1VRP/SP:  O bem objeto de alienação fiduciária não encontra-se no patrimônio do devedor até quitação da dívida firmada entre as partes. Assim, mostra-se equivocado impedir a consolidação da propriedade outrora resolúvel em definitivo em favor do credor sob o argumento de existir ordem de indisponibilidade. Deverá o Oficial, após a averbação da consolidação da propriedade, comunicar o juízo que determinou a indisponibilidade dos direitos de aquisição.


  
 

Processo 1092893-86.2020.8.26.0100

Pedido de Providências – Petição intermediária – TS-8 Participações Ltda. – Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado por TS-8 Participações LTDA em face do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital pretendendo, na qualidade de credora fiduciária, a averbação da consolidação da propriedade e expedição das certidões atualizadas das matrículas nºs 217.894 e 218.075. A negativa para efetivação do ato registrário refere-se à existência de ordem de indisponibilidade sobre os direitos do devedor fiduciante, expedida pelo MMº Juízo da 67ª Vara do Trabalho da Capital (processo nº 10003719420195020067). Insurge-se a requerente, sob o argumento de que a indisponibilidade não atinge a alienação fiduciária que recai sobre os imóveis, vez que se limita tão somente aos direitos que o devedor fiduciante possui sobre eles, logo não abrange a propriedade em si. Salienta que o devedor fiduciante guarda apenas o direito do retorno à propriedade do bem em caso de quitação ou ao saldo residual decorrente de leilão, razão pela qual a indisponibilidade recai apenas aos direitos que o devedor possui em relação aos imóveis. Juntou documentos às fls.06/305 e 308/335. O Registrador manifestou-se às fls.340/342. Aduz que em virtude da ordem de indisponibilidade expedida pelo MMº Juízo da 67ª Vara do Trabalho da Capital, deverá a requerente apresentar mandado ou ofício judicial determinando o cancelamento da restrição. Apresentou documentos às fls.343/353. O Ministério Público opinou pela procedência do pedido (fls. 356/357). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Ressalto que recentemente este Juízo teve oportunidade de analisar e decidir questão idêntica a este procedimento nos autos nº 1117050-60.2019.8.26.0100. Entendo que a modificação dos julgados pelos Tribunais Superiores e a evolução do instituto da alienação fiduciária permitem que se averbe a consolidação na forma pleiteada. A Lei nº 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências, nos seguintes termos: “Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. (…) Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título. Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. (…) Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel. (…) Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidarse-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. (g.n) § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação. (…) § 7o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio” Neste contexto, a alienação fiduciária de bem imóvel em garantia, conforme o art. 22 da Lei nº 9.514/97, é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Ao devedor é conferida a posse direta sobre a coisa. O devedor fiduciante detém uma expectativa de direito, ou seja, adimplindo as prestações, passará a exercer o domínio sobre o imóvel. Coaduno com o entendimento da requerente no aspecto de que a indisponibilidade, que grava matrícula do imóvel em nome do devedor, recai somente sobre a possibilidade daquele que teve os bens constritos de dispor. Como o fiduciante detém apenas a expectativa de direito e não a propriedade do bem em si, consequentemente já não poderia dele dispor. O entendimento de que a indisponibilidade na matrícula obsta a consolidação da propriedade vai de encontro ao conceito do próprio instituto da alienação fiduciária, pois não há como a indisponibilidade recair sobre o próprio bem se o devedor não detém a propriedade plena do imóvel. Logo, é incabível que tal gravame se estenda ao credor fiduciário e até mesmo aos demais credores que buscam no patrimônio do devedor a satisfação de suas obrigações. Além disso, ainda que se considere que a indisponibilidade não recai sobre o bem, mas sobre os direitos do devedor, na prática a indisponibilidade impede qualquer ato sobre os direitos do credor sobre o imóvel, como se vê no caso em tela, e a consolidação da propriedade não parece representar alienação dos direitos de aquisição, que feriria a indisponibilidade dos direitos de aquisição, já que não há ato de vontade do fiduciante nem mesmo transferência dos direitos, mas sim sua extinção por inadimplemento, com a consolidação da propriedade em favor do credor. Impedir a consolidação da propriedade importa em deixar o bem indisponível tanto ao fiduciante quanto ao fiduciário por dívida do primeiro com terceiro, criando verdadeira preferência de crédito em prejuízo do fiduciário, já que este não pode executar sua garantia enquanto não levantada a indisponibilidade. Como complementação, confira-se recente julgado proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça: “Agravo de Instrumento Decisão que indeferiu o levantamento de indisponibilidade sobre bem imóvel alienado fiduciariamente – Impossibilidade – Alienação fiduciária anterior à citação do devedor na ação civil pública, bem como, à determinação de indisponibilidade – Ausência de comprovação da má-fé – Constrição que deve recair sobre os direitos derivados da alienação fiduciária – Decisão reformada Recurso provido. (Agravo de Instrumento nº 2033445-14.2019.8.26.0000, Comarca: Ubatuba, Agravante: BANCO TRICURY S.A. Agravado: MUNICÍPIO DE UBATUBA, Rel: