código Civil e do art. 19 da Lei n. 4.591/1964, não justificando no caso concreto a supressão de direitos inerentes à propriedade sem aprovação unânime dos condôminos – Exigência de aprovação da alteração estatutária de forma unânime mantida – Pedido recursal subsidiário de averbação da alteração com supressão da alínea questionada inviável – Alteração do título que exige aprovação pela assembleia condominial – Parecer pelo não provimento do recurso, mantendo a exigência.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

1. Trata-se de recurso administrativo interposto como apelação pelo Condomínio Edifício Turim, visando a reforma da sentença de primeiro grau que, em pedido de providências, julgou procedente a dúvida suscitada pela Oficiala do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de São José dos Campos, mantendo a exigência da aprovação unânime pelos condôminos em assembleia das alterações da convenção que limitam a fruição das unidades individuais, e afastando a exigência de autorização dos credores com garantia fiduciária estabelecida sobre algumas das unidades (fl. 276/277).

O recurso sustenta, em resumo, impossibilidade do reconhecimento pelo registrador da inconstitucionalidade da deliberação e a alteração pretendida exige aprovação de 2/3 dos condôminos. Afirma que a sentença não pode declarar a inconstitucionalidade da restrição ao direito de propriedade, e, alternativamente, requer a instauração de incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 13, d do Regimento Interno do Tribunal de Justiça. No mérito, afirma que a alteração caracteriza simples restrição ao direito de propriedade, não exigindo unanimidade para aprovação, e que a alteração não visa discriminar estudantes, mas sim resguardar os atuais moradores do comportamento antissocial que gere incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Sustenta a eficácia da convenção perante os condôminos, nos termos da Súmula 260 do Superior Tribunal de Justiça, com pedido subsidiário de averbação da convenção riscando-se a “alínea do artigo que trata da instituição de pensionato ou república” (fl. 287/292).

O recurso foi inicialmente remetido ao Conselho Superior da Magistratura (fl. 317).

A Procuradoria Geral da Justiça opinou pela incompetência do Conselho Superior da Magistratura, por se tratar de ato de averbação e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fl. 323/327).

Por decisão monocrática, reconheceu-se a incompetência do Conselho Superior da Magistratura, e o encaminhamento dos autos à Corregedoria Geral da Justiça (fl. 332/333).

É o relatório.

Passo a opinar.

2. Trata-se de apelação, recebida como recurso administrativo nos termos do art. 246 do Código Judiciário, pelo qual o condomínio recorrente busca reverter sentença que acolheu parcialmente a dúvida suscitada pelo oficial de registros, entendendo pela necessidade de aprovação unânime da alteração da convenção que proíbe a locação das unidades autônomas para mais de três estudantes, na forma de república ou pensionato.

A nota de devolução da Oficiala de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de São José dos Campos indicou, como motivos da recusa de averbação da alteração da convenção de condomínio e de seu regulamento geral, os seguintes:

“Pretende-se a inclusão das seguintes disposições:

Artigo 11 – Além das restrições legais e daquelas acima estipuladas, é terminantemente vedado aos condôminos ou pessoas que ocupem as unidades:

(…)

b) Instituir pensionato ou república, neste conceito incluído especialmente, mas não exclusivamente, a locação de unidade para três ou mais estudantes com a intenção de dividir despesas.

Artigo 37 – O pensionato ou república existente na data da aprovação desta Convenção poderá ser mantida pelo prazo máximo de 30 meses, salvo se, na hipótese de locação residencial, o contrato dispuser de prazo menor.

Em análise ao texto dos artigos acima, entendeu-se que a inclusão destas proibições requer a aprovação da unanimidade dos condôminos, uma vez que gera limitação ao direito de propriedade do condômino e altera a destinação inicial ‘livre’ dada aos apartamentos.

O artigo 37º ao permitir o pensionato ou república existente na data da aprovação da convenção pelo prazo máximo de 30 meses, tal dispositivo além de estar conflitante com o artigo 11º, alínea ‘b’ da convenção apresentada que veda tal instituição, o mesmo afronta as disposições do artigo 1.351 do Código Civil que dispõe: ‘…a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação da unanimidade dos condôminos.

