CSM/SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome do casal divorciado – Regime da comunhão de bens – Divórcio não averbado – Partilha não registrada – Posterior acordo, em ação de execução de alimentos, de dação em pagamento pelo ex-marido em favor da ex-esposa – Carta de sentença qualificada negativamente – Exigência de prévia partilha do imóvel comum – Mancomunhão – Não configuração da propriedade em condomínio apenas em razão do divórcio, sequer averbado na matrícula – Violação ao princípio da continuidade registral – Necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Pedido de cindibilidade do título para registro apenas da aquisição do terreno que não dispensa a prova de pagamento do ITBI – Dúvida julgada procedente – Nega-se provimento à apelação.


  
 

Apelação n° 1019196-32.2020.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1019196-32.2020.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1019196-32.2020.8.26.0100

Registro: 2020.0000785372

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019196-32.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EVANDRO RICHARD ROLAND SILVA, é apelado 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 11 de setembro de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1019196-32.2020.8.26.0100

Apelante: Evandro Richard Roland Silva

Apelado: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.226

Dúvida – Registro de Imóveis – Imóvel registrado em nome do casal divorciado – Regime da comunhão de bens – Divórcio não averbado – Partilha não registrada – Posterior acordo, em ação de execução de alimentos, de dação em pagamento pelo ex-marido em favor da ex-esposa – Carta de sentença qualificada negativamente – Exigência de prévia partilha do imóvel comum – Mancomunhão – Não configuração da propriedade em condomínio apenas em razão do divórcio, sequer averbado na matrícula – Violação ao princípio da continuidade registral – Necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Pedido de cindibilidade do título para registro apenas da aquisição do terreno que não dispensa a prova de pagamento do ITBI – Dúvida julgada procedente – Nega-se provimento à apelação.

1. Trata-se de apelação interposta por Evandro Richard Roland Silva, na qualidade de inventariante dos bens deixados por Teresa Roland Silvacontra a sentença que manteve a recusa de registro de carta de sentença expedida nos autos da ação de execução de alimentos (Processo nº 0013563-49.2000.8.26.0006), que tramitou perante a 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional VI – Penha de França, Comarca da Capital, em que figuravam como partes a falecida e Walter José da Silva, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 6.837 junto ao 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (fl. 209/214).

Alega o apelante, em síntese, que na ação de divórcio constou que o imóvel em questão seria objeto de partilha posterior. Assim, cessada a mancomunhão e passando o imóvel ao estado de condomínio, não haveria óbice à sua negociação pelos coproprietários. Acrescenta que, uma vez averbado o divórcio do casal junto à matrícula do imóvel e respeitada a divisão igualitária do bem, mostra-se cabível o registro da dação em pagamento da metade ideal pertencente ao coproprietário Walter em favor de Teresa, que passou, então, a ser sua única proprietária, sem que isso pudesse configurar ofensa ao princípio da continuidade registral. Sustenta, por fim, a possibilidade de cindibilidade do título, o que afasta a necessidade de recolhimento do ITBI, nesse momento.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fl. 255/259).

É o relatório.

2. Pretende o apelante o registro de carta de sentença expedida nos autos da ação de execução de alimentos (Processo nº 0013563-49.2000.8.26.0006), que tramitou perante a 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional VI Penha de França, em que figuravam como partes Teresa Roland Silva e Walter José da Silva, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 6.837 junto ao 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.

Os títulos judiciais, cumpre lembrar, não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. E a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial. No exercício desse dever, o Oficial encontrou óbices ao registro da carta de sentença que foi apresentada pelo apelante, emitindo Nota de Devolução (fl. 12) em que exigida a apresentação de “escritura com partilha de bens, em atendimento ao princípio da continuidade de disponibilidade”, pois os titulares de domínio são casados sob o regime da comunhão universal de bens, antes da Lei nº 6.015/73, configurando o estado de mancomunhão. Ainda, a despeito do pedido de cindibilidade do título, foi exigida a apresentação de “guia ITBI referente ao ato a ser praticado, em observância ao artigo 239 da Lei nº 6.015/73”.

O casamento entre Walter José Silva e Teresa Roland Silva ocorreu em 16.07.1970, sob o regime da comunhão de bens (fl. 131). Segundo o R. 1 da matrícula nº 6.837, o imóvel foi por eles adquirido em 12.11.1976, sem que, até o presente momento, tenha sido averbado o divórcio e registrada a partilha de bens do casal.