Drº Jefferson Moreira de Carvalho). Nesta linha, é do credor fiduciário a propriedade do bem gravado em alienação fiduciária, detendo posse indireta sobre ele. O devedor fiduciário tem a posse direta, mas domínio resolúvel. A alienação fiduciária em garantia expressa negócio jurídico em que o adquirente de um bem transfere, sob condição resolutiva, ao credor que financia a dívida, o domínio do bem adquirido. Permanece, apenas, com a posse direta. Em ocorrendo inadimplência do financiado, consolida-se a propriedade resolúvel. Portanto, o bem objeto de alienação fiduciária, que passa a pertencer à esfera patrimonial do credor fiduciário, não pode ser objeto de penhora para garantia de dívida em ação movida contra o devedor fiduciário, que já não detém o domínio da coisa. A jurisprudência, inclusive dos Tribunais superiores, é uníssona em permitir a incidência de penhora sobre os direitos do executado relativamente ao imóvel gravado com alienação fiduciária em garantia, mas não sobre o bem imóvel em si, já que, como dito, a credora fiduciária detém a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem, enquanto o devedor fiduciante detém a sua posse direta. No presente caso em concreto, o registro da indisponibilidade foi posterior à alienação fiduciária, bem como, não se verificam, ao menos neste momento processual, a prova da má-fé do terceiro adquirente. Assim, indevida a ordem de indisponibilidade do bem, devendo ser reformada a decisão agravada, para que seja levantada tal determinação.” Neste sentido: EMBARGOS DE TERCEIRO PENHORA SOBRE IMÓVEL GRAVADO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA Bem imóvel objeto de alienação fiduciária, que passa a pertencer à esfera patrimonial do credor fiduciário, não pode ser objeto de penhora no processo de execução, porquanto o domínio da coisa já não pertence ao executado, mas a um terceiro, alheio à relação jurídica. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZAÇÃO Bem adquirido pela embargante após o ajuizamento da ação e da citação, porém, antes do registro da constrição da matrícula correspondente Ausência de averbação imobiliária de gravame que onerava o bem alienado Presunção de boa-fé que milita em favor do adquirente, que não tinha conhecimento da existência da demanda capaz de levar os alienantes ao estado de insolvência Boa-fé não elidida Necessidade de prova de má-fé do terceiro, ônus do qual a Fazenda Estadual não se desincumbiu Súmula 275 do Superior Tribunal de Justiça. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Leonel Costa, Apelação nº 0001493-72.2015.8.26.0103, j. 13/12/2017). AGRAVO DE INSTRUMENTO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DESPESAS CONDOMINIAIS COBRANÇA Indeferimento do pedido de desconstituição de penhora incidente sobre o próprio bem, o qual é objeto de alienação fiduciária em garantia em favor da instituição financeira agravante Conforme entendimento jurisprudencial a penhora deve recair sobre os direitos que o executado possui sobre o bem, e não sobre o próprio bem que originou a dívida condominial – Recurso provido. (TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Claudio Hamilton, Agravo de Instrumento nº 2025585-59.2019.8.26.0000, j. 25/04/2019). … Diante disso, merece reforma da decisão agravada para determinar o levantamento da indisponibilidade sobre o bem, devendo a constrição recair sobre os direitos derivados de alienação fiduciária em garantia.” Destaco que em sede recursal a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, corroborou os argumentos acima expostos: “Pedido de providência – alienação fiduciária em garantia – pedido de consolidação da propriedade pelo credor existência de ordem judicial de indisponibilidade de bens que recaiu sobre o devedor – inexistência de obstáculo, pois a indisponibilidade recai sobre os direitos do fiduciante – Recurso conhecido mas não provido.” (Alberto Gentil de Almeida Pedroso Juiz Assessor da Corregedoria, DJE 11.05.2020). Confira-se do corpo do Acórdão: “O bem objeto de alienação fiduciária não encontra-se no patrimônio do devedor até quitação da dívida firmada entre as partes. Assim, mostra-se equivocado impedir a consolidação da propriedade outrora resolúvel em definitivo em favor do credor sob o argumento de existir ordem de indisponibilidade. A ordem de indisponibilidade deve atingir, salvo decisão judicial especifica de afetação, patrimônio imobiliário indistinto, assim como direitos sobre imóveis indistintos (art. 2º, Prov. Nº 3/2014) do Devedor”. Ressalto que a averbação da consolidação da propriedade não trará como consequência o cancelamento automático da ordem de indisponibilidade emanada do MMº Juízo da 67ª Vara do Trabalho da Capital nos autos nº 10003719420195020067, devendo o credor fiduciário formular o pedido de cancelamento do gravame junto ao mencionado Juízo. Sem prejuízo, da mesma forma que o Oficial deve comunicar o juízo das penhoras quando o bem é arrematado judicialmente devido a outra penhora existente na matrícula, deverá o Oficial, após a averbação da consolidação da propriedade, comunicar o juízo que determinou a indisponibilidade dos direitos de aquisição. Diante do exposto, julgo procedente o pedido de providências formulado por TS-8 Participações LTDA, em face do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, e consequentemente determino a averbação da consolidação da propriedade e expedição das certidões atualizadas das matrículas nºs 217.894 e 218.075. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: CHRISTIAN GARCIA VIEIRA (OAB 168814/SP) (DJe de 22.10.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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