A vedação aos condôminos ou pessoa que ocupem as unidades de instituir pensionato ou república a pessoas de unidades para três ou mais estudantes com a intenção de dividir despesas, são cláusulas abusivas e discriminatórias, afrontando o direito de propriedade constitucionalmente garantido aos condôminos, pois não cabe ao condomínio e sim ao proprietário da unidade decidir quanto a quem deve alugar sua propriedade, podendo gerar futuros prejuízos ao condomínio e aos condôminos das unidades autônomas, principais envolvidos na vida do condomínio, uma vez que os proprietários que se sentirem limitados poderão pleitear em juízo, com base no art. 187 do Código Civil, o reconhecimento do abuso e a anulação da convenção.” (fl. 75/76)

Indica a insuficiência da aprovação da alteração por 2/3 dos condôminos, sendo necessária a unanimidade (fl. 79).

3. Em primeiro plano, afasta-se a pretensão recursal de instauração de incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 13, I, d do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.

O pedido de providências caracteriza procedimento de natureza administrativa, limitando-se a competência do C. Órgão Especial para os incidentes de inconstitucionalidade em matéria jurisdicional. Bem por isto, tal competência é prevista no inciso I do art. 13 do Regimento Interno, que prevê a competência judicial do Órgão Especial, enquanto a competência administrativa tem suas matérias listadas no inciso II do mesmo dispositivo, não se observando ali a previsão do conhecimento de incidente de inconstitucionalidade em procedimento administrativo.

Além disto, a instauração do incidente de inconstitucionalidade dirige-se à apreciação de ato normativo do Poder Público em afronta ao texto constitucional, não se dirigindo a deliberações assembleares privadas. Não há, assim, que se falar em declaração de inconstitucionalidade em controle judicial concentrado de decisão tomada por órgão deliberativo de natureza privadas, mas apenas o reconhecimento de sua nulidade, ainda que por fundamento da ofensa ao texto constitucional.

O fato da decisão de primeiro grau afirmar ofensa à Constituição Federal como fundamento não se equipara à declaração de inconstitucionalidade de ato normativo emanado do Poder Público, afastando-se do procedimento desta última quanto à reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal).

Não conhecida, por tais fundamentos, a arguição de instauração do incidente de inconstitucionalidade.

4. Aprecio o mérito do recurso administrativo.

Por primeiro, observe-se que o objeto de apreciação neste procedimento não diz respeito à constitucionalidade ou não da alteração da convenção pretendida pelo condomínio recorrente. Limita-se tão somente à aferição da possibilidade da alteração da convenção do condomínio pretendida na forma que realizada, respeitando-se o princípio da legalidade. Não se ingressa, assim, no mérito quanto ao conteúdo da modificação buscada, mas apenas avalia-se sua legalidade quanto ao cumprimento do princípio da legalidade em relação aos quóruns necessários para a aprovação da modificação.

Então, a questão a se decidir, limitada a cognição administrativa decorrente do pedido de providências, é se a alteração da convenção de condomínio que impõe a restrição à locação de apartamentos do condomínio para mais de três estudantes que dividam despesas, na forma de pensionato ou república, caracteriza alteração sujeita ao quórum especial do art. 1.351 do Código Civil, que dispõe:

“Art. 1.351. Depende de aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende de aprovação pela unanimidade dos condôminos.”

A constituição de condomínio edilício traduz, aos proprietários, direitos comuns e particulares exercidos em relação ao imóvel, ora considerado em sua estrutura coletiva, composta de partes comuns no verdadeiro condomínio, ora considerado em seu direito particular e individual de propriedade sobre as unidades autônomas que o compõe (art. 1.331, § 1º do Código Civil).

Da aquisição de unidade autônoma em condomínio decorre, em relação ao proprietário, não só limitações no exercício de seu direito individual em respeito à propriedade comum e às regras de convivência social, mas também garantias de mantença das características essenciais da unidade individual, seja em seu aspecto físico, considerando a construção em si, seja em seu aspecto jurídico-econômico, considerando o exercício do direito de fruição, de gozo e de disposição previstos no art. 1.228 do Código Civil.

O adquirente de imóvel em condomínio edilício tem prévio conhecimento da convenção de condomínio, na qual se estabelecem as características do imóvel e seu uso, envolvendo não só as particularidades físicas, aí considerados os legítimos interesses econômicos que possam ter embasado a decisão de aquisição. Ou seja, aquilo que se pode fazer e aquilo que não se pode fazer da unidade autônoma devem estar previa e claramente previstas na convenção, pois interferem no exercício futuro das prerrogativas legais atribuídas ao proprietário pelo citado art. 1.228 do Código Civil.

