Recurso Especial – Dissolução da união estável – Sobrepartilha de bens – Saldo do FGTS e verbas rescisórias – Comunicabilidade – Precedente da Segunda Seção – Recurso especial provido.


  
 

RECURSO ESPECIAL Nº 1896600 – SC (2020/0245371-3)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : P C F

ADVOGADO : ANDREA JOANA ATHANASIO BORBA BUSCH – SC031166

RECORRIDO : M G R

RECORRIDO : M F

ADVOGADOS : FERNANDO LUZ DA GAMA LOBO D’EÇA – SC015329

LUIZ FERNANDO CURCIO – SC044174

DANIELA GOULART MATOS – SC039655

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL. SOBREPARTILHA DE BENS. SALDO DO FGTS E VERBAS RESCISÓRIAS. COMUNICABILIDADE. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

DECISÃO 

Trata-se de recurso especial apresentado por P.C.F., com base no art. 105, III, c, da Constituição Federal, desafiando acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 265):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SOBREPARTILHA EM DIVÓRCIO AJUIZADA PELO EX-MARIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA REQUERIDA. PRETENDIDA A REFORMA DA SENTENÇA QUE DETERMINOU A INCLUSÃO DO SALDO DO FGTS E VERBAS RESCISÓRIAS DE TITULARIDADE DA EX -ESPOSA NA PARTILHA DE BENS. SUBSISTÊNCIA. CASAMENTO COMUNHÃO CONTRAÍDO SOB O REGIME DA PARCIAL DE BENS. NUMERÁRIO CORRESPONDENTE A DIREITO ADQUIRIDO APÓS O DIVÓRCIO. INCOMUNICABILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. “Viável a partilha do saldo do FGTS de qualquer dos cônjuges, comunhão quando percebido e sacado provado no que curso da de bens. No caso, o saldo permaneceu em depósito até o término da comunhão e não foi investido na sociedade conjugal, não falar em partilha do numerário”. (TJRS, Apelação Cível n° 70074267535, Oitava Câmara Cível, rel. Des. Rui Portanova, Julgado em 14/09/2017). REFORMA DA SENTENÇA. INVERSÃO DOS ONUS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA EM FAVOR DO PATRONO DA RÉ, NOS TERMOS DO ARTIGO 85, §2°, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.EXIGIBILIDADE SUSPENSA A TEOR DO ART. 98, §3° DO CPC. HONORÁRIOS RECURSAIS DESCABIDOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO

Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 277-288), o insurgente aponta divergência jurisprudencial quanto à partilha dos valores correspondentes ao FGTS e às verbas rescisórias, ainda que recebidos após a dissolução do casamento.

Contra-arrazoado o feito (e-STJ, fls. 293-299), o recurso foi admitido na origem (e-STJ, fls. 302-304), ascendendo os autos a esta Corte Superior.

Brevemente relatado, decido.

De início, é importante salientar que o presente recurso foi interposto contra decisão publicada já na vigência do Novo Código de Processo Civil, de maneira que é aplicável ao caso o Enunciado Administrativo n. 3 do Plenário do STJ, segundo o qual: “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”.

No tocante à partilha do saldo do FGTS, observa-se que o acórdão recorrido foi fundamentado nos seguintes termos (e-STJ, fl. 272):

Portanto, tendo as partes contraído matrimônio em 24-10-1992 e se separado de fato em junho de 2012, não há que se falar em direito à partilha do saldo do FGTS e das verbas rescisórias cujo fato gerador surgiu após o divórcio das partes, porquanto recebidos por ocasião de seu desligamento da empresa em 14-5-2014, haja vista que referido numerário corresponde a direito adquirido fora da vigência do matrimônio, e, em sendo assim, não integra o acervo patrimonial partilhável.

Entretanto, o referido entendimento diverge da jurisprudência do STJ, firmada no sentido de que os depósitos vinculados à conta do FGTS e as verbas trabalhistas auferidos durante a sociedade conjugal pertencem à “massa de bens comum do casal”, devendo ser partilhados de forma igualitária à época de sua dissolução, ainda que o saque não seja realizado imediatamente após a separação do casal.

A propósito, confira-se o seguinte julgado da Segunda Seção deste Tribunal:

RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. DOAÇÃO FEITA A UM DOS CÔNJUGES. INCOMUNICABILIDADE. FGTS. NATUREZA JURÍDICA. PROVENTOS DO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. COMPOSIÇÃO DA MEAÇÃO. SAQUE DIFERIDO. RESERVA EM CONTA VINCULADA ESPECÍFICA.

1. No regime de comunhão parcial, o bem adquirido pela mulher com o produto auferido mediante a alienação do patrimônio herdado de seu pai não se inclui na comunhão. Precedentes.

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 709.212/DF, debateu a natureza jurídica do FGTS, oportunidade em que afirmou se tratar de “direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um pecúlio permanente, que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1995)”. (ARE 709212, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, DJe-032 DIVULG 18-02– 2015 PUBLIC 19-02-2015)

3. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Egrégia Terceira Turma enfrentou a questão, estabelecendo que o FGTS é “direito social dos trabalhadores urbanos e rurais”, constituindo, pois, fruto civil do trabalho. (REsp 848.660/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 13/05/2011).

4. O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não.

5. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal.

6. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário.

7. No caso sob exame, entretanto, no tocante aos valores sacados do FGTS, que compuseram o pagamento do imóvel, estes se referem a depósitos anteriores ao casamento, matéria sobre a qual não controvertem as partes.

8. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1.399.199/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, DJe 22/04/2016)

Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença e determinar a sobrepartilha dos valores de FGTS e verbas rescisórias auferidos pela recorrida na constância do casamento à luz do entendimento do STJ.

Publique-se.

Brasília, 29 de outubro de 2020.

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.896.600 – Santa Catarina – 3ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJ 03.11.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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