Não é possível, portanto, a alienação de parte ideal do imóvel por quem não ostenta a condição de proprietário exclusivo de parte ideal, mas sim, de comunheiro por força do regime de bens do casamento. Na falta da partilha a situação jurídica do imóvel é de mancomunhão, não de condomínio.

Em outras palavras, inexistindo na matrícula o registro da partilha e, por consequência, da atribuição da propriedade a cada um dos cônjuges, persiste a propriedade em comunhão em relação à totalidade do bem. Sobre o tema, os ensinamentos de Maria Berenice Dias (Manual das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, e-book, 2017):

“Quer no casamento, quer na união estável, quando o regime do casamento prevê a comunhão do patrimônio adquirido durante o período de convívio, os bens pertencem a ambos em partes iguais. A presunção é que foram adquiridos pela comunhão de esforços para amealhá-los. Cada um é titular da metade e tem direito à meação de cada um dos bens. Esta copropriedade recebe o nome de mancomunhão, expressão corrente na doutrina, que, no entanto, não dispõe de previsão legal. É o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Nada mais significa do que propriedade em “mão comum”, ou seja, pertencente a ambos os cônjuges ou companheiros. Tal figura distingue-se do condomínio: quando o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observada a preferência do outro (CC 1.314 e seguintes).”

O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão – e o respectivo registro – porque, ausente a partilha, não há atribuição da titularidade da propriedade aos ex-cônjuges. Logo, o registro da dação em pagamento configuraria violação ao princípio da continuidade, por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade ante a falta de extinção da comunhão decorrente do regime de bens, que persiste mesmo diante da dissolução da sociedade conjugal.

A propósito, assim dispõe o art. 195 da Lei nº 6.015/1973:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

De acordo com referido dispositivo legal, que cuida do princípio da continuidade registral, para que o título ingresse no fólio real é preciso que esteja amparado no registro anterior, tanto em seus aspectos subjetivos como objetivos.

No modo apresentado, pois, o título não preenche o requisito da continuidade, que é essencial para o seu registro. A respeito, esclarece Afrânio de Carvalho: “O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (“Registro de Imóveis”, 4ª edição, 1998, Ed. Forense, p. 253). INR

Há precedentes deste Conselho Superior da Magistratura, exigindo o prévio registro da partilha para atos de disposição do comunheiro:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de pessoas casadas – Escritura de compra e venda celebrada somente pela mulher na condição de divorciada – Necessidade do prévio registro da partilha do imóvel havida na ação de divórcio –  Princípio da Continuidade – Além disso, inscrição de várias ordens de indisponibilidade sem indicação expressa de envolver a totalidade ou metade do imóvel – Impossibilidade da consideração de situações jurídicas não inscritas no registro imobiliário – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1000237-38.2018.8.26.0664; Relator(a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Votuporanga – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/11/2018; Data de Registro: 22/11/2018).

“DIVÓRCIO CONSENSUAL SEM PARTILHA DE BENS. BEM IMÓVEL EM MANCOMUNHÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO ANTES DA PARTILHA POR NÃO CONFIGURADA PROPRIEDADE EM CONDOMÍNIO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE. INVIABILIDADE DO REGISTRO DA DOAÇÃO DA METADE IDEAL REALIZADA POR UM DOS ANTIGOS CÔNJUGES PENA DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE RECURSO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1041937-03.2019.8.26.0100; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 01/11/2019; Data de Registro: 07/11/2019).

E mais recentemente:

“DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade –  Exigência mantida – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1012042-66.2019.8.26.0562; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santos – 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/03/2020; Data de Registro: 24/03/2020).

Desta forma, até que haja partilha dos bens do casal e seu registro, identificando e atribuindo a propriedade exclusiva sobre a parte ideal a ser disposta, não há como ingressar no registro o título de transmissão decorrente da manifestação de vontade de somente um dos comunheiros, ainda que a adquirente seja a ex-cônjuge e também comunheira sobre o bem.

No mais, é dever do Oficial de Registro de Imóveis a fiscalização do pagamento dos impostos devidos em razão dos títulos apresentados para registro em sentido amplo, pena de responsabilidade solidária de forma subsidiária. Nesse sentido, dispõem o art. 289 da Lei de Registros Públicos e art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional:

“LRP. Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.”

“CTN. Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…)

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;”

Assim, correta também a exigência de prova de pagamento do ITBI devido para a prática do ato pretendido, pois o pedido de cindibilidade do título para registro apenas da aquisição do terreno não desobriga o recolhimento do valor do tributo.

3. Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 17.11.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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