Daí que alterações que venham a limitar ou proibir o livre uso ou a livre exploração econômica da unidade imobiliária, respeitadas normas cogentes e as limitações previamente fixadas na convenção de condomínio exigem, por expressa disposição da parte final do art. 1.351 do Código Civil, a concordância unânime dos condôminos. Não por se tratar de uma alteração simples da destinação do prédio ou da unidade, mas por significar alteração do direito de fruir de forma lícita da propriedade.

A limitação da exploração econômica da unidade, fixando-se para que categoria de pessoas o proprietário pode ou não locar sua unidade, ou que características ou qualidades tenham tais locatários ou, ainda, quantos são a contratar a locação, traduz uma alteração significativa do elemento econômico que compõe a propriedade como um todo e, por certo, presume-se que fora considerada na formação da vontade do adquirente da propriedade. Afinal, a aquisição de um imóvel em condomínio, por exemplo, em área com grande procura de estudantes, para fins de locação e utilização do bem como forma de investimento, traduz exercício legítimo constitucionalmente assegurado, não podendo as prerrogativas econômicas dos proprietários sobre tal bem ser alteradas por deliberação dos outros condôminos que, também ao adquirir suas unidades, aceitaram as regras fixadas para tal exploração.

Não se trata, assim, de mera regulação do uso da propriedade individual em benefício da coletividade condominial, posto que produz interferência significativa na fruição interna da propriedade exclusiva.

E, por isto, sua alteração exige a concordância unânime dos condôminos, nos termos do art. 1.351, parte final do Código Civil.

Concretamente, observar-se que o art. 10, a da atual convenção de condomínio prevê o direito de o condômino utilizar a unidade de acordo com a finalidade do prédio, no caso, residencial (fl. 94). E por uso residencial há de se entender, em favor do proprietário, o direito de locar o imóvel a quem quer que seja, conforme lhe autoriza o art. 1.335, I do Código Civil.

Embora o art. 35 da convenção registrada autorize a modificação da mesma pelo voto de 2/3 dos condôminos, a previsão não pode prevalecer sobre a regra do art. 1.351, do Código Civil, com natureza de norma cogente. Não há, portanto, como se registrar a alteração da convenção que não atenda o requisito legal.

Nem o argumento contido nas razões de recurso, no sentido da mudança se justificar na tentativa de evitar comportamentos antissociais de estudantes locatários, autoriza a alteração sem a unanimidade dos condôminos. Eventual comportamento que caracterize infração às normas legais e convencionais a respeito da civilidade, da segurança, do sossego, dentre outros, resolve-se no âmbito do poder disciplinar do condomínio como coletividade, fundamentado não só na convenção, mas também no regulamento interno e nas disposições específicas do Código Civil (art. 1.336, IV e seu § 2º e art. 1.337, ambos do Código Civil; art. 19 da Lei n. 4.591/1964).

Desta forma, eventual uso abusivo ou ilícito da unidade individual sujeita-se, por normas legais expressas, a sanções genéricas da lei e específicas da convenção e regulamento. Não se justifica a limitação do exercício da propriedade plena como mecanismo para se impedir condutas que a própria lei veda. A lei autoriza que se puna quem utiliza de forma abusiva da unidade imobiliária; não a limitação a usos legítimos deferidos também pela lei ao proprietário, salvo se todos os condôminos concordarem com a restrição posterior à instituição do condomínio.

Por fim, impossível o acolhimento do pedido subsidiário contido no recurso de ingresso do título com exclusão da alínea da convenção questionada pela registradora.

Tratando-se o título de ata de assembleia geral, impossível seu registro com qualquer alteração que não provenha de deliberação válida dos proprietários, em nova assembleia regular, não se admitindo alteração, ainda que por simples supressão, por ato do síndico ou do registrador imobiliário.

Desta forma, sem a alteração do estatuto pela própria assembleia de condôminos, impossível a averbação do título com qualquer modificação.

5. Por tais fundamentos, o parecer que apresentado à elevada consideração de Vossa Excelência, é pelo conhecimento da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário, e, no mérito, pelo não provimento do recurso.

Sub censura,

São Paulo, 12 de junho de 2020

PAULO ROGÉRIO BONINI

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário, e a ele nego provimento. São Paulo, 17 de junho de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: EVELYN REUSING, OAB/SP 68.955.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.06.2020

Decisão reproduzida na página 065 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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